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Universidade Federal de São Paulo

Campus Baixada Santista

Trabalho de Conclusão de Curso

A concepção especular em Jacques Lacan e Donald Winnicott: imagens distintas

Estudante: Manuela Oliveira Legramanti da Costa

Orientador: Sidnei José Casetto

Santos

2016
MANUELA OLIVEIRA LEGRAMANTI DA COSTA

A concepção especular em Jacques Lacan e Donald Winnicott: imagens distintas

Trabalho de conclusão de curso apresentado


junto ao curso de Psicologia da
Universidade Federal de São Paulo –
campus Baixada Santista, como requisito à
obtenção do título de Bacharel.

Orientador: Sidnei José Casetto.

Santos

2016
Costa, Manuela Oliveira Legramanti da, 1992.
C837c A concepção especular em Jacques Lacan e Donald
Winnicott: imagens distintas / Manuela Oliveira
Legramanti da Costa; Orientador: Prof. Dr. Sidnei José
Casetto – Santos, 2016.
96 f.

Trabalho de conclusão de curso (graduação) –


Universidade Federal de São Paulo - campus Baixada
Santista, Curso de Psicologia, 2016.

1. Estádio do espelho. 2. Imagem. 3. Identificação. 4.


Eu. 5. Self. I. Casetto, Sidnei José, Orientador. II. Título.

CDD 150
MANUELA OLIVEIRA LEGRAMANTI DA COSTA

A CONCEPÇÃO ESPECULAR EM JACQUES LACAN E DONALD


WINNICOTT: IMAGENS DISTINTAS

Trabalho de conclusão de curso apresentado


junto ao curso de Psicologia da
Universidade Federal de São Paulo –
campus Baixada Santista, como requisito à
obtenção do título de Bacharel.

Aprovado em: ____ de __________ de _____

COMISSÃO EXAMINADORA

Profa. Dra. Lara Cristina D’Ávila Lourenço

Prof. Dr. Sidnei José Casetto

SANTOS/SP

2016
AGRADECIMENTOS

A Deus.

Aos meus pais, pelo eterno cuidado.

Ao professor Sidnei, pela paciência de trilhar este caminho junto comigo, pelos
ensinamentos da teoria psicanalítica, pela compreensão e por sua disponibilidade.

À Marcela, minha irmã e companheira.

Ao Gabriel, por sua sabedoria, serenidade e imenso amor.

A todas as pessoas que direta e indiretamente contribuíram para a realização deste


trabalho.

Muito obrigada.
RESUMO

Após sua Tese de 1932, Jacques Lacan engata na investigação sobre a gênese do eu e
sobre o narcisismo, iniciando a formulação de seu conceito sobre o estádio do espelho.
Em 1936, o apresenta inicialmente na Sociedade Psicanalítica de Paris e,
posteriormente, no XIV Congresso Internacional da Associação Psicanalítica
Internacional (IPA) para, em 1949, apresentar uma nova versão em Zurique, também
em um congresso da IPA. Tal comunicação de 1936 não foi entregue aos anais do
Congresso e seu resgate só é possível em analogia à construção de um quebra-cabeça: a
partir de algumas informações, podemos supostamente reconstruir sua apresentação.
Esta concepção lacaniana é inovadora para a Psicanálise, fundamenta todo o sistema de
pensamento de Lacan, e perpassa diversos textos do autor, sendo citada inúmeras vezes
em sua obra Escritos. Entretanto, não somente Lacan se debruça sobre os primeiros
estágios da vida do bebê, mas também Donald Woods Winnicott discorre sobre o
desenvolvimento infantil e, sobretudo, ressalta a importância de cuidados
suficientemente bons exercidos pela figura da mãe. Apesar de não formular um
conceito, o psicanalista inglês aponta que a figura materna exerce um papel de espelho,
o qual será fundamental para constituição subjetiva. Diferentemente do alvoroço
causado por Lacan com sua apresentação, Winnicott tem uma história pouco
documentada sobre sua formulação. Diante da importância atribuída, por ambos os
autores, à constituição do eu e, assim, ao processo de especularização, salientando como
crucial no desenvolvimento do bebê a figura de cuidado exercida por um outro, o
presente trabalho consiste em realizar um percurso histórico-conceitual da concepção
especular nestes autores, utilizando-se fundamentalmente de alguns textos antecedentes
aos textos centrais dos respectivos autores – de 1949, de Lacan, O estádio do espelho
como formador da função do eu tal como nos é revelada na experiência psicanalítica,
e de 1967, de Winnicott, O papel de espelho da mãe e da família no desenvolvimento
infantil; além de consultas às bases eletrônicas, dados documentais (cartas) e biografias
dos respectivos autores. Percebeu-se relações possíveis, embora não paralelas, entre as
dimensões do eu propostas por ambos: self e ego (Winnicott), moi e je (Lacan), assim
como diferenças importantes quanto à concepção especular: o encontro, em Winnicott,
com o verdadeiro self e, em Lacan, à constituição do eu ligada à alienação em uma
imagem.

Palavras-chave: estádio do espelho; imagem; identificação; eu; self.


ABSTRACT

After his Thesis of 1932, Jacques Lacan engages in the investigation of the genesis of
the I and narcissism, beginning the formulation of his concept about the mirror stage. In
1936 he presented it initially at the Psychoanalytic Society of Paris and later at the XIV
International Congress of the International Psychoanalytic Association (IPA) and at
1949 presented his new version in Zurich, also at an IPA congress. Such communication
at 1936 was not delivered to the annals of the Congress and its rescue is only possible in
analogy to the construction of a puzzle: from some information we can supposedly
reconstruct its presentation. This lacanian conception is innovative for Psychoanalysis,
it bases Lacan's entire system of thought, and runs through several texts of the author,
being mentioned countless times in his Ecrits. However, not only does Lacan focus on
the early stages of the baby's life, but Donald Woods Winnicott also discusses child
development and, mainly, stresses the importance of good-enough mothering. Although
not formulating a concept, the british psychoanalyst points out the maternal figure
playing a mirror role, which will be fundamental for subjective constitution. Unlike the
uproar caused by Lacan with his presentation, Winnicott has a poorly documented
history of his formulation. Given the importance attributed by both authors to the
constitution of the I, and thus to the process of specularization, pointing out as crucial at
the development of the baby the figure of care exercised by another, the present work
consists of making a historical-conceptual path of the specular conception in these
authors, using fundamentally for this some texts antecedent to the central texts of the
respective authors - of 1949, by Lacan, The mirror stage as formative of the function of
the I (je) as revealed in the psychoanalytic experience, and of 1967, by Winnicott,
Mirror-role of mother and family in child development; besides researches to the
electronic databases, documental data (letters) and biographies of the respective authors.
Possible, but not parallel relationships between the dimensions of the I proposed by
both authors were perceived: self and ego (Winnicott), moi and je (Lacan), as well as
important differences about the specular conception: in Winnicott, the encounter with
the true self and in Lacan, to the constitution of the I linked to alienation in an image.

Key words: I; identification; image; mirror stage; self.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 1

1. Lacan diante do espelho ......................................................................................... 9

1.1. Os antecedentes de 1949 ....................................................................................... 10

1.1.1. Início da trajetória: 1936 .................................................................................... 10

1.1.2. Os complexos familiares (1938): um resgate da conferência de 1936 ............... 12

1.1.3. Os últimos passos: 1946 e 1948 ......................................................................... 21

1.2. O texto de 1949 ..................................................................................................... 30

2. Winnicott diante do rosto materno ....................................................................... 45

2.1. O viver inicialmente .............................................................................................. 45

2.2. Encontrar-se na mãe .............................................................................................. 53

3. Lacan e Winnicott: encontros e desencontros ..................................................... 56

3.1. Ego, self, moi e je: distinções ................................................................................ 56

3.2. Diálogos e distanciamentos ................................................................................... 66

3.3. Fragmentos históricos de uma relação gentil ........................................................ 69

4. Considerações finais ............................................................................................... 74

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 77

ANEXO: Notas de Françoise Dolto na SPP, de 16 de junho de 1936 ......................... 84


Mas agora estou interessada pelo mistério do espelho (LISPECTOR, C.,
1998, p. 35).

INTRODUÇÃO

Em junho de 1936 Jacques Lacan apresentou, na Sociedade Psicanalítica de


Paris (SPP), uma de suas primeiras contribuições à teoria psicanalítica. O esquema do
estádio do espelho, como foi denominado, também foi exposto no XIV Congresso
Internacional da Associação Psicanalítica Internacional (IPA), em Marienbad, no
mesmo ano (BONI JÚNIOR, 2010; FIGUEIREDO, 2002). Os materiais destas
apresentações não foram publicados, mas sabe-se que algo foi recuperado por meios das
notas de Françoise Dolto, presente na palestra da SPP.
Roudinesco (1994) aponta a existência de dois títulos para as apresentações: na
exposição de junho, intitulado como The looking glass phase1 e, em agosto, como “Le
stade du mirror. Théorie d’un moment structurant et génétique de la constitution de la
réalité, conçu en relation avec l’expérience et la doctrine psychanalytique2.
Esta primeira vez do psicanalista em um Congresso da IPA – presidido por
Ernest Jones –, não foi recebida com clamor, nem tampouco com compreensão pelos
participantes. Talvez Ernest Jones tenha se tornado uma das personagens principais
desta história, tendo sido o responsável por cortar a fala de Jacques Lacan após dez
minutos e fazendo com que o iniciante psicanalista francês se retirasse do Congresso,
dirigindo-se às Olimpíadas de Berlim (ROUDINESCO, 2006; FIGUEIREDO, 2002).
Lacan, em seu texto de 1946, Formulações sobre a causalidade psíquica, aponta
esta cena sobre Jones e o fato de não ter entregado seu artigo aos anais do congresso,
mas reconhece que entre os vienenses – diferentemente dos ingleses – sua apresentação
foi recebida de forma calorosa:

1
Indicação de uma fase, em que há o destaque da função do olho, conforme Huot (1991) e Priszkulnik
(1986), citados por Boni Júnior (2010), “em consonância a uma superfície de vidro” (BONI JÚNIOR, 2010,
pp. 38 – 39). Na língua inglesa, rememora Boni Júnior (2010), o termo “looking-glass” é utilizado para se
referir ao modelo de espelho próprio da época vitoriana, época esta que o homem utilizava o vidro para
perceber seu reflexo.
2
“O estádio do espelho. Teoria de um momento estruturante e genético da constituição da realidade,
concebido em relação com a experiência e a doutrina psicanalítica” (ROUDINESCO, 1994, p. 484).
Conforme Boni Júnior (2010), a utilização de “momento estruturante e genético” revela as relações de
outras ordens que logicamente determinam o homem, antes de ser regido por instintos – o que é
evidenciado com o termo estruturante – e, ainda, à gênese da estruturação subjetiva e às mudanças
orgânicas ocorridas pela maturação biológica, dos seis aos 18 meses de idade – indicado pelo termo
genético.

1
Fiz dela uma comunicação formal no congresso de Marienbad em 1936, pelo
menos até o ponto exatamente coincidente com o quarto toque do décimo
minuto, quando me interrompeu Jones, que presidia o congresso como
presidente da Sociedade Psicanalítica de Londres, posto para o qual sem
dúvida o qualificava o fato de eu jamais ter encontrado um de seus colegas
ingleses que não me tivesse a participar algum traço desagradável de seu
caráter. Não obstante, os membros do grupo vienense, ali reunidos como
pássaros antes da migração iminente, deram à minha exposição acolhida
bastante calorosa. Não entreguei meu artigo para a ata do congresso, e vocês
poderão encontrar o essencial dele, em poucas linhas, em meu artigo sobre a
família, publicado em 1938 na Encyclopédie française, volume da vida
mental (p. 186).

Quanto às notas de Dolto, sobre a conferência de 1936 da SPP sobre o estádio do


espelho, estas também parecem ser um dos únicos vestígios desta comunicação não
publicada, pois conforme afirma Roudinesco (1994), Françoise Marette (conhecida,
posteriormente, como Françoise Dolto) anotou abundantemente sobre esta conferência
preliminar realizada neste encontro com Lacan em 16 de junho. Dolto era presidente da
mesa e publicou suas anotações no International Journal of Psychoanalysis em 1937
(BONI JÚNIOR, 2010). Um ensaio iniciado por Alexandre Kojève do qual Lacan
deveria ter participado, mas não chegou a fazê-lo, também nos aproximam deste
pronunciamento, e aponta para uma gênese de sua concepção posterior sobre o cogito
cartesiano e do sujeito do desejo, presentes no texto de 1949 (ROUDINESCO, 2006).
O estádio do espelho foi uma formulação teórica que não só fundamentou as
teorizações posteriores de Lacan, como também norteou e se tornou um ponto muito
importante e fecundo no pensamento psicanalítico. E Dolto teve o privilégio de assistir
ao nascimento deste conceito, visto que não só estava presente na apresentação
realizada por Lacan na SPP, como era presidente da mesa. A ainda Marette registrou
uma nota pessoal sobre esta comunicação:

teorias muito sedutoras


Lacan um tanto deslumbrado pela magia das palavras
(GUILLERAULT, 2005, p. 20, tradução nossa).

Essas anotações realizadas por Dolto3 revelam que a conferência se apresentou


em nove partes, sendo estas:

3
Em anexo, p. 84.

2
1. O sujeito e o eu 4; 2. O sujeito, o eu e o corpo próprio; 3. A expressividade
da forma humana; 4. A libido da forma humana; 5. Imagem do duplo e a
imagem especular; 6. Libido ou desmame e instinto de morte. Destruição do
objeto vital. O narcisismo; 7. Seu elo com o simbolismo fundamental no
conhecimento humano; 8. O objeto encontrado no Édipo; 9. Valores dos
sintomas narcísicos: os gêmeos (ROUDINESCO, 2006, p. 33-34).

Anos mais tarde, após a Segunda Guerra Mundial, Lacan e Dolto tornaram-se
grandes amigos, utilizando, para referir-se um ao outro, o pronome tu – pronome este
não utilizado por Lacan para se referir às senhoras de seu convívio e amantes, apenas
aos seus colegas homens próximos – revelando, assim, um relacionamento íntimo ainda
que desprovido de envolvimento carnal entre ambos, mostrando que Françoise havia
conquistado uma relação fraterna “habitualmente reservada aos homens”
(ROUDINESCO, 1994, p. 249). E apesar dos momentos conturbados que os
psicanalistas enfrentavam em sua época, Lacan e Dolto eram inseparáveis e sua amizade
foi extensamente durável. O que foi que os aproximou e os unia? Certamente, uma
aproximação teórica é revelada: suas bases de pensamento na temática do sujeito e na
noção de desejo. Dolto também elaborou, posteriormente, sua contribuição à concepção
do espelho, teorizando sobre uma imagem inconsciente do corpo (GUILLERAULT,
2005).
Segundo Roudinesco (2006), tais notas de Dolto comparam-se ao texto
lacaniano sobre O complexo de intrusão, presente no artigo encomendado a Lacan por
Henri Wallon em 1938 – publicado na Encyclipédie française – e reeditado em 1985,
denominado Os Complexos Familiares, ao qual o próprio Lacan relaciona o conteúdo
apresentado em Marienbad 5. Boni Júnior (2010) relaciona tal pedido com o interesse de
Lacan por Wallon, os quais se encontraram na Sociedade de Psiquiatria na França entre
os anos de 1928 e 1934, sendo em 1934 que Henri Wallon expôs a prova do espelho
com a divulgação de seu trabalho intitulado “Les Origines du Caractère chez
L’enfant”.

4
Lacan trabalha com diferentes usos do “eu” em sua obra, utilizando os pronomes “je” e “moi”.
Segundo Guillerault (2005) trata-se, nesta nota de Dolto, da utilização do eu enquanto “je” e, embora
Roudinesco (2006) não aponte esta distinção, a autora revela ter sido uma dúvida dos presentes nesta
comunicação, o que seria o “je” em relação ao “moi”. Boni Júnior (2010) salienta alguns pontos
importantes, dentre eles, a de que não é possível afirmar se Lacan foi o autor desta distinção (devido à
falta de publicação de sua conferência) e por esta ser resgatada segundo anotações de terceiros. E mais,
se esta diferenciação foi demarcada por Jacques Lacan, não sabemos se é correspondente às
formulações posteriores ou se trataria de outra categoria.
5
Como indicado na citação de Lacan (1946/1998) na pp. 1 – 2 deste trabalho.

3
A partir da chamada segunda tópica de 1923, Freud propõe como instâncias do
aparelho psíquico, o Eu, o Id e o Supereu. Lacan, que comparecia aos seminários de
Kojève6, indagava-se sobre a gênese do eu por intermédio de uma reflexão filosófica
sobre a consciência de si7. A leitura realizada por Lacan sobre a segunda tópica
freudiana teria permitido a formulação da abordagem especular que, simultaneamente,
surgiu da apropriação e transformação da concepção de Henri Wallon sobre o estádio do
espelho. Tratou-se de compreender o Eu, da reelaboração freudiana de 1923, como
produto de identificações. Logo, apesar da noção do estádio do espelho ter sua origem
nominal em Henri Wallon (em seu texto de 1931), Jacques Lacan o considerava
conceito seu, tendo grande apreço por ele, visto que este foi um ponto central de
elaboração de seu sistema de pensamento (ROUDINESCO, 2006).
Em sua comunicação ocorrida no XVI Congresso Internacional da Associação
Psicanalítica Internacional, em Zurique, treze anos depois (1949), Lacan aponta que o
estádio do espelho deve ser compreendido como uma identificação, ou seja, “a
transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem” (LACAN,
1949/1966, p. 97). Trata-se, neste momento, do triunfo do [eu]8. Diferentemente,
contudo, de 1936, tal comunicação foi entregue aos anais do congresso e publicada na
Revue Française de Psychanalyse, e somente em 1966, após diversas revisões
realizadas com o editor Jacques-Alain Miller, foi incluída na sua obra Escritos
(1966/1998) (BONI JÚNIOR, 2010). A apresentação de 49 é o primeiro trabalho de
Lacan após 10 anos sem escritos psicanalíticos (BONI JÚNIOR, 2010).

6
Filósofo francês nascido na Rússia, responsável por ministrar seminários sobre Hegel. Segundo
Roudinesco (1994), Kojève assume os seminários sobre Hegel – devido ao convite e afastamento do
filósofo e professor de Kojève, Alexandre Koyré, em 1933 – e passa o verão, deste mesmo ano, relendo
a obra Fenomenologia do espírito e preparando seu seminário que se estendeu por seis anos, “todas as
segundas-feiras às sete e meia da noite” (p. 114) e do qual Lacan era um fiel frequentador.
7
Conforme Roudinesco (1994), enquanto Lacan preparava-se para sua apresentação sobre o estádio do
espelho no congresso da IPA, Kojève redigia uma nota em russo para, supostamente, Alexandre Koyré,
mas tais notas permaneceram nos papeis de Kojève e não foram enviadas. Contudo, estas notas
revelam – conforme Dominique Auffret, filósofo e biógrafo de Kojève – o ensaio que Lacan escreveria
com Kojève sobre Hegel e Freud, o qual se dividiria em três partes: “1) ‘Gênese da consciência de si’; 2)
‘A origem da loucura’; 3) ‘A essência da família’” (p. 118). Ainda de acordo com a autora, este ensaio não
chegou a ser concluído, apenas iniciado por Kojève em quinze páginas e, em suas notas, observa-se uma
comparação do “cogito cartesiano à consciência de si hegeliana, para mostrar que a filosofia nada mais
é do que o desejo de filosofar” (p. 119). Apostava-se, assim, na substituição do “eu penso” cartesiano
para “eu desejo”, sendo que o eu cartesiano não está somente reduzido ao pensamento, mas também à
vontade, a qual é fonte de erro (ROUDINESCO, 1994). Retornaremos a isso.
8
Ao longo desde estudo, ao utilizarmos [eu], estaremos nos referindo ao “je”, e eu (ou Eu), ao “moi”.
Tais grafias estão de acordo com a edição brasileira consultada, e também utilizamos a edição francesa
para averiguar – quando possível – se o termo referido em português corresponde ao termo francês. A
distinção entre “je” e “moi” será discutida adiante.

4
Então, se não escreve, ou pouco escreve entre 1932 e 1938 (ausência de
escritos maiores que vai se repetir de 1938 a 1948), que faz Lacan? No
segundo caso, é a ocupação alemã que parece explicar esse silêncio. No
primeiro, ao contrário, Lacan se envolve em duas atividades decisivas, que
se pode, sem dúvida, colocar em paralelo: efetua sua própria análise com
Loewenstein e assiste, por outro lado, ao curso de Kojève (sobre Hegel),
onde encontra, talvez, o mestre que não se acha em seu analista 9 (OGILVIE,
1991, p. 103).

A evolução de Lacan dentro do terreno psicanalítico acompanha de certa forma,


sua relação com Freud. Em 1936, Jacques Lacan ainda não era psicanalista e não
esperava mais o reconhecimento de Freud, como o fez em 1932, enviando-lhe sua
tese10. Já em 1938, o jovem psicanalista francês, consciente de ter contribuído para a
teoria psicanalítica com a introdução de um novo conceito, é para Kojève que seu
interesse se dirige e, sendo seu aluno, Lacan passou a realizar suas formulações num
vocabulário filosófico, muito diferente das costumeiras referências psiquiátricas e
psicanalíticas (OGILVIE, 1991).
Além de outras influências que marcaram não somente o início das contribuições
lacanianas, o que se observa é a importância dada por Lacan à influência do meio sobre
o indivíduo, mas o qual não se reduz apenas ao efeito das influências externas
(D’ÁVILA LOURENÇO, 2000). Após sua Tese, portanto, o autor passa a investigar a
condição do desenvolvimento humano na inserção social, visto que na espécie humana
o substrato instintual é insuficiente para dar conta do desenvolvimento, fazendo com
que este não obedeça a um automatismo instintual, preocupando-se, assim, em
investigar sobre a constituição do sujeito e de seus objetos (D’ÁVILA LOURENÇO,
2000).
A concepção especular aponta para uma reflexão à problemática do eu e ao
narcisismo (FAUSTINO & FALEK, 2014). Para Freud, trata-se de um estádio
inevitável no desenvolvimento normal da evolução sexual (ROUDINESCO & PLON,
1998; KAUFMANN, 1996) e é, portanto, uma fase intermediária do desenvolvimento

9
De acordo com Roudinesco (1994), o ensino de Kojève foi determinante para evolução de Lacan em
diversos aspectos: para a saída da transferência negativa com Loewenstein; para uma leitura da obra de
Hegel, marcada essencialmente pela inspiração kojèviana e, também, pelo início de uma transmissão
oral de suas teorizações, por meio de seus seminários.
10
Lacan inicia seus ensinamentos psicanalíticos vinculados ao conceito de narcisismo, com sua tese
sobre o caso Aimée (1932) acerca do estudo da paranoia, o qual faz com que o psicanalista francês se
aprofunde na pesquisa sobre a constituição do eu nos indivíduos, levando-o, em 1936, à formulação
inicial da teoria do estádio do espelho (LE POULICHET, 1997).

5
da libido entre o autoerotismo e o investimento objetal (KAUFMANN, 1996). Este
conceito ganha este estatuto em 1914, em Introdução ao narcisismo, estando ligado,
sobretudo, à constituição do Eu, quando Freud aponta que, para que o narcisismo se
forme, algo deve ser acrescentado ao autoerotismo. Voltaremos a esta problemática
adiante.
Roudinesco (2006) considera que, ao fundar este evento como um estádio e,
assim, como uma operação psíquica ou ontológica, desconsidera-se a importância de um
verdadeiro espelho ou da concretude de uma experiência. Tal evento é tomado como um
momento no qual o indivíduo se constitui por uma identificação com o seu semelhante,
com a construção de uma representação narcísica capaz de conferir unidade ao que
outrora se sentia como um corpo despedaçado.
Donald Winnicott também olhará para estes momentos da constituição do
infans11 em sua relação com a mãe. Será em 1924 que Winnicott estabelecerá sua
jornada pela psicanálise por meio de sua análise com James Strachey 12, mas somente em
1927 que iniciará sua formação na Sociedade Britânica de Psicanálise. Sendo o primeiro
homem a ser reconhecido como psicanalista de crianças, Winnicott aproxima-se dos
ensinamentos de Melanie Klein e, posteriormente, revela sua originalidade clínica e sua
articulação da psicanálise com a clínica pediátrica (VIEIRA, 2010).
Frequentemente descrito como um psicanalista que apresenta uma vasta
experiência na clínica pediátrica, Winnicott exibe uma forma pouco acadêmica de tratar
seus conceitos e questões emergidas em suas práticas médica e psicanalítica, e
raramente menciona as influências de suas elucubrações, estas sempre priorizando as
situações clínicas. Ao lidar com conceitos e pressupostos de modo pouco formalizado, o
psicanalista inglês sinaliza que os usa como instrumentos presentes em uma caixa de
ferramentas (IZHAKI, 2007).
Ambos os autores concordam com a importância de um cuidado fornecido por
um outro nos primeiros anos de vida do infans. De acordo com Gomes (2009) no que se
refere à literatura psicanalítica, tanto Winnicott quanto Lacan afirmam a importância da
presença humana no processo de subjetivação da criança, visto a vulnerabilidade do
indivíduo no início da vida e sua dependência do adulto, o qual funciona como o
representante da cultura.

11
Aquele que ainda não fala (WINNICOTT, 1960).
12
Psicanalista inglês, tradutor da obra completa de Sigmund Freud e criador da Standard Edition
(ROUDINESCO & PLON, 1998).

