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ano 21 - n.

82 | abril/junho - 2013
Belo Horizonte | p. 1-294 | issn 0100-2589
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro

Revista Brasileira de
Direito processual

RBDPro

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REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL – RBDPro
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Lúcio Delfino
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R454 Revista Brasileira de Direito Processual : RBDPro. – ano 15, n. 59, (jul./set. 2007)- . – Belo Horizonte:
Fórum, 2007-

Trimestral
ISSN 0100-2589

Publicada do n. 1, jan./mar. 1975 ao n. 14, abr./jun.1978 pela Vitória Artes Gráfica, Uberaba/MG.
Publicada do n. 15, jul./set. 1978 ao n. 58, abr./jun. 1988 pela Editora Forense, Rio de Janeiro/RJ.
Publicação interrompida em 1988 e retomada pela Editora Fórum em 2007.

1. Direito processual. I. Fórum.


CDD: 347.8
CDU: 347.9

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Diagramação: Reginaldo César de Sousa Pedrosa

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Sumário
Editorial.................................................................................................................................................................................................. 7

DOUTRINA
Artigos

Uma análise crítica da teoria das condições da ação


Luiz Eduardo Ribeiro Mourão...................................................................................................................................................................... 13
1  A origem da teoria das condições da ação..................................................................................................... 13
2  Da semelhança conceitual entre as condições da ação e o mérito................................................ 15
3  A impossibilidade jurídica do pedido................................................................................................................. 15
4  A legitimação ad causam........................................................................................................................................... 18
5  O interesse de agir.......................................................................................................................................................... 19
6  Da desnecessidade prática da teoria das condições da ação............................................................. 21
7  Conclusão............................................................................................................................................................................ 22
Referências.......................................................................................................................................................................... 22

Princípio do contraditório no Superior Tribunal de Justiça


Carlos Henrique Soares..................................................................................................................................................................................... 23
1  Processo e procedimento e contraditório....................................................................................................... 23
2  Processo de conhecimento, contraditório e legitimidade das decisões...................................... 28
3  Princípio do contraditório.......................................................................................................................................... 30
4  Princípio do contraditório e as decisões do Superior Tribunal de Justiça................................... 31
5  Conclusão............................................................................................................................................................................ 42
Referências.......................................................................................................................................................................... 43

Direito Processual Social Atual – Entre o Ativismo Judicial e o Garantismo Processual


Jefferson Carús Guedes..................................................................................................................................................................................... 45
1  Introdução........................................................................................................................................................................... 45
2  Contornos velhos e novos de um binômio aparentemente inconciliável:
a) socialismo e individualismo; b) autoritarismo e liberalismo; c) publicismo
e privatismo; d) ativismo (judicial) e garantismo (processual)............................................................ 47
2.1  O debate menos importante: Il Codice de Processo Civile italiano de 1940.................................. 56
3  O debate estrangeiro e brasileiro atual: talvez o mais importante.................................................. 59
3.1  O que se pode denominar como ativismo (processual civil) e como garantismo
processual civil atualmente...................................................................................................................................... 65
4  A favor ou contra o garantismo? Ou a favor da terceira via da cooperação
e da democracia?............................................................................................................................................................ 66
4.1  Mas por que ser contrário a um garantismo processual universal?................................................ 67
4.2  E por que se dizer a favor do Direito Processual Social em sociedades com
desigualdades complexas e multidimensionais? ...................................................................................... 69
4.3  Escalas e tons de um Direito Processual Social no Brasil, nestes tempos....................................... 72
5  Conclusão............................................................................................................................................................................ 75
Referências.......................................................................................................................................................................... 76

Ensaio sobre a argumentação do direito e a boa-fé processual


Mariângela Guerreiro Milhoranza, Camila Paese Fedrigo.................................................................................................. 81
I  Introdução........................................................................................................................................................................... 82
II  Situação histórica............................................................................................................................................................ 82

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III  A relação entre Direito Natural e Direito Positivado.................................................................................. 83
IV  A influência da moral na eficácia das normas............................................................................................... 85
V  O direito como um sistema aberto de regras e princípios.................................................................... 90
VI  A questão da discricionariedade........................................................................................................................... 92
VII  A boa-fé no processo civil.......................................................................................................................................... 94
VIII  O sobreprincípio da boa-fé processual............................................................................................................. 98
IX  Conclusão......................................................................................................................................................................... 102

Um breve panorama sobre as tutelas de urgência e de evidência no sistema do


novo Código de Processo Civil
Mauro Simonassi.................................................................................................................................................................................................. 105
1  Introdução........................................................................................................................................................................ 105
2  Breve notícia histórica............................................................................................................................................... 107
3  As tutelas de urgência como extensão do direito fundamental ao acesso à justiça......... 108
4  As tutelas de urgência em alguns sistemas processuais alienígenas.......................................... 110
5  A proposta de sistematização das tutelas de urgência........................................................................ 112
6  O procedimento-base nas tutelas de urgência......................................................................................... 113
6.1  A natureza do procedimento antecedente nas tutelas de urgência........................................... 115
7  A eliminação das medidas cautelares inominadas................................................................................. 117
8  A tutela de evidência................................................................................................................................................. 119
8.1  A natureza da decisão na tutela de evidência da parte incontroversa...................................... 120
9  Conclusão......................................................................................................................................................................... 123
Referências....................................................................................................................................................................... 124

Da convenção de arbitragem – Efeitos e responsabilidade pelo descumprimento


no Brasil e em Portugal
Marianna Chaves.................................................................................................................................................................................................. 127
Introdução........................................................................................................................................................................ 128
1  A arbitragem como meio alternativo de resolução de conflitos: linhas gerais..................... 129
2  A regulação da arbitragem no Brasil e em Portugal............................................................................... 130
3  Convenção de arbitragem...................................................................................................................................... 133
3.1  Cláusula compromissória vs. compromisso arbitral: conceitos....................................................... 133
3.2  Cláusula compromissória cheia ......................................................................................................................... 135
3.3  Autonomia da cláusula compromissória....................................................................................................... 136
3.4  Natureza jurídica da convenção de arbitragem........................................................................................ 137
3.5  Descumprimento da convenção de arbitragem..................................................................................... 138
3.5.1  Efeitos do descumprimento da cláusula compromissória no Brasil............................................ 138
3.5.2  Efeitos do descumprimento do compromisso arbitral no Brasil.................................................... 142
3.5.3  Efeitos do descumprimento da convenção de arbitragem em Portugal................................. 143
4  Responsabilidade processual por litigância de má-fé?......................................................................... 145
5  Considerações finais................................................................................................................................................... 147
Referências....................................................................................................................................................................... 149

Dos fundamentos axiológicos dos modelos probatórios (clássico, moderno e


contemporâneo)
Eduardo Cunha da Costa............................................................................................................................................................................... 153
1  Introdução........................................................................................................................................................................ 154
2  Premissas histórico-culturais dos modelos probatórios...................................................................... 154
3  Ordem isonômica e prova argumentativa................................................................................................... 157
4  Ordem assimétrica e prova demonstrativa.................................................................................................. 162
5  Premissas axiológicas do modelo probatório no processo civil contemporâneo............... 166

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6  Modelo probatório de polaridade assimétrica e o conceito de prova no processo
contemporâneo............................................................................................................................................................ 170
7  Conclusão......................................................................................................................................................................... 172
Referências....................................................................................................................................................................... 174

Informatização do Poder Judiciário e acesso à justiça – Perspectivas atuais


Bruna Pinotti Garcia, Nelson Finotti Silva...................................................................................................................................... 181
Introdução........................................................................................................................................................................ 182
1  Acesso à justiça, efetividade processual e tecnologia........................................................................... 183
2  Obstáculos à informatização judiciária........................................................................................................... 188
3  Contexto jurídico do processo de informatização.................................................................................. 191
4  Contexto fático do processo de informatização....................................................................................... 195
Considerações finais................................................................................................................................................... 198
Referências....................................................................................................................................................................... 200

CONFERÊNCIAS

Los criterios de la legitimación jurisdiccional según los activismos socialista, facista


y gerencial
Eduardo José da Fonseca Costa.............................................................................................................................................................. 205

Aspectos semânticos de uma contradição pragmática. O garantismo processual sob o


enfoque da filosofia da linguagem
Glauco Gumerato Ramos.............................................................................................................................................................................. 217
1  Direito, linguagem e os três planos fundamentais da semiótica – Sintática,
semântica e pragmática........................................................................................................................................... 218
2  Dimensão semântica da Constituição e dessintonia pragmática na utilização do
processo............................................................................................................................................................................. 218
3  Ativismo judicial e distorção do modelo pragmático de processo............................................... 220
4  Ativismo judicial versus ampla defesa.............................................................................................................. 223
5  O garantismo processual como fator de (re)equilíbrio entre os modelos semântico
e pragmático de processo....................................................................................................................................... 225
6  Fechamento..................................................................................................................................................................... 226

Juiz contraditor?
Lúcio Delfino, Fernando F. Rossi............................................................................................................................................................. 229
1  Delimitação do estudo............................................................................................................................................. 229
2  O contraditório em seu sentido dinâmico................................................................................................... 230
3  A estruturação do contraditório e a impossibilidade de um juiz contraditor........................ 236
4  Considerações finais................................................................................................................................................... 245
Referências....................................................................................................................................................................... 251

Acerca de la reforma al art. 274 y el ejercicio del derecho de defensa, desde la óptica del
defensor penal
Hernán Federico Soto, María Juliana Ruani.................................................................................................................................. 255
I  Introducción ................................................................................................................................................................... 255
II.I  Breve estado del arte – La audiencia imputativa..................................................................................... 257
II.II  La imputación................................................................................................................................................................. 259
II.III  La calidad de imputado........................................................................................................................................... 260
III  La audiencia imputativa o de imputación de cargos en el derecho colombiano.............. 262

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IV.I  Opiniones contrarias a la reforma ..................................................................................................................... 263
IV.II  Tesis a favor de la reforma ...................................................................................................................................... 264
V  La naturaleza procesal – Acto de comunicación o de contradicción............................................ 266
VI  La imputación, la congruencia y el derecho de defensa..................................................................... 268
VII  Conclusiones................................................................................................................................................................... 275
VIII  Colofón............................................................................................................................................................................... 275
Referencias....................................................................................................................................................................... 275

Notas e comentÁrios

Homenagem aos 30 anos de docência do Professor Doutor Araken de Assis...................................... 279

RESENHA

ROQUE, Andre Vasconcelos. Class actions: ações coletivas nos Estados Unidos: o que
podemos aprender com eles?. Salvador: JusPodivm, 2013
Leonardo Carneiro da Cunha..................................................................................................................................................................... 285

ÍNDICE ........................................................................................................................................................................................................................ 287

INSTRUÇÕES PARA OS AUTORES...................................................................................................................................................293

