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Resumo

LEITE, Marli Quadros. Resumo. São Paulo: Paulistana, 2006. cap. 1 e 2, p. 11-22.

1. O que é resumo?

O resumo é uma forma reduzida de informação. É o resultado de um processo mental de compreensão


desencadeado ao sermos expostos a qualquer situação de comunicação. Diz-se também que resumir é
sumarizar a informação e que o resumo, produto desse processo, é a evidência, isto é, a comprovação de que
houve, efetivamente, compreensão da informação a que o sujeito foi exposto. Isso quer dizer que, se alguém
consegue resumir um evento que presenciou, um filme a que assistiu, um livro que leu, pode, por meio do
resumo, mostrar que entendeu tudo o que viu, ouviu ou leu. Só é possível resumir aquilo que compreendemos.
Isso tudo quer dizer que o ato de resumir é resultante de uma capacidade e constitui uma habilidade
mental própria do ser humano, acionada para o armazenamento de informação. O ser humano é capaz de
resumir as informações a ele oferecidas, mas as pessoas podem ser mais ou menos hábeis, no desempenho
dessa atividade.
Se estamos no âmbito de uma habilidade, a situação é confortável porque é perfeitamente possível
desenvolvê-la por meio de estratégias eficientes, que permitam ao leitor alcançar os objetivos estabelecidos.
Não obstante isso, é preciso ressaltar que algumas exigências se impõem, para que o desenvolvimento dessa
habilidade tenha êxito, o que se depreende por meio de algumas palavras-chave que a definem: disposição,
interesse, objetivo.
É preciso deixar claro que, embora possível, nem sempre é fácil desenvolver essa habilidade. Primeiro,
porque, mesmo que o leitor esteja disposto, interessado e com objetivos definidos, a informação que se lhe
apresenta pode fazer parte de um campo do conhecimento que o sujeito (ouvinte ou leitor) não tenha domínio
pleno. É preciso, pois, que o interessado tenha recursos para resolver alguns problemas interferentes no
processo de compreensão. Depois, porque, como a memória é seletiva, o sujeito pode apegar-se a aspectos
informacionais que lhe chamam mais a atenção, mas que são marginais ao cerne do tema em desenvolvimento,
e, por esse motivo, desligar-se de outros, imprescindíveis à compreensão do núcleo e do todo da informação.
Ainda mais, resumir é habilidade mental própria do ser humano, acionada para o armazenamento de
informação, que pode servir a vários fins, e que pode funcionar como:
 Método usado para estudar a compreensão (Kintsch & van Dijk, 1975).
 Estratégia de estudo, indicativa da competência discursiva (Brown & Day, 1983).
 Manifestação do processo de compreensão (Kintsch & van Dijk, 1983).

Para o aluno, o resumo é uma estratégia de estudo e, para o professor, um instrumento completo de
verificação da aprendizagem, pois permite que sejam trabalhadas, a um só tempo, as habilidades de ler e de
escrever. Esse é, pois, o nosso interesse; aqui, portanto, trataremos:
1. do processo de sumarização do texto lido, oferecendo, de um lado, algumas indicações que possam
facilitar a leitura e a retenção da informação apreendida, e, de outro, apontando alguns fatores que
podem interferir no processo de leitura e, como resultado, atrapalhar a compreensão do texto lido;
2. da produção do resumo, a partir de sugestões que possam orientar o escritor a organizar bem o seu
resumo, registrando as informações apreendidas pela leitura realizada.