6
Diferentemente do texto lacaniano de 1949 ou de sua apresentação inicial em
1936 sobre a temática especular, Winnicott possui uma história pouco documentada
sobre seu artigo O papel de espelho da mãe e da família no desenvolvimento infantil.
Será neste seu texto de 1967, porém, que o autor, mencionando o texto do psicanalista
francês, tratará da metáfora especular de forma distinta, mas que parece possibilitar
aproximações com o estádio lacaniano do espelho.
De acordo com Winnicott (1967/1975), o ambiente – inicialmente representado
pela mãe ou por alguém que ocupe esse papel – é crucial nas primeiras etapas do
desenvolvimento emocional do bebê, visto que estes se encontram em simbiose. O
ritmo da separação do eu com o não-eu difere singularmente entre os indivíduos, e “as
modificações principais realizam-se quanto à separação da mãe como aspecto ambiental
objetivamente percebido” (p. 153). Winnicott enfatiza, sobretudo, que a tarefa
desenvolvimental do bebê será prejudicada caso ninguém se disponibilize a ser mãe.
Sendo Darwin uma de suas influências, a prioridade encontrada na obra do
psicanalista inglês ao meio ambiente pode ser considerada um aprimoramento destas
leituras realizadas, embora esta referência seja pouco enfatizada por seus comentadores.
Mas a importância do darwinismo se observa na metapsicologia winnicottiana, tanto do
ponto de vista econômico – com a suposição da existência de uma força vital inaugural
no organismo que é transformada pelo encontro com o ambiente – quanto do ponto de
vista dinâmico – existência de processos de ligação e descontinuidade com o ambiente,
os quais persistem ao longo da vida do sujeito humano. Quanto ao desenvolvimento
emocional, também em relação com ambiente, descreve sobre um percurso que vai da
dependência absoluta à independência relativa (IZHAKI, 2007).
Em Winnicott, o papel de espelho exercido pelo rosto da mãe proporcionará o
reconhecimento do self (DINIZ, 2006). Para isto, é importante que o bebê descubra o
rosto materno e, assim, “sugiro que, normalmente, o que o bebê vê é ele mesmo”
(WINNICOTT, 1967/1975, p. 154).
A noção de self foi retomada pela teoria winnicottiana em 1960, como uma
aposta de fornecer ao Eu da segunda tópica freudiana uma dimensão fenomenológica
(ROUDINESCO & PLON, 1998). Este termo, no entanto, muitas vezes confundido com
o conceito de ego, foi empregado diferentemente pelas teorias psicanalíticas, como
desvelado na carta trocada entre Winnicott e seu amigo junguiano Michael Fordham13,

13
Analista junguiano e amigo de Winnicott (WINNICOTT, 2005).

7
em 1955. Em 1964, o psicanalista inglês relata que as contribuições de Jung para
compreensão da palavra self tenham sido mais significativas que as do próprio Freud e
revela, inclusive, que Fordham o fez reconhecer, não sem surpresa, que ele estava
utilizando as palavras self e ego como sinônimos, o que, certamente, estas não poderiam
ser “uma vez que self é uma palavra e ‘ego’ uma expressão a ser usada por conveniência
com um significado sobre o qual se concordou” (WINNICOTT, 1964/1994, p. 371).
Diante do exposto, nota-se que estes diferentes espelhos teóricos revelam
imagens distintas, porém ambos os autores apostam em compreender, por meio delas,
primórdios da constituição do indivíduo. Embora Winnicott e Lacan apontem a
passagem especular como um momento importante na vida do infans, cada autor
consegue contribuir para esta temática de modo particular, e mesmo suas aproximações
conservam a heterogeneidade pulsante de suas teorias. Assim, a concepção especular
exibe sua importância na teoria psicanalítica e convida à reflexão, a partir destas
particulares formas, dos produtos erguidos deste conjunto de experiências que
perpassam o cuidado.
Para o presente trabalho, inicialmente discorremos sobre a teoria lacaniana,
utilizando-se de alguns textos centrais que tratam da concepção especular para, assim,
acompanhar sua evolução histórico-conceitual. Para tal, abordaremos inicialmente os
textos antecedentes ao texto central de 1949 de Lacan, sendo estes: Para-além do
‘Princípio de Realidade’ (1936); Os complexos familiares (1936) – mais
especificamente o tópico sobre O complexo de intrusão; Formulações sobre a
causalidade psíquica (1946) e, por fim, A agressividade em psicanálise (1948). Em
seguida, discorremos sobre o texto O estádio do espelho como formador da função do
[eu], tal como nos é revelada na experiência psicanalítica (1949).
Após apresentarmos alguns aspectos da concepção especular na obra de Lacan, a
partir dos textos mencionados, olharemos para a teoria winnicottiana e seus
apontamentos sobre a metáfora do espelho na constituição do bebê, em sua relação com
a figura materna. Recorremos fundamentalmente aos textos anteriores ao texto central
de 1967, como Desenvolvimento emocional primitivo (1945); A mente e sua relação
com o psicossoma (1949); Ansiedade associada à insegurança (1952); A preocupação
materna primária (1956); A capacidade de estar só (1958), Distorção do ego em termos
de falso e verdadeiro self (1960) e A integração do ego no desenvolvimento da criança
(1962). Posteriormente, abordaremos o referido texto de 1967, O papel de espelho da
mãe e da família no desenvolvimento infantil.

8
Em sequência, alguns apontamentos serão realizados, a fim de tentar
compreender as diferentes noções apresentadas por Winnicott, no que concerne ao ego e
ao self e, também em Lacan, relativos à distinção moi e je. Buscaremos relacionar as
diferentes concepções apresentadas sobre o processo de especularização, em seus
encontros e desencontros, sobretudo tentando olhar para possíveis comparações entre os
modos de conceber os distintos aspectos do Eu. Para isto, retomaremos as concepções
apresentadas de Jacques Lacan e recorreremos a alguns outros textos de Donald
Winnicott para nos aprofundarmos nesta questão, como Moral e educação (1963),
Comunicação e falta de comunicação levando ao estudo de certos opostos (1963), C. G.
Jung. Resenha de Memories, Dreams, Reflections (1964), Sobre as bases para o self no
corpo (1970) e A criatividade e suas origens (1975).
Por fim, apresentaremos alguns recortes históricos que retratam um resgate,
ainda que em fragmento, de uma possível relação de proximidade entre os psicanalistas.

1. Lacan diante do espelho

O ‘estádio do espelho’ é o ponto fixo, o ponto de Arquimedes, do qual Lacan


precisava para se engajar num caminho que consiste em descobrir tudo
aquilo que a obra de Freud, à sua revelia, significa (OGILVIE, 1991, p. 105).

Apesar das formulações sobre a temática do estádio do espelho iniciarem-se,


como vimos, ao final da década de 1930, será em 1949 que Lacan publicará o seu
famoso texto O estádio do espelho como formador da função do eu tal como nos é
revelada na experiência psicanalítica, trabalho este que será o centralizador do
conceito, ainda que não seja a última formulação sobre o assunto realizada pelo autor. A
este texto do final da década de 1940 há uma grande tendência em se fazer
interpretações que convocam sentidos ainda não presentes nele, mas sim em
reformulações futuras realizadas por Lacan ao longo de sua obra, anos após a
publicação deste artigo (BONI JÚNIOR, 2010, p. 17). Assim, muitos acabam
compreendendo o texto lacaniano de 1949 como referência sobre o estádio do espelho e,
ao lê-lo tendo em mente uma visão global da teoria de Lacan, referem ao artigo
significados não desenvolvidos neste momento de sua obra.
De fato, segundo Boni Júnior (2010) as referências ao estádio do espelho são
realizadas em diferentes momentos da obra lacaniana. Dos 34 textos presentes na obra

9
Escritos, datados de 1936 até 1966, 17 fazem referência textual à teoria do estádio do
espelho, totalizando em 35 citações e mostrando este ser um conceito dinâmico,
consolidado durante os anos da teorização lacaniana.
No que concerne à escrita lacaniana, Figueiredo (2002) relata o desconforto de
Lacan em relação à escrita e da dificuldade de convencer o psicanalista francês de
publicar seus trabalhos de modo mais definitivo em uma coletânea. Estes, por outro
lado, só se tornaram legíveis pela colaboração de seu ex-analisando, Jean Wahl, que
editou seus escritos, tentando preservar o estilo de Lacan, visto sua escrita complexa
(FIGUEIREDO, 2002, s/p).

É verdade que a produção lacaniana apresenta uma série de idiossincrasias,


decorrentes, em parte, do seu caráter preponderantemente oral, pelo menos
na origem, o que a deixa exposta às contingências da retórica, mas também
de um estilo peculiar cuja obscuridade tendeu a se agravar com o tempo
(SIMANKE, 2002, p. 11).

Apesar das poucas páginas do texto de 1949, há uma infinidade de referências


científicas, artísticas, filosóficas e psicanalíticas, as quais conferem ao texto uma
erudição, exigindo do leitor ou ouvinte uma “disposição para atravessar o hermetismo
de uma escrita altamente alusiva e condensada” (FIGUEIREDO, 2002, s/p). Simanke
(2002) aponta que este emprego de noções extra-psicanalíticas é o que, frequentemente,
causa reações aversivas, além de certa irresponsabilidade e descuido, de Lacan, nestas
aplicações. Outro empecilho é saber distinguir, no autor, o que é apenas uma frase de
efeito, daquilo que é o desenvolvimento efetivo sobre determinada temática, sendo
importante, assim, recuperar uma perspectiva histórica – muitas vezes omitida por
Lacan – que pode elucidar a investigação (SIMANKE, 2002).

1.1. Os antecedentes de 1949


1.1.1. Início da trajetória: 1936

Lacan finaliza seu artigo Para-além do “Princípio de Realidade” (1936/1998),


dizendo tratar, no artigo posterior (possivelmente, uma referência à sua conferência
sobre o estádio do espelho, do mesmo ano, no mesmo local), duas questões: como se
constitui a realidade em que concilia, de modo universal, o conhecimento do homem e
como se constitui o [eu], por meio de identificações, e onde este se reconhece. Este

10
artigo é de uma comunicação em Marienbad, e é o segundo artigo presente em sua obra
Escritos.
Neste texto, propõe-se a tratar, sobretudo, do fenômeno da imagem, dizendo este
ser o mais importante da psicologia, pela riqueza de seus dados concretos e pela
complexidade de sua função. Cita, ainda, sua função relacionada ao desenvolvimento:

As diversas acepções desse termo, que, da vulgar à arcaica, visam à noção de


um evento, à marca de uma impressão ou à organização por uma ideia,
efetivamente exprimem bastante bem os papeis da imagem como forma
intuitiva do objeto, forma plástica do engrama e forma geradora do
desenvolvimento (p. 81, grifo nosso).

Lacan trata do problema da imagem relacionado à linguagem e à relação do


analista com o analisando, o qual apresentará o desenho de uma imagem:

Mas essa mesma imagem que o sujeito presentifica por sua conduta e que
nela se reproduz sem cessar, ele a ignora, nos dois sentidos da palavra, ou
seja: ignora que aquilo que ele repete em sua conduta, quer o tome ou não
por seu, ele não sabe que essa imagem o explica; e ignora que desconhece
essa importância da imagem quando evoca a lembrança que ela representa
(p. 88, grifo nosso).

Ao discorrer sobre a relação do homem com o seu semelhante, o autor aponta


que é este que o homem explora, no qual se reconhece e que, inclusive, “é a ele que se
liga pelo vínculo psíquico indelével que perpetua a miséria vital, realmente específica,
de seus primeiros anos de vida” (p. 91).
Relações psíquicas típicas são marcadas no comportamento individual do
homem, revelando certa estrutura social que abarca, inclusive, o começo da vida. Estas
relações foram definidas por meio do termo complexo – conceito mais apropriado e
fecundo que o conceito de instinto, segundo Lacan – sendo, por intermédio deste, que se
instaura no psíquico as imagens “com que o sujeito se identifica alternadamente, para
encenar, como ator único, o drama 14 de seus conflitos” (LACAN, 1936/1998, p. 93).
Será este o conceito de complexo, sobretudo, que o autor tratará em seu texto Os
Complexos Familiares, de 1938.

14
Conforme D’Ávila Lourenço (2000), esta noção de drama, presente na obra lacaniana, se refere tanto
ao filósofo e teórico marxista Georges Politzer (1903 – 1945) quanto à influência hegeliana, e diz
respeito à narrativa do sujeito sobre suas situações vividas sendo, assim, particular e contextualizada.

11
1.1.2. Os complexos familiares (1938): um resgate da conferência de 1936

Em Os complexos familiares (1938), além de iniciar suas concepções acerca da


noção de complexo, Lacan utiliza o termo imago para nomear esta imagem que se
constitui pela identificação e relata serem estas imagos fornecidas pela instituição
familiar (D’ÁVILA LOURENÇO, 2000).
Neste artigo de 1938, Lacan discorrerá sobre três complexos: de desmame, de
intrusão e de Édipo. Como citado pelo próprio psicanalista francês que seria possível
resgatar seu pronunciamento realizado em 1936 por meio deste texto, especialmente o
tópico referente ao “complexo de intrusão”, optou-se por focalizar a atenção sobre este
complexo.
Segundo Lacan (1938/2003), o complexo de intrusão ou complexo fraterno –
sucessor do complexo de desmame – é representado pela experiência de quando o
sujeito, chamado de primitivo, se vê tendo irmãos – estes tratados como semelhantes, os
quais participam, com ele, na relação doméstica.
Tratando-se da primeira descrição do estádio do espelho, este artigo surge no
contexto de uma explicação da agressividade, sendo a constituição do sujeito na
relação com o outro o foco do estudo, em que a imago do outro é a aquisição
fundamental deste complexo – que também se relaciona à agressividade. Ademais, o
ciúme do irmão é exposto como a matriz de todos os sentimentos sociais que acarreta às
relações, inclusive, o caráter agressivo. Entretanto, apesar de a agressividade marcar a
relação fraterna, ela seria secundária à identificação com o irmão, revelando que a
imago, por ser anterior aos sentimentos e condutas, os condiciona (SIMANKE, 2002).

Como o paradigma especular serve justamente para mostrar que o primeiro


passo da formação do sujeito é a identificação com o outro que resulta
nessa imago, a agressividade é pensada aí como uma condição inerente ao
sujeito, e este é o tom do tratamento mais extenso que Lacan dará depois ao
fenômeno (SIMANKE, 2002, p. 312, grifo nosso).

Segundo Laplanche & Pontalis (2001), o termo imago refere-se a um “protótipo


inconsciente de personagens que orienta seletivamente a forma como o sujeito apreende
o outro” (p. 234). Noção cunhada por Jung em 1912 a partir de um romance com o
mesmo nome, publicado em 1906 pelo escritor suíço Carl Spitteler (ROUDINESCO &
PLON, 1998), a imago objetiva-se não somente em imagens, mas também em

12
pensamentos e condutas, e deve ser compreendida como um esquema imaginário
elaborado a partir das relações intersubjetivas - um clichê estático que visa sempre o
outro (LAPLANCHE & PONTALIS, 2001). D’Ávila Lourenço (2000) contribui
assinalando que o termo complexo associa-se à dinâmica de identificações da rede
imaginária, o que reproduz certa realidade ambiental, e tais identificações acontecem
com imagens privilegiadas – imagos. Diferentemente de Freud, entretanto, a imago, em
Lacan, não seria uma representação inconsciente, mas uma posição subjetiva assumida
pelo sujeito de acordo com as interpretações de seu meio social15. Estas imagens
buscam suprir a condição de desamparo que se encontra o sujeito em formação, devido
seu nascimento prematuro.

(...) essa teoria [do estádio do espelho] pode ser dita como antropológica
também no sentido de que ela concebe a gênese das imagens numa situação
social e institucional, onde uma dinâmica de identificações envolvendo os
personagens do drama familiar lança os alicerces da subjetividade, sob a
forma de um conjunto muito primordial e decisivo de imagens, que
merecerão a denominação distintiva de ‘imagos’ (SIMANKE, 2002, p. 247).

O indivíduo, porém, não tem consciência de seu papel na estrutura familiar, de


seu lugar subjetivo, o que assinala um desconhecimento no que concerne aos fatores que
determinam as identificações, isto é, à construção imaginária de seu mundo – fato que
se relaciona, então, ao termo “inconsciente” (D’ÁVILA LOURENÇO, 2000). O mundo
humano, portanto, por ser necessariamente imaginário, visto que se relaciona à
formação de imagos16, implica uma condenação do homem ao desconhecimento, pois se
trata de um mundo desligado da realidade em si (D’ÁVILA LOURENÇO, 2000).
O psicanalista francês, neste seu artigo, recorre a uma famosa citação de Santo
Agostinho17 para falar sobre o assunto do ciúme infantil, o qual tem um papel na gênese
da sociabilidade e do conhecimento humano, fato esclarecido tanto pela investigação

15
Roudinesco (1994) igualmente contribui, ao revelar que o termo imago funciona para designar que
“um indivíduo não poderia ser ‘humano’ fora da pertença a um todo social orgânico” (p. 156), o que se
relaciona à perspectiva de Umwelt – trazida por Jakob von Uexküll e utilizada por Jacques Lacan –,
citada posteriormente. A autora salienta, porém, que este é um dos empregos, visto que imago também
serve para “inscrever no inconsciente os dois polos de representação do modelo familiar” (p. 156), isto
é, o pai e a mãe.
16
Por acompanhar os seminários de Kojève e, portanto, pela influência da filosofia hegeliana, o conceito
de dialética perpassa toda a obra de Lacan. Conforme D’Ávila Lourenço (2000), as crises dialéticas que
os fatores sociais e vitais sofrem, sempre serão sintetizadas na constituição de imagos.
17
“Vi e observei uma, cheia de inveja, que ainda não falava e já olhava, pálida, de rosto colérico, para o
irmãozinho de leite” (SANTO AGOSTINHO, 1987, p. 30).

13
psicanalítica quanto pela observação experimental de crianças. Estas revelam que o
ciúme representa uma identificação mental – e não uma rivalidade vital.
Conforme Simanke (2002), ao se concentrar na temática do ciúme, Lacan visava
não só colocar o complexo de intrusão em continuidade com o complexo de desmame,
assinalando sua precocidade – observada na referência a Santo Agostinho –, mas
inclusive, apontar a densa presença dos determinantes culturais na família, que
constituem o homem. Destacando a dependência da identificação mental no conflito
fraterno, procurou mostrar como uma contingência biológica (ordem do nascimento da
prole) retrata a constituição de papeis imaginários (“abastado” e “usurpador”)
(SIMANKE, 2002).
Nas crianças, aos pares e deixadas em sua espontaneidade lúdica, entre os seis
meses e os dois anos, aparecem diferentes reações que parecem comunicar algo. Dentre
estas, uma se diferencia, por certificar uma “rivalidade objetivamente definível”
(LACAN, 1938/2003, p. 28), que compreende uma adaptação de posturas e de gestos.
Diante do caráter imaginário salientado desta relação, Jacques Lacan aponta que
entre as indicações da estrutura desta imago (do outro) (sua organização e
constituição18), está a condição etária limite (não superior a dois meses e meio) entre os
indivíduos – por conta das rápidas transformações corporais neste período – que exige,
assim, uma similitude entre os envolvidos. Assim, a imago do outro se vincula à
estrutura do corpo próprio, “e mais especialmente de suas funções de relação, por uma
certa similitude objetiva” (p. 30). Desde este estádio, portanto, se traça o
reconhecimento de um outro como objeto, de um rival, mas não só, pois nota-se uma
relação ambígua, em que coexistem rivalidade e conformidade.
Caso este limite etário seja ultrapassado, porém, as interações terão um teor
distinto. Simanke (2002) aponta para outra situação analisada por Lacan, na qual as
crianças, com uma diferença etária maior, estabelecem uma relação assimétrica, em que
o lado favorecido assume condutas de exibição, sedução ou despotismo. Ambas as
situações, contudo, são compreensíveis, ao se admitir a existência de uma confusão,
pelo sujeito, de seu papel com o outro, identificando-se com este. Igualmente se
constata que, neste momento da obra lacaniana, a descrição tem a um caráter empírico e
psicológico, situando o processo numa fase concreta do desenvolvimento, com grande

18
SIMANKE (2002).

14
importância atribuída à biologia do comportamento, “muito mais do que como um
modelo para pensar-se a formação do eu” (SIMANKE, 2002, p. 313).
De qualquer modo, o que Lacan esclarece, ainda neste seu artigo, é que a
identificação ocorrida neste estádio é fundamentada num sentimento do outro – que
precisa ser compreendido considerando um valor inteiramente imaginário. Será, assim,
ao coincidir este complexo de intrusão com o estádio do espelho, que o autor traça a
figura do rival como o “primeiro protótipo do ‘outro’” (SIMANKE, 2002, p. 265).
D’Ávila Lourenço (2000) completa relatando que, primeiramente, o indivíduo
semelhante é o modelo de identificação, e esta nada mais é do que uma tentativa
imaginária de superação do caos decorrente do nascimento prematuro e, portanto, da
vivência de um corpo que se apresenta como fragmentado.
Lacan (1938/2003) indica o estabelecimento da função psíquica denominada de
identificação afetiva, visualizada, sobretudo, no Complexo de Édipo, mas pouco
definida quando diz respeito a este estádio relatado. Assim: “foi o que tentamos suprir
por uma teoria dessa identificação, cujo momento genético designamos com o termo
estádio do espelho” (pp. 32 – 33).

O estádio assim considerado corresponde ao declínio do desmame, ou seja,


ao fim desses seis meses cuja dominante psíquica de mal-estar,
correspondente ao atraso do crescimento físico, traduz essa prematuração do
nascimento que é, como dissemos, o fundamento específico do desmame no
homem. Ora, o reconhecimento pelo sujeito de sua imagem no espelho é um
fenômeno que, para a análise desse estádio, é duplamente significativo: o
fenômeno aparece após seis meses e seu estudo nesse momento revela de
maneira demonstrativa as tendências que constituem, então, a realidade do
sujeito; a imagem especular, em virtude mesmo dessas afinidades, fornece
um bom símbolo dessa realidade: de seu valor afetivo, ilusório como
imagem, e de sua estrutura, como ela reflete a forma humana (p. 33, grifo
nosso).

Esse reconhecimento da forma do semelhante – enquanto unidade mental –


revela uma correlação de inteligência e de sociabilidade. No macaco e no homem, o
interesse por sua imagem especular, com tentativas de apreensão manual, ocorre;
contudo, é apenas no homem que esses jogos predominam ao final do primeiro ano,
“idade denominada por Bühler19 ‘idade do chimpanzé’, porque aí o homem passa por
um nível semelhante de inteligência instrumental” (LACAN, 1938/2003, p. 33). Jacques

19
Charlotte Bühler (1893 – 1974), psicóloga do desenvolvimento, que desenvolve o conceito de
transitivismo (CORNIGLIO, 2014), apontado posteriormente neste estudo.

15
Lacan, em textos posteriores20, porém, irá afirmar que o primata apresenta uma
inteligência instrumental superior a do homem neste período.
De acordo com Simanke (2002), a condição biológica do homem o faz romper
com o mundo animal e, em relação às condições21 da libido no aparecimento do
fenômeno especular, há no homem (diferentemente do animal, no qual existe uma
determinação atrelada ao instinto, fixada genética e constitucionalmente) um
preenchimento imaginário desta bagagem instintiva incompleta, diante desta
insuficiência vital originária, que veicula os determinantes sociais da conduta e do
psiquismo.
Existiria nesse estádio uma discordância das pulsões e das funções, que se deve
à sequência da incoordenação dos aparelhos, a qual é prolongada. Disto resultaria o
estádio do espelho, que se constitui afetiva e mentalmente, baseado numa
proprioceptividade que concebe o corpo como despedaçado:

(...) por um lado, o interesse psíquico se acha deslocado para tendências que
visam algum recolamento do corpo próprio; por outro, a realidade,
submetida inicialmente a um despedaçamento perceptivo, cujo caos atinge
até suas categorias, ‘espaços’, por exemplo, tão díspares quanto as estáticas
sucessivas da criança, se ordena refletindo as formas do corpo que fornecem
de alguma forma o modelo de todos os objetos (LACAN, 1938/2003, p. 34).

É ainda neste artigo de 1938 que o autor afirma que isto revelaria a estrutura
arcaica do mundo humano, a qual a psicanálise pode descobrir por meio da análise do
inconsciente – por exemplo, pelos sonhos e pelos sintomas – que encontram vestígios
nas fantasias de deslocamento, deslocação do corpo e a imago do duplo. Afirma, assim,
que será a imago primordial do duplo sobre a qual o eu se modelará.

A tendência pela qual o sujeito restaura a unidade perdida de si mesmo toma


lugar, desde a origem, no centro da consciência. Ela é a fonte de energia de
seu progresso mental, cuja estrutura é determinada pela predominância das
funções vitais. Se a procura de sua unidade afetiva promove no sujeito as
formas em que ele representa sua identidade, a forma mais intuitiva é dada,
nessa fase, pela imagem especular. O que o sujeito dela saúda é a unidade
mental que lhe é inerente. O que ele reconhece nela é o ideal da imago do

20
Formulações sobre a causalidade psíquica (1946); A agressividade em psicanálise (1948); O estádio do
espelho na formação do eu, tal como é revelado na experiência psicanalítica (1949).
21
Condições que, conforme Lacan (1938/2003), não são outra coisa que as tensões psíquicas advindas
dos meses de prematuração, que parecem significar uma dupla ruptura vital: “ruptura dessa adaptação
imediata ao meio que define o mundo do animal por sua co-naturalidade; ruptura dessa unidade do
funcionamento do vivo que submete, no animal, a percepção à pulsão” (p. 34).

16
duplo. O que ele nela aclama é o triunfo da tendência salutar (p. 35, grifo
nosso).

Nessa fase, o mundo próprio é narcísico e Lacan diz evocar, com este termo, não
apenas a estrutura libidinal no sentido energético de investimento da libido no próprio
corpo, relatada por Freud e Abraham, mas a estrutura mental com o mito de Narciso 22,
que indicaria a morte23: “a insuficiência vital de que provém esse mundo; ou o reflexo
especular: a imago do duplo que lhe é central; ou a ilusão da imagem: esse mundo,
como veremos, não contém o outro” (p. 35). Para D’Ávila Lourenço (2000) trata-se,
portanto, da formulação lacaniana de sua teoria do narcisismo, em que a insuficiência
orgânica se preenche com a imagem do corpo completo, ou seja, por um conteúdo
imaginário. A busca do sujeito é, assim, pela ilusão da imagem, pelo reflexo especular:
trata-se de um universo narcísico.

A identificação narcísica com a imagem do espelho já manifesta esta


tendência do homem ao suicídio, alienando-se no duplo, como o legendário
Narciso que, procurando unir-se à sua imagem, caiu na água e se afogou
(LEMAIRE, 1989, apud D’ÁVILA LOURENÇO, 2000, p. 36).