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Editorial
Nos dias 08, 09 e 10 de maio de 2013, ocorreu o I Congresso Internacional de
Direito Processual de Presidente Prudente, cuja coordenação acadêmica coube aos
talentosos professores Sérgio Luiz de Almeida Ribeiro (São Paulo) e Alexandre Freire
(Maranhão). Foi algo simplesmente grandioso, cujo público atingiu aproximada-
mente 500 pessoas. Como palestrantes participaram 45 destacados juristas, repre-
sentantes não só de vários estados brasileiros (São Paulo, Minas Gerais, Maranhão,
Rio de Janeiro, Espírito Santo, Distrito Federal e Mato Grosso), como também de
países como Argentina, Chile, Paraguai, Colômbia e Peru. As palestras abordaram
uma diversidade de temas, com destaque às alterações técnico-­processuais oriun-
das da possível aprovação do Projeto do novo Código de Processo Civil, ao debate
ideológico entre ativistas e garantistas, aos precedentes judiciais, às tutelas coleti-
vas e ao processo eletrônico. E frente ao sucesso do evento, a organização já adian-
tou que, daqui a dois anos, o Congresso terá nova edição com muitas novidades. É
só aguardar e conferir!
A presente edição da RBDPro traz os seguintes materiais doutrinários:
1 Uma análise crítica da teoria das condições da ação. Luiz Eduardo Ribeiro
Mourão procura demonstrar, com maestria, a inconveniência da manutenção no
sistema processual civil brasileiro da teoria das condições da ação.
2 Princípio do contraditório no Superior Tribunal de Justiça. O professor Carlos
Henrique Soares tece interessantes considerações sobre a aplicação do princípio do
contraditório nos julgamentos do Superior Tribunal de Justiça. Além disso, enfrenta
questões de relevo para a dogmática processual, a exemplo do papel do contraditó-
rio na diferenciação entre processo e procedimento, indicando igualmente a visão
que atualmente é confiada a essa garantia processual fundamental.
3 Direito Processual Social atual – Entre o Ativismo Judicial e o Garantismo
Processual. Jefferson Carús Guedes aponta as razões pelas quais é a favor de um
direito processual social. Trata-se de um trabalho cujo fim é refutar propostas garan-
tistas defendidas, entre outros, por Juan Montero Aroca (Espanha), Adolfo Alvarado
Velloso (Argentina) e Glauco Gumerato Ramos (Brasil).
4 Ensaio sobre a argumentação do direito e a boa-fé processual. Mariângela
Guerreiro Milhoranza e Camila Paese Fedrigo apresentam estudo destinado a defen-
der a legitimidade da boa-fé processual segundo os critérios de correção e validade.
5 Um breve panorama sobre as tutelas de urgência e de evidência no sistema
do novo Código de Processo Civil. Mauro Simonassi realiza atenta análise acerca das

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8 Editorial

tutelas de urgência e de evidência no sistema pretendido pelo Projeto do novo


Código de Processo Civil.
6 Da convenção de arbitragem – Efeitos e responsabilidade pelo descumpri-
mento no Brasil e em Portugal. Marianna Chaves elabora interessante estudo de
direito comparado a respeito do descumprimento da convenção de arbitragem
no Brasil e em Portugal.
7 Dos fundamentos axiológicos dos modelos probatórios (clássico, moderno e
contemporâneo). Eduardo Cunha da Costa propõe a sistematização dos diferentes
conceitos e métodos probatórios e, deste modo, analisa os aspectos teóricos dos
modelos clássico, moderno e contemporâneo de prova.
8 Informatização do Poder Judiciário e acesso à justiça – Perspectivas atuais.
Bruna Pinotti Garcia e Nelson Finotti Silva abordam, sob variadas perspectivas, a
ligação entre o processo de informatização do Poder Judiciário e a maximização
do direito fundamental de acesso à justiça.
9 Los criterios de la legitimación jurisdiccional según los activismos socialista,
facista y gerencial. Eduardo José da Fonseca Costa, com o seu brilho característico,
desvenda os critérios de legitimação jurisdicional segundo os ativismos proces-
suais socialista, fascista e gerencial, além de indicar os riscos que essas perspec-
tivas ideológicas representam às garantias fundamentais do processo. O texto
é a versão escrita da premiada palestra apresentada pelo processualista no XII
Congresso Nacional de Direito Processual Garantista, em 2012, na cidade argen-
tina de Azul, e com a qual foi agraciado com o prêmio “Humberto Briseño Sierra”.
10 Aspectos semânticos de uma contradição pragmática. O garantismo pro-
cessual sob o enfoque da filosofia da linguagem. Glauco Gumerato Ramos aborda o
fenômeno jurídico-processual na perspectiva da filosofia da linguagem. Seu intuito
é demonstrar que o modelo semântico de processo proveniente da Constituição
está em total descompasso com o modelo pragmático da praxe forense. O tra-
balho retrata a conferência que o processualista proferiu no XXIV Congresso do
Instituto Panamericano de Direito Processual, em 2012, no Colégio de Abogados
de La Plata, Argentina.
11 Juiz contraditor?. Lúcio Delfino e Fernando F. Rossi reúnem esforços para
demonstrar que juiz e partes não são paritários no diálogo processual em um
modelo colaborativo de processo civil. Ademais, criticam o entendimento segundo
o qual o contraditório estabeleceria deveres também às partes e não só ao juiz
— para os processualistas o contraditório cria deveres apenas ao juiz. O texto é a
versão escrita da palestra proferida por Lúcio Delfino no I Congresso Internacional

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Editorial 9

de Direito Processual Civil de Presidente Prudente, ocorrido em 2013, nos dias 08,
09 e 10 de maio, na cidade de Presidente Prudente, São Paulo.
12 Acerca de la reforma al art. 274 y el ejercicio del derecho de defensa, desde
la óptica del defensor penal. Hernán Federico Soto e María Juliana Ruani tecem
comentários positivos a uma reforma legislativa que valoriza o contraditório e
a regra da congruência no sistema penal argentino. O trabalho retrata a versão
escrita da palestra apresentada pelos processualistas no I Congresso Provincial de
Derecho Procesal Penal, ocorrido na cidade argentina de Rosario, nos dias 08 e 09
de novembro de 2012.
Em “Notas e Comentários” é reproduzido o discurso proferido pela professora
Mariângela Guerreiro Milhoranza, que abriu o I Seminário de Direito Processual de
Canela, RS, evento organizado para homenagear os 30 anos de docência do pres-
tigiadíssimo Professor Doutor Araken de Assis.
Por fim, uma resenha, elaborada pela habilidosa pena do Professor Doutor
Leonardo Carneiro da Cunha, referente à última e instigante obra do professor
André Vasconcelos Roque, é apresentada como sugestão de leitura.

Os Diretores

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Doutrina
Artigos

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Uma análise crítica da teoria das condições
da ação

Luiz Eduardo Ribeiro Mourão


Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP.
Advogado em São Paulo.

Palavras-chave: Lei processual civil. Teoria das condições da ação.

Sumário: 1 A origem da teoria das condições da ação – 2 Da semelhança


conceitual entre as condições da ação e o mérito – 3 A impossibilidade
jurídica do pedido – 4 A legitimação ad causam – 5 O interesse de agir –
6 Da desnecessidade prática da teoria das condições da ação – 7 Conclusão
– Referências

Nosso objetivo, neste texto, consiste em tentar demonstrar, ainda que de


forma breve, a inconveniência de se manter na lei processual civil brasileira a teo-
ria das condições da ação.
Essa assertiva se baseia em duas premissas: uma de ordem teórica e outra
prática. Aquela diz respeito ao fato de que todas as condições da ação dizem res-
peito, na sua essência, a aspectos relativos ao mérito; esta se refere ao fato de que
todas as hipóteses podem ser facilmente subsumidas em categorias jurídicas já
existentes, como o próprio mérito ou os pressupostos processuais.
Ademais, a constatação que se faz da análise concreta da aplicação dessas
categorias jurídicas ao processo civil tem servido mais para complicar do que para
simplificar o exercício da atividade jurisdicional, que deve se concentrar no mérito,
seu núcleo e razão de ser.

1  A origem da teoria das condições da ação


A teoria das condições da ação foi elaborada por Enrico Túlio Liebman, jurista
italiano que chegou ao Brasil no ano de 1939, tendo influenciado grandemente os
processualistas da Universidade de São Paulo, entre eles o autor do Anteprojeto

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14 Luiz Eduardo Ribeiro Mourão

que deu origem ao Código de Processo Civil em vigor, o então Ministro da Justiça,
Dr. Alfredo Buzaid.
Cândido Rangel Dinamarco, um de seus maiores discípulos nas terras sul-­
americanas, chega mesmo a falar na formação de uma “escola processual”, formada
da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, em torno dos escritos de Liebman:

Os pensamentos e escritos de Liebman vieram a projetar-se intensamente


na cultura processualística de nosso país, com forte repercussão, desde
logo, na doutrina dos que com ele conviveram e, ao longo de todas essas
décadas, no pensamento formado entre os discípulos de seus discípulos.
Daí a ideia orgânica de uma verdadeira escola, responsável pelas conquis-
tas de então e de agora, tanto em sede doutrinária quanto no direito positivo
brasileiro. Já passadas mais de seis décadas de sua chegada, ainda hoje se
sente sempre o peso das propostas que trouxe e sobretudo das grandes
premissas que plantou entre nós, como verdadeiras raízes da formação do
pensamento científico brasileiro do processo civil.1

A teoria em questão, chamada de eclética, apregoa a necessidade do preen-


chimento de certas condições para que o mérito possa ser julgado. São as chamadas
condições da ação, a saber: a) a possibilidade jurídica do pedido; b) a legitimidade
para agir; e c) o interesse processual. Essa teoria foi adotada pelo Código de Processo
Civil em vigor, pelo que se depreende da leitura do inciso VI do artigo 267 e de alguns
outros dispositivos legais.
É curioso notar que o próprio Liebman, após a elaboração inicial da teoria,
teria reconhecido a desnecessidade da categoria denominada “possibilidade
jurídica”. Entretanto, essa condição permaneceu viva não apenas na doutrina,
mas também nos tribunais brasileiros.
O Projeto de Lei do Senado nº 166, de 2010, retirou do elenco das condições
da ação a impossibilidade jurídica do pedido. Contudo, manteve a legitimidade
para agir e o interesse processual, no seu artigo 17 e no inciso VI, do artigo 472
(que corresponde ao artigo 267, inciso VI, do atual CPC, salvo a impossibilidade
jurídica do pedido). Segundo pensamos, os reformadores foram tímidos nessa
questão, pois a elaboração de um novo Código de Processo Civil constitui uma
boa oportunidade para a eliminação dessas questões formais, que se confundem
com o mérito e têm causado intrincados problemas no exercício da Jurisdição,
especialmente quando se pretende estabelecer, em inúmeros casos práticos, a
distinção entre decisões definitivas e terminativas.

1
DINAMARCO. 100 anos de Liebman. In: DINAMARCO. Fundamentos do processo civil moderno, p. 39.

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Uma análise crítica da teoria das condições da ação 15

Um exemplo paradigmático pode ser apresentado, desde logo: na ação de


investigação de paternidade, a constatação de que o réu não é o pai do autor, por
jamais ter tido qualquer relação com a mãe do autor, deve levar à extinção do
processo, com julgamento de mérito, por improcedência, ou deve ser julgado por
ilegitimidade passiva do réu? No plano lógico, ambas as respostas estão corretas,
embora no plano prático o julgamento pelo mérito seja mais proveitoso.
Essa dualidade lógica demonstra, de forma irrefutável que, ao nos referir-
mos às condições da ação, estamos, de fato, analisando aspectos determinados
do próprio mérito.

2  Da semelhança conceitual entre as condições da ação e o mérito


Por ter o Código de Processo Civil disposto que a ilegitimidade da parte, o
interesse de agir e a impossibilidade jurídica do pedido não integram o mérito,
podemos ser levados a pensar que essas questões não lhe dizem respeito, o que
nos parece equivocado, consoante tentaremos demonstrar.