2. O processo de resumir o texto: estratégias

É fato que a memória humana seleciona certas informações e as arquiva e apaga outras. A
complexidade dessa ação reside, exatamente, nesses dois processos porque as pessoas “selecionam” e
“apagam” informações a depender de motivações que lhes são próprias e não, necessariamente, a depender do
que é mais ou menos relevante no texto. Além disso, a mente reconstrói informações com as quais interagiu,
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oferecendo nova forma ao conteúdo apreendido. Esses procedimentos intelectuais são normais quando o leitor
lê e se lembra do que leu. Essa “lembrança” já é a informação reduzida, resumida.
Todo esse processo depende muito de características individuais do leitor. Se o texto se impusesse
definitivamente ao leitor, a tarefa seria simples, e não haveria maus e bons leitores, apenas leitores.
Infelizmente, tudo depende muito mais do leitor que do texto, porque a leitura e a compreensão do que se lê
depende de “competências” que o leitor deve ter (mas nem sempre tem todas). É evidente que um texto ruim,
mal estruturado, sob o ponto de vista semântico (do conteúdo), formal e lingüístico, pode constituir um
problema à leitura, mas um leitor competente sabe distinguir o texto bom do ruim e se comportar
adequadamente diante de qualquer tipo de texto.
Uma parte significativa do processo, contudo, é mais coletiva que individual, e o leitor tem de estar
atento a ela, para reconhecê-la, pois isso facilita o trabalho da leitura e da redução da informação. Todo texto
encaixa-se num gênero discursivo, o que quer dizer que tem regulamentação social e que, portanto, existem
dados possíveis de recuperação imediata pelo leitor. Para isso, o leitor deve analisar os elementos
contextualizadores do texto a ser lido: título, autoria, meio pelo qual foi divulgado, atividade social a que está
ligado, estilo lingüístico e forma composicional.
Tudo isso será retomado em pormenores no item seguinte.

2.1 AS ESTRATÉGIAS: SELEÇÃO E CONSTRUÇÃO

Acima, referimo-nos a estratégias cognitivas recorrentes no processo de sumarização da informação.


Vejamos, então, de modo mais icônico, quais são elas e como operam. Para isso, usaremos exemplos curtos,
extraídos de textos jornalísticos, de gêneros diversos. Depois, iremos trabalhar com textos e segmentos de
textos, para que o leitor possa ver como funcionam e, assim, de modo mais consciente, venha a exercitar sua
habilidade de sumarizar as informações e de produzir resumos.
As estratégias são de dois grandes tipos: as que se concretizam por seleção dos conteúdos lidos, e as
que decorrem de construção elaborada a partir dos conteúdos apreendidos. Pela primeira, a informação
considerada mais relevante é retida, e as tidas como menos relevantes, descartadas, apagadas. O processo de
seleção decorre de duas operações mentais, uma denominada cópia, que consiste no aproveitamento das
informações do texto, outra, denominada apagamento, que consiste na ação de eliminar as informações
prescindíveis à captação da informação básica. Nesse caso, então, fica claro que o leitor elimina as
informações não-essenciais à compreensão da proposição principal do texto ou de suas partes, suprimindo
trechos que trazem conteúdos redundantes, paráfrases, exemplos e explicações. Essa estratégia permite que o
leitor mantenha a linguagem do texto-fonte, já que, literalmente, apenas elimina os conteúdos secundários à
idéia central do texto.
Pela segunda estratégia, a mente reconstrói a informação considerada relevante, por meio de dois
processos básicos: o da generalização, pelo qual uma seqüência que encerra informações particulares pode ser
substituída por itens que a englobe; e o da construção, pelo qual uma seqüência ampla de informações pode ser
substituída por outra, evidentemente mais reduzida, inferida pela associação de seus significados. Nesse caso,
o leitor/escritor produz um novo texto a partir do conteúdo lido, compreendido e reduzido do texto-fonte.
Em ambos os casos, percebe-se que o leitor atém-se ao conteúdo do texto, sendo completamente fiel às
informações nele contidas. Para efeito didático, diz-se que uma das características do resumo, isto é, do texto
que o leitor produz depois de lido o texto-fonte, é a fidelidade a suas idéias. Outros gêneros decorrentes do
processo de sumarizar textos, como a resenha e a recensão, vão além do registro das informações básicas do
texto, porque trazem a opinião do leitor.1
Esquematicamente, estas são as estratégias a que nos referimos:
1. Seleção: manutenção de conteúdos relevantes e conseqüente eliminação dos irrelevantes, por meio das
operações de:
a. cópia (manutenção de informações primárias)

1
Veja, desta Coleção, Andrade (2006).
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b. apagamento (eliminação de informações secundárias)