Enquanto o indivíduo estiver atrelado a esta sugestão emocional ou motora –


fornecidas pela imagem do semelhante – ele estará impossibilitado de se distinguir da
própria imagem. A imagem acrescentaria uma intrusão temporária de uma tendência
estrangeira, denominada pelo autor de intrusão narcísica: “a unidade que ela introduz
nas tendências contribuirá, entretanto, para formação do eu” (LACAN, 1938/2003, p.
36). O eu se confunde com esta imagem que o forma e que o aliena primordialmente,
antes mesmo que o eu afirme sua identidade. Ou seja, se num primeiro momento o
irmão proporciona componentes fundamentais para a constituição da imagem própria
(do eu narcísico), em um mecanismo de identificação que é alienante e, portanto, torna

22
“Filho do deus Céfiso, protetor do rio do mesmo nome, e da ninfa Liríope, Narciso era de uma beleza
ímpar. Atraiu o desejo de mais de uma ninfa, dentre elas Eco, a quem repeliu. Desesperada, esta
adoeceu e implorou à deusa Nêmesis que a vingasse. Durante uma caçada, o rapaz fez uma pausa junto
a uma fonte de águas claras: fascinado por seu reflexo, supôs estar vendo um outro ser e, paralisado,
não mais conseguiu desviar os olhos daquele rosto que era o seu. Apaixonado por si mesmo, Narciso
mergulhou os braços na água para abraçar aquela imagem que não parava de se esquivar. Torturado
por esse desejo impossível, chorou e acabou por perceber que ele mesmo era o objeto de seu amor.
Quis então separar-se de sua própria pessoa e se feriu até sangrar, antes de se despedir do espelho fatal
e expirar” (ROUDINESCO & PLON, 1998, p. 530).
23
A morte, aqui, indicada tanto no sentido de carência orgânica quanto no sentido de alienação de si
mesmo (D’ÁVILA LOURENÇO, 2000).

17
difícil diferenciar-se do outro, posteriormente, porém, este se torna um intruso e, em
uma relação de disputa e rivalidade, busca-se descobrir qual deles prevalece (D’ÁVILA
LOURENÇO, 2000). A autora também aponta que, então, surge uma necessidade de
diferenciação, contudo esta ação de desprender-se da imagem do semelhante faz com
que o indivíduo retome o desamparo experimentado no complexo de desmame e, assim,
este momento em que o sujeito reproduz, mas supera este mal estar, é denominado, por
Jacques Lacan, de masoquismo primário24.
A luta travada se daria sobre o terreno do imaginário, e não no de uma
competição vital e, ainda, a rivalidade instaurada só poderia ser analisada considerando
a existência dessa anterior identificação. Será, pois, a agressividade o signo da
constituição de um “eu” emergido numa relação originalmente conflituosa com o
“outro”, do qual se destaca. E mais, a agressividade estaria intimamente relacionada ao
narcisismo, pois a ligação com o outro envolveria uma relação de disputa (SIMANKE,
2002).
Conforme Simanke (2002), a problemática que Lacan visa solucionar é o da
concepção do eu e do objeto, que implica uma simultaneidade, visto que no complexo
do desmame, imperando o auto-erotismo (seguindo os caminhos de Freud), figura-se
um momento sem eu e sem objeto.

Se as características da relação de rivalidade permitem intuir a gênese


imaginária do outro como objeto, só a teoria do estádio do espelho fornecerá
a base para que se pense, simetricamente, a produção do eu do sujeito como
reflexo dessa relação primordial (SIMANKE, 2002, p. 266).

O narcisismo proporciona a antecipação imaginária de um corpo coordenado e


funcional (protótipo do eu) em contraste com a experiência proprioceptiva de um corpo
prematuro (fantasia do corpo fragmentado), provendo “uma espécie de sutura para a

24
Em 1924, Freud, no seu texto O problema econômico do masoquismo, relata que a libido, ao
encontrar o instinto de morte nos organismos, determinará duas atitudes agressivas-ativas, sendo que
seu papel é fundamental em amenizar este instinto destruidor, o direcionando para os objetos externos:
uma parte deste instinto ,colocada em serviço da função sexual e voltada para o objeto, caracteriza o
sadismo primário. Outra parte, porém, é voltada para o organismo, caracterizando o masoquismo
primário. Será neste texto que Freud discorrerá sobre os três modos do masoquismo primário –
concebido como a ligação entre instinto de morte (ou de destruição) e da libido, dirigida ao eu. É certa,
também, a possibilidade de o sadismo primário voltar-se ao sujeito, transformando-se em masoquismo
secundário (FREUD, 1924/2010). Assim, essas noções de sadismo, masoquismo primário, agressividade e
instinto de morte, correspondem, do mesmo modo, ao que Lacan denomina de imagem de um eu que é
despedaçado ou ao dilacaramento do sujeito contra si (KAUFMANN, 1996).

18
desagregação do trauma do desmame” (SIMANKE, 2002, p. 269) que mergulha o
sujeito num desamparo originário. No que se refere ao complexo de intrusão, haveria
uma ruptura do narcisismo e, assim, provocando um novo desequilíbrio, levaria à
formação de um novo complexo: o de Édipo. Logo, a presença do irmão fornece os
componentes necessários ao espelhamento que constitui o eu narcísico, só sendo sentida
como intrusão a posteriori (SIMANKE, 2002).
“O eu se constitui ao mesmo tempo que o outro no drama do ciúme” (LACAN,
1938/2003, p. 36). Simanke (2002) relata que a metáfora do espelhamento funciona para
elucidar o surgimento do eu como um outro, sendo este o eu constituído no estágio do
narcisismo 25, “como resultado daquela ‘nova ação psíquica’ necessária para a superação
do auto-erotismo inicial” (p. 268). O autor ainda clarifica que se trata de uma intrusão
narcísica, como o próprio Lacan evidencia.
Esta constituição do sujeito humano se dá por meio da intervenção da alteridade,
revelando que a constituição do eu ocorre, simultaneamente, à constituição do outro e
do objeto (D’ÁVILA LOURENÇO, 2000).
Sobre este papel da alteridade na formação do eu, Simanke (2002), ao tentar
levantar os referenciais teóricos em que Lacan se baseia, nota que “tanto Sartre quanto
Lacan valem-se do aforismo rimbaudiano ‘Je est un autre’ (“o eu é um outro”) para
ilustrar esse ponto”; entretanto assinala que somente Lacan preocupa-se em dizer que o
eu “seja uma incorporação passiva e alienante da imagem do outro” (p. 303). Nesse
momento da obra lacaniana, ainda também não haveria uma distinção entre o “eu” e o
“sujeito”, na qual a constituição do primeiro daria conta do surgimento do segundo.
Porém, preserva-se a discriminação entre o “je” – que assinala o aspecto subjetivo do eu
– e o “moi” (aspecto objetivo do eu) (SIMANKE, 2002). Retomaremos tal distinção
adiante.
Cukiert & Priszkulnik (2002) salientam que Lacan mostra com sua concepção
especular, que a imagem corporal apresenta um papel fundamental na constituição
subjetiva, pois é por meio da imagem especular que a criança estabelece a relação de
seu corpo com a realidade circundante. Entretanto, esta relação e este reconhecimento
só são possíveis por meio do outro. Como consequência, tanto o seu desejo quanto seu
corpo não serão vividos, inicialmente, como seus, mas “projetado[s] e alienado[s] no

25
“É uma suposição necessária, a de que uma unidade comparável ao Eu não existe desde o começo no
indivíduo; o Eu tem que ser desenvolvido. Mas os instintos autoeróticos são primordiais; então deve
haver algo que se acrescenta ao autoerotismo, uma nova ação psíquica, para que se forma o
narcisismo” (FREUD, 1914/2010, p. 19).

19
outro” (p. 147). As autoras também salientam que, a saída para tal alienação será
possível pela a entrada do Simbólico 26, dimensão esta trabalhada por Lacan nos anos
seguintes de sua obra, que dá à concepção especular uma nova guinada.
Isto posto, Lacan (1938/2003) revela que a confusão afetiva será substituída pela
introdução de um terceiro objeto, fazendo surgir uma situação triangular. Este terceiro
objeto permite ao sujeito enredado no ciúme por identificação duas alternativas: ou um
reencontro com o objeto materno, uma recusa da realidade e a destruição do outro; ou,
levado a outro objeto, o seu reconhecimento como objeto comunicável. O autor alerta,
porém, que o eu assim configurado, portanto, não encontrará, antes da faixa etária dos
três anos de idade, sua constituição essencial.
O desfecho do complexo de intrusão, logo, é a formação da sociabilidade, a
formação do eu narcísico, do outro e, também, do objeto (D’ÁVILA LOURENÇO,
2000). Sua aquisição psíquica é a imago do outro (SIMANKE, 2002).
Simanke (2002) complementa que esse drama é traduzido na disputa por um
objeto, que se torna alvo de desejo por ser desejado pelo outro. Será essa relação do eu
com o outro que desencadeará o processo de fabricação da realidade humana como uma
construção imaginária (o Umwelt do homem). Percebe-se, pois, que o objeto humano
não é natural e o desejo se dá na situação social, importando, dessa forma, não o objeto
em si, mas o valor que é atribuído a este devido ao fato deste ser desejado por um outro;
o desejo se faz presente pela existência do rival (D’ÁVILA LOURENÇO, 2000)
Assim, Lacan (1938/2003) conclui que no complexo fraterno, o papel
traumatizante que o irmão exerce se dá por sua intrusão, e tanto a época de seu
aparecimento, quanto o desenvolvimento psíquico do “primogênito” (do ocupante)
determinarão sua significação. O recém-nascido, chegando após o complexo de Édipo,
configurará outra situação na vida do ocupante, não sendo mais, para este, um obstáculo
ou um reflexo. “Seja como for, é pelo semelhante que o objeto como eu se realiza:
quanto mais pode assimilar de seu parceiro, mais o sujeito conforta ao mesmo tempo
sua personalidade e sua objetividade, garantes de sua futura eficácia” (p. 38).
O irmão, por conseguinte, apresentaria um duplo papel: traumatizante, pela sua
intrusão, embora esta proporcione um destino de sublimação do complexo de desmame,
ao reeditá-lo; constitutivo, visto que é a imagem do irmão que fornecerá o “modelo

26
Registro elaborado nos anos posteriores na obra lacaniana, o qual ganhará grandes destaques em
suas formulações. Em 1953, configurado como tópica, “o conceito de simbólico é inseparável dos de
imaginário e real, formando os três uma estrutura” (ROUDINESCO & PLON, 1998, p. 714).

20
arcaico do eu” (SIMANKE, 2002, p. 270). Mas a intrusão só é vivida como tal, após a
constituição desse primeiro delineamento do eu, não sendo, portanto, uma ameaça ao
narcisismo. O que se observa, entretanto, é que o surgimento do sujeito psíquico está
atrelado a uma operação que é, em sua essência, traumática – inclusive no sentido
clínico do termo (SIMANKE, 2002).
A centralidade do complexo de intrusão também revela o interesse de Lacan pela
paranoia, visto que as consequências desse complexo têm implicações nos quadros
patológicos. Lacan revela que o eu paranoico se objetiva como um outro (figura do
perseguidor), o que aponta sua origem heterocêntrica, dentre outros pontos de
observações que não são foco deste estudo. Contudo, cabe assinalar que, para Lacan, é a
psicose – e não a neurose – o ponto de referência e que assinala a verdade do sujeito,
por se tratar de uma relação de constituição de objetos.

1.1.3. Os últimos passos: 1946 e 1948

Fazendo um recorte em seu texto de 1946 denominado Formulações sobre a


causalidade psíquica, recorte este que nos propicia persistir na compreensão de seu
texto sobre o estádio do espelho de 1949, é possível observar que Lacan prossegue
relatando que a história do sujeito se desenvolve numa rede de identificações ideais,
representantes dos fenômenos psíquicos relacionados à função da imago, sendo o Eu um
sistema central dessas formações – compreendido, semelhante a estas, tanto em sua
estrutura imaginária quanto em seu valor libidinal.
Lacan aponta a identificação que Freud faz do eu com o sistema percepção-
consciência, e sua relação de adaptação ao princípio de realidade27. Trata-se, porém,
para o psicanalista francês, de designar o eu como o lugar da Verneinung28, isto é, “o
fenômeno pelo qual o sujeito revela um de seus movimentos pela própria denegação que
faz deles, e no momento mesmo que a faz” (p. 180). É, portanto, uma negação formal,
um típico fenômeno de desconhecimento. Não se trata, assim, de fazer o eu uma
instância do real e do conhecimento, mas sim, do desconhecimento (PORGE, 2006,
apud BONI JÚNIOR, 2010).

27
O eu e o id (FREUD, 1923/2010).
28
Conceito explorado por Freud em seu artigo “A negação” (1925).

21
O autor recorda, neste texto, o que apontou outrora29: que a criança se identifica,
em seu sentimento de si, com a imagem do outro, a qual vem cativar este sentimento, o
que reafirma o funcionamento do outro como um espelho – considerando a condição de
uma diferença etária que, agora, relata necessitar obedecer ao limite que não ultrapasse
de um ano, no início da fase estudada.
Assim:

Já aí se manifesta um traço essencial da imago: os efeitos observáveis de


uma forma, no sentido mais amplo, que só pode ser definida em termos de
semelhança genérica, e que portanto implica como primitivo um certo
reconhecimento (p. 182).

No que concerne ao rosto humano, seus efeitos, porém, são notados desde o
décimo dia após o nascimento. O psicanalista salienta que a primeira repercussão da
imago no ser humano é seu efeito alienante, pois será no outro que o sujeito se
identificará e se experimentará a princípio, o que parece “menos surpreendente ao nos
lembrarmos das condições fundamentais sociais do Umwelt humano – e ao evocarmos a
intuição que domina toda a especulação de Hegel” (LACAN, 1946/1998, p. 182).
Segundo Roudinesco & Plon (1998), o termo Umwelt – assim como as
inspirações wallonianas, hegelianas e hursselianas –, foram utilizados por Jacques
Lacan para descrever sua teoria do imaginário. Umwelt é um termo extraído do autor
Jakob von Uexküll30, que o designava como definição do mundo “tal como vivido por
cada espécie animal” (p. 371). Este autor indicava uma relação de dependência entre o
indivíduo e seu meio, pois este seria internalizado em cada espécie. Ou seja, cada
organismo estabelece uma relação com o mundo de modo peculiar, com percepções
subjetivas (D’ÁVILA LOURENÇO, 2000). O termo imaginário, utilizado a partir de
1936, é correlato da expressão do estádio do espelho e designa “uma relação dual com a
imagem do semelhante” (p. 371), sendo, a partir da década de 1950, no âmbito de uma
tópica, associado ao Simbólico e ao Real (ROUDINESCO & PLON, 1998).
O desejo do homem também é constituído por mediação: o desejo é o desejo do
outro. Logo, o objeto do seu desejo é o desejo do outro, pois este objeto não pode ser
constituído sem uma mediação, e o autor utiliza como exemplo o fato da dependência
humana muito primordial, quando suas necessidades primitivas precisam ser saciadas
29
p. 14 (item 1.1.2.).
30
Biólogo alemão, falecido em 1944 (ROUDINESCO & PLON, 1998).

22
pelo preparo do seu alimento, realizado por alguém. Para isto, Lacan recorre à dialética
hegeliana do Senhor e do Escravo 31 para mostrar o desejo como ocorrendo no meio
social, visto que esta passagem de Hegel descreve a luta de dois adversários que buscam
um reconhecimento mútuo, visto que é este reconhecimento que proporciona o processo
de humanização (D’ÁVILA LOURENÇO, 2000). Esta batalha, contudo, apresenta
alguns impasses, sendo um deles o fato de que a luta não pode ser travada até à morte de
um dos adversários, pois senão o ansiado reconhecimento não viria (D’ÁVILA
LOURENÇO, 2000).
Ainda como uma solução não satisfatória, um dos adversários deveria, então,
recuar e, assim, reconhecer ao outro como seu Senhor – implicando, com isto, abrir mão
do reconhecimento –, mas como o Senhor não reconhece a dignidade do Escravo, isso
não possibilita ao Senhor a condição de sujeito. Não há, também, uma identificação por
parte do Escravo com sua posição assumida, e este almeja ultrapassar sua condição pelo
trabalho. Este desejo, porém, faz com que o Escravo trabalhe para o Senhor, enquanto
há um adiamento – sem prazo – da satisfação deste desejo (D’ÁVILA LOURENÇO,
2000). Em outras palavras: “o que quer dizer que, no movimento que leva o homem a
uma consciência cada vez mais adequada de si mesmo, sua liberdade confunde-se com o
desenvolvimento de sua servidão” (LACAN, 1946/1998, p. 183). E mais, “o grande
impasse da relação dual imaginária é esse de que não há o reconhecimento de dois
desejos, dois sujeitos, mas de um desejo alienado no desejo do outro” (CUKIERT &
PRISZKULNIK, 2002, p. 147).
Lacan, ainda neste artigo (1946/1998) questiona, então, se a imago apresenta
como função instaurar no homem uma relação fundamental entre sua realidade e seu
organismo. E é ao questionar a gênese psicológica do homem que Lacan aponta sua
construção sobre o estádio do espelho, dizendo esta ser melhor denominada como fase
do espelho – distinção dos termos não trabalhada pelo autor. Porém, ao referir-se a sua
primeira comunicação em 1936 (como citado anteriormente 32), alega ter sido seu
objetivo, naquele momento, evidenciar a conexão existente “de um certo número de
relações imaginárias fundamentais num comportamento exemplar de uma certa fase do
desenvolvimento” (p. 186, grifo nosso), parecendo, ao empregar o termo “fase”
novamente, indicar que ainda não pensava em termos estruturais e ontológicos.

31
Presente em Fenomenologia do Espírito, de Hegel, publicado em 1807.
32
Introdução, p. 2.

23
Lacan (1946/1998) segue, revelando o comportamento da criança diante de sua
imagem no espelho a partir dos seis meses de vida, o qual difere do chimpanzé – como
salientado anteriormente33, o que parece sinalizar, entretanto, que apesar de Lacan
referir-se ao outro como mediador e assumindo uma função especular, o espelho físico
também parece ser um objeto presente neste momento do desenvolvimento da criança,
visto sua comparação entre esta e o chimpanzé diante do “refletido”.
Esta assunção triunfante da imagem seria, para o autor, “um desses fatos de
captação identificatória pela imago que eu estava procurando isolar” (p. 186). E isto,
prossegue, mantém relação – da forma mais direta – “com a imagem do ser humano que
eu já encontrara na organização mais arcaica do conhecimento humano” (p. 186). Esta
ideia também vai ao encontro com a de outros autores, como Lhermitte34, citado por
Lacan (1946/1998), que em 1939 publicou um livro com seus estudos sobre a
“singularidade e autonomia da imago do corpo próprio no psiquismo” (p. 186).
O autor também discorre sobre a imago como o objeto próprio da psicologia,
embora sua noção ainda não esteja clara. Entretanto, sublinha que a imago – fundada
por certo tipo de causalidade, a psíquica – apresenta como função “realizar a
identificação resolutiva de uma fase psíquica, ou, em outras palavras, uma metamorfose
das relações do indivíduo com seu semelhante” (p. 189, grifo nosso). No que concerne à
imago do corpo próprio, existiriam diversos fenômenos subjetivos (ilusão dos
amputados, alucinações do duplo etc) vinculados, mas esta apresentaria uma autonomia
constatada como “lugar imaginário de referência das sensações proprioceptivas” (p.
187, grifo nosso).
Lacan, ainda em Formulações sobre a causalidade psíquica (1946), segue
dizendo ter ido mais longe em sua concepção existencial do fenômeno do estádio do
espelho e o vincula com o que denominou de “prematuração do nascimento do homem”
(p. 187). Será diante do atraso constituinte do lactente (do retardo do desenvolvimento
do neuro-eixo, visualizado na descoordenação motora e do equilíbrio, como destacado
por Lacan e de reconhecimento pelos anatomistas35, como cita o autor) que a maturação
precoce advinda pela percepção visual adquirirá o valor de antecipação funcional,
resultando, disso, a realçada prevalência da estrutura visual no reconhecimento da forma
humana, desde muito cedo. E as probabilidades de identificação com esta forma

33
p. 15 (item 1.1.2.).
34
Jacques Jean Lhermitte, neurologista e neuropsiquiatra francês, nascido em 1877 (FONTANARI, 2007).
35
Referência a Louis Bolk (1866 – 1930), anatomista holandês que criou a teoria da fetalização (OGILVIE,
1991), comentado posteriormente.

24
humana recebem desta uma contribuição decisiva, a qual constrói no homem o nó
imaginário e fundamental, que a psicanálise denominou de narcisismo.
É localizada nesse nó a relação da imagem com a tendência suicida revelada no
mito de Narciso (tendência que Lacan situa, em Freud, como o instinto de morte ou o
masoquismo primordial) e essa morte do homem é experimentada pelo próprio

na fase de miséria original que ele vive, desde o trauma do nascimento até o
fim dos primeiros seis meses de prematuração fisiológica, e que depois irá
repercutir no trauma do desmame (p. 188).

Simanke (2002) aponta que o objetivo de atingir a fórmula mais geral da loucura
foi alcançado, de forma sistemática, neste texto de Lacan, em que o autor afirma ser “o
Eu primordial, como essencialmente alienado. (...) a estrutura fundamental da loucura”
(LACAN, 1948/1998, p. 188, grifo nosso).
Aos que acreditavam que a descrição de Lacan destinava-se a uma concepção
metafísica do homem, Lacan propôs buscar tal fenômeno da imagem no mundo animal.
O autor relata que os fenômenos psíquicos devem se manifestar também neste mundo e
a imago pode ser observada ali, em se tratando, pelo menos, dos animais cujo ambiente
admite a agregação dos semelhantes, observado no gregarismo, utilizando, para isso, o
trabalho etológico de Harrison sobre os pombos como um dos exemplos da atuação
essencial da imagem no desenvolvimento.
Os estudos de Harrison mostraram que a ovulação na fêmea do pombo só ocorre
na percepção visual de seu congênere, mostrando ser este o sentido de especial atuação
neste fenômeno (o que não ocorre com o olfato ou a audição). Na presença visual do
macho ou da fêmea, a fêmea do pombo torna-se capaz de ovular – mais rapidamente, é
certo, na presença do macho – e, mais do que isso, sua ovulação também ocorre caso
seja capaz de visualizar sua própria imagem em um espelho. Tal observação do campo
da Etologia será retomada em seu texto de 1949, mostrado posteriormente.
Por fim, em seu último texto nos Escritos anterior ao texto central deste trabalho,
denominado A agressividade em Psicanálise (1948), Lacan trabalha em torno de
algumas teses. A primeira é a de que “a agressividade se manifesta numa experiência
que é subjetiva por sua própria constituição” (p. 104), isto é, a experiência agressiva
não só se constitui como subjetiva, como também a experiência de constituição
subjetiva se dá sob o signo da agressividade (SIMANKE, 2002). Na segunda, destaca

25
que “a agressividade, na experiência, nos é dada como intenção de agressão e como
imagem de desmembramento corporal” (p. 106), ou seja, a agressividade anuncia-se
vinculada a teoria do imaginário (imagem de desmembramento do corpo), além de
manifestar não como objeto psicológico, como sentimento, mas como intenção
(SIMANKE, 2002).
Neste artigo, portanto, Lacan trabalhará a aplicação da teoria do imaginário e da
identificação especular para explicar as tendências agressivas (SIMANKE, 2002), além
de salientar que a agressividade é um elemento essencial na experiência formativa do eu
(BONI JÚNIOR, 2010).
A psicanálise – alega Lacan (1948/1998) –, no que se refere às imagens –
fenômenos mentais –, partiu da função formadora que estas apresentam nos sujeitos,
sendo “a primeira a se revelar à altura da realidade concreta que eles representam” (p.
107). A teoria psicanalítica também revelou que

se as imagens atuais determinam tais ou quais inflexões individuais das


tendências, é na condição de variações das matrizes que constituem, para os
próprios ‘instintos’, esses outros específicos que fazemos corresponder à
antiga denominação imago” (p. 107).

Os conjuntos das imagens primordiais (castração, dilaceração, desagregação,


devoração etc.), Lacan as agrupa sob a rubrica de imagos do corpo despedaçado.
Avancemos36, porém, para sua quarta tese, a de que

a agressividade é a tendência correlativa a um modo de identificação a que


chamamos narcísico, e que determina a estrutura formal do eu do homem e
do registro de entidades característico de seu mundo (LACAN, 1948/1998,
p. 112, grifo nosso).

Mais uma vez, o autor aponta que, na criança, a experiência de si próprio, nos
primeiros meses de vida – reportando-se a seu semelhante – ocorre a partir de uma
circunstância vivida como indistinta. Em meados dos oito meses de idade, as crianças
(não tendo uma diferença etária superior aos dois meses e meio) confrontam-se e:

vemos os gestos de ações fictícias com que um sujeito acompanha o esforço


imperfeito do gesto do outro, confundindo sua aplicação distinta: as

36
Sua terceira tese é a de que “os impulsos de agressividade decidem sobre as razões que motivam a
técnica da análise” (LACAN, 1948/1998, p. 109).

26
sincronias da captação especular, mais notáveis ainda por se anteciparem à
completa coordenação dos aparelhos motores que elas empregam” (pp. 114 –
115).

De acordo com Simanke (2002), a expressão “sincronias da captação especular”


adquirirá posteriormente outro significado na obra lacaniana, porém neste momento ela
alega a existência de uma rede de relações, e não mais um episódio específico da
história individual. Com esta proposição, prossegue, Lacan refere-se ao conceito de
transitivismo 37, de Charlotte Bühler.
Lacan também insiste no caráter primordial da experiência o que, por um lado,
ressalta seu caráter formativo – que se constata como objetivo desde sua primeira
formulação – e, por outro, enfatiza a ideia de que se trata de uma matriz, e não de uma
simples fase do desenvolvimento o que se elabora:

a qual, justamente por atravessar toda a história do sujeito daí por diante,
permite uma consideração sincrônica de sua vida psíquica, afastando a ideia
de que a elaborada teoria lacaniana do imaginário possa degenerar uma mera
psicologia do desenvolvimento (SIMANKE, 2002, pp. 316 – 317).

Apesar de dar créditos a Wallon por seus apontamentos, Lacan (1948/1998)


acredita ter ele mesmo destacado que a criança, nessas ocasiões, anteciparia no plano
mental uma conquista de unidade funcional de seu próprio corpo, visto que este ainda
estaria inacabado, no que compete à motricidade voluntária.
Assim, prossegue relatando que essa primeira captação pela imagem esboça o
primeiro38 momento da dialética das identificações, o qual está ligado a um fenômeno
de Gestalt, “à percepção muito precoce, na criança, da forma humana” (p. 115), como o
rosto humano, cujo interesse se manifesta desde muito cedo no infans. Porém, o
fenômeno de reconhecimento, no qual estaria implicada a subjetividade, é demonstrado
– desde o sexto mês – pelos sinais de “jubilação triunfante e o ludismo de
discernimento” (p. 115) que caracterizam o encontro da criança com sua imagem no

37
Conceito formalizado por Bühler, nos anos 1920, em que a autora descreve, segundo Boni Júnior
(2010), “o comportamento de crianças que se indistingue daquele realizado com seu par semelhante”
(p. 115), ou seja, esta confusão (e consequente alienação) entre o sujeito em constituição e o outro
(SIMANKE, 2002). Daí Lacan (1948/1998) afirmar que “a criança que bate diz que bateram nela, a que vê
cair, chora” (p. 116). Em 1946, Lacan refere-se a este conceito nos termos de “uma verdadeira captação
pela imago do outro” (p. 182). Bühler também é referenciada nas notas de Dolto (ANEXO, item 5).
38
Simanke (2002) alerta que tanto “primeiro” quanto “primordialmente” querem dizer originário, e não
somente cronologicamente anterior.