3  A impossibilidade jurídica do pedido


Para alguns autores, a impossibilidade jurídica do pedido está ligada à
admis­sibilidade, em abstrato, no ordenamento jurídico, do pedido formulado
pelo autor. Para outros, liga-se à inexistência de vedação legal para sua veicula-
ção.2 Donaldo Armelin, após examinar uma série de conceitos doutrinários sobre
o tema, arremata seu pensamento dizendo: “Do elenco de conceitos da condição
de admissibilidade da ação, ora enfocada, verifica-se a existência de uma linha em
comum, a par de divergências circunstanciais na circunscrição do âmbito desse
instituto processual. A admissibilidade em abstrato do pedido do autor pelo sistema
jurídico constitui o elemento encontrável em todos os pré-transcritos conceitos”.3
Independentemente da extensão que se dê a esse conceito, o que quere-
mos enfatizar é a identidade entre o mérito e essa condição da ação. Acreditamos
que, não fosse a existência de norma expressa no diploma processual, não haveria
razão para essa separação conceitual.
Inúmeros autores, ao estudar o mérito (também chamado de objeto do
processo ou objeto litigioso), equiparam-no ao pedido. O próprio Liebman, como
vimos anteriormente, assim o faz, ao dizer: “Objeto de todo processo é o pedido

2
Cf. ARMELIN. Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro, p. 48-49.
3
Ibidem, p. 49, grifos nossos.

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de quem o promove”.4 Portanto, se o mérito corresponde ao pedido, é óbvio que


o juiz, para concluir que este é ou não juridicamente possível, analisa o mérito da
demanda. Essa verdade se deduz de um simples raciocínio silogístico.
Sob o aspecto que ora enfatizamos, não faz diferença o juiz afirmar que o autor
não é titular de um direito subjetivo ou que seu pedido não é admissível (ou possível),
em abstrato, no ordenamento jurídico. Em ambas as hipóteses, está-se negando a
existência de um direito subjetivo ao autor: seja porque não está previsto, em abs-
trato, no ordenamento jurídico, seja porque, previsto, não pertence, em concreto,
ao autor. Em artigo publicado na Revista Dialética de Direito Processual já havíamos
afirmado que: “A verdade é que não há distinção, em essência, em se dizer que uma
demanda é improcedente, pela inexistência, in abstrato, do direito material invocado
pelo autor, ou pela inexistência, in concreto, do mesmo. Em ambas as hipóteses a
pretensão apresentada pelo autor terá sido rejeitada a partir da análise do mesmo
objeto: a relação jurídica de direito material expressa nos elementos da demanda”.5
Essa proximidade de conceitos foi reconhecida pelos nossos tribunais e
erigida como fundamento para impedir a repropositura de demandas idênticas,
quando o processo foi extinto por impossibilidade jurídica do pedido. Nesse sen-
tido, há um excelente acórdão, relatado pelo então juiz do Segundo Tribunal de
Alçada Civil de São Paulo, o ilustre Dr. Cezar Peluso, do qual se extraem as seguin-
tes lições:

A impossibilidade jurídica é também “uma das formas de improcedência


prima facie” (Calmon de Passos, ob. cit., p. 287, n. 169.1. Para a 1ª ed., cf.
p. 204, n. 120. Com argumentação minudente e irrefutável, cf. Donaldo
Armelin, ob. cit., pp. 52-54, n. 36). Na verdade, dizer que determinado
pedido não pode ser objeto de decisão jurisdicional de mérito, ou que
não pode ser conhecido, por força de expressa vedação do ordenamento
jurídico, significa reconhecer que não pode ser acolhido, por clara inexis-
tência do direito subjetivo material que pretenda tutelar. [...] Em essência,
denegar pedido infundado é o mesmo que denegar pedido, juridica-
mente, impossível, pois “as hipóteses, para efeitos processuais, são onto­
logicamente iguais, ou melhor, deveriam ser no que tange aos efeitos
emergentes de sua constatação” (Donaldo Armelin, ob. cit., p. 53, n. 36),
já que, em ambas, o que se enuncia e declara é a inexistência do direito
subjetivo substancial. Em todos os exemplos de impossibilidade jurídica

4
Processo de execução, p. 58.
5
Coisa julgada, condições da ação e a impossibilidade de repropositura da demanda. Revista
Dialética de Direito Processual, p. 55, grifos no original.

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Uma análise crítica da teoria das condições da ação 17

do pedido, o de que carece a parte é do direito material de crédito de jogo,


de luvas, o reconhecimento de relação de maternidade que atribua prole
ilegítima à mulher casada etc., por expressa exclusão legal. A distinção, se
a há, está apenas no grau de evidência da inexistência do direito. [...] Mas
esta diversidade acessória de tratamento normativo não esgarça a funda-
mental identidade ontológica entre a sentença de improcedência (art. 269,
I) e a de carência por impossibilidade jurídica do pedido (art. 267, VI), que
ambas, declarando inexistente o direito subjetivo material, descem ao
fundo do merecimento.6

Para corroborar nossa posição, apresentamos as lições de Donaldo Armelin:

Mas qualquer que seja o seu objeto, ocorrendo a impossibilidade jurídica


do pedido ou a ilicitude da causa petendi, a justificar a preexclusão do
julgamento do mérito, que é o próprio pedido, em verdade o que sucede
é um julgamento prima facie de mérito. Isto já foi remarcado com preci-
são por Calmon de Passos, ao afirmar, verbis: “A impossibilidade jurídica é
também uma das formas de improcedência prima facie”. Com efeito, dizer
que um pedido é insubsumível às normas jurídicas do sistema jurídico
vigente, porque existe uma vedação expressa a respeito, não difere de se
julgar que um pedido não pode ser acolhido porque não provou o autor a
existência do suporte fático indispensável à sua subsunção à norma legal
invocada. Ambos levam à rejeição do pedido em razão de sua carente
fundamentação. Apenas em um caso inexistem fundamentos jurídicos;
noutro, fáticos. Inobstante no caso de vedação expressa do sistema a pre-
missa maior do silogismo judiciário ser inaceitável, e, no caso de falta de
prova, ocorrer isso com a premissa menor desse silogismo, ambas as hipó­
teses, para efeitos processuais, são ontologicamente iguais, ou melhor,
deveriam ser no que tange aos efeitos emergentes de sua constatação. A
circunstância da apreciação da inviabilidade do pedido poder ser feita ab
initio não retira da decisão, que o rechaça por impossibilidade jurídica, a
natureza de decisão de mérito, porque, como é cediço, o momento da pro-
lação de tal decisão no processo de modo algum tem o condão de firmar
ou infirmar a sua natureza.7

As explicações supracitadas mostram-nos que, não existindo diferença


onto­lógica entre essa condição da ação e o mérito, não há justificativa plausível
para se manter a distinção jurídica, sobrepondo-se o formalismo sobre a pratici-
dade do exercício da atividade jurisdicional.

6
Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 599, p. 141-142, grifos no original.
7
Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro, p. 53.

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18 Luiz Eduardo Ribeiro Mourão

4  A legitimação ad causam
A segunda condição da ação ora examinada nada mais é do que a exigência
de coincidência entre as partes na relação jurídica material e as partes na relação
jurídica processual.
Quando se declara o autor carecedor do direito de ação, por ilegitimidade
ativa ou passiva, está-se dizendo, em última análise, que o direito material invocado
não lhe pertence, ou que o autor não possui tal direito em relação àquele que
foi inserido no polo passivo da demanda. Esse julgamento, em essência, em nada
difere de uma decisão de improcedência. Vejamos o seguinte exemplo: numa
demanda em que se pleiteia a cobrança de importância em dinheiro, qual a dife-
rença entre o julgador dizer que “A” é carecedor do direito de ação, por não figurar
no polo ativo da relação creditícia, e dizer que o pedido formulado é improcedente,
pois “A” não é titular do crédito e, portanto, não possui o direito material que estriba
a demanda? A distinção parece-nos ser apenas formal, pois o conteúdo é idêntico:
em ambas as situações o autor não é titular do direito subjetivo alardeado.
Aliás, não são raras as situações em que, alegando o réu, na contestação,
ilegitimidade de parte, o juiz posterga a análise da preliminar para o julgamento
de mérito, sob a alegação de que essas questões se confundem. Nesse sentido, a
prática judiciária não desmente o que vimos sustentando.
Donaldo Armelin afirma que “nos casos de legitimidade direta ou ordinária,
onde essa qualidade tem como arrimo a alegada própria titularidade do direito,
difícil seria separar a legitimidade do próprio mérito, o que torna inevitável sejam
ambas examinadas conjuntamente, quando não se atribui a titularidade do direito
questionado a terceiro”.8
Nas hipóteses de legitimação extraordinária (ou substituição processual),
quando um sujeito comparece em juízo, em nome próprio, defendendo direito
alheio, também deve o magistrado analisar a relação jurídica de direito material.
José Roberto dos Santos Bedaque, ao falar sobre a legitimação extraordinária,
explica:

Também aqui não se pode prescindir da relação material. Sustenta-se,


com sólidos argumentos, a necessidade de haver nexo entre as relações
jurídicas de titularidade do legitimado ordinário e do extraordinário. A
legitimação extraordinária somente é admissível quando se tratar de
mecanismo destinado à tutela do interesse do legitimado extraordinário,

8
Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro, p. 83.

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Uma análise crítica da teoria das condições da ação 19

ante a inércia do substituído. Tal análise depende fundamentalmente das


relações jurídicas substanciais de que fazem parte os titulares desses inte-
resses. Impossível solucionar o problema sem o exame do direito material.9

Discorrendo sobre a influência dessa confusão de conceitos sobre o instituto


da coisa julgada, desenvolvemos a teoria sobre a coisa julgada formal, de que essas
decisões terminativas formam a coisa julgada formal, impedindo a repropositura
da ação com o mesmo vício processual.10
Parece-nos, pois, indubitável, a incidência de duas categorias lógico-jurídicas
para fenômenos idênticos, burocratizando o sistema processual.

5  O interesse de agir
O interesse de agir, quando não se confunde com o mérito, mistura-se aos
pressupostos processuais, como procuraremos demonstrar, com base nos ensina-
mentos de Liebman.
Liebman sintetiza o conceito de interesse de agir na seguinte frase: “O inte­
resse de agir é, em resumo, a relação de utilidade entre a afirmada lesão de um
direito e o provimento de tutela jurisdicional pedido”.11 Percebe-se, dessas lições,
que o ponto central do conceito está na palavra relação. Toda relação envolve dois
objetos, um de cada lado da relação. No caso do interesse de agir, essa relação se
consubstancia entre “a afirmada lesão”, com o tipo de “tutela jurisdicional”.
Afirma, ainda, esse autor:

Seria uma inutilidade proceder ao exame do pedido para conceder (ou


negar) o provimento postulado, quando na situação de fato apresentada
não se encontrasse afirmada uma lesão ao direito ou interesse que se
ostenta perante a parte contrária, ou quando os efeitos jurídicos que se
esperam do provimento já tivessem sido obtidos, ou ainda quando o pro-
vimento pedido fosse em si mesmo inadequado ou inidôneo a remover
a lesão [...]. Em conclusão, o interesse de agir é representado pela relação
entre a situação antijurídica denunciada e o provimento que se pede para
debelá-la mediante a aplicação do direito; deve essa relação consistir na
utilidade do provimento, como meio para proporcionar ao interesse lesado
a proteção concedida pelo direito.12

9
In: MARCATO. Código de Processo Civil interpretado, nota 4 ao artigo 6º. p. 56.
10
MOURÃO. Coisa julgada.
11
LIEBMAN. Manual de direito processual civil, v. 1, p. 156, grifos no original.
12
Ibid., p. 302, grifos no original.