2. Construção: substituição de uma seqüência por outra por meio das operações de:
a. generalização (substituição de informações particulares por gerais)
b. construção (reelaboração da informação por associação de significados)

Para exemplificar, vejamos, abaixo, alguns segmentos de textos. Primeiro, vejamos como ficaria o
seguinte excerto pela aplicação da estratégia de seleção. Os trechos do texto-fonte que estão em destaque são
os “selecionados”, os que serão mantidos no texto-resumo; os trechos que não foram destacados serão
eliminados. Observemos:
A esse respeito, a campanha do desarmamento, que recolheu mais de meio milhão de
armas, já produziu importantes resultados. O Ministério da Saúde informa que os
homicídios por armas de fogo caíram 8,2% em 2004 em relação a 2003. Foram de 39.325
assassinatos em 2003 para 36.091 no ano seguinte. É a primeira queda nesse indicador desde
1992.
Extraído de: Editorial da Folha de S.Paulo,
09 de outubro de 2005.

O resultado seria, então:

A campanha do desarmamento produziu importantes resultados. O Ministério da Saúde


informa que os homicídios caíram 8,2% em 2004 em relação a 2003. É a primeira queda nesse
indicador desde 1992.

As seqüências eliminadas tinham, no texto-fonte, importância textual e discursiva, sem dúvida, mas
traziam informações adicionais, não-principais, e sua eliminação não prejudicou a informação fundamental,
como se pode verificar. Para esclarecer isso, comentaremos, caso a caso, as eliminações. Na coluna da
esquerda, transcrevemos as seqüências não aproveitadas no resumo, as que foram apagadas, e, na da direita,
para ajudar o leitor a compreender o processo de sumarização, algumas justificativas do apagamento.
Observemos, então, a tabela apresentada abaixo:

Seqüências apagadas Justificativas do apagamento


A esse respeito Seqüência de coesão desse texto
com o anterior.
que recolheu mais de meio Explicação adicional sobre a
milhão de armas campanha de desarmamento.
por armas de fogo Trata-se de campanha de desarma-
mento de armas de fogo, logo a
informação é redundante no texto.
Foram de 39.325 assassinatos Informação adicional,
em 2003 para 36.091 no ano explicação sobre o percentual já
seguinte oferecido.

Como as estratégias de redução são recursivas, isto é, podem ser aplicadas várias vezes sobre o texto já
resumido, a fim de se produzirem novos resultados, podemos, ainda, apagar alguns dos conteúdos do texto sem
lhe prejudicar a informação principal. Vejamos:

A campanha do desarmamento produziu importantes resultados. O Ministério da


Saúde informa que os homicídios caíram 8,2% em 2004 em relação a 2003. É a primeira
queda nesse indicador desde 1992.
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E, assim, obteríamos um novo texto-resumo, pelo apagamento do adjetivo “importantes”, prescindível


à compreensão da informação principal, e da seqüência comparativa “em 2004 em relação a 2003”, porque a
frase seguinte já situa o leitor no tempo, quanto aos fatos apresentados:

A campanha do desarmamento produziu resultados. O Ministério da Saúde informa que


os homicídios caíram 8,2%. É a primeira queda nesse indicador desde 1992.

Observemos que, por meio da estratégia de seleção, o trabalho do leitor será mesmo o de escolher as
informações a serem mantidas já que pode aproveitar, quase integralmente, a linguagem do texto-fonte. É claro
que a aplicação das regras a um texto integral exigirá do escritor adaptações lingüísticas no resumo,
especialmente no tocante à conexão das frases e parágrafos.
As primeiras estratégias, a de cópia e de apagamento, são sempre recorrentes. A rigor, nem seria
necessário falar da regra da cópia, já que, sempre, a informação retida é a “copiada”, mas, nesse caso,
queremos, pela ênfase dada a essa estratégia, dizer que não somente o conteúdo pode ser copiado mas também
a linguagem, se o resumo é um texto que serve como método de estudo ou como ferramenta de aferição de
leitura.
Vejamos outro excerto para, desta vez, trabalhar, também, com as estratégias de construção e
generalização. O trecho foi extraído de reportagem intitulada “Águas de Minas”, escrito por Roberto de
Oliveira para a Revista da Folha, publica da em 9 de outubro de 2005.