27
espelho. Isto, entretanto, se distancia da conduta de indiferença apresentada pelos
animais (chimpanzé).

O que chamei de estádio do espelho tem o interesse de manifestar o


dinamismo afetivo pelo qual o sujeito se identifica primordialmente38 com a
Gestalt visual de seu próprio corpo: ela é, em relação à descoordenação
ainda muito profunda de sua própria motricidade, uma unidade ideal, uma
imago salutar: é valorizada por todo o desamparo original, ligado à
discordância intra-orgânica e relacional do filhote do homem durante os
primeiros seis meses de vida, nos quais ele traz os sinais neurológicos e
humorais, de uma prematuração natal fisiológica (LACAN, 1948/1998, pp.
115 – 116, grifo nosso).

Simanke (2002) discorre que a consequência trazida pela prematuração é o


inevitável fato de que esta captação imaginária não é um momento evolutivo a ser
superado, mas sim, possui uma permanência enquanto estrutura. Assim, será esta
captação pela imago da forma humana que dominará a dialética do comportamento da
criança na presença do seu semelhante, no período datado entre os seis meses e os dois
anos e meio de idade, período este em que se manifestam as reações e os testemunhos
de um transitivismo normal. Será, ainda, nessa identificação com o outro,

que ela vive toda a gama das reações de imponência e ostentação, cuja
ambivalência estrutural suas condutas revelam com evidência, escravo
identificado com o déspota, ator com o espectador, seduzido com o sedutor
(LACAN, 1948/1998, p. 116).

Nisso, argumenta o autor, haveria uma espécie de encruzilhada estrutural, na


qual o pensamento deve ater-se à compreensão da natureza da agressividade no homem

e sua relação com o formalismo de seu eu e de seus objetos. Essa relação


erótica, em que o indivíduo humano se fixa numa imagem que o aliena a si
mesmo, eis aí a energia e a forma donde a organização passional que ele irá
chamar de seu eu (LACAN, 1948/1998, p. 116).

O eu se cristaliza numa tensão conflitiva que é interna ao sujeito, a qual


determina o “despertar de seu desejo pelo objeto do desejo do outro” (p. 116), que
envolve uma concorrência agressiva que fará nascer uma tríade composta pelo outro,
pelo eu e pelo objeto. E desde sua origem, o eu se esculpe grifado por essa relatividade
agressiva. Logo, esta condição na qual o sujeito em formação encontra-se, imerso no

28
modo imaginário, evidencia uma estrutura ternária39 (tríade apontada acima, em um
resgate a Kojève), “em que o sujeito deseja o objeto desejado pelo outro, toma o
próprio desejo do outro como objeto do seu desejo, e assim por diante” (SIMANKE,
2002, p. 317, grifo nosso).
Lacan (1948/1998), então, frisa três aspectos: de que o eu, desde sua origem, é
marcado por uma relatividade agressiva; a impossibilidade do eu do homem se reduzir à
sua identidade vivida; a estrutura paranoica do eu, em suas relações com as negações
fundamentais descritas por Freud (delírios do ciúme, da erotomania e de interpretação).
Prosseguindo, o autor novamente cita a passagem de Santo Agostinho17 e
completa:

Assim liga ele imperecivelmente, à etapa infans (anterior à fala) da primeira


infância, a situação da absorção especular: a criança contemplava, reação
emocional; inteiramente pálida, reativação das imagens da frustração
primordial; e com uma expressão amarga, que são as coordenadas psíquicas
e somáticas da agressividade original (p. 117).

Demarcando algumas contribuições importantes da psicanalista Melanie Klein,


Lacan, porém, destaca querer isolar “a noção de uma agressividade ligada à relação
narcísica e às estruturas de desconhecimento e objetivação sistemáticos que
caracterizam a formação do eu” (p. 118). Quanto a este desconhecimento, Lacan critica
certa herança em Freud da psicologia clássica (por apontar o eu como sistema
percepção-consciência), porque tal visão parece ignorar a realidade de tudo o que o eu
negligencia, esconde, desconhece e ignora.
O psicanalista francês aponta ser própria de uma cultura de mentalidade
antidialética a redução ao ser do eu toda a atividade subjetiva, na qual as afirmações de
certas identidades, no fundo, apresentam menos dificuldades do que se deparar com a
afirmação geral de que “‘Eu é um outro’”40 (p. 120). O autor alega haver, portanto, na
evolução histórica de nossa cultura, uma confusão entre o status objetivo do [eu] e o
sujeito, em que, em uma miragem impossível, o sujeito aparece na posição de
determinativo e agente de suas ações.

39
Tal estrutura ternária do imaginário, porém, fará com que Lacan, posteriormente, proponha uma
estrutura quaternária para o simbólico, quando tal registro for predominante em sua obra (SIMANKE,
2002).
40
Trata-se do pronome da primeira pessoa do singular, “je”, como visto na edição francesa: “Je est un
autre” (LACAN, 1948/1966, p. 118) e citado na p. 19 deste presente estudo.

29
Criticando, por fim, os abusos do cogito ergo sum41, o autor atesta: “o eu, em
nossa experiência, representa o centro de todas as resistências ao tratamento dos
sintomas” (p. 120). Logo, ao formular o estádio do espelho, em que o eu se constitui por
identificações, Lacan retira da consciência seu lugar central, pois se estabelece a
concepção de que o eu se forma a partir do outro, ou seja, pela imagem que este
semelhante devolve, apontando que Lacan se coloca contrário às concepções, por
exemplo, da Ego Psychology42 (proeminente nos Estados Unidos), já que coloca o eu,
sobretudo, como sede de desconhecimento. Há, no espelho, o engodo da imagem
(CUKIERT & PRISZKULNIK, 2002).

1.2. O texto de 1949

Compreende-se que, aqui, ‘espelho’ é um termo genérico: Wallon já havia


observado que o espelho é apenas um elemento entre ‘mil outros pontos de
referência’ suscetíveis de analogias e de assimilações. É todo e qualquer
comportamento de um outro que lhe responda que desempenha aqui o papel
de um espelho, e mesmo qualquer traço material que a criança deixe atrás de
si, jato ou destroço, no qual ela se contemple como sendo a autora
(OGILVIE, 1991, p. 111).

Diferentemente do tom “psicológico” assumido em suas abordagens anteriores,


em 1949 observa-se, em Lacan, a utilização das teorias estruturalistas, embora ainda
situe suas concepções no contexto da psicologia comparada (SIMANKE, 2002).
Algumas das referências teóricas, utilizadas pelo psicanalista francês para pensar o
estádio do espelho: no caso da psicologia comparada, especialmente Bühler 19 (estudo do
transitivismo37); Baldwin, com os fenômenos de imitação na primeira infância; Köhler e
a imitação do chimpanzé diante do espelho e Wallon, o qual descreve o comportamento
da criança diante de sua imagem (SALES, 2005).
Observa-se, nos textos analisados anteriormente, que Lacan refere-se tanto ao
termo “sujeito” quanto fala sobre a formação do eu (moi), mas referir-se a uma teoria da

41
Referência a René Descartes (1596 – 1650), filósofo francês do século XVII, em cuja filosofia a
afirmação da consciência de si, como ideia clara e distinta, é a base (KOYRÉ, 1986).
42
Trata-se, portanto, da primazia do Eu sobre o Id (ROUDINESCO, 1994). A Ego Psychology –
representada por figuras como Rudolph Loewenstein, Erik Erikson e Heinz Hatmann – liga-se ao
annafreudismo e privilegia o ego (eu, self, indivíduo) em detrimento do Id (inconsciente, sujeito)
(ROUDINESCO & PLON, 1998).

30
constituição subjetiva, neste período de sua obra, ainda é pouco preciso 43. Em 1949, ao
discorrer sobre a formação do “je” e, com isso, apontar para os dois aspectos do eu, isto
é, o “je” e o “moi”, Lacan dá mais um importante passo para sua evolução teórica – e
outros maiores virão quando reformular suas conceituações sobre o Complexo de
Édipo.
Lacan apresenta um comprometimento em vincular a teoria e a prática clínica,
porém a denotação exclusivamente imaginária atribuída aos dramas pessoais também
contribui para o abalo deste compromisso, adquirindo a necessidade de revisão. A
perspectiva hegeliana adotada até então, relatada na teoria do imaginário – a de que por
meio da luta das consciências o sujeito poderia obter a consciência de si e, assim, o
estado de Sujeito Absoluto44 – não considera os aspectos inconscientes (de
desconhecimento) que determinam a constituição do indivíduo, além de seu fator
alienante insuperável45 (D’ÁVILA LOURENÇO, 2000).

É interessante percebermos que Kojève, ao mesmo tempo em que colabora


para a definição lacaniana do registro do imaginário, aponta para suas
insuficiências ao afirmar que hominização é um processo contínuo de crises
dialéticas: se as crises dialéticas necessariamente implicam diferenças, como
o processo de hominização pode ser descrito exclusivamente pelo
funcionamento imaginário, que se caracteriza pela noção de equivalência?
Esse impasse se traduz numa questão essencial: como Lacan pode atender a
necessidade de apresentar uma teoria da constituição subjetiva se, pelo
crivo do imaginário, sujeito e objeto permanecem equivalentes? (D’ÁVILA
LOURENÇO, 2000, p. 68, grifo nosso).

Surge, assim, a necessidade de novas explicações que possam abarcar o processo


de constituição do sujeito e dos objetos – e que permitissem a experiência clínica –,
pensando agora em outro modo de funcionamento psíquico: o funcionamento do
registro simbólico (D’ÁVILA LOURENÇO, 2000).
Sales (2005) aponta que, se antes o estádio do espelho era analisado em função
da presença do irmão, em 1949 esta presença passa a ser vista de forma mais geral,
relacionando-se ao outro, o semelhante. Contudo, o que permanece é o projeto de
43
Segundo Miller (s/d), desde Os complexos familiares (1938), Lacan distingue o eu do sujeito, ainda que
não defina este último, mas o marca enquanto um sujeito dividido.
44
“Para Hegel, o indivíduo só pode atingir sua verdadeira subjetividade quando impõe ao outro, num
conflito, sua condição de sujeito (é através da luta das consciências que a consciência de si pode ser
alcançada)” (D’ÁVILA LOURENÇO, 2000, p. 54).
45
Segundo D’Ávila Lourenço (2000), as implicações clínicas para esta concepção do Sujeito Absoluto
seria algo parecido com um sujeito, em final de análise, que seria consciente de tudo, sem inconsciente,
o que é uma ilusão.

31
esclarecer o estágio do narcisismo – herdeiro de sua tese de doutorado – sendo sobre
este que se voltará a teoria desenvolvida sobre o estádio do espelho, visando
proporcionar uma teoria genética do eu.

Foi sobre o ponto até hoje confuso da localização do narcisismo primário e


de sua relação com a constituição do eu que se fundamentou a concepção
lacaniana do estádio do espelho, desenvolvida em 1949. Para Jacques
Lacan, o narcisismo originário constitui-se no momento em que a criança
capta sua imagem no espelho, imagem esta que, por sua vez, é baseada na
do outro (ROUDINESCO & PLON, 1998, p. 532, grifo nosso).

Para Le Poulichet (1997), porém, a criança primeiramente rivaliza com sua


própria imagem no espelho, indicando que, de início, há uma identificação da criança
com a imagem refletida no espelho que prepara, posteriormente, a identificação com o
semelhante – funcionando, este, agora, como espelho. Observa-se, assim, uma
separação não cronologicamente situada, a qual assinala não uma sobreposição entre o
espelho e o outro, mas sinaliza que, se antes a criança rivaliza com sua imagem no
espelho, posteriormente rivalizará com a imagem do outro, pois será o corpo do outro
sua imagem. Lacan, porém, parece propor desde 1938 que será o semelhante que
funcionará como espelho, embora a presença do espelho físico não seja descartada, em
que esta separação do que funcionaria como espelho a priori não é discutido pelo autor.
Iniciando seu famoso texto de 1949, Lacan invoca as comunicações de 1936,
informando ter-se tornado comum, entre alguns franceses, a concepção do estádio do
espelho. Contudo, anuncia uma mudança em sua exposição: discorreria sobre a função
do je, à luz da experiência psicanalítica, sendo esta, no entanto, oposta às filosofias
originárias do Cogito cartesiano46. Sabe-se que o Cogito cartesiano parte da primazia da
consciência de si, colocando em evidência que a garantia da existência relaciona-se e
depende, no ponto inicial de seu sistema, da ação de pensar. A psicanálise, porém, ao
sinalizar e discorrer sobre os processos inconscientes na vida dos sujeitos como
fundamentais, não mais poderia se guiar por uma abordagem que diz ser a morada dos
homens um lugar em que ele não existe47: “penso onde não sou, sou onde não penso”
(Lacan, 1964/1995).

46
Este apontamento também relembra Kojève e o ensaio que Lacan realizaria com o filósofo, mas não o
fez. Kojève propunha a passagem da filosofia do “eu penso” para “eu desejo”, o que culmina na cisão
realizada entre je (lugar do pensamento ou do desejo) e do moi (fonte de erro) (ROUDINESCO, 1994).
47
Em Freud (1916/2014) observa-se um questionamento sobre o homem da razão ocidental, revelando
que o Eu “não é nem mesmo senhor de sua própria casa” (p. 381).

32
Neste artigo de 1949, Lacan rememora seu raciocínio exposto na conferência
anterior, no qual citou a psicologia comparada e assinalou o aspecto diferencial do
primata e do filhote humano, o qual é capaz de reconhecer sua própria imagem no
espelho. Esta reação à descoberta da imagem especular também se diferencia do símio,
pela permanência do interesse pelo refletido (SIMANKE, 2002; ANEXO). Este ato de
reconhecimento diante deste complexo virtual capaz de repetir a realidade – em torno
dos seis meses até os dezoito meses de idade – faz com que a criança experimente de
forma lúdica tanto os movimentos assumidos pela imagem em relação ao seu próprio
corpo, como também de outras pessoas e objetos. O autor prossegue apontando que
nesta cena cativante a criança, apesar da falta de controle da marcha e de sua postura
ereta, é apta a superar suas insuficiências, para apreender um aspecto instantâneo da
imagem.

Trocando em miúdos, isso quer dizer que, ao contrário do filhote animal, a


experiência do espelho tem, no homem, um papel constitutivo ou, melhor
dizendo, ela serve de modelo e explicita as condições fundamentais sob as
quais dá-se a gênese do sujeito humano (SIMANKE, 2002, p. 310).

Se para Wallon48, conforme Ogilvie (1991), a prova do espelho é uma


experiência de conhecimento e reconhecimento da realidade, isto é, é um momento no
desenvolvimento cognitivo em que a criança adquire “consciência da realidade tal como
ela é” (p. 106), para Lacan não se trata de uma apropriação positiva, de uma tomada de
consciência nos termos de uma filosofia oriunda do Cogito, mas, ao contrário, versa
sobre

a função do eu, o fato de que o sujeito diga eu, isto é, fale enquanto um eu
que ele visa como uma unidade, mas sobre o qual nada permite prejulgar
quanto ao seu valor, sua extensão, seu lugar e sua importância efetiva (p.
107).

Em outras palavras, é algo “que se trama no sujeito à sua revelia” (OGILVIE,


1991, p. 107). O importante, para Lacan, não é se a criança sabe ou não com o que está
lidando, diante do refletido, mas sim seu interesse por isso, apesar de sua inutilidade
(como percebe, desde o início, o chimpanzé). Contudo, se há este fascínio – sinalizado
por mímicas e gritos – é porque a criança reconhece “desde logo na imagem (...) alguma

48
Trata-se de seu texto Como se desenvolve na criança a noção de corpo próprio, de 1931, publicado no
Journal de Psychologie (OGILVIE, 1991).

33
coisa que lhe diz respeito de maneira imediata” (OGILVIE, 1991, p. 108), isto é, uma
realidade que esconde, acompanha ou se associa ao seu comportamento.

O sujeito não é exterior a este mundo de formas que o fascinam: ele se


constitui em primeiro lugar por elas e nelas. O exterior não está lá fora, mas
no interior do sujeito, o outro está nele, ou ainda: só existe exterioridade, ou
sentimento de exterioridade, porque inicialmente o sujeito recebe em si
mesmo esta dimensão que comanda em seguida sua relação com toda
exterioridade real (OGILVIE, 1991, p. 111).

O psicanalista francês destaca alguns elementos iniciais, como a relação da


criança com um espelho e sua ânsia, em júbilo, em capturar sua própria imagem. Além
disso, esta problemática da constituição – resgatando suas teses psiquiátricas sobre a
paranoia – revela que a reação do infante, diante do espelho, evidencia não só a
dimensão estrutural apontada deste ato, “uma estrutura ontológica do mundo humano”
(LACAN, 1949/1998, p. 98), mas também, uma estrutura que se insere nas reflexões
sobre o conhecimento paranoico (SIMANKE, 2002). Isto significa dizer que o
indivíduo, atribuindo realidade às imagens constituidoras de seu mundo e, inclusive,
àquelas em que reconhece seu eu, repete o fenômeno que se assemelha à crença
delirante na psicose (SIMANKE, 2002). O estádio do espelho termina, então, de
introduzir a condição paranoica na base da realidade humana, “no ‘ser do homem
enquanto tal’” (SIMANKE, 2002, p. 311).
Cukiert & Priszkulnik (2002) notam, igualmente, que em oposição à noção de
estádio na Biologia e à definição de Freud quanto aos estádios pré-genital e genital,
Lacan considera o estádio do espelho como um momento lógico na estruturação do
sujeito. O estádio do espelho passa a ser compreendido não somente como um momento
cronológico no desenvolvimento infantil – pois, neste texto Lacan ainda parece situá-lo
nesses termos –, mas passa a ser analisado como um paradigma, como uma estrutura
permanente da subjetividade, uma estrutura ontológica (SALES, 2005). Simanke (2002)
relata, inclusive, ser em 1948, com o texto ‘A agressividade em psicanálise’, que Lacan
realiza este movimento. O que se coloca em questão, pois, é um olhar estrutural sobre o
estádio do espelho, que ainda não enfatiza o registro do Simbólico, e se relaciona à
teoria do imaginário, na qual a noção de imago ganha desdobramentos e reflexões
(SALES, 2005).
Propõe-se, assim, compreender o estádio do espelho como uma identificação,
“ou seja, a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem – cuja

34
predestinação para esse efeito de fase é suficientemente indicada pelo uso, na teoria, do
antigo termo imago” (LACAN, 1949/1998, p. 97).
Conforme Guillerault (2005), não somente para Lacan e para Dolto o estudo da
imagem foi importante para a concretização de suas bases de pensamento, pois já em
Freud se observava o destaque desta temática relacionada à imagem onírica vinculada
aos processos inconscientes. A Psicanálise iniciou seus trabalhos analisando os
significados das imagens presentes nos sonhos e o que elas significariam em termos de
desejo, salientando uma relação entre a imagem e a psique humana. O próprio Lacan
reconhece a genialidade de Freud no uso da noção de imagem (LACAN, 1936/1998).
Logo, Freud, Lacan e Dolto destacar-se-iam como os nomes que enfatizaram um
tratamento à imagem e ao imaginário, embora esta ênfase no imaginário seja breve em
Lacan, visto que este funcionamento é submetido, posteriormente, a algo de outra
ordem (como o registro do Simbólico, formulado ulteriormente pelo psicanalista
francês).
Conforme Simanke (2002), a ideia lacaniana 49 é a de que o “protótipo do eu é a
identificação com o reflexo especular do próprio corpo, que é assim incorporado como
imagem e, portanto, como o que há de mais tipicamente psíquico ou anímico” (p. 287).
Lacan, neste mesmo artigo d’O estádio do espelho, prossegue:

A assunção jubilatória de sua imagem especular por esse ser ainda


mergulhado na impotência motora e na dependência da amamentação que é
o filhote do homem nesse estágio de infans parecer-nos-á pois manifestar,
numa situação exemplar, a matriz simbólica em que o [eu] se precipita
numa forma primordial, antes de se objetivar na dialética da identificação
com o outro e antes que a linguagem lhe restitua, no universal, sua função
de sujeito (LACAN, 1949/1998, p. 97, grifo nosso).

Lacan, portanto, revela que a imagem especular torna-se a matriz simbólica da


formação do eu (je) primordial (D’ÁVILA LOURENÇO, 2000), isto é, o je se forma
como efeito da incorporação de uma imagem de si, neste momento de dependência
absoluta e de compensação imaginária (SIMANKE, 2002). O psicanalista francês
também enfatiza, ao utilizar as palavras “dialética” e “linguagem”, a participação
complementar do registro do Simbólico no processo formativo do sujeito, antes mesmo
desta dimensão assumir um caráter crucial (SIMANKE, 2002).

49
Simanke (2002) aponta, inclusive, que esta mantém relação, sobretudo, com a filosofia de Espinosa.

35
Lacan (1949/1998) procede relatando que esta forma deve ser designada como
eu ideal50 – origem das identificações secundárias51, as quais exercem uma incumbência
de normalização da libido – e revela que o ponto importante é que esta forma já instala a
instância do eu (moi), desde antes de sua determinação social, em uma linha de ficção
para sempre irredutível. Assim, apesar das sínteses dialéticas realizadas entre as
imagens que se supõe ser e as que experimenta ser, nunca haverá uma coincidência
entre ambas. Não há coincidência entre o je e o moi.
Apesar de Lacan, durante a década de 40, abordar como questões centrais a
determinação da dimensão social sobre a experiência psíquica e as funções da imago e
do conceito de complexo nos processos de constituição subjetiva, em seu artigo de 1949
sobre o estádio do espelho o autor atenta aos fatores psíquicos resultantes da
insuficiência fisiológica característica do recém-nascido, embora não ignore a
determinação exercida pela dialética social (SALES, 2005).

Quando retira o privilégio absoluto de que desfrutava a determinação social


do sujeito, Lacan tem em mente a interação em sociedade de indivíduos
concretos, preterida agora em benefício das estruturas que podem ser
deduzidas a partir dessas relações (SIMANKE, 2002).

Simanke (2002) assinala com este comentário um renovado percurso na obra de


Lacan a partir de suas novas influências: estruturalista, de Lévi-Strauss (indicada com a
referência ao seu texto “A eficácia simbólica”), e antropológica, de Marcel Mauss. Estas
não são observadas em sua tese de 1932, em que a determinação social apresentava-se
como um ponto central em suas explicações. Em decorrência, nota-se em Lacan “o
esvaziamento dos personagens dos dramas pessoais antes descritos com tanta
vivacidade” (p. 319) e, agora, a utilização dos termos “sínteses dialéticas” e
“sincrônicas” para descrever, em nova roupagem, os termos empregados para
caracterizar o estádio do espelho.
No que concerne às distintas grafias do termo “eu”, Simanke (2002), ao discorrer
ainda sobre as “sínteses dialéticas”, sublinha que estas devem, inicialmente, superar a
alienação originária do sujeito em seu eu, e este processo acaba por precipitar uma
espécie de estrutura intra-subjetiva: o “je”. Esta estrutura seria “o representante mais

50
Esta imagem, portanto, relaciona-se com o narcisismo primário e, ainda, por tratar-se de um ideal,
vincula o bebê a uma imagem que gostaria de ser, por antecipação.
51
Há uma coincidência, aqui, com o narcisismo secundário, formado no Complexo de Édipo (D’ÁVILA
LOURENÇO, 2000).

36
legítimo do sujeito” (p. 319) e, ainda nas palavras do autor, seu operador no plano
discursivo funcionaria para solucionar a alienação, ou, como diz Lacan (1949/1998),
“sua discordância de sua própria realidade” (p. 98). Esta realidade discordante,
acrescenta, é a corporal, em que sua maturação é antecipada pela Gestalt do espelho.
Ainda sobre esta diferenciação, Nasio (1999) aponta um importante fragmento
histórico de sua relação com Jacques Lacan:

Estávamos pois com Lacan, jantávamos juntos. Lembro-me muito bem, era
ao lado do hotel Montalembert. Para mim, é muito importante. Era uma
noite, um jantar de trabalho. Mostrei-lhe o texto e lhe disse que, no título, ele
escrevera ‘O estádio do espelho como formador da função do Eu [Moi]’. Ele
disse: ‘O Eu [Moi], que Eu?’ E pulou na cadeira, dizendo: ‘Mas não é o
Moi! É o Je!. O estádio do espelho é formador do Je, não do Moi.’ (p. 62).

Conforme Nasio (1999), essa imagem da criança refletida no espelho é global e a


captura, e essa identificação – a qual é imaginária – divergem com a vida interna do
corpo da criança, com as sensações perceptivas de seu corpo, assim como com suas
pulsões no interior do corpo. Estas últimas, as quais são a vida que fervilha
interiormente, contrastaria com esta imagem integral, unitária e total que se reflete no
espelho, na qual a criança se precipita. “É muito importante o que Lacan diz: ‘Esses
contrastes entre a imagem no espelho e o real do corpo são a matriz da formação, não do
Eu [Moi], mas do Eu [Je].’” (NASIO, 1999, p. 62).
Revisor da tradução espanhola da obra Escritos, Nasio (1999) relata que, por
isso, esteve próximo do Lacan durante este período, discutindo com ele,
frequentemente, sobre os problemas de compreensão do texto de 1949, além de poder
questioná-lo. Um problema encontrado na tradução, porém, refere-se à distinção entre o
“je” e o “moi” utilizada por Lacan, distinção esta não existente na língua espanhola. O
autor continua apontando que a dificuldade se instaura, pois se pensa, ao ler o texto, que
Lacan está se referindo ao “moi”, visto que o “je” pouco apareceria no texto.
Ora, o termo “je” é mencionado, desde o título, 13 vezes, ao passo que o “moi” é
anunciado três vezes. Realmente, alguns autores sinalizam para a formação do “moi” ou
insistem em tratar o estádio do espelho em sua relação com o “moi”, mas o que se
observa, tendo como respaldo, inclusive, a nota de rodapé presente na edição brasileira
consultada, é o apontamento de que o que está em jogo, neste momento da obra de
Lacan, é também a formação do “je”, como, é certo, o próprio Nasio (1999) indica.