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A afirmação de que “o interesse de agir é representado pela relação entre a


situação antijurídica denunciada e o provimento que se pede” já deixa evidente
que o magistrado não consegue proferir um julgamento sobre o interesse de agir
sem analisar a “situação antijurídica denunciada”, que corresponde ao mérito. Aliás,
poderá até resolvê-la.
O juízo proferido pelo magistrado, julgando ou não o mérito, incidirá: a) sobre
“situação antijurídica afirmada”; b) “os efeitos jurídicos que se esperam do provimen-
to” jurisdicional; e c) se “provimento pedido [é] inadequado ou inidôneo a remover a
lesão”.13 Ora, o que é isso, se não o mérito?
O procedimento racional, desenvolvido na análise do interesse de agir, é o
seguinte: o magistrado analisa a situação fática, incluindo a afirmação da existên-
cia de um direito subjetivo e sua lesão, bem como os efeitos jurídicos necessários
para debelar aquela situação, ou seja, a causa de pedir e o pedido, descritos na
petição inicial. Com base nessa premissa, verificará: a) se foi afirmada uma lesão;
b) se os efeitos jurídicos já foram obtidos; e c) se o provimento requerido (pedido
imediato) é adequado.
Todas essas situações têm como ponto de partida o mérito. Por que, então,
inseri-las em categoria jurídica diversa, ou criar o conceito de interesse de agir
para explicá-las?
Segundo pensamos, mesmo que essas situações não fossem subsumidas
ao conceito de mérito — pois não há sua efetiva solução —, não há necessidade
de criar as chamadas condições da ação, pois essas hipóteses são plenamente
enquadráveis como pressupostos processuais. Vejamos.
a) O problema de “não [haver] sequer uma situação antijurídica afirmada” na
petição inicial, na verdade, constitui um vício formal dessa peça, gerando
sua inépcia (artigos 282, inciso III, e 295, inciso I, parágrafo único, inciso I,
todos do CPC).
b) A questão de os efeitos jurídicos já terem sido obtidos pode ser traduzida
na coisa julgada (caso a sua obtenção tenha sido por meio de processo
judicial anterior).
c) O problema da adequação da tutela jurisdicional pleiteado pode apresentar
duas soluções diversas: (i) se considerarmos essa questão de forma restrita,
certamente estava Liebman se referindo ao pedido imediato, então, tería­
mos um vício formal na petição inicial (artigo 295, inciso I, e parágrafo
único, inciso II, do CPC); (ii) se considerarmos essa expressão em sentido

13
Ibid., p. 155, grifos nossos.

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Uma análise crítica da teoria das condições da ação 21

amplo, para incluir o procedimento, podemos subsumir a hipótese à norma


do artigo 295, inciso V, do CPC.
Parece-nos estreme de dúvida, portanto, que, por qualquer ângulo teórico
que se analise, a condição da ação pode receber classificação conceitual já existente
no ordenamento jurídico, sem necessidade do conceito de condições da ação.

6  Da desnecessidade prática da teoria das condições da ação


Em que pese o brilhantismo intelectual de Liebman, a construção da teo-
ria das condições da ação, na prática, parece gerar mais inconvenientes do que
avanços. Não são raros os casos, especialmente envolvendo a legitimidade de agir
em que os tribunais oscilam em considerar o julgamento como de mérito ou de
carência de ação.
O acórdão citado, quando analisamos a questão da possibilidade jurídica do
pedido, relatado pelo então juiz do Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo,
Dr. Cezar Peluso, deixa claro o dispêndio de energia processual, pelos julgadores,
simplesmente para se analisar a verdadeira categoria em que se deve enquadrar
uma decisão judicial. Não são raros os casos em que um processo é apreciado em
primeiro e segundo grau de jurisdição e mesmo pelo Superior Tribunal de Justiça,
apenas para se resolver um problema formal, relativo às condições da ação.
Por outro lado, se o que se busca é uma extinção rápida de processos eiva­
dos de vícios insanáveis, ou que a questão de mérito seja evidente, há outros
mecanismos procedimentais aptos a solucionar a questão, sem necessidade do
conceito de condições da ação.
Fredie Didier, em sede doutrinária, já se manifestou de forma contundente
sobre o assunto:

A posição deste trabalho sobre as condições da ação já foi posta, e é muito


clara: prega-se a abolição como categoria jurídica. Na tutela jurisdicional
individual, ao menos nos casos de legitimidade de agir ordinária e possi-
bilidade jurídica do pedido, é impossível extremá-las do mérito da causa,
fato que por si só justificaria a exclusão dessa categoria da dogmática
jurídica e, consequentemente, do texto legal. A falta de uma dessas con-
dições, reconhecida liminarmente ou após instrução, deveria dar ensejo,
sempre, a uma decisão de mérito. A natureza de uma questão não muda
de acordo com o momento em que é examinada. No entanto, é indiscu-
tível que, à luz do direito positivo, a melhor solução hermenêutica é a
adoção da teoria da asserção, que ao menos diminui os inconvenientes
que a aplicação literal do §3º do art. 267 do CPC poderia causar.14

Curso de direito processual civil, v. 1. p. 171.


14

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22 Luiz Eduardo Ribeiro Mourão

7 Conclusão
Acreditamos, pois, que a abolição das condições da ação constitui um avanço
processual e, acima de tudo, importa na simplificação do processo, tendo em vista
que este ficaria adstrito apenas às questões processuais e ao mérito. Teríamos,
assim, apenas um binômio de questões, eliminando do processo civil uma fonte de
constantes embaraços formais.

Referências
ARMELIN, Donaldo. Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1979.
MARCATO, Antonio Carlos. Código de Processo Civil interpretado. São Paulo: Atlas, 2004.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2006. v. 1.
DINAMARCO, Cândido Rangel. 100 anos de Liebman. In: DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos
do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
LIEBMAN, Enrico Tulio. Manual de direito processual civil. Tradução e notas Cândido Rangel Dinamarco.
2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985. v. 1.
LIEBMAN, Enrico Tulio. Processo de execução. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1986.
MOURÃO, Luiz Eduardo Ribeiro. Coisa julgada, condições da ação e a impossibilidade de repropositura
da demanda. Revista Dialética de Direito Processual, n. 17, p. 49-58, ago. 2004.
MOURÃO, Luiz Eduardo Ribeiro. Coisa julgada. Belo Horizonte: Fórum, 2008.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

MOURÃO, Luiz Eduardo Ribeiro. Uma análise crítica da teoria das condições da ação. Revista
Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 21, n. 82, p. 13-22, abr./jun. 2013.

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Princípio do contraditório no Superior
Tribunal de Justiça

Carlos Henrique Soares


Doutor e Mestre em Direito Processual pela PUC Minas e
Universidade Nova de Lisboa, Portugal. Professor de Direito
Processual Civil da PUC Minas. Coordenador do Curso de
Pós-Graduação em Direito Processual Civil (IEC). Professor
de Pós-Graduação IEC. Membro do Instituto dos Advogados
de Minas Gerais (IAMG). Escritor e Conferencista. Advogado e
Sócio-Diretor da Pena, Dylan, Soares & Carsalade – Sociedade de
Advogados (PDSC). E-mail: <carlos@pdsc.com.br>.

Resumo: O artigo analisa como o Superior Tribunal de Justiça aplica o princípio


do contraditório em seus julgamentos.

Palavras-chave: Processo. Procedimento. Contraditório. Superior Tribunal


de Justiça.

Sumário: 1 Processo e procedimento e contraditório – 2 Processo de conheci-


mento, contraditório e legitimidade das decisões – 3 Princípio do contraditório
– 4 Princípio do contraditório e as decisões do Superior Tribunal de Justiça –
5 Conclusão – Referências

1  Processo e procedimento e contraditório


A discussão sobre processo e procedimento se constitui de um dos pontos
mais importantes da teoria do direito processual. É importante verificar que tal
dife­renciação polarizou os principais doutrinadores da ciência processual mun-
dial, que assim trouxeram várias definições para o fenômeno processual que a
seguir transcrevemos.
Chiovenda explica que o processo é o complexo dos atos coordenados ao
objetivo da atuação da vontade da lei (com respeito a um bem que se pretende
garantido por ela), por parte dos órgãos da jurisdição ordinária. Acrescenta, ainda,

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24 Carlos Henrique Soares

que a função pública desenvolvida no processo consiste na atuação concreta da


lei, ou seja, a função jurisdicional consiste na atuação da vontade da lei.1
Carnelutti afirma que o processo corresponde a um método para a formula-
ção ou para aplicação do direito que tende a garantir a excelência do resultado,
vale dizer, uma tal regulação do conflito de interesses que consiga realmente a paz
e, portanto, seja justa e certa. Ressalta, ainda, com críticas à Chiovenda, que quem
coloca o seu objetivo na declaração de certeza ou na atuação do direito, confunde o
fim com o meio, que consiste precisamente nessa declaração de certeza ou atuação.2
Para James Goldschmitd, o processo é o método que seguem os tribunais para
definir a existência do direito da pessoa que demanda, perante o Estado, a tutela
jurídica, e para outorgar-lhe essa tutela, caso tal direito realmente exista. Assim, o
processo civil se apresenta como um “procedimento” ou um “caminho” concebido
para promover a “aplicação do direito”.3 Conclui o jurista que: “o objeto do Processo
Civil é o exame do direito (pretensão) do autor contra o Estado a obter a tutela jurí-
dica, mediante sentença favorável e conseqüente execução da norma (ação penal)
se for suscetível de tanto”.
Em visão teleológia do processo, Micheli explica que a função do processo é
ser um instrumento de realização da garantia que o Estado constitucionalmente
assumiu de promover “a atuação do direito objetivo nos casos em que este não
seja voluntariamente observado”. Realiza-se, dessa maneira, a “tutela jurisdicional
dos direitos”, “que se dá por meio da intervenção do juiz”.4
Outro processualista alemão, Adolf Shonke, esclarece que “o processo não
serve para medir habilidade ou destreza, como numa competição esportiva; é um
remédio pacificador destinado a restabelecer entre os particulares a paz e, com
isto, manter a comunidade”.5
Liebman, depois de observar que a jurisdição é disciplinada pelo Direito
Processual e realizada por meio do processo, afirma que ela compreende a ati-
vidade estatal, que garante a “eficácia prática e efetiva do ordenamento jurídico”,
por meio tanto da cognição como da execução.6
Essa tem sido a posição predominante na doutrina processual brasileira con-
temporânea, que consiste em dizer que o procedimento comparece como técnica
que “disciplina, organiza ou ordena em sucessão lógica o processo”, a técnica de

1
CHIOVENDA. Instituições de direito processual civil, v. 1, p. 56.
2
CARNELUTTI. Instituciones del proceso civil, col. I, n. 1, p. 22.
3
Theodoro JÚNIOR. Direito e processo, v. 5, p. 17-18.
4
Theodoro JÚNIOR. Direito e processo, v. 5, p. 19-20.
5
Theodoro JÚNIOR. Direito e processo, v. 5, p. 21.
6
Ibidem, p. 21.

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Princípio do contraditório no Superior Tribunal de Justiça 25

“organização e racionalização da atividade a ser desenvolvida”, “forma imposta ao


fenômeno processual”. A doutrina pátria, em sua expressão mais jovem e brilhante,
aprofundou o conceito do procedimento como “meio extrínseco” de desenvolvi-
mento do processo, “meio pelo qual a lei estampa os atos e fórmulas da ordem
legal do processo”, “sua realidade fenomenológica perceptível”.7 Ao processo é
atribuída natureza teleológica, “nele se caracteriza sua finalidade de exercício do
poder”, como “(instrumento através do qual a jurisdição opera) (instrumento para
a positivação do poder)”.8 Contudo, Liebman não consegue diferenciar os concei-
tos de “processo” e de “procedimento”, fazendo confusão terminológica a respeito.
Reafirmando o caráter instrumental da norma processual e do direito pro-
cessual estão os eminentes autores paulistas Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada
Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, que tentam demonstrar que o
“direito processual é, assim, do ponto de vista de sua função puramente jurídica,
um instrumento a serviço do direito material: todos os seus institutos básicos
(jurisdição, ação, exceção, processo) são concebidos e justificam-se no quadro
das instituições do Estado pela necessidade de garantir a autoridade do ordena-
mento jurídico. O objeto do direito processual reside precisamente nesses insti-
tutos e eles concorrem decisivamente para dar-lhe sua própria individualidade e
distingui-lo do direito material”.9
Para Dinamarco:

o importante não é o consenso em torno das decisões estatais, mas a imu-


nização delas contra os ataques dos contrariados; e indispensável, para
cumprimento da função pacificadora exercida pelo Estado legislando
ou sub speciejurisdictionis, é a eliminação do conflito como tal, por meios
que sejam reconhecidamente idôneos. [...] Isso não significa que a missão
social pacificadora se dê por cumprida mediante o alcance de decisões,
quaisquer que sejam e desconsiderado o teor das decisões tomadas. Entra
aqui a relevância do valor de justiça. Eliminar conflitos mediante critérios
justos – eis o mais elevado escopo das atividades jurídicas do Estado.10

Revela a escola paulista liderada por Liebman a tendência ao abandono das


fórmulas exclusivamente jurídicas, além da destinação liberal da jurisdição, como
meio de tutela do indivíduo em face de possíveis abusos ou desvios de poder pe-
los agentes públicos, ou seja, como elemento de equilíbrio entre os valores poder

7
GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 64-65.
8
Dinamarco. A instrumentalidade do processo.
9
CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO. Teoria geral do processo, p. 40-41.
10
CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO. Teoria geral do processo, p. 161.

