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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE ARTES VISUAIS


BACHARELADO EM HISTÓRIA DA ARTE
Disciplina: Arte e Moda (ART02297)
Professora: Joana Bosak
Alune: Natália Meneguzzi. Matrícula: 00276383

Resenha crítica comparativa, sobre Notebook on Cities and Clothes (Wim


Wenders) e O casaco de Marx: roupas, memória, dor (Peter Stallybrass)

Ernst Wilhelm Wenders, Wim Wenders, é um cineasta alemão conhecido por


trabalhar com uma abordagem bastante eclética em sua produção, ecletismo que
vem já desde a sua formação1. Nascido em Düsseldorf, em 1945, Wim Wenders
participou de um movimento intitulado Novo Cinema Alemão 2, ocorrido nas décadas
de 60 e 70, que proclamava uma ruptura com o modo convencional de se fazer
cinema. A participação do cineasta neste movimento impactou, em muito, toda a sua
futura produção, já que desde esse período Wenders tem trabalhado com temas que
envolvem tempo, memória, esquecimento e diferentes modos de retratar a realidade,
abordagem que veremos em Notebook on Cities and Clothes, de 1989.3
Partindo sempre da narrativa em primeira pessoa, no documentário Notebook on
Cities and Clothes (traduzido para o português como A identidade de nós mesmos),
Wim Wenders entra em contato com um novo objeto de estudo, até então bastante
distante do cineasta: o mundo da moda. Assim, Wenders aproxima-se deste novo
tema e estuda complexas relações entre moda, arquitetura, tecnologia e seu próprio
processo de aproximação e mergulho em um novo objeto de estudo, trabalhando
com uma espécie de metalinguagem cinematográfica.
1 Na universidade, estudou física, mudou seu curso para filosofia, terminando seus estudos em 1965,
mas acabou mudando-se para Paris, em 1966, para virar pintor. Encantado também por cinema,
tentou ingressar na Escola Nacional de Cinema na França, mas não foi aceito, e como alternativa, se
tornou gravurista. Aficionado por filmes, voltou à Alemanha, onde conseguiu entrar para a
Universidade de Televisão e Cinema de Munique.
Fonte: https://www.papodecinema.com.br/artistas/wim-wenders/
2 O Novo Cinema Alemão é um movimento que cobriu o período de 1962 a 1982, em que surgiu uma
nova geração de diretores talentosos trabalhando com orçamentos baixos e mesclando influências do
Neo Realismo italiano, da Nouvelle Vague francesa e da New Wave britânica.
Fonte:https://cinemaemfoco.com/o-novo-cinema-alemao-um-movimento-talentoso-inovador-e-com-
uma-estetica-revigorante/
3 Em 1989, ano em que exerceu a presidência do Júri do Festival de Cannes, Wim Wenders recebeu
do Centro Georges Pompidou a encomenda de um filme a ser elaborado no contexto da moda, até
então completamente estranho ao cineasta. Em resultado, foi produzido o documentário de longa-
metragem sobre o estilista japonês Yohji Yamamoto, então radicado em Paris, realizado em tom de
levantamento etnográfico. A indústria francesa se achava empenhada em valorizar determinados
designers que produziam em Paris e promovê-los à condição de "autores", como os poetas, músicos
ou cineastas. Fonte: http://programacinemafalado.blogspot.com/2010/10/vale-pena-rever-o-
documentario.html
Talvez justamente por essa distância inicial do objeto, é que o cineasta consegue
atingir camadas de análise tão interessantes. Um bom exemplo disso está logo na
primeira cena do documentário, onde Wim Wenders questiona o conceito de
identidade no mundo de hoje, ao colocar que a própria identidade está fora de moda,
enquanto a moda está sempre na moda. Já fazendo um paralelo entre o seu próprio
campo de estudo, o cinema, e o objeto foco no documentário, a moda, ele instiga o
espectador a pensar no lugar da originalidade frente a uma sociedade tecnológica,
onde tudo é copiado/reproduzido/multiplicado o tempo todo, e analisa o seu próprio
papel, enquanto cineasta, de retratar esse contexto.
A partir da reflexão (e bomba!) inicial, partimos para o encontro do cineasta com o
estilista Yohji Yamamoto4, em Tóquio. Acompanhando este encontro-entrevista, nós,
espectadores, somos convidados a pensar sobre a memória afetiva envolta no ato
de se vestir. Yamamoto fala muito sobre o ato de vestir a realidade, e aprofunda a
relação entre moda/identidade ao dizer que aquela roupa é você, a partir do
momento em que você escolhe como se apresentar ao mundo.