37
Tal inflexão pode ser constatada, por exemplo, em Diniz (2006), quando a autora
afirma que o que está em questão no estádio do espelho “é o eu (moi) alienado no
registro do imaginário” (p. 131). Indubitavelmente, trata-se de discorrer sobre o “moi”,
mas acredita-se que a ênfase está na formação do “je”. Também Graña (2011) relata
que, apesar de Lacan assinalar, em seu título, que discorrerá sobre o “je”, o autor se
ocupa principalmente do “moi” em seu texto.
Sales (2005) assinala que, diferentemente dos textos anteriores 52 que se referiam
ao “eu” como “moi”, em 1949, Lacan começa a alternar os termos entre “je” e “moi”,
com preponderância, porém, do primeiro. As concepções serão trabalhadas ao longo da
obra do autor e, posteriormente, o je tornar-se-á o sujeito do inconsciente, noção que,
neste momento, ainda não está formulada nestes termos. A autora ainda destaca ser uma
discordância cronológica atribuir ao texto de 1949 a concepção de sujeito do
inconsciente, já que o conceito de inconsciente estava em elaboração no pensamento
lacaniano. Dessa forma, “o que se pode dizer desse texto é que nele tem início uma
distinção entre eu e sujeito à qual ainda não corresponde à distinção je/moi” (p. 117).
D’Ávila Lourenço (2000) também contribui dizendo não haver neste momento
da obra de Lacan uma distinção nítida entre eu e sujeito, o que mantém nebulosa a
formulação de uma teoria da constituição subjetiva, embora diferencie o eu em seus
aspectos: subjetivo (je) e objetivo (moi), como apontado outrora53.
O “je”, pois, não se funda a partir da imagem do sujeito, produzida,
anteriormente, do lado do “moi” (NASIO, 1999). Paradoxalmente, porém, é só a partir
do moi – da imagem no espelho – que o je é capaz de se precipitar e se estabelecer,
como revelado a seguir:

O Je se funda na distância temporal entre a imagem, que vai mais depressa


do que o corpo, e este último. Com mais exatidão ainda, proponho-lhes
pensar o Je, a matriz do Je, como sendo a épura, a linha, o contorno da
imagem que aparece no espelho. É essa matriz do Je que, mais tarde, será o
sujeito do inconsciente. Na verdade, penso que o Je simbólico, nesse texto,
anuncia o conceito do sujeito do inconsciente, que aparecerá muito mais
tarde (NASIO, 1999, p. 63).

52
É certo, porém, que Lacan refere-se ao “je” em seu texto de 1936, Para além do “Princípio de
Realidade”, como apontado na p. 10 deste trabalho (item 1.1.1.).
53
p. 19 (item 1.1.2.).

38
Assim, o “moi” seria a identificação com esta imagem refletida, que é total e que
a criança sente no corpo e, o “je” seria o contorno desta imagem ligada à defasagem
temporal (NASIO, 1999).
Lacan (1949/1998) refere que o indivíduo, pois, antecipa em uma Gestalt – uma
imagem de unidade –, isto é, uma miragem e numa exterioridade, sua maturação, e esta
imagem mais constitui o sujeito, do que o contrário, tendo duas características: ser
estática e invertida. Estes dois aspectos simbolizarão a permanência mental do “je”,
concomitantemente à sua destinação alienante, ao mesmo tempo, inclusive, que é plena
das correspondências que unirá o “je” a esta “estátua” em que o homem se projeta (a
imagem especular), aos seus fantasmas (suas fantasias construídas sobre si, sua ficção)
que o dominam e ao autômato54, consumando, ambiguamente, sua fabricação (LACAN,
1949/1998). Logo, a imagem antecederá a experiência de completude, e esta unidade,
portanto, vem pela imagem, a qual é constituinte. A imagem, porém, é estática,
diferentemente da experiência.

A metáfora da estátua, que Lacan vai empregar com bastante frequência,


revela assim sua dupla utilidade: ela expressa um corpo psiquicamente
inanimado, ao qual apenas o imaginário pode insuflar vida, mas,
inversamente, conota igualmente o congelamento do fluxo do real, que
permite ao sujeito nele recortar seus objetos e reconhecer seu eu
(SIMANKE, 2002, p. 320).

O conceito de projeção (sustentáculo da elaboração sobre a paranoia), inclusive,


não é só emprestado de Freud, como colocado em um contexto mais amplo, vinculado à
propriedade imanente às formas perceptivas – associando à exterioridade e à
permanência. Torna-se, assim, “apto a responder pela constituição do mundo dos
objetos em geral e não apenas do mundo delirante” (p. 321) e, também, ressalta ser, o
conhecimento humano, caracterizado como paranoico, em que a imago do corpo próprio
desempenha um papel fundador “na construção e na lógica desse conhecimento” e
fornece “o melhor argumento a favor da utilidade da hipótese do estádio do espelho”
(SIMANKE, p. 321, 2002).
Apesar da imagem global refletida no espelho quando a criança se depara em
frente a este, existe uma discordância, uma não correspondência entre essa visão
totalizante desta forma de seu corpo – capaz de precipitar a formação do [eu] – e o
estado de vulnerabilidade motora em que se encontra concretamente, sendo esta

54
“O Inquietante” (FREUD, 1919/2010).

39
prematuridade e impotência a razão desta alienação imaginária no espelho. A proposta é
de que a criança anteciparia, por meio desta experiência diante do espelho e diante desta
imagem total, o domínio de seu corpo (LE POULICHET, 1997).
Esta imagem, porém, é a imagem ideal dela mesma, à qual será incapaz de se
unir. Contudo, ao se identificar com esta imagem, a criança fixa-se nessa estátua,
concluindo ser essa ela própria – embora externa. “Aí está o que Lacan chama de
identificação primordial com uma imagem ideal de si mesmo” (LE POULICHET, 1997,
p. 57).
Sales (2005) corrobora este entendimento, afirmando que a experiência do
espelho permitirá ao bebê reconhecer-se em sua própria imagem e perceber a existência
de uma unidade, embora esta não encontre equivalência em sua vivência proprioceptiva,
visto que seu corpo fornece uma sensação de despedaçamento. A identificação com esta
imagem especular promoverá uma solução para a angústia deste despedaçamento que,
na verdade, revela-se como uma saída ilusória, já que está consolidada na irrevogável
alienação: “essa imagem primeira jamais pode constituir um reflexo fiel: ela informa
uma unidade subjetivamente inexistente” (p. 116).
Simanke (2002) aponta que, no fundo, o que Lacan declara “é que só há unidade
possível no plano imaginário; o corpo enquanto tal só pode produzir um caos de
sensações que se expressam na fantasia do corpo fragmentado” (p. 289).
Lacan (1949/1998) avança, expondo que a imagem especular parece ser a parte
visível das imagos, as quais são inconscientes – exemplificando a disposição especular
revelada na alucinação e no sonho pela imago do corpo próprio, imago esta base para
muitas imagens.

quer se trate de seus traços individuais, quer de suas faltas de firmeza ou


suas projeções parciais, ou ao observarmos o papel do aparelho especular
nas aparições do duplo em que se manifestam realidades psíquicas de outro
modo heterogêneas (p. 98).

O autor segue relatando a potência de uma Gestalt como efeito formador sobre
um organismo, capacidade esta evidenciada em experimentos biológicos – que ignoram
aspectos psicológicos como explicação –, tais como a maturação da gônada na pomba e
a passagem da forma solitária para a forma gregária no gafanhoto migratório. Lacan
atesta a eficácia da visualização de uma imagem similar (identificação homeomórfica)
como auxiliadora no desenvolvimento.

40
Dada a sua insuficiência orgânica, será necessário que o sujeito humano
apreenda sua identidade de outra forma, não em uma predeterminação instintual e, para
isso, Lacan recorre aos modelos etológicos para discorrer como a primeira identificação
ocorre no desenvolvimento humano; ou seja, por não haver um livre acesso ao mundo
natural, é necessário ao sujeito humano preencher sua carência instintual, compondo seu
mundo com imagens: o indivíduo assume uma imagem privilegiada (imagem ideal), o
que evidencia a dimensão imaginária desta identificação (D’ÁVILA LOURENÇO,
2000).

Nesse desamparo orgânico, marcado pela incoordenação motora do corpo, o


sujeito antecipa-se em uma imagem especular, imagem do corpo total. Ele
assume essa imagem e, assim, passa a ter, como forma de sua identidade 55,
uma imagem, ou seja, um outro que não ele (D’ÁVILA LOURENÇO, 2000,
p. 34).

Segundo Sales (2005), com esta comparação, Lacan visa defender que se a
imagem tem um poder formador sobre o animal, no caso do ser humano isso é ainda
mais potente, pois este nasce sob a circunstância de uma característica insuficiência
fisiológica. Porém, D’Ávila Lourenço (2000) aponta que, se no animal esta
determinação imaginária funciona como reguladora de conduta, no homem este
imaginário é condicionado pelo simbólico 56.

As imagens propiciam ao homem que ele se situe como espécie humana (na
qualidade de tipo animal), mas não são capazes, por si só, de situá-lo em
relação ao ideal de seu sexo, ou seja, não possibilitam que o ser humano se
posicione como homem e mulher 57, para que essa forma de posicionamento
ocorra é necessário que essas imagens sejam submetidas à organização da
ordem simbólica (D’ÁVILA LOURENÇO, 2000, p. 69).

55
Segundo D’Ávila Lourenço (2000), o conceito de identificação, na obra de Freud, é utilizado aqui como
o de uma identidade que é formada em função de uma outra.
56
É certo, porém, que o registro do simbólico, neste momento, não é tão enfatizado pelo autor, embora
sua presença possa ser admitida e, nos anos posteriores, com sua fundamentação, percebe-se não só a
fonte imaginária do simbolismo, como também que é o simbólico que permite as posições tomadas no
imaginário (D’ÁVILA LOURENÇO, 2000).
57
Sendo esta uma das aquisições do complexo de Édipo, no qual o eu ideal é situado pelo ideal de eu
(D’ÁVILA LOURENÇO, 2000).

41
Sobre a identificação heteromórfica, por sua vez, Lacan (1949/1998) utilizar-se-
á de Roger Caillois 58 e de sua concepção presente em “Mimetismo e psicastenia
legendária” (1938):

De qualquer lado que se abordem as coisas, o problema último é, afinal de


contas, este da distinção: distinção do real e do imaginário, da vigília e do
sono, da ignorância e do conhecimento etc. (...) Dentre essas distinções,
nenhuma delas seguramente é mais demarcada que a do organismo e do
meio, não existe um ao menos onde a experiência sensível da separação seja
mais imediata (CAILLOIS, 1974, apud SIMANKE, 2002, p. 323).

Refutando que o mimetismo seja um recurso de defesa contra os predadores,


Caillois propõe em seu texto que se trata de uma tentativa do organismo em suprimir
sua individualidade, ao buscar se assemelhar ao meio novamente. Esta seria uma
sedução do meio (espaço) sobre o organismo 59, que faz com que este se dissolva.
Equiparando o imaginário ao espaço, Lacan propõe essa incitação que o imaginário
produz no indivíduo, fazendo com que este se assimile às imagens (“captação
espacial”). Caillois também discursa sobre a ligação do mimetismo com a psicastenia
(fenômeno psicopatológico), em que há um comprometimento do sentimento de
personalidade (como sentimento de diferenciação organismo/meio), o que também atrai
os olhares de Lacan, o qual trabalha desde sua tese com as questões psiquiátricas,
podendo, agora, relacioná-las à sua teoria do imaginário (SIMANKE, 2002).
Lacan (1949/1998) discorre, assim, que os fatos do mimetismo também são de
importância e destacam o problema da significação do espaço para o organismo vivo,
bem como revela que os conceitos psicológicos são úteis para compreensão deste
fenômeno, ao invés de considerar somente, e de forma suprema, a lei da adaptação,
sendo, para o autor, um esforço ridículo.

Caillois dá a Lacan a oportunidade de passar da biologia do comportamento


propriamente dita a uma concepção do imaginário que afirma a eficácia
generalizada da imagem, estendida ao reino animal, mas preservando a
particularidade humana (SIMANKE, 2002, p. 325).

58
Intelectual francês (1913 – 1978) (MATA, 2015).
59
“Dans ces conditions, on conçoit que l’espace inorganisé ne cesse d’exercer sur lui une sorte de
séduction, continue à l’aloudir, à le retenir, toujours prêt à le ramener em arrière pour combler la
différence de niveau qui isole l’organique dans l’inorganique” (CAILLOIS, R., 1938/1987, p. 117).

42
O autor também aponta que o conhecimento do homem (estruturado como
paranoico) ganha autonomia por força da dialética social, enquanto que o animal fica
refém ao próprio desejo. Conhecimento estruturado como paranoico, pois se toma “à
falta de uma mediação simbólica, o imaginário pelo real” (SIMANKE, 2002, p. 325).
É “essa ‘dialética social’ que garante a autonomia do desejo humano com
relação às necessidades naturais” (SIMANKE, 2002, pp. 325 – 326), e esta autonomia é
manifesta “pela instalação de um registro imaginário quase que auto-suficiente na
determinação do sujeito” (SIMANKE, 2002, p. 326) , quando sua determinação natural
é insuficiente, visto a insuficiência orgânica existente no homem, que é de sua realidade
natural.
A função do estádio do espelho revela-se para nós, por conseguinte, como
um caso particular da função da imago, que é estabelecer uma relação do
organismo com sua realidade – ou, como se costuma dizer, do Innenwelt
com o Umwelt (LACAN, 1949/1998, p. 100).

Um caso particular da função da imago por dois motivos: por não ser possível
encerrar num estágio as propriedades estruturantes que uma imago possui e devido ao
fato dos diferentes complexos instalarem no psiquismo diferentes imagos, sendo, a
imago do outro, apenas uma das que compõem a esfera subjetiva (SIMANKE, 2002).
Lacan (1949/1998) evidencia a existência, no homem, de uma prematuração que
é específica do nascimento do homem e, com isso, o psicanalista francês parece resgatar
– apesar de referir-se aos “embriologistas” genericamente – Louis Bolk35 em seu
conceito de neotenia, o qual aponta justamente para o nascimento prematuro do ser
humano, pois este apresenta um desenvolvimento incompleto e características fetais
(D’ÁVILA LOURENÇO, 2000). É certo, porém, que o autor, apesar de influenciar-se
por Kojève ao relatar sobre a autonomia do desejo humano e sua especificidade, atém-se
aos aspectos biológicos para complementar a discussão sobre tal autonomia
(SIMANKE, 2002), destacando o inacabamento anatômico do homem do seu sistema
piramidal, certo mal-estar e a falta de coordenação motora dos primeiros meses de vida.

Esse desenvolvimento é vivido como uma dialética temporal que projeta


decisivamente na história a formação do indivíduo: o estádio do espelho é
um drama cujo impulso interno precipita-se da insuficiência para a
antecipação – e que fabrica para o sujeito, apanhado no engodo da
identificação espacial, as fantasias que se sucedem desde uma imagem
despedaçada do corpo até uma forma de sua totalidade que chamaremos de
ortopédica – e para a armadura enfim assumida de uma identidade alienante,
que marcará com sua estrutura rígida todo o seu desenvolvimento mental.

43
Assim, o rompimento do círculo do Innenwelt para o Umwelt gera a
quadratura inesgotável dos arrolamentos do eu (LACAN, 1949/1998, p.
100).

Se, ao rememorar Caillois, o autor associa o imaginário ao espaço,


referenciando tal ligação como “captação espacial”, é certo que também o faz em
relação ao simbólico, ao tratar da dimensão temporal: “forma do simbólico por
excelência” (SIMANKE, 2002, p. 324). Ao apontar, assim, a dialética temporal – em
que o vocábulo “dialética” remete sempre ao seu entusiasmo kojèviano – o simbólico,
portanto, começa a delinear-se em sua concepção especular. Logo, será em torno desta
dialética que o problema da fantasia do corpo fragmentado parece se resolver:

Se essa fantasia é resolvida pelo estágio do espelho e se o estágio do espelho


é marco zero do imaginário, ela só pode ser constituída a posteriori e
projetada retrospectivamente no passado. (...) Da mesma forma que o corpo
fragmentado não é uma expressão direta da prematuração, mas uma
formação imaginária construída retroativamente, a unificação desse corpo
pela imago especular não implica, de forma alguma, a superação do
dilaceramento subjetivo (SIMANKE, 2002, p. 328, grifo nosso).

Ou seja, se em 1938 existia uma relação de causa e efeito, isto é, a vivência de


um corpo fragmentado levava o indivíduo a se identificar com a imagem de um corpo
unificado, como tentativa de superação de um desamparo, agora, em 1949, é a
identificação com esta imagem do corpo total que propicia o sentimento de um corpo
despedaçado (D’ÁVILA LOURENÇO, 2000). Segundo a autora, esta mudança na
perspectiva temporal60 também aponta um início das referências estruturalistas nas
exposições lacanianas.
O estádio do espelho é, assim, marcado pela dialética do sentimento de um corpo
fragmentado, que contrasta com a imagem unificada percebida no espelho (D’ÁVILA
LOURENÇO, 2000).
O momento de conclusão do estádio do espelho será o momento de inauguração
da dialética que liga o [eu] às situações socialmente elaboradas, propiciado pela
identificação com a imago do semelhante e pelo drama do ciúme primordial (LACAN,
1949/1998). Lacan salienta, ainda, que a experiência apresentada convida a não

60
Passagem de uma perspectiva diacrônica (“relação de causa e efeito orientada numa série temporal”)
para uma perspectiva sincrônica (“sujeito surge como tradução da estrutura que o determina”) (D’ÁVILA
LOURENÇO, 2000, p. 71).

44
conceber o eu como centrado no sistema percepção-consciência e organizado pelo
princípio de realidade, sendo necessário partir da noção de desconhecimento que o
caracteriza, em todas as suas estruturas, estando, portanto, associado ao conceito de
Verneinung61. Cukiert & Priszkulnik (2002) indicam que a perspectiva imaginária
trouxe consequências na conceitualização do eu, pois ela coloca em cheque a concepção
de um eu racional, consciente e dono de si mesmo, evidenciando que tais visões são
ilusórias. Questiona-se, sobretudo, a suposição de uma unidade do eu, pois “sendo
marcado pela divisão, ele é absolutamente diverso da noção psicológica de um
indivíduo (uno), harmonioso e completo” (pp. 146 – 147).
Por fim, Lacan refletirá, na parte final deste seu texto, sobre a repercussão
clínica de sua teorização, as consequências das hipóteses que o estádio do espelho
levanta pela constituição do eu e sua relação com a loucura, dentre muitos outros
aspectos que entendemos ser importantes e centrais em sua exposição, mas que não é o
foco deste presente trabalho.

2. Winnicott diante do rosto materno

2.1. O viver inicialmente

Segundo Vieira (2010) Winnicott fundamenta – em contraste com Lacan – o


rosto materno como matriz especular para o bebê. Mas de modo comparável a ele,
associa o funcionamento especular a um modelo psíquico determinado por processos
ilusórios, cuja presença da mãe suficientemente boa é essencial nessa fase inicial da
vida, pois falar de um bebê é falar de sua mãe. Em Ansiedade associada à insegurança,
Winnicott (1952/2000) rememora ter ficado alarmado por ter pronunciado, em outro
momento, que “’isso que chamam de bebê não existe’” (p. 165), justificando-se que, ao
mostrar-se um bebê, apresenta-se, junto, seu cuidador: vê-se, portanto, a “dupla
amamentante” (p. 165).
Inicialmente o bebê não está preparado para perceber a existência de uma
fronteira entre si e o meio ambiente, e isto ocorre, sobretudo, por não haver um self
individual que possibilitaria a distinção entre o eu e o não-eu (WINNICOTT, 1990,
apud VIEIRA, 2010).

61
Como citado na p. 21 (item 1.1.3.).

45
Haveria, nos primeiros seis meses de vida, um estado de total dependência do
bebê em relação ao meio (representado pela mãe ou substituto, e denominada como a
fase de dependência absoluta), dependendo do mundo que lhe é oferecido, ao mesmo
tempo em que desconhece sua própria condição, pensando ser, ele e o meio, uma única
coisa. Os processos de maturação do bebê poderão ocorrer existindo uma adaptação, da
mãe, às necessidades de seu filho. (ARCANGIOLI, 1995).
Segundo Winnicott, em A Preocupação materna primária (1956), é dito com
frequência que a mãe é biologicamente condicionada à tarefa de lidar com as
necessidades de seu bebê, existindo, pois, uma identificação (com aspectos conscientes
e inconscientes) da mãe com seu bebê. Ocorre, porém, uma distinção psicológica entre
esta identificação e a dependência do bebê em relação a sua mãe, pois esta dependência
não implica uma identificação – um processo complexo não compatível com os
primeiros estágios do desenvolvimento do bebê.

Parece-me razoavelmente óbvio que aquilo de que o bebê necessita é, antes


de mais nada, da capacidade da mãe de dispensar atenção plena. Introduzi,
neste caso, a palavra devoção sob risco, porque existem pessoas que
associam essa palavra a sentimentalismo (WINNICOTT, 2005, p. 172).

A tese do psicanalista inglês é a de que, na primeira de todas as fases, a mãe


apresentaria um estado muito especial, denominado de preocupação materna primária
– condição psiquiátrica pouco valorizada na literatura, conforme o autor. Alguns pontos
são indicados sobre este estado, como o de uma sensibilidade exacerbada durante e ao
final da gravidez; duração de algumas semanas após o nascimento; dificuldade posterior
de recordação pela mãe (tal memória é, possivelmente, reprimida). Todos estes aspectos
poderiam sugerir uma doença caso a gravidez não estivesse presente, e a mulher deve
ter saúde não só para desenvolver este estado de “doença normal”, porém para
recuperar-se dele – à medida que o bebê a libera.
Nem todas as mulheres, contudo, conseguem adquirir esta disponibilidade que as
adaptam, sensível e delicadamente, às necessidades de seus filhos já nos primeiros
momentos, não conseguindo desprenderem-se dos outros interesses. As que contraem
esta condição proporcionam ao bebê um contexto para constituir-se, experimentando
movimentos espontâneos e, aos poucos, tornando-se dono das sensações condizentes a
esta etapa de sua vida.

46
Em 1945, em Desenvolvimento emocional primitivo, Winnicott aponta a
frequência com que foi observada uma mudança ocorrida nos bebês entre os cinco e os
seis meses de idade, a qual lhe permitiu discorrer sobre o desenvolvimento emocional
“em termos que podem ser aplicados aos seres humanos em geral” (p. 221). O autor
comenta que também Anna Freud e Bowlby abordaram este momento – de modos
distintos –, mas que ele próprio já havia percebido que somente aos seis meses o bebê
joga com um objeto anteriormente apenas agarrado e levado à boca (como faz aos cinco
meses), referindo-se ao jogo da espátula (WINNICOTT, 1941/2000).

Pode-se dizer que nesse estágio o bebê já é capaz de mostrar, através de seu
brincar, que ele compreende que tem um interior, e que as coisas vêm do
exterior. Ele mostra que sabe que está enriquecendo com as coisas por ele
incorporadas (física e psiquicamente) (WINNICOTT, 1945/2000, p. 221).

No mesmo texto, Winnicott aponta que o desenvolvimento emocional primitivo


é importante, inclusive porque será neste período que se encontrarão os indícios para
compreensão da psicose – ponto de semelhança com Jacques Lacan, o qual tem na
psicose uma referência para os processos psíquicos primitivos. Trata-se de um momento
anterior ao reconhecimento de si e dos outros como pessoas inteiras.
O autor indica três processos muito precoces: integração, personalização e
realização. A integração, desencadeada imediatamente após o início da vida, é uma
tendência ajudada por dois conjuntos de experiências, as que envolvem o handling
(segurar o bebê, dar-lhe banho etc) e as instintivas, que buscam aglutinar a
personalidade desde dentro.

Na vida normal do bebê ocorrem longos períodos de tempo nos quais o bebê
não se importa em ser uma porção de pedacinhos ou um único ser, nem se
ele vive no rosto da mãe ou em seu próprio corpo, desde que de tempos em
tempos ele se torne uno e sinta alguma coisa (p. 224, grifo nosso).

Mas se a integração apresenta um caráter inato, enquanto uma tendência


biológica, é certo que somente por meio de um ambiente favorável ao desenvolvimento
que ela poderá ser alcançada, sendo que o cuidado físico desempenhado no estágio
inicial é um cuidado psicológico (WINNICOTT, 1990, apud VIEIRA, 2010). Reunindo,
portanto, experiências nos encontros e desencontros com o ambiente, aos poucos ocorre
uma relação entre soma e psique: psicossoma (VIEIRA, 2010). Se no início, para o

47
desenvolvimento saudável desse psicossoma o ambiente necessita ser perfeito, sendo
uma necessidade absoluta, aos poucos esta se torna relativa (WINNICOTT, 1949).
Discorrendo sobre o mesmo processo de integração em 1962, em A integração
do ego no desenvolvimento da criança, Winnicott caminha dizendo que o
desenvolvimento do ego62 é caracterizado por diversas tendências, sendo a principal, em
seu processo de maturação, a integração; o ego baseia-se em um ego corporal e,
somente quando tudo ocorre bem, é que a pessoa do bebê inicia um relacionamento com
o corpo e suas funções (processo de personalização, sendo a despersonalização a perda
da união entre o ego e o corpo); o ego inicia as relações objetais:

Com cuidado materno suficientemente bom de início, o bebê não está sujeito
a satisfações instintivas a não ser quando há participação do ego. Neste
aspecto, não é tanto uma questão de gratificar o bebê como de lhe permitir
descobrir e se adaptar por si mesmo ao objeto (seio, mamadeira, leite etc)
(WINNICOTT, 1962/1983, p. 58).

Neste mesmo texto, porém, o autor relata que a integração está relacionada com
o cuidado (holding); a personalização, com o manejo (handling) – conceitos que
examinaremos adiante – e as relações objetais, com a apresentação de objetos.
No que concerne a uma origem da integração, acrescenta:

É conveniente cogitar de que material emerge a integração em termos de


elementos sensoriais e motores, a base do narcisismo primário. Isto levaria à
tendência ao sentido existencial. Outra linguagem pode ser usada para
descrever esta parte obscura do processo maturativo, mas os rudimentos de
uma elaboração imaginária de exclusivo funcionamento do corpo devem ser
pressupostos se se pretende afirmar que este novo ser humano começou a
existir e começou a adquirir experiências que podem ser consideradas
pessoais (p. 59, grifo nosso).