Águas de Minas

Água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Exemplo monumental dessa proeza é a
Ponte de Pedra, um túnel natural de 25 m de circunferência, arquitetado lenta e insistentemente
ao longo de milhares de anos pela correnteza rasa do rio do Salto.
A água, de tons variados, do mel ao avermelhado, não dá trégua no Parque Estadual
do Ibitipoca. Todos os caminhos levam a ela. E onde há água se esbanja vida: em seus 1.488
hectares existem cerca de 70 grutas e 40 cachoeiras, inúmeros paredões numa área de transição
de mata atlântica para cerrado que lhe permite abrigar uma pródiga biodiversidade. São cerca
de 900 espécies de plantas, algumas carnívoras, 210 tipos de aves, 17 endêmicas. Entre os 20
mamíferos, lobo-guará, jaguatirica, macaco e até onça-parda.

Também aqui, as informações principais do trecho, que serão mantidas no resumo, estão em destaque.
Ao aplicar as estratégias de generalização e construção, o texto resumido seria o seguinte:

A Ponte de Pedra é um túnel natural sobre o rio do Salto. A água do rio, localizado no
Parque Estadual do Ibitipoca, é abundante e fácil de ser encontrada. Observa-se que, onde há
água, há vida: em mais de mil hectares existem grutas, cachoeiras, paredões e a vegetação mista,
mata atlântica e cerrado, abriga a biodiversidade local: plantas, aves e mamíferos.

Vejamos como as estratégias foram empregadas. À esquerda da tabela, encontra-se a informação


eliminada e, à direita, a justificativa da eliminação e a declaração da estratégia aplicada:

Sequências apagadas Justificativas do apagamento


Água mole em pedra dura Eliminação de porção de texto
tanto bate até que fura. que tem apenas efeito
Exemplo monumental dessa estilístico para atrair o leitor pela
proeza é [...] de 25 m de beleza.
circunferência, arquitetado Estratégias: cópia e apagamento.
lenta e insistentemente ao Obs.: O novo texto recebeu
longo de milhares de anos somente elementos de coesão
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pela correnteza rasa do (verbo de ligação e preposição).


de tons variados, do mel ao Eliminação de adjetivos,
avermelhado prescindíveis à percepção da
informação principal.
Estratégia: apagamento.
Todos os caminhos levam a Eliminação de pormenores e
ela. E onde há água se reorganização da informação:
esbanja vida: “Observa-se que onde há água
há vida”.
Estratégias: cópia, apagamento e
construção.
em seus 1.488 hectares Eliminação de pormenores e
existem de 70 grutas e 40 reorganização das informações.
cachoeiras, inúmeros Estratégias: cópia, apagamento
paredões numa área de e construção (de
transição de [...] que lhe “numa área de transição de
permite abrigar uma pródiga mata atlântica para cerrado”
[...]. São cerca de 900” para “e a vegetação mista, mata
espécies de [...] algumas atlântica e cerrado”).
carnívoras, 210 tipos de [...].
Entre os 20 [...] lobo-guará,
jaguatirica, macaco e até
onça-parda.
São cerca de 900 espécies de Eliminação de pormenores e
[...] algumas carnívoras, 210 aproveitamento de itens
tipos de [...]. Entre os 20 [...] generalizantes.
lobo-guará, jaguatirica, Estratégias: cópia, apagamento
macaco e até onça-parda. e generalização.

Recursivamente, reaplicamos as estratégias, e o resumo pode ser ainda menor, vejamos:

A Ponte de Pedra é um túnel natural sobre o rio do Salto. A água do rio é abundante e a
vegetação que lhe é próxima acolhe significativa biodiversidade.

Extraídas, então, algumas especificações da informação básica, pela aplicação das estratégias de cópia,
apagamento e construção, obtém-se um resumo que apenas dá notícia, que indica o conteúdo.

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