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e liberdade, bem como o reconhecimento do dever que Estado tem, e mediante


o processo exerce, de interferir na vida da própria sociedade e nas relações entre
seus membros, em nome da paz social.11
Em posição contrária ao ensinamento dos juristas supracitados está o pro-
fessor Frederico Marques,12 que afirma: “o direito processual, ao reverso do que
geralmente se sustenta, não tem caráter instrumental, nem serve apenas para
restabelecer, fora do processo, a observância do direito objetivo material. A fina-
lidade nas normas processuais é regular composição do litígio, a fim de ser dado
a cada um o que é seu. E se é certo que esse objetivo acaba atingido mediante
aplicação in concreto do direito material, a conclusão a tirar-se é a de que este
constitui instrumento do órgão jurisdicional, meio e modo que é para solucionar-se
a lide secundum ius”. Para Frederico Marques, a instrumentalidade do processo
não é devido a sua função de fazer realizar o direito material e, sim, em se consti-
tuir no instrumento por meio do qual a jurisdição se faz presente, para se chegar
à pacificação dos conflitos.
Aroldo Plínio Gonçalves, desenvolvendo a teoria de Elio Fazzalari, demonstra
que para desenvolver as características do procedimento e do processo, elas não
devem ser investigadas em razão de elementos finalísticos, mas devem ser bus-
cadas dentro do próprio sistema jurídico que os disciplina. E o sistema normativo
revela que, antes que “distinção”, há entre eles uma relação de inclusão, porque o
processo é uma espécie do gênero procedimento, e, se pode ser dele separado, é
por uma diferença específica, uma propriedade que possui e que o torna, então,
distinto, na mesma escala em que pode haver distinção entre gênero e espécie.
A diferença específica entre procedimento em geral, que pode ou não se desen-
volver como processo, e o procedimento que é processo, é a presença neste do
elemento que o específica: o contraditório. O processo é um procedimento, mas
não qualquer procedimento; é o procedimento de que participam aqueles que
são interessados no ato final, de caráter imperativo, por ele preparado, mas não
apenas participam; participam de uma forma especial, em contraditório entre
eles, porque seus interesses em relação ao ato final são opostos.13
Segundo Fazzalari, o que caracterizará o processo é o fato de ele se consti-
tuir por uma pluralidade de sujeitos que possuem uma característica própria, qual
seja, um modo especial de participação nos atos que conduzirão ao provimento.14

11
Ibidem, p. 157-158.
12
MARQUES. Manual de direito processual civil, p. 40-41.
13
GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 68.
14
FAZZALARI. Istituzioni di diritto processuale, p. 81.

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Princípio do contraditório no Superior Tribunal de Justiça 27

Aroldo Plínio Gonçalves, com base em Fazzalari, desmistifica o conceito


de processo, afirmando que o processo é espécie e que o procedimento é o gênero,
sendo que o processo é o procedimento que se realiza em contraditório, no qual as
partes possuem iguais oportunidades de se manifestarem, dentro de um mesmo
ordenamento jurídico.
Nas palavras de Fazzalari, o processo é um procedimento com a garantia de
participação das partes para a obtenção do ato final, em contraditório, devendo
os participantes do processo se entenderem como autores da decisão judicial
(provimento).15
É bom ressaltar, nas palavras de Aroldo Plínio Gonçalves, que:

O contraditório não é apenas a participação dos sujeitos do processo. O


contraditório é a garantia de participação, em simétrica paridade, das par-
tes, daqueles a quem se destinam os efeitos da sentença, daqueles que são
“interessados”, ou seja, aqueles sujeitos do processo que suportarão os efei-
tos do provimento e da medida jurisdicional que o Estado vier a impor.16

Explicando melhor, reforça o autor supracitado que:

O contraditório não é o “dizer” e o “contradizer” sobre matéria controvertida,


não é a discussão que se trava no processo sobre a relação de direito mate-
rial, não é a polêmica que se desenvolve em torno dos interesses divergentes
sobre o conteúdo do ato final. Constitui-se, necessariamente, da igualdade
de oportunidade no processo, é a igual oportunidade de tratamento, que se
funda na liberdade de todos perante a lei. É essa igualdade que compõe a
essência do contraditório enquanto garantia de simétrica paridade de parti-
cipação no processo.17

Elio Fazzalari caracteriza a estrutura do contraditório com os seguintes


elementos: a) participação dos destinatários do ato final na fase preparatória do
processo; b) simétrica paridade destes interessados; c) mútua implicação de seus
atos; relevância de tais atos para o ato final.18
Nesse sentido o contraditório é a garantia da participação das partes, em
simétrica igualdade, é a igual oportunidade de igual tratamento, que se funda na
liberdade de todos perante a lei. E tal participação das partes não significa que

15
FAZZALARI. Istituzioni di diritto processuale, p. 82-83.
16
GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 120-124.
17
GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 127.
18
FAZZALARI. Istituzioni di diritto processuale, p. 82.

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tenha de ser atual, mas uma participação potencial, convertendo, assim, o direito
em ônus. Tanto é assim que Marcelo Galuppo lembra a possibilidade de o interes-
sado, na produção do provimento, deixar de participar, por vontade própria, da
formação deste ato. Bem como o fato de não se exigir a existência de controvérsia,
sendo possível, por exemplo, que o réu (contrainteressado) concorde com a pre-
tensão do autor. Aliás, o próprio direito brasileiro prevê e estimula essa possibili-
dade, ao tornar obrigatória, na maioria dos processos, a tentativa de conciliação
por parte do juiz. Pode-se mesmo afirmar que a nova sistemática brasileira erige
em primeiro dever do juiz a tentativa de, na qualidade de “mediador”, fazer com
que se restabeleça racionalmente, no âmbito de uma comunidade real de comu-
nicação, o diálogo, ou seja, o discurso entre autor e réu.19

2  Processo de conhecimento, contraditório e legitimidade das decisões


Processo de conhecimento ou de cognição se constitui de um conjunto de
atos procedimentais preparatórios da decisão jurisdicional, que devem ser reali-
zados com a observância do contraditório, entre as partes.20 Assim, só é possível
existir processo quando se verifica a presença do princípio do contraditório. Tal
princípio é hoje instituto constitucional, cláusula pétrea, albergado no art. 5º,
inciso LV, da Constituição da República do Brasil.
O processo de conhecimento tem como objetivo permitir aos litigantes e ao
juízo um campo discursivo obrigatório para verificar a existência ou não de um
direito material alegado e deduzido em pretensão pelo autor e pela pretensão-­
resistida deduzida pelo réu.
Nas palavras de Rosemiro Pereira Leal, infelizmente, na atual sistemática
processualística, o processo de conhecimento e o ato decisório é um terreno minado,
e que não pode ser desenvolvido com espectro em questões sociais, pedagógi-
cas e tecnológicas, buscando a paz social.21 Na visão pós-moderna do processo,
neoinstitucionalista, o mesmo deve ser entendido como assegurador do exercício
dos Direitos Fundamentais, com observância dos princípios da ampla defesa, con-
traditório e isonomia das partes. Isso significa dizer que o ato decisório no campo
do processo de conhecimento só pode ser concretizado pelo juízo sentenciante

19
GALUPPO. Elementos para uma compreensão metajurídica do processo legislativo.
20
Essa definição foi retirada do livro do prof. Aroldo Plínio Gonçalves, intitulado Técnica processual,
publicado pela editora Aide, em 2000. Na verdade, esse conceito pode ser elaborado a partir dos
estudos de Elio Fazzalari, processualista italiano na Universidade de Roma.
21
LEAL. Teoria processual da decisão jurídica.

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Princípio do contraditório no Superior Tribunal de Justiça 29

na medida da observância do processo legitimador das decisões jurídicas, com o


processo de conhecimento.
A pretensão ou causa de pedir, reunida nos fatos e nos fundamentos jurí-
dicos em conjunto com o pedido (imediato e mediato) se constitui no mérito da
causa. A pretensão-resistida, que se constitui de oposição do réu sobre os fun-
damentos de fato e de direito apresentados pelo autor, forma a lide (questões
controvertidas) que deverá ser decidida pelo “juízo sentenciante”.
Juízo sentenciante deve ser entendido como sendo a atividade de cogni-
ção desenvolvida pelo agente público decisor (juiz) que leva em consideração as
argu­mentações, fatos, provas apresentadas pelas partes em contraditório. O Juízo
sentenciante não pode ser compreendido como um ato de poder ou de arbitra-
riedade, e muito menos pode ser entendido como apenas um ato de vontade de
uma pessoa que ocupa o cargo de juiz. A atividade de sentenciar não é um ato
isolado, solipsista do julgador, mas um ato construído na medida do debate e da
ampla defesa efetivados pelas partes.
A atividade de cognição ou conhecimento desenvolvida em juízo se consti-
tui na análise das questões de fato e de direito que foram apresentadas no espaço
argumentativo do processo pelo autor, quanto pelo réu.
O estudo do processo de conhecimento é justamente o estudo do procedi-
mento (conjunto de atos procedimentais) que se desenvolve de forma encadeada,
buscando efetivar a garantia do contraditório e da ampla defesa, bem como per-
mitir que os fatos e direitos alegados possam sofrer a crítica necessária para que
haja a conclusão do debate com a sentença. Essa atividade, complexa, estruturada
e encadeada com técnica, deve sempre se pautar pela observância do processo
democrático, pelo debate, pelo contraditório e pela participação. Isso efetiva-
mente é o que permite afirmar a existência de decisão legítima ou legitimada pelo
processo.
Decisão legitimada pelo procedimento é a decisão que foi proferida em pro-
cedimento em contraditório, levando em consideração as argumentações desen-
volvidas pelas partes.
É sempre bom lembrar que o Código de Processo Civil, apesar de não ser
expresso no sentido de garantir o contraditório, estabelece no art. 125, inc. II,
do CPC que incumbe ao juiz velar pela igualdade de tratamento das partes no
processo. Nesse artigo, está implícita a garantia do contraditório. A crítica é que
tal contraditório, previsto pelo CPC, apenas entende que basta a bilateralidade
das partes (oitiva das partes) e não precisa o juiz levar o referido em debate e
argumentações em consideração no momento de decidir. Talvez, por ser o atual

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CPC um instrumento produzido pela ditadura militar, no período mais duro, bem
como por adotar um sistema processual da relação jurídica processual, no qual se
estabelece dentro de um critério de subordinação entre os sujeitos processuais,
o contraditório, ao longo do CPC, precise ser revisto e adequado à nova ordem
constitucional brasileira, que já possui mais de 20 anos, e ainda não vem sendo
respeitado em alguns momentos pelo Judiciário.