Yohji Yamamoto nos mostra, também, o seu processo criativo ao criar uma nova
peça. Além das cenas (maravilhosas) de sua equipe trabalhando em tecidos, cortes
e montagem, um momento bastante especial do documentário é quando o estilista
nos mostra um álbum de fotos antigas e começa a divagar sobre não só o que a
veste de cada figura mostra sobre todo um contexto histórico no qual ela viveu,
como também sobre como a moda não se restringe apenas às vestes, mas também
é constituída de rostos, olhares e sensações.
O livro O casaco de Marx: roupas, memória, dor, de Peter Stallybrass, tem vários
diálogos em comum com o filme de Wim Wenders, ainda que traga outras
particularidades. O autor é professor de Inglês e Literatura da Universidade da
Pensilvânia e estuda Karl Marx em diferentes esferas, o que o leva, assim como
Wenders, a uma abordagem interdisciplinar para analisar um objeto de estudo, até
então, distante.
Stallybrass divide o conteúdo do livro em três ensaios: 1º - A vida social das coisas:
roupas, memória, dor, 2º - O casaco de Marx e 3º - O mistério do caminhar. O
primeiro ensaio, no qual vou me aprofundar mais para realizar essa análise
comparativa, tem uma narrativa que parte de um relato bastante pessoal do autor,
que, ao vestir o casaco de um amigo falecido, é tocado profundamente por todas as
memórias envoltas nele.
Partindo desta ação, a de incorporar uma jaqueta de beisebol do amigo falecido,
Stallybrass divaga sobre não só a relação vida/morte/memória, mas também sobre
as relações identitárias que implicam o ato de vestir-se. Ao dizer que as roupas
ganharam tamanha dimensão na sociedade contemporânea que, hoje, são as
roupas que vestem os seus próprios nus, ele inicia uma reflexão que vai seguir
desenvolvendo nos ensaios seguintes, sobre a força que as vestimentas têm como
4 Yohji Yamamoto é um estilista japonês que nasceu no dia 3 de outubro de 1943, em Tóquio. Sua
cor favorita para roupa é o preto, preferência que se fica a dever ao facto da sua mãe, que era
costureira, andar sempre vestida de luto, em memória do pai de Yamamoto, que morreu em combate,
durante a Segunda Guerra Mundial. Fonte: https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$yohji-yamamoto
objetos onde imprimimos as nossas próprias marcas, mas também sobre toda a
memória e dor que estas incorporam a partir das nossas próprias vivências, já que
[...] ao pensar nas roupas como modas passageiras, nós expressamos apenas uma
meia-verdade. Os corpos vêm e vão: as roupas que
receberam esses corpos sobrevivem (p. 10).
Importante ressaltar que, diferentemente de Wenders em Notebook on Cities and
Clothes, Stallybrass fala aqui sobre roupas, mas não exatamente sobre moda. Ou
seja, é uma abordagem muito mais centrada em um objeto como valor de troca, do
que em um conjunto, ou em sua carga processual. Ao mesmo tempo, ao pensarmos
que a moda pode constituir-se, também, de diversas camadas de subjetividade, das
quais fala Peter Stallybrass a partir de uma única peça de roupa, o autor acaba, ao
meu ver, falando tanto sobre moda quanto Wim Wenders fala, mas num sentido
mais expandido do que pode significar o termo moda.
Tanto o filme quanto o texto, portanto, me fizeram pensar sobre a expansão do que
eu entendia, até então, como moda. A partir desse entrecruzamento entre diferentes
áreas e com a inserção das próprias subjetividades dos autores nos referidos
trabalhos, ambos também me instigaram a buscar, além disso, novos modos de
adentrar em um objeto de estudo. Estar sempre aberto ao imprevisível, e despir-se
de pré-conceitos que podem bloquear novos caminhos, são dois dos maiores
ensinamentos que entrar em contato com essas duas obras, tão diferentes e tão
parecidas entre si, surpreendentemente me trouxe.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Filme: NOTEBOOK ON CITIES AND CLOTHES, 1989. Alemanha Ocidental. Direção: Wim Wenders

STALLYBRASS, Peter. O casaco de Marx: roupas, memória, dor. Belo Horizonte, Autêntica Editora,
2008, 3ª edição, 112 páginas. Tradução de Tomaz Tadeu

https://www.papodecinema.com.br/artistas/wim-wenders/
https://cinemaemfoco.com/o-novo-cinema-alemao-um-movimento-talentoso-inovador-e-com-uma-
estetica-revigorante/
https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$yohji-yamamoto

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