Isto tenderia ao estabelecimento de um self unitário63, ressaltando que os


acontecimentos deste estágio precoce dependem da proteção do ego assegurada pela
mãe. Esta proteção propicia ao bebê “construir uma personalidade no padrão da
continuidade existencial” (p. 59). A fragmentação do ser, ao contrário, seria acarretada
62
Winicott preserva a utilização do termo latino, conforme a tradução realizada por seu analista, James
Strachey, e comentada melhor adiante.
63
No início deste texto, Winnicott (1962/1983) aponta que o conceito de self não será trabalhado neste
capítulo, apesar de constantemente o autor oscilar entre os termos eu, ego e self. Optamos por seguir
os termos empregados pelo autor – conforme estão indicados nas traduções utilizadas –, sendo que
discorreremos adiante sobre a distinção entre tais vocábulos.

48
pelas falhas que produzem a ansiedade inimaginável e que geram uma reação de ruptura
de continuidade na criança.

A integração está intimamente ligada à função ambiental de segurança. A


conquista da integração se baseia na unidade. Primeiro vem o ‘eu’64 que
inclui ‘todo o resto é não-eu’. Então vem ‘eu sou, eu existo, adquiro
experiências, enriqueço-me e tenho uma interação introjetiva e projetiva com
o não-eu, o mundo real da realidade compartilhada’. Acrescenta-se a isso:
‘Meu existir é visto e compreendido por alguém’; e ainda mais: ‘É me
devolvida (como uma face refletida em um espelho) a evidência de que
necessito de ter sido percebido como existente’ (p. 60, grifo nosso).

Nesta proposição, Winnicott sinaliza que esta existência deve ser devolvida por
um outro (mãe), em um espelho (rosto da mãe) e antecipa, assim, o que será trabalhado
cinco anos mais tarde (em seu texto de 1967): que a assunção do self implica um
reconhecimento do outro e pelo outro (mãe) sobre o bebê em formação. Comentaremos
melhor adiante.
No que concerne à personalização satisfatória, esta seria o sentimento de estar
dentro do corpo próprio, também construído pelas experiências, tanto instintivas quanto
de cuidado físico. Percebe-se neste processo uma conquista realizada pelo bebê, não
sendo uma consciência que acompanha, naturalmente, o organismo. Esta localização de
viver em seu próprio corpo é alcançada gradativamente, como resultado das marcas
deixadas anteriormente, do período em que sua existência foi sustentada por sua mãe
(VIEIRA, 2010).
Em Desenvolvimento emocional primitivo (1945), é dito que especialmente no
início, a mãe é de fundamental importância, executando, inclusive, a tarefa de
apresentar ao seu bebê um recorte do mundo mais simplificado, que ele passa a
conhecer por meio dela. A realização, por sua vez – indicada como a apreciação dos
aspectos da realidade, inclusive o tempo e o espaço – refere-se à “tomada de
consciência de que a coisa ou fenômeno em questão não é produzido pela própria
imaginação” (p. 223). O bebê, assim, percebe a existência como algo para além de si
mesmo, perdendo o controle onipotente sobre o objeto (VIEIRA, 2010).
Em A Preocupação materna primária (1956), discorre-se que uma mãe
suficientemente boa – aquela que, ao identificar-se com seu bebê, é capaz de

64
Na edição em inglês, constata-se o emprego do pronome da primeira pessoa do singular “I”
(WINNICOTT, 1962/1965).

49
corresponder às necessidades deste, de modo suficiente – permite ao seu filho a
possibilidade de um “continuar a ser” (p. 403), sendo pouco perturbado por reações de
intrusão, as quais provocam uma ansiedade muito primitiva: a ameaça de aniquilação.
Segundo o autor, este sentimento de “continuar a ser” será a base para o
estabelecimento do ego do bebê.

Somente no caso de a mãe estar sensível do modo como descrevi poderá ela
sentir-se no lugar do bebê, e assim corresponder às suas necessidades. A
princípio trata-se de necessidades corporais, que gradualmente transformam-
se em necessidades do ego à medida que da elaboração imaginativa das
experiências físicas emerge uma psicologia (p. 403).

Neste mesmo artigo, Winnicott aponta que dessa indissociação do ego entre a
mãe e o seu bebê a mãe se recupera e, assim, o bebê passa a construir, de modo positivo,
a ideia de que a mãe é uma pessoa diferente dele. Em contraste, “a falha da mãe em
adaptar-se na fase mais primitiva não leva a coisa alguma, salvo à aniquilação do eu65
do bebê” (WINNICOTT, 1956/2000, p. 403).
A constituição inicial do ego é silenciosa e sua primeira organização origina-se
das experiências de ansiedade primitiva que não se cumprem, fazendo com que o bebê
se recupere e esta confiança de recuperação transforma-se em uma capacidade do ego
de suportar frustrações (WINNICOTT, 1956/2000). Neste estágio, o bebê relatado é um
ser imaturo a ponto de sofrer de uma ansiedade inimaginável66, e esta é evitada pela mãe
nessa capacidade de colocar-se no lugar de seu bebê e, dessa forma, descobrir o que este
necessita no cuidado geral de seu corpo e, consequentemente, de sua pessoa
(WINNICOTT, 1962/1983). Também neste momento precoce, a mãe é tida como parte
da criança, não havendo fator externo. Esta ansiedade apresenta poucas variedades, mas
cada uma aponta um aspecto no desenvolvimento emocional; mais ainda, é a essência
das ansiedades psicóticas, a saber: desintegração; cair para sempre; não ter conexão
alguma com o corpo; carecer de orientação (WINNICOTT, 1962/1983). Prover um
ambiente suficientemente bom desde muito precocemente é propiciar ao bebê a
oportunidade de começar a existir, constituir um ego pessoal, ter experiências e
enfrentar os desafios inerentes à vida (WINNICOTT, 1956/2000).

65
Trata-se, conforme da edição em inglês consultada, do “self” (WINNICOTT, 1956/1975, p. 304).
66
Na edição em inglês consultada, entretanto, o autor utiliza a expressão “unthinkable anxiety”
(WINNICOTT, 1962/1965, p. 56), ou seja, trata-se de uma ansiedade sem imagem e “impensável”. Mas o
termo “inimaginável” é empregado na edição brasileira utilizada.

50
De acordo com Winnicott, em A integração do ego no desenvolvimento da
criança (1962), a palavra “ego” pode ser utilizada “para descrever a parte da
personalidade que tende, sob condições favoráveis, a se integrar em uma unidade” (p.
55). Essa unidade é, inclusive, a organização das funções do id, sendo possível falar-se
em id se um ego pré-existe, pois “não há id antes do ego” (p. 55). E mais, só é passível
de sentido utilizar a palavra id para acontecimentos que são registrados e vivenciados
pelo funcionamento do ego. O autor também aponta que o estudo do “ego” é anterior à
relevância da palavra “self”.
A partir disso, o psicanalista revela que não se trata de questionar-se se há um
ego desde o início, mas sim, de afirmar-se “que o início está no momento em que o ego
inicia” (p. 56). A existência de um ego fraco ou forte dependerá da mãe e de sua
disponibilidade e capacidade para satisfazer as necessidades de seu bebê – sua
dependência absoluta –, neste momento anterior à separação mãe-self. Trata-se,
portanto, de assumir sua tarefa única: o cuidado.
Tal tarefa é possibilitada pela capacidade do bebê em se relacionar com objetos
subjetivos, quando a função de ego auxiliar – exercido pela mãe – está em execução. O
bebê “mantém áreas de objetos subjetivos juntamente com outras que há algum
relacionamento com objetos percebidos objetivamente” (p. 56), ou seja, com objetos
“não-eu”, atingindo algumas vezes, assim, o princípio de realidade.
As noções de não integração, integração (trabalhada acima) e desintegração são
importantes na teoria winnicottiana. A não integração é um estado que começa dentro
do útero, caracterizado por uma ausência de globalidade (tempo-espaço) e de
consciência, experimentado, pelo bebê, em seus estados não excitados (WINNICOTT,
1990, apud VIEIRA, 2010).
A desintegração, por sua vez, refere-se a um estado quando há a perda da
integração, sendo esta uma defesa bastante sofisticada do indivíduo que, apesar de ser
caótica, é vantajosa por ser uma produção do próprio bebê – diferentemente do
caos/instabilidade do meio. É, portanto,

uma defesa que é produção ativa do caos contra a não-integração na ausência


de auxílio ao ego por parte da mãe, isto é, contra a ansiedade inimaginável
ou arcaica resultante da falta de segurança no estágio de dependência
absoluta (WINNICOTT, 1962/1983, p. 60).

51
Estabelecidas, contudo, as condições favoráveis, o autor indica que a pele se
torna o limite entre o eu e o não-eu, ou seja, a psique passa a viver dentro do soma, uma
vida psicossomática se instaura no indivíduo e se estabelece o estágio do “EU SOU” (p.
60).
Será em 1958, em A capacidade de estar só, que Winnicott alegará ser esta
habilidade um dos vestígios mais significativos do amadurecimento, no que concerne ao
desenvolvimento emocional. Esta capacidade, porém, surge da experiência do bebê de
ficar só, mas na presença da mãe, sendo sua base, desta forma, um paradoxo, pois “é a
capacidade de ficar só quando mais alguém está presente” (p. 32). Em outras palavras –
e agora o autor diz fazer referência à Melanie Klein – esta capacidade de estar só
dependeria da existência de um objeto bom na realidade psíquica do lactente (um objeto
interno).
Relacionar-se com este objeto interno o torna capaz de descansar, contente,
mesmo na ausência de estímulos externos. Assim:

Maturidade e capacidade de ficar só significam que o indivíduo teve


oportunidade através da maternidade suficientemente boa de construir uma
crença num ambiente benigno. Essa crença se constrói através da repetição
de gratificações instintivas satisfatórias (p. 34).

Presume-se, neste período, uma maturidade egoica e, portanto, o indivíduo


integrado em uma unidade, visto que já se marca um papel de uma fantasia interior, em
contraste ao que é externo. Considera-se, assim, que a base da experiência de ficar só
encontra-se nos estágios precoces do desenvolvimento e conta com a presença do outro,
em um período “quando a imaturidade do ego é naturalmente compensada pelo apoio do
ego da mãe” (p. 34).
Winnicott (1958/1983), por fim, ainda em A capacidade para estar só,
discorrendo sobre a expressão “eu estou só”, enfatiza que se utilizar da palavra “eu”
implica um crescimento emocional e indica o estabelecimento de uma unidade e “uma
afirmação topográfica da personalidade como um ser, como a organização do núcleo do
ego” (pp. 34 – 35). Atingir o estágio do “eu sou” requer um suporte realizado por um
meio que é protetor, que está orientado para as necessidades do ego infantil, por meio da
identificação com o próprio infante. Logo, “eu estou só”, significa uma percepção da
criança da continuidade de sua mãe, cuja disponibilidade e consistência proporcionam à
criança sentir prazer em estar só, em alguns momentos; e estando nesta solidão

52
compartilhada, o bebê pode descobrir sua vida pessoal que lhe é própria, cena “armada
para uma experiência do id” (p. 36).

2.2. Encontrar-se na mãe

Quando olho, sou visto; logo, existo.


Posso agora me permitir olhar e ver.
Olho agora criativamente e sofro a minha apercepção
e também percebo.
(WINNICOTT, 1967/1971, p. 157).

Winnicott, em O papel de espelho da mãe e da família no desenvolvimento


infantil (1967) alerta que, em se tratando das primeiras fases do desenvolvimento
emocional individual, o precursor do espelho é o rosto materno, ponto este que, segundo
o próprio autor, o faz distanciar-se de Jacques Lacan, em referência ao texto de 1949.
Como vimos acima, o ambiente (aqui, representado pela mãe) apresenta um papel de
extrema importância nos meses iniciais do bebê, o qual ainda não está separado da mãe;
esta separação eu e não-eu se efetua gradativamente, dependendo do bebê e de sua
relação com o ambiente, sendo que a tarefa desenvolvimental do bebê se torna menos
complicada se há disponibilidade materna.
O psicanalista inglês prossegue dizendo que os processos presentes na função
ambiental são o segurar (holding), o manejar (handling) e a apresentação de objetos.
Conforme Arcangioli (1995) a função de holding67 corresponde à sustentação,
ou seja, a capacidade da mãe proteger seu bebê dos perigos físicos – considerando suas
sensibilidades sensitivas, às quedas etc –, instalando uma rotina para seus cuidados
cotidianos. Enfatiza-se, assim, uma função de sustentação não só física ao bebê, mas
também psíquica, permitindo ao eu em desenvolvimento entrar em contato com a
realidade de modo simplificado, estável e repetitivo, possuindo, com isto, pontos de
referência para integrar-se no tempo e no espaço.
Quanto ao handling, trata-se da manipulação do bebê enquanto ele é cuidado, ou
seja, quando ocorre sua troca de roupa, banho e embalo, proporcionando-lhe um bem-

67
De acordo com Izhaki (2007), os trabalhos realizados por Winnicott durante a Segunda Guerra
Mundial o fizeram pensar sobre o holding e sobre o objeto transicional como temas da psicanálise.
Nesta época os asilos – que recolhiam as crianças e adolescentes considerados anti-sociais, evacuados
de Londres para o campo – eram modificados, de modo que objetos fossem trazidos de suas casas,
assim como algumas histórias anteriores à guerra e as ideias de que as crianças apresentavam sobre si
fossem permanentemente reasseguradas, permitindo-as uma reapropriação de relações e objetos.

53
estar físico. Aos poucos, o bebê se experimenta vivendo dentro de um corpo e, com
isso, realiza uma personalização: a união de sua vida psíquica e de seu corpo
(ARCANGIOLI, 1995).
Diante destes processos desenrolados de modo satisfatório, a apresentação de
objeto acontece de modo a que não abale a experiência de onipotência do bebê neste
momento de sua vida, produzindo como efeito uma capacidade do bebê usar o objeto e,
ainda, se sentir como se este fosse subjetivo e, portanto, uma criação sua
(WINNICOTT, 1967/1975). Em outro momento, em A integração do ego no
desenvolvimento da criança, Winnicott (1962/1983) descreveu:

A mãe, em se adaptando, apresenta um objeto ou uma manipulação que


satisfaz as necessidades do bebê, de modo que o bebê começa a necessitar
exatamente o que a mãe apresenta. Deste modo, o bebê começa a se sentir
confiante em ser capaz de criar objetos e criar o mundo real (p. 60).

Os emblemas desta função são o seio ou a mamadeira e a oferta destes inicia-se


com a primeira refeição teórica que, inclusive, é a primeira refeição real. Esta refeição
teórica, porém, é representada “pela soma das experiências precoces de muitas
refeições” (ARCANGIOLI, 1995, p. 184), e durante sua realização, a mãe apresenta o
seio (ou a mamadeira) no momento em que a criança está prestes a imaginá-lo e
encontrá-lo, dando ao bebê a ilusão de criação deste objeto e, portanto, uma experiência
de onipotência. A mãe, assim, diante das potenciais excitações do bebê, permite a este
adquirir a capacidade de relacionar-se com as coisas e pessoas de modo estimulante,
tornando-se hábil a vivenciar emoções, sentimentos de amor e ódio, sem que isto seja
uma fonte de ameaça e de angústia insuportável (ARCANGIOLI, 1995). Assim, a figura
materna não apenas ocupa-se em garantir certas condições para o desenvolvimento e a
sobrevivência de seu bebê, mas também proporciona a aquisição de uma capacidade
criativa (VIEIRA, 2010).
Winnicott (1967/1975) prossegue, em O papel de espelho da mãe..., relatando
que, em algum momento, o bebê passa a olhar em volta e encontra o rosto da mãe. Ao
olhar para este, o autor sugere que o que o bebê vê é a ele mesmo, e isto é facilmente
realizado quando há um cuidado da mãe por seu bebê. Mais do que isto, a mãe, olhando
para seu bebê, “aquilo com o que ela se parece se acha relacionado com o que ela vê
ali” (p. 154).

54
De acordo com Vieira (2010), esta afirmação de Winnicott indicaria que o
reconhecimento do bebê sobre si submete-se aos desejos maternos e ao que ela pode
ver. Entretanto, em contraste com este posicionamento – em que a mãe parece impor
uma identidade ao bebê – podemos pensar que o psicanalista propõe que o que a mãe vê
é mais do que ela parece ser e, ainda que a semelhança possa servir de estofo para este
olhar, existiria nele abertura para que o outro pudesse ser apreendido enquanto outro.
Ou seja, haveria uma compreensão, da mãe, de seu filho enquanto sujeito (ainda que em
formação) e, portanto, distinto dela.
Em oposição, os bebês que não recebem de volta o que estão dando – olham
para este rosto materno e não veem a si mesmos –, sofreriam consequências em suas
capacidades criativas, os fazendo procurar “outros meios de obter algo de si mesmos de
volta, a partir do ambiente” (p. 154). Contudo, mesmo a mãe que apresenta um rosto
dito fixo, é capaz de reagir de outros modos, como quando o bebê está em dificuldades,
agressivo ou doente. E, assim, o bebê se acostumaria com o fato de que, quando olha, o
que é visto é o rosto da mãe e este, portanto, não faria a função de um espelho:

Assim, a percepção toma o lugar de apercepção, toma o lugar do que poderia


ter sido o começo de uma troca significativa com o mundo, um processo de
duas direções no qual o auto-enriquecimento se alterna com a descoberta do
significado no mundo das coisas vistas (p. 155).

Winnicott (1967/1975) aponta, ainda, que se há um vislumbre da criança vendo


o eu (self) no rosto da mãe, ela também o faz, posteriormente, em um espelho (objeto
físico). Logo, como comentado anteriormente68, trata-se de ver no rosto da mãe não o
ego, mas o self. Retornaremos.
Assim, relatando diferentes casos, o autor revela como que a vivência desta
experiência se reflete, em idade futura, na relação que se estabelece diante do espelho
físico, por exemplo. No entanto, a dependência de obter de volta o seu próprio eu (self)
do rosto da mãe (do pai ou outras pessoas envolvidas em seu cuidado), vai-se tornando
cada vez menor à medida que a criança se desenvolve, que os processos de
amadurecimento se tornam mais aguçados, e que as identificações proliferam.
O autor, por fim, estabelece um paralelo quanto à função do analista e salienta o
que apontara outrora, em seu texto Distorção do ego em termos de falso e verdadeiro
self, “que o que ocorre na transferência (...) é uma forma de relacionamento mãe-

68
Introdução, p. 7.

55
lactente” (WINNICOTT, 1960/1983, p. 129). A tarefa psicoterapêutica constituiu-se,
em geral, em de “devolver ao paciente, a longo prazo, aquilo que o paciente traz. É um
derivado complexo do rosto que reflete o que há para ser visto” (WINNICOTT,
1967/1975, p. 161). Assim como a mãe que exerce sua função de modo suficientemente
bom, o analista, nesta mesma lógica, proporciona ao paciente descobrir seu próprio eu
(self) e sentir-se real. “Sentir-se real é mais do que existir; é descobrir um modo de
existir como si mesmo, relacionar-se aos objetos como si mesmo e ter um eu (self) para
o qual retirar-se, para relaxamento” (WINNICOTT, 1967/1975, p. 161).

3. Lacan e Winnicott: encontros e desencontros

3.1. Ego, self, moi e je: distinções

Apesar de Freud utilizar apenas um termo para se referir ao Eu (Ich, termo


alemão), tanto Lacan quanto Winnicott trabalham com duas noções: enquanto Lacan
opera esta distinção terminológica do Eu em uma cisão em moi e je (FAUSTINO &
FALEK, 2014), Winnicott tratará das noções de ego e self, o que aponta que, para
ambos os autores, tal diferenciação sinaliza uma não coincidência entre tais concepções
(je e moi; self e ego), embora exista certa interdependência (entre o moi e o je, assim
como entre o self e o ego).
A partir do segundo modelo metapsicológico de Freud (1923), o Ich (eu, ou ego,
na tradução inglesa) se estabelece, na Psicanálise, como uma instância do aparelho
psíquico; porém Winnicott teria modificado tal conceito e, ainda, introduzido a noção de
self (PHILLIPS, 1988/2007 apud FULGENCIO, 2014). Figueiredo (2002), contudo,
estende tal visão sobre o Ich, dizendo ser plausível, para a tradução deste termo, tanto
“eu” como “self”.
Em uma breve pesquisa em alguns textos utilizados, constata-se, ao consultar a
edição de língua inglesa das obras de Winnicott, que a tradução brasileira opta pelo
termo “eu” também quando o original utiliza o termo “self”69, não se referindo, pois, à
instância psíquica tal qual Freud formulou, visto que para esta é utilizado – e
preservado, no que se refere a ambas edições – o termo em latim ego. Nota-se,

69
Por exemplo, em A mente e sua relação com o psicossoma (1949); A preocupação materna primária
(1956); Comunicação e falta de comunicação levando ao estudo de certos opostos (1963); O papel de
espelho da mãe e da família no desenvolvimento infantil (1967).

56
inclusive, que Winnicott utiliza as expressões “I am” (“Eu sou”), “I” (eu), “not-me”
(não-eu), “self” e “ego”. Na tradução brasileira de seu texto de 1967, O papel de
espelho da mãe e da família no desenvolvimento infantil, aparece o termo “eu” seguido,
entre parênteses, do termo self, referindo-se sobre o reconhecimento, da criança, do seu
“próprio eu (self)” (p. 161) no rosto materno.
Fulgencio (2014) discorre que Freud atribuiu ao termo alemão Ich duas
referências: tanto um caráter psicológico, que designa a unidade pessoal que torna
possível a distinção do indivíduo e do mundo, quanto um caráter metapsicológico,
referente a uma instância do aparelho psíquico. Este segundo aspecto será desenvolvido
por Freud em 1923, em O eu e o id, em que o Eu (ou ego) será apresentado como uma
instância, ao lado do Id e do Supereu, em que “é fácil ver que o Eu é a parte do Id
modificada pela influência direta do mundo exterior, sob mediação do sistema
percepção-consciência” (p. 31). E acrescenta, conforme sua nota de rodapé, que o Eu
deriva das sensações corporais, sobretudo daquelas advindas da superfície do corpo: “o
Eu é sobretudo corporal, não é apenas uma entidade superficial, mas ele mesmo a
projeção de uma superfície” (p. 32, grifo nosso). É comum, entretanto, Freud utilizar o
Ich com duplo sentido, isto é, tanto o descritivo (psicológico) quanto o metapsicológico
(FULGENCIO, 2014).
Se, para Freud (1923), o Eu surge por uma diferenciação do Id, para Winnicott
(1962/1983), em contraste e já citado anteriormente70, “não há id antes do ego” (p. 55).
Fulgencio (2014) assinala a necessidade de reconhecer dois sentidos, empregados por
Winnicott, ao termo ego. O primeiro seria o de uma tendência inata para a integração
e, o outro, o de uma unidade psicológica.

O ego corresponde, para Winnicott, àquilo que pode organizar, dando


sentido e integrando, as diversas experiências corporais, muito antes que
qualquer unidade pessoal possa ter sido alcançada. Cabe ao ego, nesse
sentido de tendência, apreender e dar sentido às experiências corporais. (...)
Por outro lado, o ego corresponde à própria unidade integrada do sujeito
psicológico, integração que acontece em diversos graus (...) conquistada com
a ajuda dos cuidados ambientais suficientemente bons (p. 188, grifo nosso).

Em uma carta endereçada a seu colega Michael Fordham, em 26 de setembro de


1955, Winnicott (2005) trata da confusão existente na utilização dos termos self e ego:

70
p. 51 (item 2.1.).

57
Em segundo lugar, você não concorda que, quando usamos a palavra self,
uma palavra inglesa perfeitamente satisfatória, estamos de acordo quanto
ao termo, embora possamos divergir quanto à finalidade com que podemos
empregá-lo em nossa descrição de qualquer estágio do desenvolvimento de
um indivíduo, e que, por contraste, quando usamos o termo ego estamos
introduzindo um termo para nosso próprio benefício e temos de defini-lo?
Acho que Freud deu início a essa ideia de usar o termo ego, e nós, portanto,
somos obrigados a seguir seus desdobramentos no uso do termo e a
justificar nossas variações ao usá-lo (pp. 106 – 107, grifo nosso).

Winnicott (1964/1994), também em outro momento, alertou que o “self não é


um termo psicológico, mas uma palavra que todos nós usamos” (p. 371) e é neste
mesmo artigo, como relatado anteriormente71, que Winnicott aponta ter sido Fordham
que o fez reconhecer a sua confusão entre os termos ego e self, pois os empregava como
sinônimos, percebendo, assim, que isto não era possível de se fazer.
Segundo Ferreira (2007) o desenvolvimento emocional se refere à construção de
um ambiente externo e de um interno pelo indivíduo, sendo um processo de
diferenciação cuja experiência de interação propiciará a emergência do self. Por meio de
um ambiente facilitador do desenvolvimento e, portanto, de cuidados suficientemente
bons, a constituição do self se inicia, criando o sentido de continuidade da existência,
revelando que o self não é uma estrutura inata, mas sim que se desenvolve e que unifica
as experiências corporais.
Inicialmente, o corpo do bebê é um corpo para a mãe e este estado de simbiose
com ela não é distinguido conscientemente pelo bebê, sendo a experiência com a
alteridade uma experiência subjetiva, marcada pela onipotência e pela ilusão
(FERREIRA, 2007).
Em Moral e educação, de 1963, Winnicott discute que a base do
desenvolvimento da criança é sua existência física com suas tendências herdadas, dentre
as quais – iniciada pelo lactente e que continua quando se torna criança – a integração
da personalidade.

Além disso o lactente tende a viver em seu corpo e a construir o self na base
do funcionamento corporal a que pertencem elaborações imaginosas que
rapidamente se tornam extremamente complexas e constituem a realidade
psíquica específica daquele lactente. O lactente se estabelece como uma
unidade, sente uma sensação de EU SOU (...) (p. 90, grifo nosso).