3  Princípio do contraditório
O princípio do contraditório está recepcionado no art. 5º, inciso LV, da
Constituição da República. Assim, temos a seguinte redação: “aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Para Liebman, “o princípio do contraditório é a garantia fundamental da
Justiça e regra essencial do processo. Segundo este princípio, todas as partes devem
ser postas em posição de expor ao juiz as suas razões, antes que ele profira a decisão.
As partes devem poder desenvolver suas defesas de maneira plena e sem limita-
ções arbitrárias. Qualquer disposição legal que contraste com essa regra deve ser
considerada inconstitucional e, por isto, inválida”.22
Sobre o assunto, assevera Didier Junior:

Não adianta permitir que a parte, simplesmente, participe do processo; que


ela seja ouvida. Apenas isso não é o suficiente para que se efetive o prin-
cípio do contraditório. É necessário que se permita que ela seja ouvida,
é claro, mas em condições de poder influenciar a decisão do magistrado.
Se não for conferida a possibilidade de a parte influenciar a decisão
do magistrado — e isso é poder de influência, poder de interferir na deci-
são do magistrado, interferir com argumentos, interferir com ideias, com
fatos novos, com argumentos jurídicos novos; se ela não puder fazer isso,
a garantia do contraditório estará ferida. É fundamental perceber isso: o
contraditório não se implementa, pura e simplesmente, com a ouvida, com
a participação; exige-se a participação com a possibilidade, conferida à
parte, de influenciar no conteúdo da decisão.23

Acreditamos que no processo constitucional a definição de Liebman sobre o


contraditório já está obsoleta. Na verdade, como afirmado anteriormente, o con-
traditório é a garantia de participação, em simétrica paridade, das partes, daque-
les a quem se destinam os efeitos da sentença, daqueles que são “interessados”,

22
LIEBMAN apud MARCATO. Preclusões: limitação ao contraditório?. Revista de Processo, p. 111.
23
DIDIER JR. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 45.

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Princípio do contraditório no Superior Tribunal de Justiça 31

ou seja, aqueles sujeitos do processo que suportarão os efeitos do provimento e


da medida jurisdicional que o Estado-Jurisdição vier a impor.24
Na verdade, o contraditório significa a garantia da proibição da decisão sur-
presa, ou seja, decisões que não sofreram o devido debate pelas partes. Que não
foi garantido o efetivo direito de participação, que é muito mais do que apenas
dizer e contradizer nos autos, mas, sobretudo, o direito de influenciar o resultado
da decisão com argumentações, fatos e provas.
Lebre de Freitas afirma que:

a proibição da chamada decisão-surpresa tem sobretudo interesse para as


questões, de direito material ou de direito processual, de que o tribunal
pode conhecer oficiosamente: se nenhuma das partes as tiver suscitado,
com concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz — ou o rela-
tor do tribunal de recurso — que nelas entenda dever basear a decisão, seja
mediante o conhecimento do mérito seja no plano meramente processual,
deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição,
só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade.25

No próprio projeto do Código de Processo Civil brasileiro que vem sendo


discutido pelo Congresso Nacional, verificamos que a preocupação com a decisão-­
surpresa foi positivada da seguinte maneira:

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base
em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportu-
nidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual tenha
que decidir de ofício.26

Atualmente, no Código de Processo Civil, não verificamos a preocupação


com tal decisão-surpresa. Pelo contrário, o que verificamos é que em nome da
celeridade, decisões-surpresas são proferidas a todo momento, sem o devido
contraditório, o que entendemos estar violando diretamente a Constituição.

4  Princípio do contraditório e as decisões do Superior Tribunal


de Justiça
A seguir, apresentaremos algumas decisões paradigmáticas do Superior
Tribunal de Justiça sobre a sua visão do contraditório em casos concretos, e como

24
GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 120-124.
25
LEBRE DE FREITAS. Introdução ao processo civil: conceito e princípios gerais: à luz do Código revisto,
p. 103.
26
Código de Processo Civil Projetado.

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este vem sendo implementado e discutido pela Corte. Iremos trazer acórdãos que
se coadunam com a Constituição e com a efetiva garantia de participação das
partes, mas também, traremos acórdãos e decisões, inclusive já pacificadas, que
infelizmente não traduzem a efetiva garantia do contraditório no processo.
A primeira decisão paradigmática que pretendemos analisar é justamente a
proferida no HC nº 137.549/RJ, no qual a Relatora foi a Ministra Maria Thereza de
Assis Moura, da Sexta Turma, vejamos:

EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. (1) IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE


RECURSO ORDINÁRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) NÃO LOCA­
LIZAÇÃO DO CONDENADO. DILIGÊNCIAS JUNTO À RECEITA FEDERAL E
CARTÓRIO ELEITORAL. ENDEREÇO PRESENTE NOS AUTOS (BOLETIM DE
OCORRÊNCIA). NÚMERO DA CASA. DIVERGÊNCIA EM UM DÍGITO. (3) INS-
TRUÇÃO DO WRIT. DEFICÊNCIA. (4) PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. DUTY
TO MITIGATE THE LOSS. ORDEM NÃO CONHECIDA. 1. É imperiosa a ne-
cessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio
ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica
do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como
substitutiva de recurso ordinário. 2. O devido processo legal instrumenta-
liza-se, em larga medida, pelo contraditório e pela ampla defesa. Tendo em
vista a ocorrência de discrepância entre o endereço constante dos autos —
número errado da casa — cumpriria à Defesa alertar ao juízo, a fim de evitar,
como ocorrido no caso, a conversão do cumprimento de pena restritiva de
direitos em privativa de liberdade. De mais a mais, é inviável divisar, de forma
meridiana, a alegação de constrangimento, diante da instrução deficiente da
ordem, na qual se deixou de coligir cópias das certidões sobre a não localiza-
ção do paciente. 3. O princípio da boa-fé objetiva ecoa por todo o ordena-
mento jurídico, não se esgotando no campo do Direito Privado, no qual,
originariamente, deita raízes. Dentre os seus subprincípios, destaca-se o
duty to mitigate the loss. A bem do dever anexo de colaboração, que deve
empolgar a lealdade entre as partes no processo, cumpriria ao paciente e
sua Defesa informar ao juízo o endereço atualizado, para que a execução
pudesse ter o andamento regular, não se perdendo em inúteis diligências
para a sua localização. 4. Habeas corpus não conhecido.27

Nesse caso, entendeu a Ministra Relatora que o contraditório é fundamental


ao processo, no entanto, que deveria a parte impetrante do Habeas Corpus o dever
de informar o endereço correto do paciente, no objetivo de evitar diligências inú-
teis ou desnecessárias no processo de execução penal.

27
HC nº 137.549/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 07.02.2013, Sexta Turma do
STJ, DJe, 20 fev. 2013.

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Princípio do contraditório no Superior Tribunal de Justiça 33

Nessa decisão, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o princípio do


contraditório foi limitado em nome da aplicação da lealdade processual e da boa-­
fé. Isso significou dizer que não poderia uma pessoa se aproveitar da alegação de
cerceamento do contraditório, se foi a mesma que deixou de cumprir o dever
de informar o endereço correto para que as intimações fossem feitas de forma
regular. Assim, entendeu a Ministra, ponderando sobre a aplicação do princípio
do contraditório e da lealdade processual, em não reconhecer a proteção consti-
tucional do contraditório ao acusado/paciente.
Verificando os fundamentos colacionados na decisão, buscando a confron-
tação do princípio do contraditório com o princípio da boa-fé e lealdade proces-
sual, verificamos que a Ministra, no presente caso, andou bem no que tange a não
reconhecer a nulidade do processo por ausência de contraditório. Isso porque
nenhum princípio tem aplicação de forma absoluta e sempre deve ser interpretado
mediante a verificação de outras questões que envolvem os fatos. No presente
caso, o que se verifica é que a Ministra Relatora entendeu que a culpa pela ausên-
cia de intimação se deu exclusivamente pelo fato de que o paciente não informou
o seu local de encontro/endereço, e, portanto, não poderia agora se aproveitar de
sua própria torpeza.
No entanto, verificamos uma questão apenas para fomentar a discussão. No
presente caso, a decisão deixou de considerar a questão central, que envolve a
observância do contraditório, que foi justamente a verificação se houve ou não
a participação do interessado no processo e se houve a influência da decisão no
resultado da decisão jurisdicional. O contraditório, como ressaltado em tópico
anterior, não é apenas um direito de ser ouvido, mas, sobretudo, um direito de
participar, influenciar o resultado da decisão com fatos e fundamentos jurídicos
relevantes. Tais informações apresentadas no acórdão não permitem tal conclu-
são que estamos apenas ponderando.
Outro caso paradigmático, no que tange à proteção do princípio do contra-
ditório pelo Superior Tribunal de Justiça, foi justamente no Mandado de Segurança
nº 19.179/DF, cujo Relator foi o Ministro Mauro Campbell Marques, da Primeira
Seção do STJ. A ementa do acórdão foi a seguinte:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO FEDE­


RAL. ESTÁGIO PROBATÓRIO. EXONERAÇÃO. NECESSIDADE DE PRÉVIA INS-
TAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO DESTINADO A GARANTIR AO SERVIDOR
O DEVIDO PROCESSO LEGAL, O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA. 1.
Busca-se com a presente impetração anular a Portaria n. 1.616, de 12 de
julho de 2011, que exonerou exofficio à impetrante do cargo de auxiliar
de enfermagem do quadro do Ministério da Saúde, por não ter satisfeito as

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condições do estágio probatório devido a reiterados problemas de saúde


apresentados após a sua posse. 2. Consoante entendimento consolidado
nesta Corte Superior, ainda que se encontre em estágio probatório, ao servi-
dor concursado e nomeado para cargo efetivo deve ser garantido o devido
processo legal, a ampla defesa e o contraditório. Nesse sentido, aliás, é o
entendimento do Colendo Supremo Tribunal Federal, consolidado na Súmu-
la nº 21, verbis: “Funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado
nem demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração
de sua capacidade”. 3. Precedentes: RMS 24091/AM, rel. Ministra Maria
Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 28/03/2011; EDcl no AgRg no
RMS 21.078/AC, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 18/12/2006. 4. Na
hipótese, embora a autoridade coatora afirme que foram observados os
princípios constitucionais da ampla defesa, não apresenta qualquer do-
cumento nem tampouco noticia a instauração de procedimento válido
destinado à exoneração da impetrante. 5. Segurança concedida.28

Nesse acórdão, em Mandado de Segurança, o Superior Tribunal de Justiça


entendeu que, apesar de o Brasil já se encontrar há mais de 20 anos com uma
Constituição Federal que dispõe no seu art. 5º, inc. LV, com a garantia do con-
traditório inclusive nos processos administrativos, ainda verificamos que muitos
órgãos da Administração Pública não garantem o referido princípio do contradi-
tório aos seus servidores.29
No presente caso julgado pelo STJ, o servidor foi exonerado sem nenhum pro-
cesso administrativo, sem a observância do efetivo contraditório e ampla defesa.
Assim, andou bem a decisão do STJ, permitindo a anulação do ato demissional que
não observou o devido procedimento legal de dispensa.30

28
MS nº 19.179/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 04.02.2013, Primeira Seção do STJ,
DJe, 14 fev. 2013.
29
Cf. entendimento do STF: Processo. Ato administrativo. Declaração de insubsistência. Audição
da parte interessada. Inobservância. Uma vez constituída situação jurídica a integrar o patri-
mônio do administrado ou do servidor, o desfazimento pressupõe o contraditório. Precedente:
RE 158.543-9/RS, por mim relatado perante a Segunda Turma, com acórdão publicado no DJ de
6-10-1995” (AI nº 587.487-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 31.05.2007, Primeira Turma,
DJE, 29 jun. 2007). No mesmo sentido: RE nº 466.521-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em
07.08.2012, Primeira Turma, DJE, 22 ago. 2012.
30
Cf. a jurisprudência, também do Supremo Tribunal Federal, que está coadunado com o entendi-
mento do Superior Tribunal de Justiça no caso acima citado. Assim o STF entende que a ausência
de processo administrativo ou a inobservância aos princípios do contraditório e da ampla defe-
sa tornam nulo o ato de demissão de servidor público, seja ele civil ou militar, estável ou não”
(RE nº 513.585-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 17.06.2008, Segunda Turma, DJE, 1º ago.
2008). No mesmo sentido: RE nº 594.040-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em
06.04.2010, Primeira Turma, DJE, 23 abr. 2010; RE nº 562.602-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento
em 24.11.2009, Segunda Turma, DJE, 18 dez. 2009. Vide: AI nº 634.719-ED, Rel. Min. Dias Toffoli,
julgamento em 07.02.2012, Primeira Turma, DJE, 09 mar. 2012; RE nº 289.321, Rel. Min. Marco
Aurélio, julgamento em 02.12.2010, Primeira Turma, DJE, 02 jun. 2011; RE nº 217.579-AgR, Rel.
Min. Cezar Peluso, julgamento em 16.12.2004, Primeira Turma, DJ, 04 mar. 2005.

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Princípio do contraditório no Superior Tribunal de Justiça 35

No entanto, a consideração que tecemos sobre o referido caso é que o


Ministro Relator deixou claro que para garantir o contraditório no processo admi-
nistrativo e judicial, basta verificar a oitiva do servidor, o que, em nosso entendi-
mento, não deveria ser o bastante. Ouvir o servidor em audiência de justificação
é necessário, mas a decisão de exoneração deve permitir que o servidor exerça
o contraditório de forma efetiva, através da influência da decisão por meio da
argumentação e de provas produzidas pelo mesmo.
Ressalte-se que a garantia do contraditório no processo judicial ou adminis-
trativo não significa que o juiz esteja vinculado no acatamento da tese defensiva
da parte autora ou ré. Esse foi o entendimento colocado no Agravo Regimental
em Mandado de Segurança nº 238.307/RJ, no qual a Relatora, a Ministra Maria
Isabel Gallotti, na Quarta Turma, assim entendeu sobre a questão:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FATURAMENTO


DE EMPRESA. PENHORA. POSSIBILIDADE. ONEROSIDADE EXCESSIVA AFAS-
TADA. ARTS. 620 E 655 DO CPC. REEXAME DE MATÉRIA DE FATO. SÚMU-
LA 7/STJ. 1. Este Superior Tribunal entende não ferir o princípio da menor
onerosidade na execução a penhora sobre faturamento de empresa. 2. “A
pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”
(Súmula 7/STJ). 3. Não configura negativa de prestação jurisdicional ou
afronta aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório o
julgamento em desacordo com as pretensões da parte.31 4. Agravo regimen-
tal a que se nega provimento.32

Outro ponto interessante a ser analisado pelo Superior Tribunal de Justiça,


no que tange ao respeito ao contraditório, é justamente a atribuição de valor à
prova emprestada apresentada nos autos. Pelo que se verifica, a prova empres-
tada seria aquela produzida nos autos e que poderia depois ser utilizada em

31
Cf. entendimento do STF não ofende o art. 5º, LV, da Constituição acórdão que mantém o inde-
ferimento de diligência probatória tida por desnecessária. O mencionado dispositivo constitu-
cional também não impede que o julgador aprecie com total liberdade e valorize como bem
entender as alegações e as provas que lhe são submetidas. Precedentes” (AI nº 623.228-AgR, Rel.
Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 14.08.2007, Primeira Turma, DJ, 14 set. 2007). No mes-
mo sentido: AI nº 660.254-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 06.04.2010, Primeira Turma,
DJE, 14 maio 2010; RE nº 531.906-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 10.06.2009, Segunda
Turma, DJE, 26 jun. 2009; HC nº 90.045, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 10.02.2009,
Segunda Turma, DJE, 20 mar. 2009; AI nº 687.881-AgR, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em
16.12.2008, Primeira Turma, DJE, 06 mar. 2009; AI nº 723.808-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
julgamento em 16.12.2008, Primeira Turma, DJE, 20 fev. 2009; AI nº 603.460-AgR, Rel. Min. Ayres
Britto, julgamento em 29.04.2008, Primeira Turma, DJE, 31 out. 2008. Vide: HC nº 98.865, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, julgamento em 18.05.2010, Primeira Turma, DJE, 04 jun. 2010.
32
AgRg no AREsp nº 238.307/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 11.12.2012, Quarta
Turma do STJ, DJe, 19 dez. 2012.

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36 Carlos Henrique Soares

outros autos, para demonstrar os mesmos fatos, em outra discussão. No acórdão


a seguir, o Relator do Superior Tribunal de Justiça, da Primeira Turma, Ministro
Arnaldo Esteves Lima, assim entendeu:

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRA-


VO EM RECURSO ESPECIAL. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL.
PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. APLICAÇÃO. PROVA EMPRESTADA. TARIFA.
TRATAMENTO DE ESGOTO. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. REE-
XAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INVIABILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. “Admite-se receber embargos declaratórios,
opostos à decisão monocrática do relator, como agravo regimental, em
atenção aos princípios da economia processual e da fungibilidade recursal”
(EDcl nos EREsp 1.175.699/RS, Corte Especial, Rel. Min. Humberto Martins,
DJe 6/2/12). 2. “Consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, não se
pode negar valor probante à prova emprestada, coligida mediante a garan-
tia do contraditório (RTJ 559/265)” (REsp 81.094/MG, Rel. Min. Castro Meira,
Segunda Turma, DJ 6/9/04). 3. A análise da questão referente à verificação
da imprestabilidade da prova emprestada requer reavaliação do conjun-
to fático-probatório dos autos, o que é vedado na via especial, conforme
enunciado sumular 7/STJ, uma vez que o Tribunal a quo nele se baseou
para fundamentar suas conclusões. 4. Agravo regimental não provido.33

Nesse caso paradigmático, o que se verifica na decisão é que o Ministro


Relator apontou pela validade da prova emprestada e sua força probante, desde
que submetida ao crivo do contraditório. Assim, se houve a oportunidade de deba-
ter, argumentar e realizar a contraprova nos autos, qualquer prova emprestada
tem a mesma força probante das provas originariamente produzidas nos autos.
Ressalta o STJ, e especialmente o Ministro Relator, que o importante não é se a
prova é emprestada ou produzida nos próprios autos, mas se, ao ser juntada aos
autos, foi oportunizado à outra parte o direito de argumentar e contraprovar. No
que tange à valoração da prova pelo juízo, o juiz está legitimado a atribuir, em
sua decisão, o valor que assim entender, com a devida fundamentação para a
resolução da lide, nos termos do art. 93, inc. IX, da Constituição e art. 131 do CPC.34

33
EDcl no AREsp 76.987/RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 06.12.2012, Primeira Turma
do STJ, DJe, 13 dez. 2012.
34
Cf. entendimento do STF “A prova emprestada, especialmente no processo penal condenatório,
tem valor precário, quando produzida sem observância do princípio constitucional do contradi-
tório. Embora admissível, é questionável a sua eficácia jurídica. Inocorre, contudo, cerceamento
de defesa, se, inobstante a existência de prova testemunhal emprestada, não foi ela a única a
fundamentar a sentença de pronúncia” (HC nº 67.707, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em
07.11.1989, Primeira Turma, DJ, 14 ago. 1992). No mesmo sentido: RHC nº 106.398, Rel. Min. Celso
de Mello, julgamento em 04.10.2011, Segunda Turma, DJE, 03 abr. 2012; HC nº 95.186, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, julgamento em 26.05.2009, Primeira Turma, DJE, 12 jun. 2009.

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Princípio do contraditório no Superior Tribunal de Justiça 37

Verificamos, também, que o Superior Tribunal de Justiça, em outros julgamentos


sob a aplicação do contraditório, não o aplicou bem, vejamos o acórdão a seguir,
julgado em Agravo Regimental nº 1413561/RS, no qual o Relator foi o Ministro
Campos Marques (Desembargador convocado do TJ/PR), da Quinta Turma do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALEGAÇÃO DE


OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INEXISTÊNCIA. MATÉRIA EM
CONSONÂNCIA COM PRECEDENTES ATUAIS NO ÂMBITO DA 5ª E 6ª TUR-
MAS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PROCEDIMENTO ADMINIS-
TRATIVO DISCIPLINAR PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. AUSÊNCIA DE
ADVOGADO. DEFESA FEITA POR ASSESSORIA JURÍDICA DO ÓRGÃO. POS-
SIBILIDADE. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE. AGRAVO REGI-
MENTAL IMPROVIDO. 1. Estando a decisão monocrática em consonância
com os atuais julgados desta Quinta Turma e Sexta Turma deste Sodalício
Superior, possível, ao teor do disposto no art. 557 do Código de Processo
Civil, sua prolação monocraticamente, sem que se possa falar em violação
ao princípio da colegialidade. 2. O art. 118, §2º, da Lei de Execução Penal,
não impõe a obrigatoriedade de instauração de Procedimento Administra-
tivo Disciplinar para o reconhecimento da referida infração, mas somente
exige a realização de audiência de justificação que possibilite a oitiva pré-
via do sentenciado, garantindo-se, desse modo, o exercício do contraditório
e da ampla defesa. 3. Isso porque, se a não realização do Procedimento
Administrativo Disciplinar não gera nulidade à apuração da infração,
tampouco a ausência de defesa técnica, quando o Apenado, no processo
administrativo, foi acompanhado por Assistente Jurídico, foi ouvido pela
Autoridade e apresentou defesa escrita, irá macular de vícios o processo
de apuração da falta grave, sendo exatamente essa a hipótese dos autos.
4. Agravo regimental improvido.35

Nesse caso, verificamos que o Ministro Relator Campos Marques (Desem­


bargador convocado do TJ/PR), da Quinta Turma, entendeu que o art. 118, §2º, da Lei
de Execução Penal, não impõe a obrigatoriedade de instauração de Procedimento
Administrativo Disciplinar para o reconhecimento da referida infração de um de-
tento infrator, mas somente exige a realização de audiência de justificação que
possibilite a oitiva prévia do sentenciado, garantindo-se, desse modo, o exercício
do contraditório e da ampla defesa. Nessa decisão, o Superior Tribunal de Justiça
admitiu a aplicação de punição e, portanto, a redução de direitos do detento,
aplicando a legalidade da Lei de Execução Penal, sem observar a Constituição.
Infelizmente, em que pesem os fundamentos legais do art. 118 do LEP, entende-
mos que a Constituição, em seu art. 5º, inc. LV, sobre a garantia do contraditório,

AgRg no Ag nº 1413561/RS, Rel. Min. Campos Marques (Desembargador convocado do TJ/PR),


35

julgado em 19.02.2013, Quinta Turma do STJ, DJe, 22 fev. 2013.