71
Introdução, p. 8.

58
Aproximando-se, em certa medida, dos apontamentos de Jacques Lacan,
Winnicott também salienta a relação que se estabelece com o corpo e o aspecto
imaginário presente neste desenvolvimento, embora o psicanalista inglês não tenha
tratado disto enquanto um registro como o fez Lacan. É certo, porém, que o sentimento
de EU SOU é construído tendo como base o corpo.
Como dito em outro momento72, Winnicott (1962/1983) alerta que primeiro
existe a conquista da integração, baseada em uma unidade (advento do “eu”) para,
posteriormente, vir o sentimento do EU SOU. Pois é a “integração pessoal da criança
que torna o conceito de um significativo, e também a ideia contida no pronome da
primeira pessoa do singular” (WINNICOTT, 1963a/1983, p. 94). Desta forma, o autor
aponta para uma sucessão de acontecimentos, em que um parece preceder o outro.
Trata-se, inclusive, de encontrar no rosto materno esse reconhecimento de sentir-se
existindo e sendo algo.
No entanto, ao discorrer sobre o momento fusional no qual a criança se encontra
no início de sua vida, Winnicott (1963a/1983) indica que, tendo em vista esta não
separação – realizada pela criança – da mãe e objetos (do “não-eu” e do “eu”), “o que é
adaptativo ou ‘bom’ no ambiente está construído no armazém de experiência do lactente
como se fosse uma qualidade do self” (p. 91).
No que concerne à realidade interna tanto do lactente quanto da criança:

Esta rapidamente se torna um mundo pessoal em crescimento que é situado


pela criança tanto dentro como fora do self, do self que está recém
estabelecido como uma unidade com uma ‘pele’. O que está dentro é parte
do self, embora não lhe seja inerente, e pode ser projetado. O que está fora
não é parte do self, mas também não lhe é inerente e pode ser introjetado. Na
normalidade, uma troca constante ocorre à medida que a criança vai vivendo
e coletando experiências, de modo que o mundo externo é enriquecido pelo
potencial interno, e o interior é enriquecido pelo que pertence ao exterior. A
base para estes mecanismos mentais é, nitidamente, o funcionamento da
incorporação e eliminação na experiência do corpo (WINNICOTT,
1963a/1983, p. 93, grifo nosso).

O autor prossegue relatando que o conteúdo da vida pessoal da criança, enquanto


ela cresce, não se restringe apenas a ela, e este self molda-se pela influência ambiental,
mas isso só é percebido pelo lactente quando este atinge certo grau de maturação e sua
mente se torna hábil para encarar – intelectual e inteligentemente – fenômenos que eram

72
p. 49 (item 2.1.).

59
vazios de sentido, em termos de aceitação emocional. Contudo, no que concerne a tal
aceitação, “o self, em seu núcleo, é sempre pessoal, isolado e não afetado pela
experiência”.
Contudo, de acordo com Fulgencio (2014), é a continuidade da experiência de
amadurecimento que proporcionam diversas experiências de si e, no ponto em que o
indivíduo pode agrupar estas experiências do self num mesmo conjunto, atinge o estado
do “Eu sou”, pois pode diferenciar as experiências integradas, do mundo, embora o
relacionamento ainda seja de dois corpos. Neste sentido, com a conquista do self
unitário ou do sentido de “Eu sou”, o indivíduo caminha para o momento de ser uma
pessoa inteira73 e relacionar-se com pessoas que também o são (experiência edípica)
(FULGENCIO, 2014).
Nota-se, com isso, que se antes existia apenas o “sou”74, a passagem para o “eu
sou” e, portanto, a utilização do pronome da primeira pessoa, este “eu sou” dá sentindo
ao “eu faço”, e esta unidade da pessoa (primeira unidade “Eu sou”) que a diferencia do
mundo pode ser denominada de ego, isto é:

Nome atribuído a um conjunto de experiências de si mesmo que o indivíduo


pode agregar como conteúdos de uma unidade, conceito que se refere ao
conjunto de experiências que, juntas, o indivíduo é em sua identidade
(FULGENCIO, 2014, p. 191).

Em Sobre as bases para o self no corpo, redigido em 1970 e publicado nos dois
anos seguintes, Winnicott faz uma importante afirmação, que esclarece aos seus leitores
uma incerteza que é do próprio autor:

Fico pensando se poderia escrever algo a respeito desta palavra [self], mas
naturalmente, assim que me ponho a fazê-lo, descubro que há muita
incerteza, mesmo em minha própria mente, sobre o que quero dizer (p. 210).

Neste mesmo momento o autor afirma:

Para mim o self, que não é o ego, é a pessoa que é eu, que é apenas eu, que
possui uma totalidade baseada no funcionamento do processo de maturação.

73
Fulgencio (2014) aponta que, para Winnicott, também é possível denominar de ego esta integração
como pessoa inteira.
74
Significa uma existência provada e, assim, um sentido de existência como pessoa (WINNICOTT,
1968/1996).

60
Ao mesmo tempo, o self tem partes e, na realidade, é constituído dessas
partes. (...) O self se descobre naturalmente localizado no corpo, mas pode,
em certas circunstâncias, dissociar-se do último, ou este deste. O self se
reconhece essencialmente nos olhos e na expressão facial da mãe e no
espelho que pode vir a representar o rosto da mãe. (...) São o self e a vida do
self que, sozinhos, fazem sentido da ação ou do viver desde o ponto de vista
do indivíduo que cresceu até ali e está continuando a crescer... (p. 210, grifo
nosso).

Assim, o ego seria um conceito e um nome que resume um conjunto de


experiências que o indivíduo agrupa nesta unidade pessoal, mas o self corresponde à
experiência da unidade empírica em sua relação com o mundo (FULGENCIO, 2014).
Izhaki (2007) acrescenta que o self, diferentemente do ego, é situado no registro da vida,
sendo a parte do indivíduo que está numa rede relacional e, antes mesmo de haver
integração, o indivíduo já se encontra nesta rede. Haveria, com isso, a distinção do
“sujeito que experiencia (self) do precipitado de suas experiências (ego)” (IZHAKI,
2007, p. 99).
Porque no início, quando o bebê é não integrado e há a presença de um ambiente
que se adapte, o bebê se encontra com o objeto que satisfaz suas necessidades. Por
exemplo, ao necessitar mamar e, tendo a mãe disponibilidade para seu filho, este se
encontra com o objeto concomitantemente em que se integra em um self que se
relaciona com este objeto (FULGENCIO, 2014). Porém, se do ponto de vista do
observador, o objeto foi fornecido ao bebê, isto é, é oriundo do exterior, o mesmo não
ocorre do ponto de vista do bebê, embora não provenha de dentro e nem seja uma
alucinação (WINNICOTT, 1953/1975). O objeto (seio) é criado pelo bebê, pela
necessidade, desenvolvendo, assim, um fenômeno subjetivo marcado pela experiência
do self e pelo encontro com objeto subjetivo (seio) (WINNICOTT, 1953/1975;
FULGENCIO, 2014).
É devido à sustentação do ambiente que o bebê pode ser tal experiência, a qual é
uma vivência intermitente, pois quando a necessidade é atendida, o objeto e o self
desaparecem, sendo, portanto, necessárias as repetições para que a integração se torne
mais estável. Este self não pode ser denominado eu interno, pois não há dentro e fora,
visto que o bebê é uma unidade com a mãe, “e esse self somente existe com esse
ambiente, já que o ambiente é parte constituinte do self” (FULGENCIO, 2014, p. 190).
Conforme visto acima, e considerando os termos empregados e seus
correspondentes na edição inglesa consultada (desconsiderando, por ora, tratar-se de

61
uma confusão de termos winnicottiana), supõe-se tratar em Winnicott – salientando sua
despretensão filosófica e sua admissão em não saber ao que se refere quando utiliza a
noção de self – de três operações com os termos ego e self.
A primeira se refere a concepções que se estabelecem por linhagens distintas,
isto é, não se trata de apontar um predecessor e um sucessor, mas observar o ego
enquanto unidade psicológica e, por isso, enquanto uma instância psíquica, e o self,
enquanto a unidade empírica, como a experiência de si. A segunda, com o ego e o self
estando presentes muito precocemente no lactente, ambos desenvolvem-se
conjuntamente e baseados numa experiência corporal. Ou seja, discorre-se sobre o ego
como uma tendência inata de integração, que se apresenta muito antes de uma unidade
pessoal estabelecer-se. Quanto ao self, este se presentifica no lactente desde antes da
distinção eu e não-eu, e que, por isso mesmo, precisa ser reconhecido no rosto materno.
A terceira é uma leitura que compreende que as experiências de um self propiciam a
constituição do ego.
Em Distorções do ego em termos de falso e verdadeiro “self”, de 1960,
Winnicott tratará sobre duas configurações do self, apontando, desde o título, a
existência destes dois distintos estados do ser. Entretanto, deixa em aberto o porquê
estes seriam distorções da instância psíquica. O psicanalista inglês afirma que quando o
ego do lactente ainda está se estabelecendo, os instintos não são entendidos como
internos, porém que a consequência desta constituição é atingir um estado em que as
exigências do id serão sentidas não como ambientais, mas como parte do self.
O falso self é construído sobre identificações – e, parecendo utilizar como
sinônimo da expressão “falso self”, o autor fala em “falsa personalidade”, o que se
constata na edição inglesa consultada – e seu desenvolvimento estando associado ao
relacionamento estabelecido entre a mãe e o bebê, sendo que pesquisar sua etiologia é
examinar as primeiras relações objetais no estágio em que o lactente ainda “está não-
integrado na maior parte do tempo, e nunca completamente integrado” (p. 132).
Em outro momento, Winnicott, em Comunicação e falta de comunicação
levando ao estudo de certos opostos (1963), aponta que a onipotência é mais do que um
controle mágico, pois a experiência apresenta um aspecto criativo, sendo que é por meio
da apercepção criativa – como relatado em seu texto A criatividade e suas origens – que
o indivíduo sente a vida como digna de ser vivida, em contraste à posição de submissão,
em que a realidade externa é reconhecida como algo a adaptar-se e traz um sentido de
inutilidade: “de uma ou de outra forma nossa teoria inclui a crença de que viver

62
criativamente constitui um estado saudável, e de que a submissão é uma base doentia
para a vida” (WINNICOTT, 1975, p. 95).
Novamente, em Distorções do ego em termos de falso e verdadeiro “self”,
Winnicott (1960/1983) discorre que a ideia do gesto espontâneo está ligada à de um self
verdadeiro, e a onipotência do lactente revela-se em um gesto (ou associação sensório-
motora).

Periodicamente um gesto do lactente expressa um impulso espontâneo; a


fonte do gesto é o self verdadeiro, e esse gesto indica a existência de um self
verdadeiro em potencial. (...) A mãe suficientemente boa alimenta a
onipotência do lactente e até certo ponto vê sentido nisso. E o faz
repetidamente. Um self verdadeiro começa a ter vida, através da força dada
ao fraco ego do lactente pela complementação pela mãe das expressões de
onipotência do lactente (pp. 132 – 133, grifo nosso).

Uma mãe não suficientemente boa, porém, não complementa a onipotência do


bebê, falhando em sentir as necessidades e em satisfazer o gesto do lactente,
substituindo-o por seu próprio gesto, o qual precisa ser validado pela submissão do
lactente que é, portanto, o estágio inicial do falso self e este é um “self ator, a cópia de
alguém, talvez” (WINNICOTT, 1963a/1983, p. 96).
Os destinos são: diante de um cuidado suficientemente bom, o bebê passa a
acreditar na realidade externa e as ações da mãe não se chocam com a onipotência do
bebê. Este, gradativamente, passa a renunciar à onipotência, seu self verdadeiro tem
espontaneidade e, criando e controlando, goza de uma ilusão de onipotência que é
reconhecida, gradualmente, como elemento ilusório. “Isto é a base do símbolo que de
início é, ao mesmo tempo, espontaneidade e alucinação, e também, o objeto externo
criado e finalmente catexizado” (WINNICOTT, 1960/1983, p. 133, grifo nosso). Em se
tratando, contudo, de uma adaptação materna não suficientemente boa, o lactente
sobrevive falsamente (falsa existência), ou seja:

é seduzido à submissão, e um falso self submisso reage às exigências do


meio e o lactente parece aceitá-las. Através deste falso self o lactente
constrói um conjunto de relacionamentos falsos, e por meio de introjeções
pode chegar até uma aparência de ser real, de modo que a criança pode
crescer se tornando exatamente como a mãe, ama-seca, tia, irmão ou quem
quer que no momento domine o cenário. O falso self tem uma função
positiva muito importante: ocultar o self verdadeiro, o que faz pela
submissão às exigências do ambiente (p. 134).

63
Uma mãe capaz de identificar-se com seu filho, isto é, de pressentir suas
necessidades e expectativas, proporciona ao bebê começar a existir – não a reagir – e é
nesta constatação que se reconhece, portanto, a origem do self verdadeiro
(WINNICOTT, 1960/1983).

O gesto espontâneo é o self verdadeiro em ação. Somente o self verdadeiro


pode ser criativo e se sentir real. Enquanto o self verdadeiro é sentido como
real, a existência do falso self resulta em uma sensação de irrealidade e em
um sentimento de futilidade (p. 135).

Em relação à origem do self verdadeiro, o autor prossegue:

É importante ressaltar que, de acordo com a teoria aqui formulada, o


conceito de uma realidade individual interna de objetos se aplica ao estágio
posterior àquele que vem sendo denominado self verdadeiro. O self
verdadeiro aparece logo que há qualquer organização mental que seja do
indivíduo e isso quer dizer pouco mais do que o somatório do viver sensório-
motor (p. 136).

Diante da discussão apresentada em Winnicott, considera-se a existência de uma


complexidade nas definições de self e ego, e não é nossa pretensão abarcar neste breve
estudo toda a riqueza destas noções, mas sim apresentar alguns apontamentos em
relação à temática, evidenciando ser uma problemática até para o psicanalista inglês –
como ele mesmo aponta em relação à dificuldade de definição do termo “self”.
Quanto a Jacques Lacan, apenas alguns breves apontamentos podem ser
levantados, considerando que neste momento estudado o autor estava iniciando suas
formulações. Observa-se, a partir das diferentes grafias utilizadas do termo “eu”75, a
distinção entre moi e je, os quais são empregados de modos diferentes na língua
francesa. No presente estudo, diante destas formas de referir-se ao “eu”, retomaremos
alguns aspectos relatados anteriormente, pois se trata de discorrer sobre tal distinção até
o ano de 1949, visto que o “je” ganhará outro estatuto com as novas formulações na
obra lacaniana.
De acordo com Figueiredo (2002), Lacan introduz a distinção dos termos moi e
je, na qual o primeiro é apresentado como uma instância. Segundo Laplanche &
Pontalis (2001) citados por Figueiredo (2002), em toda literatura psicanalítica francesa o
termo moi é utilizado como correspondente aos que os ingleses denominaram de ego.

75
Distinção apontada em Nota à edição brasileira (1966/1998, p. 936).

64
Entretanto, Figueiredo (2002) alega que pelo “moi” ser a forma reflexiva do “je”, ele
estaria mais aparentado ao self do que ao ego, e atesta:

O self, mesmo quando vem a ser uma agência (Kohut), não é uma instância
do aparelho mental, como o são o id, o ego e o superego. No entanto, o que
Lacan está acentuando ao falar do moi – em geral usado como sinônimo de
ego – é a dimensão narcísica na constituição do psiquismo, o que os autores
ingleses e americanos, ou mesmo quando sendo austríacos e alemães
escrevem em inglês, a partir de Hartmann designam como self, justamente
para diferenciá-lo de ego, nome de uma instância do aparelho mental
(FIGUEIREDO, 2002, s/p).

Como apontado em outro momento deste presente estudo 76, Lacan não concebe
o moi como sistema percepção-consciência, mas sim como a expressão mesma da
Verneinung e, assim, como local do desconhecimento – não atrelado, pois, ao princípio
de realidade. O psicanalista francês também aponta a importância da constituição
subjetiva baseada no funcionamento corporal: diante da prematuração do nascimento do
homem e da vivência de um corpo fragmentado, a identificação com o semelhante se
apresenta como um mecanismo que traz uma unidade (Gestalt) a esta vivência corporal
unificada, por antecipação. Tal identificação a uma imagem, portanto, produz uma
transformação, mas esta unidade, é certo, só é alcançada no plano imaginário.
Desta forma, o moi origina-se da relação de reconhecimento de uma imagem e
dos seus efeitos psíquicos, sendo que esta imagem “pode ser tanto o movimento
expresso pelo corpo de um outro, quanto a imagem refletida num espelho do próprio
corpo” (BONI JÚNIOR, 2010, p. 69). Mas também o je dá-se pela relação com a
imagem e, portanto, com o outro, notando, então, uma constituição concomitante do je e
do moi – embora, frequentemente, uma dúvida ronde a leitura, levando a uma
compreensão que, diante da antecipação do moi, o je se precipita, visto que a imagem é
matriz simbólica para formação do je primordial. Contudo, ao considerar a mudança
temporal prenunciada por Lacan e, assim, a relação com um tempo lógico, se aposta
nessa simultaneidade.
Por fim, apesar dos impasses de Lacan em definir uma teoria sobre a
constituição subjetiva, consideramos que estes primeiros anos de sua obra mostram a
tentativa desta elaboração, a qual se inicia, porém percorre toda a teoria do autor,
evidenciando que esta temática é um pilar na obra lacaniana e esclarece todo apreço

76
p. 21 (item 1.1.3.).

65
envolvido em sua formulação e as críticas recebidas pela introdução de algo que se
confirmou como inusitado. Assim, embora Lacan não distinga nitidamente o je em
relação ao moi, em 1949, há o início da estruturação da posição simbólica do sujeito
(sujeito do desejo, relativo ao je) em sua relação com a já assinalada construção
imaginária (moi) (BRUDER & BRAUER, 2007), o que assinala que tal diferenciação
terminológica demarca a não coincidência entre ambos.

3.2. Diálogos e distanciamentos

Apesar de cada autor teorizar de modos tão singulares, percebe-se que ambos se
preocupam em compreender os processos em jogo no início da vida do humano. Lacan,
até este momento de sua obra estudado neste estudo, ainda que trace a distinção entre
sujeito e eu, não trabalha acerca desta discriminação, mas percebe-se em 1949 – dado a
utilização da visão estruturalista e o início de um lugar ocupado mais consistentemente
pelo simbólico – a anunciação de uma necessidade em formular uma teoria sobre a
constituição do sujeito, visto que descreve mais claramente, até então, sobre a formação
do eu. Esta necessidade de mudança acaba por revelar algo mais da ordem da
enunciação (je) e algo referente ao enunciado (moi). Winnicott, diferentemente, parece
discorrer mais esclarecidamente sobre a constituição do eu (aqui, relacionado ao ego) e
sobre a constituição subjetiva (relativo ao self), embora haja sempre, em ambos os
autores, uma interligação entre estes processos.
Retomando Freud, em seu texto Introdução ao Narcisismo, de 1914, verifica-se
a indicação do autor de ser “uma suposição necessária, a de que uma unidade
comparável ao Eu não existe desde o começo no indivíduo; o Eu tem que ser
desenvolvido” (pp. 18 – 19). Os instintos autoeróticos seriam primordiais e, por uma
“nova ação psíquica” acrescentada ao autoerotismo é que o narcisismo se formaria. Para
Cukiert & Priszkulnik (2002), Lacan formulará que esta ação a que Freud se refere
deve-se à antecipação imaginária do corpo unificado (Gestalt), “a identificação
primordial do sujeito com a imagem” (p. 146).
Em sintonia com Freud (1914) e apesar de Lacan e Winnicott trabalharem com
perspectivas distintas sobre a concepção especular, ambos os autores reconhecem a não
existência de um eu natural – presente logo no nascimento ou antes dele –, mas sim de
um eu que se constitui a partir de um outro que, embora não percebido inicialmente
como externo, dá a base para que esta distinção dentro e fora se realize e, este outro,

66
ainda, é a matriz para que o sujeito humano reconheça algo que conceberá como seu eu
– imagem do semelhante, imagem do espelho, reconhecimento no rosto da mãe.
Em Lacan o eu está vinculado ao outro, notadamente tanto no je quanto no moi,
visto que ambos os pronomes relacionam-se com a imagem que é fornecida e,
consequentemente, com a alienação. Também em Winnicott, há esta relação tanto do
self quanto do ego com o outro: é a partir de um cuidado suficientemente bom que o self
se reconhece nesse rosto materno e, também, uma unidade psicológica se forma. E não
somente, pois diante deste ambiente favorável ao desenvolvimento, há um processo de
integração e a possibilidade de constituir-se criativamente. Se para Winnicott, porém, o
que se teoriza é de uma mãe que se identifica com este bebê e, portanto, é capaz de
atendê-lo em suas necessidades, podemos considerar que em Lacan esta operação
materna não passa de um funcionamento imaginário: como saber o que o outro
necessita? Se em Lacan se trata não de dois sujeitos e, portanto, de dois desejos – neste
momento de sua obra e, principalmente, neste período do estágio do espelho –, mas sim
de um alienar-se no outro, em Winnicott isto não é percebido, pois mesmo diante da
dependência pela mãe, há algo que é, muito mais fortemente, da ordem da criança.
Os autores também relatam a vivência, do bebê, de um corpo não unificado.
Contudo, se em Lacan isto é uma condição necessária e fundamental da existência
humana, para Winnicott, esta experimentação se dá diante de falhas no cuidado e
interrupções no processo de integração, tratando-se, assim, de uma experiência de
desintegração (VIEIRA, 2010). Durante o desenvolvimento do bebê, Winnicott salienta
que não se trata de estar constantemente integrado: há um movimento pulsante de
integração e desintegração, sendo que, com o passar do tempo e diante de condições
favoráveis, o estado de integração prevalece. E durante todo o desenvolvimento, a
presença do outro é marcada como algo essencial, inclusive, para conseguir-se ficar só:
uma presença externa, organizadora, que auxilia para que o bebê não se sinta
desamparado e se desintegre. Assim como Lacan refere a este resquício do corpo
fragmentado poder ser acessado de diversas formas (nos sonhos, por exemplo), também
em Winnicott este estado é possivelmente retornável, mesmo em outros períodos da
vida do indivíduo.
Jacques Lacan frisa a condição de desamparo decorrente do nascimento
prematuro do homem, e aponta a figura do semelhante como fundamental para tentar
suprir tal condição que diz respeito ao início da vida do ser humano – este outro, agora,
não mais relacionado à figura do irmão, mas o outro em geral. Assim, é vigente destacar

67
que ambos os autores dão ênfase a esta presença de cuidado: se para Winnicott a
presença de uma mãe suficientemente boa é que proporcionará ao bebê o seu
desenvolvimento de modo saudável e criativo, fazendo com que este se integre em uma
unidade e tenha a possibilidade de sentir-se existindo, para Lacan as necessidades
humanas muito primitivas também precisam ser saciadas pelo cuidado de um outro 77,
existindo uma dependência primordial do bebê humano ao seu cuidador. Será, porém, a
partir da imagem fornecida por este outro, que a criança se identifica e se experimenta
inicialmente, mas a repercussão disto no homem é um efeito alienante, efeito este não
descrito na concepção winnicottiana.
A descrição do estádio do espelho de 1949 revela a precipitação do je e
retomando a descrição de Simanke (2002)78, é, pois, ao tentar superar a alienação
originária do moi, que o je, enquanto estrutura intra-subjetiva, se precipita, e o autor
aposta, desta forma, que esta estrutura é “o representante mais legítimo do sujeito” (p.
319). Tal proposição parece aproximar, em certos aspectos, o je do self winnicottiano,
visto que este é descrito79, em seu núcleo, como pessoal e não afetado pela experiência.
Por outro lado, porém, o moi também poderia ser relacionado ao self – não enquanto
dimensão narcísica –, mas com o falso self, no que diz respeito a este ser a cópia de
alguém, uma dimensão alienada de si.
Em ambos os autores, este processo especular é de suma importância por
representar o momento em que a criança descobre-se existindo, em uma espécie de
encontro consigo próprio. Porém, versa-se sobre dois espelhos: no espelho de
Winnicott, o refletido revela o verdadeiro, não se tratando de uma alienação, mas sim de
encontrar uma existência que é própria, criativa, encontrar um self verdadeiro – ainda
que esteja vinculada à disponibilidade, ao cuidado e ao olhar materno. É esta presença
do outro e seu reconhecimento sobre o lactente, que propicia à criança encontrar seu
self. Para Lacan, o refletido revela algo de outra ordem: trata-se de uma identificação e
confusão com este reflexo, com esta forma, a qual tenta definir e descrever o que é cada
sujeito humano, mas sem que o moi consiga satisfazer o je neste pouco de explicação. O
eu é alienado, porque a imagem que temos de nós mesmos é somente uma imagem.

77
Com o desenrolar da teoria lacaniana e sua formulação, posterior, sobre o grande Outro, seu lugar
ocupado (na estrutura) e sobre os três tempos do Édipo – os quais se relacionam com os complexos
descritos em seu texto citado de 1938 – a descrição sobre o estádio do espelho e, consequentemente,
sobre este processo de constituir-se, ganhará contribuições ainda mais significativas.
78
pp. 36 e 37 (item 1.2.).
79
p. 60 (item 3.1.).

68
Logo, o estádio do espelho lacaniano assume dois aspectos. Um negativo, visto
que o sujeito se constrói sobre uma ficção, mantendo-o em uma estrutura de alienação;
positivo, por iniciar-se um processo em que se adquire a totalidade funcional de si, o
que permite um preenchimento da situação de insuficiência orgânica (D’ÁVILA
LOURENÇO, 2000).
Enfim, o que se nota, de modo geral, é que será diante desta figura do outro que
o indivíduo se constituirá, formando estas diferentes noções apresentadas neste estudo
(self, ego, eu, sujeito), as quais são uma conquista do indivíduo em sua interação com
sua rede de relações. Se do ponto de vista dos observadores, porém, a noção de
alteridade adquire certa obviedade, o mesmo não ocorre do ponto de vista do infante, e é
por isso que ambos os autores enfatizam que a conquista de certa unidade não está
relacionada apenas a si próprio. É ao conseguirmos atingir tal unidade que a
possibilidade de reconhecimento desta presença que nos cerca se torna mais concreta, e
talvez, assim, seja oportuno compreender que este outro nos habita não somente desde
sempre, mas para sempre.

3.3. Fragmentos históricos de uma relação gentil

Durante o ano de 1960, podemos encontrar duas cartas referentes a Winnicott e


Lacan, as quais revelam o mútuo sentimento de respeito e gentileza, apesar de serem os
únicos documentos acessíveis que evidenciam essa relação direta entre os autores.
Retomando brevemente parte da história dos autores no movimento
psicanalítico, vinculados às suas distintas instituições, sabe-se que Winnicott associa-se
à Sociedade Psicanalítica Britânica (SPB) na década de 1930 80, a qual fora criada por
Ernest Jones81, em 20 de fevereiro de 1919, após sair de sua outra fundação, a
Sociedade Psicanalítica de Londres (criada em 1913) (ROUDINESCO & PLON,
1998). O autor procura, primeiramente, Ernest Jones, em 1923, para iniciar um
tratamento psicanalítico, alegando dificuldades pessoais, e impressiona-se com o fato de
Jones saber mais sobre sua enfermidade do que ele mesmo (KAHR, 1999). E é por
recomendação do próprio Ernest Jones que Winnicott procura James Strachey para
iniciar sua análise pessoal – seis dias por semana, na 41 de Gordon Square –, na qual

80
KAHR (1999) aponta que Winnicott se associa à SPB em 1934, no mesmo ano em que obtém seu título
de psicanalista de adultos.
81
Ernest Jones também criou o International Journal of Psycho-Analysis, a primeira revista psicanalítica
inglesa e órgão oficial da IPA (ROUDINESCO & PLON, 1998).

69
permanece de 1924 a 1933 e que o permite evoluir de um jovem pediatra a um
psicanalista bastante qualificado (KARH, 1999).
Em 1924, Winnicott passa a atender em um consultório particular e, por
trabalhar também no Hospital Infantil Paddington Green, fazia com que algumas
consultas fossem direcionadas a seu próprio consultório, a fim de explorar os aspectos
psicológicos da enfermidade, visto que Winnicott, por muitos anos, foi o único analista
que era, inclusive, pediatra (KAHR, 1999). É em 1935 que Winnicott recebe sua
titulação de psicanalista infantil, mas desde antes, por seus interesses em aplicar a teoria
psicanalítica às crianças, Strachey o aconselha a procurar a figura de Melanie Klein e
passa, posteriormente, a ser supervisionado por ela – de 1935 a 1941 (KAHR, 1999).
Com a chegada de Melanie Klein, em 1926, em Londres, e sua associação à
SPB, esta passa a se tornar majoritariamente kleiniana. Entretanto, com a ameaça
nazista e o consequente refúgio dos vienenses freudianos na Inglaterra82, no início da
década de 1940, passa-se a buscar uma retomada do freudismo na BPS, devido às
diferenças teóricas e clínicas na análise infantil pelas contribuições inovadoras de
Melanie Klein e Anna Freud. Estabelecem-se, assim, estes dois diferentes grupos, mas
também um terceiro advém: o middle group83. Legalmente, em 1942, as três tendências
se estabelecem: os kleinianos, os annafreudianos e os independentes (antigo middle
group)84.
No que concerne à psicanálise francesa, os anos 50 e 60 do século XX foram
marcados não somente pela difusão da formação analítica e prática clínica, mas também
por uma crise na Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP), por impasses internos e
externos. A própria Associação Internacional de Psicanálise (IPA) questionava as
peculiaridades desta instituição, inclusive no que se refere à duração das sessões
(VIEIRA, 2010). Incapazes de sustentar as dissonâncias internas, Lacan, Dolto e muitos
outros de seus membros demitem-se da SPP e associam-se à Sociedade Francesa de
Psicanálise85 (SFP), fundada por Lagache 86 (ROUDINESCO & PLON, 1998; VIEIRA,
2010).

82
Com a destruição, pelo nazismo, das outras sociedades psicanalíticas no continente europeu, a BPS
tornou-se o último refúgio psicanalítico (ROUDINESCO & PLON, 1998).
83
Integrado por Donald Winnicott, John Bowlby e James Strachey, os quais aceitavam tanto o
kleinianismo quanto o freudismo (ROUDINESCO & PLON, 1998).
84
Episódio ocorrido entre os anos de 1940 e 1944, denominado Grandes Controvérsias (ROUDINESCO &
PLON, 1998).
85
Também figuras como Jean Laplanche, Jean-Bertrand Pontalis, Maud Mannoni e Moustapha Safouan
integravam a SFP, os quais eram analisados ou supervisionados por Lacan (ROUDINESCO & PLON, 1998).

70
A saída da SPP e nova filiação à SFP, porém, fez com que os fundadores
perdessem sua filiação à IPA, sem se darem conta, e em 1953 começaram uma série de
negociações para que este segundo grupo francês pudesse se tornar filiado, mas depois
de anos de discussões, foi negado a Lacan e a Dolto – por decisão do comitê executivo
da IPA – o direito de formar didatas, por diversos motivos (ROUDINESCO & PLON,
1998). Fato curioso é que Winnicott foi encarregado de dirigir esta comissão, avaliando,
portanto, o trabalho de Dolto e, embora concedesse uma avaliação favorável quanto à
sua habilidade clínica, o mesmo não ocorreu quanto às suas qualidades como didata.
Lacan tampouco ficou imune de críticas deste comitê (VIEIRA, 2010). Winnicott e seus
colegas também analisaram a técnica dos cortes nas sessões realizados por Jacques
Lacan (KAHR, 1999).
Se a saída da SPP e a fundação da SFP caracterizam a primeira cisão na
psicanálise francesa, a segunda cisão do movimento psicanalítico ocorre em 1963 e, em
1964 a SFP se dissolve e Lacan cria a École Freudienne de Paris (EFP) – enquanto
Lagache funda a Associação Psicanalítica da França (APF), esta reconhecida pela IPA
(ROUDINESCO & PLON, 1998).
Os problemas enfrentados pela psicanálise francesa são citados por Winnicott
em sua carta a Lacan datada de 11 de fevereiro de 1960. Esta revela, sobretudo, que
apesar das desavenças entre a IPA e a SFP 87 e, também, mesmo com o parecer
desfavorável de Winnicott em relação à Dolto, Lacan e Winnicott puderam preservar
um bom laço de amizade e respeito:

Caro dr. Lacan,

Estou muito contente em possuir o quinto volume de La Psychanalise


[A Psicanálise] e escrevo para lhe agradecer por ter publicado uma tradução
do meu ensaio sobre objetos transicionais. Parece-me que alguém teve um
trabalho imenso com os detalhes da tradução, e esse alguém provavelmente
foi o senhor. De qualquer modo, devo ao senhor o fato de esse artigo agora
estar disponível em francês.
Estive trabalhando em seu ensaio sobre a teoria do simbolismo, em
memória de Ernest Jones, mas ainda não assimilei adequadamente seu
sentido ou avaliei sua significação.
86
Daniel Lagache (1903 – 1972), psiquiatra e psicanalista francês (ROUDINESCO & PLON, 1998).
87
Como se observa, estas cartas foram trocadas em meio às turbulentas negociações entre a Sociedade
Francesa de Psicanálise e a IPA, com apresentação de um novo pedido de integração à entidade, visto a
rejeição do primeiro pedido em 1953, ano este que Lacan foi excluído das funções didáticas na
Sociedade Psicanalítica de Paris (VIEIRA, 2010), também devido a sua prática de sessões curtas (KAHR,
1999).

71
A propósito, meu nome termina com tt (Winnicott), mas esse tipo de
coisa não me incomoda.
Não esqueci que me perguntou se poderia apresentar um ensaio aqui,
e, sem dúvida, deve achar que fui bastante relaxado quanto a isso. Na
verdade, compreenderá o que quero dizer quando eu lhe informar que foi
necessário primeiro que a Sociedade convidasse oficialmente um membro da
Société Psychanalytique de Paris. Creio que isso agora foi arranjado, que
alguém virá dar uma palestra, e então estaremos livres para convidá-lo.
Sinto que isso tenha de ser solucionado dessa maneira, mas sinto também
pela cisão da psicanálise francesa e desejo o tempo todo que possa haver
uma reunião. Receio que a indisposição tenha se desenvolvido a tal ponto
que dificilmente possa ser remediada, mas, do meu ponto de vista, as
pessoas de cada lado da controvérsia ainda são humanas, homens e
mulheres comuns que estão lutando por algo que acreditam ser bom.
Minha esposa e eu nos lembramos com o maior prazer do jantar que
o senhor nos ofereceu em seu apartamento, quando sua filha quebrou uma
garrafa de vinho na cozinha! Esperamos que esteja bem e enviamos a todos
nossos melhores votos.
Atenciosamente
(WINNICOTT, 2005, pp. 157 – 158, grifo nosso).

Em resposta, em 05 de agosto de 1960, Lacan comenta alguns aspectos sobre seu


artigo em memória a Jones, apontado por Winnicott – e também se refere ao convite de
palestrar em Londres:

Muito caro amigo.

Eu trago comigo sua carta desde 11 de fevereiro (digamos 12)


quando a recebi. É somente agora, depois de alguns dias de férias, que eu me
sinto bastante à vontade para responder-lhe a meu gosto (poupe-se, poupe-
me de imaginar o que isso representa enquanto ausência de descanso).
Eis-me aqui, portanto, a relê-la e a degustá-la como uma gentileza
recente. Ponhamos fim à vergonha que eu senti pelo equívoco da alteração
de seu nome, e não somente numa citação de um texto, mas como um autor
que estava honrando o nosso sumário. Equívoco mesmo: aquele que corrigiu
as provas, embora conhecendo seu nome bem como seus artigos, não
constatou o erro de impressão. O ridículo afeta todos nós; não o tome como
uma ofensa.
Com referência à oferta amável que você me faz de ir falar à
Sociedade de Londres, como não ser sensível a esta quando ela se cerca de
explicações tão profundamente benévolas. Apresentadas conforme são,
como eu pensaria em melindrar-me com estas conveniências, mesmo se elas
me recordam aquilo que constantemente me fere?
Eu estava demasiado atarefado para responder ao seu convite antes
das férias (eu havia recebido sua carta ao retornar de Bruxelas, onde realizei

72
duas conferências). Mas irei no começo do ano quando convir a você e nas
condições que você estabelecer (LACAN, 1960, pp. 471 – 472).

Outras passagens na carta de Lacan igualmente sinalizam o bom relacionamento


entre os psicanalistas e o valor atribuído, por Lacan, a esta amizade:

Eu poderia, no entanto, talvez ressentir-me hoje do que você me diz


sobre não haver podido assimilar propriamente o sentido do meu artigo nem
mensurar a sua importância.
É aí que eu posso sentir o que perde o meu ensino por não ter dentro da
nossa comunidade sua difusão normal. E isto me é tanto mais sensível
quando se trata de você, com quem eu me sinto com tantas razões para
entender-me.
(...)
Eu estou aqui com minha mulher e minha filha mais jovem. A outra,
Laurence, a filha de minha mulher que você evoca tão gentilmente a
propósito da garrafa quebrada na cozinha, deu-nos este ano muita
preocupação (do que nós estamos orgulhosos), tendo sido presa por suas
relações políticas. Ela está livre agora, não obstante nós permanecemos
ansiosos por um assunto que não está ainda encerrado.
Nós temos também um sobrinho, que viveu como um filho em nossa
casa durante seus estudos, que foi recentemente condenado a uma pena de
dois anos de prisão por sua atividade de resistência à guerra da Argélia.
Que isso complete para você o quadro daquilo que envolve um silêncio
demasiado longo. Que isso o ajude a me perdoar, se eu acrescento que meu
pensamento está seguidamente dirigido a você e sua esposa, com toda a
amizade que nós lhes devotamos em minha casa for ever (LACAN, 1960,
pp. 472 e 475).

Segundo a nota de Graña (apud VIEIRA, 2010), tradutor desta carta, este último
trecho revela um aspecto importante de Lacan em relação a Winnicott:

O conhecedor de Lacan não se surpreenderá com o fato de Lacan ser sempre


demasiadamente econômico em saudar o talento ou a obra de um autor em
especial. Além de Freud, (...) apenas Winnicott será reiterada e sinceramente
honrado com assinalamentos tão notavelmente afetuosos que contrastam
vividamente com as comuns e cáusticas referências aos colegas ingleses,
norte-americanos e franceses.

Deste modo, apesar de este ser o fragmento histórico mais pessoal acessado
destes dois autores, os quais são imensuravelmente distintos em suas teorias e práticas
clínicas, é possível resgatar que uma relação amigável pôde ser mantida, apesar de todas
as particularidades e desavenças. Não perdendo a singularidade da obra de cada autor, é

73
legítimo um transitar entre as teorias e, por meio destes pontos de encontros teóricos,
muito se faz surpreender com o que, outrora, pensava-se ser incomunicável.

4. Considerações finais

Simplesmente, o que me parece importante, o que me interessa, o que eu


desejaria transmitir-lhes, é que nós nos situamos em um continuum
simbólico, em uma filiação, que reconhecemos que aquilo que nós pensamos
e praticamos hoje não nasceu ex-nihilo, mas fazemos parte de uma história
que vai continuar depois de nós, além de nós (NASIO, 1999, p. 22).

Conforme esta citação de Nasio (1999), localizar-se historicamente torna-se


fundamental, inclusive, ao nos aproximarmos de concepções teóricas, pois a presença de
uma inscrição e relação com a cultura permite pressupor que também uma noção teórica
apresenta um início, um despertar. Tentar fazer um percurso histórico apresenta seus
obstáculos, mesmo porque, muitas vezes, a história se perdeu, ou ela se faz inacessível,
mas também porque uma concepção teórica apresenta um tempo de desenvolver-se que
pode acompanhar toda a obra do autor ou, ainda, maturar-se em certo ponto
intermediário da trajetória.
A gênese do estádio do espelho, em Jacques Lacan, por sua peculiaridade e seu
conteúdo que ansiava por se fazer inédito, permitiu um resgate histórico muito mais
precioso, em detalhes – ainda que muitos outros estejam escondidos – do que o artigo
referência de Donald Winnicott. Apesar disso, observa-se que ambos os psicanalistas
referem-se à experiência especular como constitutiva: se para Winnicott, trata-se da
constituição de um self, Lacan discorrerá sobre a constituição do je (que se atrela ao
moi). Há também uma atribuição de importância no que concerne ao rosto materno, seja
em um reconhecimento, muito precoce, desta forma, seja por reconhecer, nela, a matriz
para constituir-se. Essa imagem, alega Lacan, desperta curiosidade no infans, mas
Winnicott aponta que é neste encontro com o rosto materno que o lactente encontra a si
próprio e o sentido de existir.
Quanto às escritas dos autores e as respectivas leituras, nota-se uma grande
apropriação filosófica na obra de Lacan, o que muitas vezes dificulta sua compreensão
para os leigos em filosofia. A apropriação – e algumas vezes, transformação – que o
psicanalista francês faz de suas referências, sem a preocupação de sempre as indicar
corretamente, torna o trabalho mais árduo. Além disso, reconhecer o limite do que está

74
conceitualmente situado em certo momento da obra do autor ou se tal limite é possível
de ser traçado. Em Winnicott, suas influências teóricas, é certo, são muito mais ocultas.
O que se observa, sobretudo, é como a obra lacaniana é dinâmica e como foi
construída e modificada ao longo dos anos. Em Winnicott, é possível perceber certa
estabilidade em suas teorizações: ainda que uma teoria extraordinariamente pulsante,
não apresenta muitas reviravoltas, sendo viável ter uma compreensão de totalidade e
constância, mesmo que algumas noções tenham sido aprimoradas durante o transcorrer
dos anos. Em Lacan, por todos os movimentos realizados, sua compreensão conceitual
parece mais fundamental e necessariamente atrelada a um resgate histórico.
Há uma infinidade de perguntas que se pode levantar ao reler textos que
apresentam uma riqueza de conteúdo, e que são pouco explorados em determinados
aspectos. Em relação ao refazer histórico realizado neste trabalho, poucos estudos
consultados pretenderam tentar esclarecer o que estava em jogo no texto lacaniano de
1949 e de seus textos anteriores, especialmente no que toca à distinção “je” e “moi”
realizado pelo próprio Lacan – e, também, não comentada por ele. Do mesmo modo, em
Winnicott, a distinção ego e self frequentemente não se faz clara – pela despretensão do
autor e pela opção de tradução na versão brasileira, discordante, em alguns casos, da
versão inglesa.
Logo, no que concerne a uma tentativa de aproximação entre os autores
estudados, dentre os artigos utilizados, apenas um estudo consultado realiza uma
compreensão de possível correlação entre as noções “je”, “moi”, “self” e “ego”, mas
somente no que se refere a uma característica comum entre o “moi” e o “self”
(FIGUEIREDO, 2002). Um artigo procura compreender as sutilezas entre self e ego
(FULGENCIO, 2014) e quatro autores o indicam, brevemente, em relação ao je e ao
moi (BONI JÚNIOR, 2010; FAUSTINO & FALEK, 2014; NASIO, 1999; SIMANKE,
2002). Percebe-se, assim, uma dupla dificuldade: tanto Lacan quanto Winnicott não se
preocupam (nos textos utilizados) em realizar tais diferenciações com o cuidado em
fazer disto uma discussão mais específica e detalhada. Por sua vez, os estudiosos
lacanianos pouco parecem ter trabalhado visando tal distinção, pela imprecisão neste
momento da obra do autor. Os admiradores da teoria de Winnicott também não fazem
destas distinções uma discussão, o que contribui para que poucos elementos estejam
disponíveis para tentar compreender tais utilizações.
A hipótese, entretanto, é que tendo utilizado termos diferentes, os autores
deveriam ter motivos para distingui-los, o que indica a pertinência de estudos que

75
busquem sua compreensão histórico-conceitual. É certo, porém, que não se trata de
buscar, pretensiosamente, compreensões certeiras. Contudo, propor-se a discutir sobre
tais aspectos, ainda que em hipótese, ou por aproximação, ou por conjectura, favorecem
um dinamismo na leitura e se abre possibilidades de apreensão das dúvidas que surgem
ao longo das leituras que se realizam.
Sobre a construção deste estudo, esta pareceu acompanhar a temática.
Inicialmente, a sensação era a de um trabalho com um corpo despedaçado, construído
em mosaico e sem forma unitária, que ansiava por imagens para contornar caminhos
que se poderiam seguir, apesar das implicações dessas identificações e referências. Mais
ainda, a construção de cada parte do trabalho refletiu a forma como os autores
trabalham com seus textos: Lacan dialoga, com seus outros textos (anteriores ao de
1949), sobre o estágio do espelho, e os escritos a respeito de seus textos funcionaram
também espelhos entre si, resultando em uma produção reflexiva. Em Winnicott, por
sua vez, por se referenciar ao espelho em sua relação com os processos de cuidado e
suas consequências, os textos funcionaram como um processo integrativo: foi a partir da
utilização de vários de seus textos que um todo pode emergir.
Conforme a teoria do imaginário que Lacan nos aponta, conseguir completar
esta trajetória e olhá-la, por hora, apresentando certa unidade e contorno, revela tratar-se
de uma imagem: uma, entre tantas outras que poderiam refletir, caso seguisse um
percurso diferenciado ou se olhasse para outra direção. Uma imagem, embora não
simplesmente isso, visto que, ao se ler este trabalho, novas imagens poderão ser
reveladas e outras ressignificadas. Mas também se trata de um cuidado: fornecer
elementos ao texto, o qual pulsa e se vivifica a cada investimento que se realiza, visando
seu desenvolvimento.

76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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83
ANEXO: Notas de Françoise Dolto na SPP, de 16 de junho de 193688.

1. O Sujeito e o Eu [Je]
2. O Sujeiro e o Eu e o Corpo próprio
3. A expressividade da forma humana
4. A libido da forma humana
5. A imagem do duplo e a imagem especulativa [sic]
6. Libido do desmame e instito de morte. Destruição do objeto vital = o narcisismo
7. O vínculo com o simbolismo fundamental do conhecimento humano
8. O objeto reencontrado no Édipo
9. Valor dos sintomas narcísicos. Os gêmeos

A teoria do Eu é o que se tem – trabalhado na teoria psic., reconhecida pelo próprio


Freud. Quando se encara este tema muito resistente por si mesmo, elevam-se
resistências muito embaraçosas.
Se tratará de metafísica, não de dados clínicos.
Exposição de concepções das pulsões do Eu somente.
Prática e reflexões sobre as psicoses nos levam a observações profundas do Eu.

1/ Elem. capital aportado por psic. = substituição de “instinto” pela noção de complexo,
organização das tendências relacionadas com uma situação vital concreta do passado do
sujeito.
A exposição mostrou que cada complexo se correspondia uma cert. ordem de
conhecimento.
Conhecimento insconsciente.
Há traços no psiquismo da cert. imago do peito materno.
Este objeto não tem nada que ver com o que é “categórico” no conhecimento do
adulto. Co-nascimento.
O Eu conheceria os objetos em si mesmos, tal como são.
A primeira teoria anal. = por um lado há pulsões com esse co-nascimento,
fantasma regido princípio de prazer, por outro lado está o Eu princípio da realidade
tanto int. como ext. Porém há um problema do Eu que não se explicaria de maneira tão
88
Presentes em GUILLERAULT (2005, pp. 149 - 151) e traduzidas por BONI JÚNIOR (2010, pp. 203 - 207).

84
simples. Freud mesmo disse que algumas pulsões eram contra o impulso vita. J. 89 A
fizer “instintos de morte”.
Retorno do recalcado – traum. do desmame – instinto de morte para Freud =
masoquismo primitivo.
- Portanto, inconsciente complicado – pulsões e contra pulsões
- o Eu como afirmador da realidade
e o negador por ex. Em cert. psicoses a negação da realidade.

2/ A teoria analítica é por suposto [?] de uma entidade única = a libido


o Eu não é sujeito puro.
o inc. É tudo o que ele conhece.
o Eu é o corpo próprio. É sua maneira de situar o mundo objetivo.
Não quero discutir as crenças dos primitivos que identificam o Eu com objetos
inanimados na natureza.
Sem ir tão longe, sonho e delírio, transformações “ectopias” do Eu, do corpo
próprio.
O lactante (descobrimento dos próprios membros) não faz a síntese de seu corpo
próprio.
Fisiologicamente para o homem, retardo da mielinização das neuronas inf. Rs da
medula.
“Prematuração”
admitamos a existência de uma etapa na síntese do corpo próprio = etapa do
corpo fragmentado.

3/ Fenômenos de expressividade = de cert. formas percebidas desencadeiam no sujeito


certos números de movtos., posturas, tendências a reproduzir cert. movimentos
similares desta forma – tem uma função vital capital (desencadeiam por ex. a fuga da
horda quando o chefe percebeu o perigo).
No macaco se vê a postura similar à forma expressiva, não [?] d 1 interesse vital
da banda senão por julgar.
Aqui está quiçá a fonte da síntese do corpo próprio.

89
“Tal cual en el original, sentido incierto” (GUILLERAULT, 2005, p. 150).

85
No homem, a causa da etapa do corpo fragmentado, esta é todavia mais difícil. A
imitação, palavra não empregada a propósito, já que é secundária, enquanto que fenóm.
de expressividade é uma construção.
Comportamento de 2 meninos sozinhos. menos regido pelas razões individuais
que pelo par psicológico realizado – “Sincretismo indiferenciado” de Wallon, no a
consequência por fenôm. de expressividade senão que cada um está tomado pelo lado
espectacular e seu espectador.
Esta situação é sem dúvida uma intrusão. O Eu não formado todavia do sujeito é
eclipsado pelo Eu de outro.

4/ Invest. libidinal do objeto, o sorriso. Signo da satisfação social e sociabilidade em si.


A homossexualidade infantil está invest. libidinal dessa imagem similar [sic].
por outra parte “escoptofilia” merece ser posta no mesmo marco.

5/ Creio que há que concebre esta imagem como imagem “espectacular” [sic]
Invest. libidinal comporta – 1) invest. visual predomina.
2) imagem ilusória, fantasma, ruptura com a
realidade em parte
3) esta imagem es a pecular comporta as caract. que
a análise genética encontra “correponde” [sic] a este
estadio de 8 a 16 meses (época deste estádio)
realismo intelectual.
Ela evoluciona essa imagem especular na vida mas quando reaparece nos
fantasmas do adulto aparece com as caract. (paranóia) da imago do duplo.
Para controlar que a imagem do duplo se relaciona com a etapa da imagem especular.
Ch. Buhler (pares infantis) condições de que a diferença de idade não seja
demasiado grande (3 meses máx.) é preciso que o sujeito entre nas caract. da imagem
especular do outro – correspondência postural, simpática fisiológica necessárias.
Como reage o lactante à imagem especular mesma, enquanto que não tem
nenhuma necessidade biológica dela.
O animal depois de ter-se visto uma vez já não tem nenhuma atração pelo
espelho, não volta a ele. O chimpanzé, em cambio, volta, jogo porém nada permite
inferir que se reconhece.
O lactante ao contrário faz muito rapidamente a referência da imagem ao objeto.

86
37ª semana, menino chamado por seu nome se refere ao espelho.
“Ah!” exclamação que precede em uns 6 meses a busca detrás do espelho como
o chimpanzé, mas está já fixado sobre o resultado ao contrário do chimpanzé.
Atividade de reunião do diverso em um todo.
Precedentemente etapa do corpo fragmentado e o feito é que se chega pela
imagem especular à reunião do diverso num todo.

6/ De onde vem o interesse, a libido afetada a essa imagem, libido de toda uma etapa, da
etapa narcísica
O menino antes desta época padece de impotência biológica, desmame,
fragmentação de suas funções vitais.
O fenôm. mental da imagem do duplo deve conceber-se como uma compensação
a esta fase crítica de deficiência vital.
Assim como a destruição do objeto recalcado pelo lactante é uma luta por repetir
o desmame e destruir assim a ferida, afirmação de sua própria morte.

7/ Gn parentesco entre narcisismo correspondente à etapa de corpo fragmentado e do


desmame – afirma a unidade de seu corpo fragmentado.
o objeto vital, peito da mãe, que ele não o encontrará de imediato, é a fonte de
simbolismo.
que um objeto passe a ser o representante de uma
em animais , certo esboço do conhecimento da forma zoomórfica, mas para os
macacos + inteligentes e todavia o objeto é difíc. separável da utilidade imediata.

8/ Para o homem, o objeto é tudo antes de ser o que é. É antropomorfizado, assimil. de


cada objeto a um órgão do homem.
fenômeno ligado ao simbolismo em relação com estádio narcísico
Em suma isto não conduz a fonte de simbolismo
Mas, o que faz?
Isto nos move à compreensão de complexo de Édipo.

9/ O psiquismo humano entra na fase objetal, o objeto se reencontra


Todo um edifício se sacode. O retorno da sexualidade abala esta sínteses
particular da fase narcísica (sem interv. de perigos externos).

87
Por isso a necessidade interna de repressão da sexualidade.
A luta contra a sexualidade é liderada pelo Supereu.
Que é? É uma identificação da coação.
O Eu armazenado no momento da crise sexual do Édipo, se refugia na imago do
duplo – o Eu quer ser o que tinha visto ser.
A rivalidade do pai para o filho é um perigo, entretanto é uma ajuda preciosa – o
duplo passa ser a imagem do pai. A imago do duplo é o molde da identificação paterna e
do Eu para o estudo do Édipo nos 2 sexos.
A aparição da pulsão sexual no filho reativa a imago do objeto perdido do peito
materno, quiçá explica que a defesa narcísica é mais violenta no filho e seu Supereu
muito mais contra-vital.

88

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