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admitir qualquer cerceamento dos direitos e de receber punições, bem como a


possibilidade de tecer argumentações, defesa e produção de prova, é admitir a
possibilidade de uma decisão arbitrária e ilegítima, sem o devido processo legal.
Na verdade, essa decisão, que deu vigência e aplicação à lei infraconstitucional,
negou vigência à Constituição.
Uma questão que salta aos olhos, quando analisamos a aplicação do prin-
cípio do contraditório pelo Superior Tribunal de Justiça, é justamente o fato de
que, em muitos julgamentos, não é possível verificar o que o Ministro ou a Turma
entendem sobre o conceito de contraditório. Em várias decisões pesquisadas no
próprio sítio do Superior Tribunal de Justiça, verificamos que a ementa estabelece
que não houve a violação do contraditório e ampla defesa, mas não informa, em
seu voto, o que o mesmo entende sobre tal princípio. Vejamos:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO


EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PROCES-
SO DISCIPLINAR. PENALIDADE DE SUSPENSÃO. AUSÊNCIA DE NULIDADE.
1. Caso em que o recorrente objetiva a declaração de nulidade da decisão
administrativa que lhe aplicou a sanção disciplinar de 01 (um) dia de suspen-
são. 2. Não há como se sustentar a ilegalidade do ato que aplicou a sanção ao
recorrente, tendo em vista que as garantias constitucionais do devido processo
legal, contraditório, ampla defesa e legalidade foram devidamente atendidas no
processo administrativo disciplinar. 3. Agravo regimental não provido.36

Ora, é necessário que o acórdão do Superior Tribunal Justiça, ao se referir


sobre a garantia do contraditório, possibilite ao mesmo saber se o julgador entende
que contraditório é uma simples garantia de dizer e contradizer nos autos (bilate-
ralidade) ou se o contraditório é a garantia de participação das partes no processo.
Dizer apenas que viu o contraditório sendo garantido, sem, contudo, informar
para os leitores da decisão onde o mesmo se implementou, é o mesmo que não
fundamentar a decisão, ou achar que o entendimento do leitor e sua compreen-
são são sempre os mesmos do julgador, o que, invariavelmente, não se verifica na
realidade.
Outro acórdão que, em nosso entendimento, não acertou na aplicação
do contraditório foi justamente o proferido no Agravo Regimental em Recurso
Especial nº 1104848/RJ, no qual o Relator foi o Ministro Og Fernandes, da Sexta
Turma, vejamos a ementa a seguir:

36
AgRg no RMS nº 34.290/GO, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 05.02.2013, Primeira Turma
do STJ, DJe, 08 fev. 2013.

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Princípio do contraditório no Superior Tribunal de Justiça 39

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBAR-


GOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSO ADMINISTRA-
TIVO DISCIPLINAR. SÚMULA 126/STJ. INAPLICABILIDADE. DISCUSSÃO DE
CUNHO INFRACONSTITUCIONAL. SÚMULA 7/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. MATÉ-
RIA EMINENTEMENTE DE DIREITO. ARTS. 150 E 152, §2º, DA LEI Nº 8.112/1990.
REUNIÕES COLEGIADAS. IMPULSIONAMENTO DO PROCESSO. DISPENSA DA
PRESENÇA DO ACUSADO. REGISTRO EM ATA E NOTIFICAÇÃO DAS DECISÕES
TOMADAS. OFENSA ÀS GARANTIAS PROCESSUAIS. NÃO OCORRÊNCIA. 1.
Não há falar em aplicação da Súmula 126/STJ uma vez que o aresto do Tri-
bunal de origem, no ponto submetido à apreciação do Superior Tribunal de
Justiça pela via do recurso especial, refere-se apenas à discussão em torno
de legislação infraconstitucional. 2. Afasta-se a incidência da Súmula 7/STJ
quando a matéria debatida não diz com a análise de fatos e provas, mas sim
com a correta interpretação de dispositivos de legislação federal, tais como
os arts. 150 e 152, §2º, da Lei nº 8.112/1990.3. As reuniões colegiadas que
têm por objeto dar impulso ao processo disciplinar dispensam a presença
do acusado, porquanto o art. 150 da Lei nº 8.112/1990 “assegura o sigilo
necessárioao esclarecimento dos fatos ou exigido pelo próprio interesse da
administração”. 4. O caráter reservado de tais reuniões não contraria as garan-
tias processuais fundamentais, notadamente a publicidade, a ampla defesa e
o contraditório, uma vez que as resoluções da comissão processante devem ter
sua motivação registrada em ata, a ser juntada aos autos, conforme o art. 152,
§2º, da Lei nº 8.112/1990, cumprindo ressaltar que somente após a notificação
do servidor interessado é que o colegiado pratica o ato deliberado. 5. Agravo
regimental a que se nega provimento.37

Para a garantia efetiva do contraditório são necessários dois elementos: a) a


participação, que se revela facultativa para as partes em escolher participar ou não
do processo; e b) a publicidade, que se revela obrigatória. Assim, no caso acima
julgado, a existência de reuniões secretas, por colegiado, para tomada de delibera-
ções, deve revelar toda a publicidade necessária. Mesmo colocando em ata todas
as questões decididas e fundamentando suas decisões. É lícito ao interessado par-
ticipar, se assim quiser, das reuniões que estão sendo feitas para deliberar sobre
seus direitos e bens. É direito do interessado saber os motivos pelos quais está
sendo condenado ou cerceado em seus direitos, liberdade ou patrimônio, mas
também, em nome do contraditório, é direito do interessado participar do processo
de tomada de decisão. Acreditamos que no presente caso citado, a garantia de
contraditório não foi protegida, pois as deliberações colegiadas devem garantir a
publicidade integral e irrestrita. Se fosse respeitado o contraditório, o interessado

AgRg nos EDcl no REsp nº 1104848/RJ, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 05.02.2013, Sexta Turma
37

do STJ, DJe, 18 fev. 2013.

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teria direito a participar da reunião e poderia argumentar e influenciar no processo


deliberativo, o que se verificou impossível no caso em tela.
Por fim, achamos prudente a apresentação do referido julgamento a seguir,
e, Agravo Regimental no Recurso Especial nº 982.984/DF, no qual o Relator foi o
Ministro Marco Aurélio Bellizze, da Quinta Turma do STJ, que, julgando a questão,
por diversas vezes colocadas no Judiciário sobre a questão de nulidade de processo
administrativo disciplinar sem a devida participação do advogado, entendeu, por
bem, dar aplicação à Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal, vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. SERVI-


DOR PÚBLICO. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. SINDICÂNCIA PRELIMINAR.
GARANTIAS DO CONTRADITÓRIO E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INA-
PLICABILIDADE. CARÁTER INQUISITORIAL. POSTERIOR ABERTURA DE
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD). SUPERAÇÃO DE EVEN-
TUAIS IRREGULARIDADES DO PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO. IMPOSSI-
BILIDADE DE INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 343/STJ. EDIÇÃO DA SÚMULA
VINCULANTE Nº 5 PELO STF. ALEGAÇÃO DE OCORRÊNCIA DA PRESCRI-
ÇÃO. INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE NA VIA DO AGRAVO
INTERNO. 1. A tese de ocorrência da prescrição da ação disciplinar não
foi apreciada pelo Tribunal de origem, tampouco suscitada nas razões do
recurso especial, caracterizando-se, pois, clara inovação recursal que não
pode ser conhecida neste momento processual. 2. Este Tribunal Superior
consagrou o entendimento de que na sindicância instaurada com cará-
ter meramente investigatório (inquisitorial) ou preparatório de um pro-
cesso administrativo disciplinar (PAD), é dizer, aquela que visa a apurar a
ocorrência de infrações administrativas sem estar dirigida, desde logo, à
aplicação de sanção ao servidor público, é dispensável a observância das
garantias do contraditório e da ampla defesa, sendo prescindível a pre-
sença obrigatória do investigado. 3. Outrossim, “havendo a instauração
do devido processo administrativo disciplinar, resta superado o exame de
eventuais irregularidades ocorridas durante a sindicância”. (MS 9.668/DF,
relatora a Ministra Laurita Vaz, DJe 01/02/2010.) 4. Nos termos do enunciado
da Súmula Vinculante nº 5 do STF, “A falta de defesa técnica por advogado
no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”. 5. Agravo
regimental a que se nega provimento.38

À referida decisão, do ponto de vista técnico, não há nenhuma crítica. Isso


significa que o STJ e a Turma acertaram no julgamento e na fundamentação,
demonstrando obediência necessária e obrigatória à Sumula Vinculante nº 5 do
Supremo Tribunal Federal.

38
AgRg no REsp nº 982.984/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 18.09.2012, Quinta Turma
do STJ, DJe, 21 set. 2012.

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Princípio do contraditório no Superior Tribunal de Justiça 41

Em que pese já estar consolidado o entendimento especificado na Súmula


Vinculante nº 5 do STF, ousamos discordar do referido posicionamento vinculante.
Se tomarmos como premissa que a validade ou invalidade de um discurso jurídico
reside em indagar qual é a legitimidade decisional de sua fonte de produção, e
concluirmos que a sua validade depende do contraditório, não podemos deixar
de concluir que o contraditório é garantido na medida da participação do advo-
gado e de sua defesa técnica desenvolvida no processo. No Estado Democrático
de Direito a fonte legitimadora do processo jurisdicional ou administrativo é o
argumento e a garantia de participação dos interessados no resultado final, qual
seja, a decisão administrativa ou jurisdicional. Assim, os destinatários das decisões
jurídicas podem, ao mesmo tempo, se reconhecerem como autores das decisões.
A questão acerca da legitimidade das decisões administrativas não pode
ser reduzida a uma simples aplicação da lei e a pessoa do julgador. Uma decisão
administrativa legitimada não coaduna com concepção liberal de legitimidade
democrática reduzida à representação política de interesses majoritários. O que
garante a legitimidade das decisões são antes garantias processuais atribuídas às
partes e que são, principalmente, a do contraditório e da ampla defesa, além da
necessidade de fundamentação das decisões. E, para que tal garantia seja imple-
mentada, é indispensável a participação do advogado, como elemento garanti-
dor do contraditório.
No quadro do exercício da atividade administrativa e nos processos disci-
plinares, o Direito realiza sua pretensão de legitimidade e de certeza da decisão
através, por um lado, da reconstrução argumentativa no processo da situação de
aplicação, e, por outro, da determinação argumentativa, a qual, entre as normas
jurídicas válidas, é a que deve ser aplicada, em razão de sua adequação, ao caso
concreto. Mas não só por isso. A argumentação jurídica através da qual se dá a
reconstrução do caso concreto e a determinação da norma jurídica adequada está
submetida à garantia processual de participação em contraditório dos destinatá-
rios do provimento jurisdicional. O contraditório é uma das garantias centrais dos
discursos de aplicação jurídica institucional e é condição de aceitabilidade racio-
nal do processo.39 Infelizmente, sem a participação do advogado, será muito difícil
ao servidor acusado de infração administrativa se defender, pois a complexidade
de implicações técnicas e argumentativas necessárias para a ampla defesa é tolhida
no momento que se admite a condenação sem a participação do advogado.
Assim, a legitimidade das decisões administrativas, em processos admi-
nistrativos disciplinares, aponta no sentido do processo. Este, entendido como

CATTONI DE OLIVEIRA. O processo constitucional como instrumento da jurisdição constitucional.


39

Revista da Faculdade Mineira de Direito, p. 164-165.

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42 Carlos Henrique Soares

“necessária instituição constitucionalizada que pela principiologia do instituto


do devido processo legal converte-se em direito garantia impostergável e repre-
sentativo de conquistas históricas da humanidade na luta secular empreendida
contra a tirania, como referente constitucional lógico-jurídico, de interferência
expansiva e fecunda, na regência axial das estruturas procedimentais nos seg-
mentos da administração, legislação e jurisdição”.40 Nesse sentido, “tanto mais
legítimo será o Direito quanto mais preservar o espaço de liberdade privada”.41
A construção participada da decisão administrativa, garantida num nível
institucional, e o direito de saber sobre quais bases foram tomadas as decisões
dependem não somente da atuação do julgador, mas também das partes e dos
advogados.

5 Conclusão
Assim, neste texto foi possível explicar que processo é um procedimento
garantidor de um espaço discussivo-argumentativo, onde o contraditório é ele-
mento legitimador da decisão.
O Superior Tribunal de Justiça, no que tange à verificação da aplicação do
princípio do contraditório, em muitos casos vem dando interpretação ao mesmo
conforme a Constituição, qual seja, que o mesmo é elemento necessário e garan-
tidor do processo e da decisão judicial ou administrativa.
No entanto, quando confrontamos as decisões do Superior Tribunal de
Justiça sobre o princípio do contraditório é que temos várias decisões que não
explicam o sentido de contraditório, bem como, em bases herméticas, não permi-
tem o leitor ou intérprete entender qual seria o conceito de contraditório tomado
como premissa para dizer que houve ou não respeitabilidade ao mesmo.
Verificamos, em regra, que a maioria das decisões pesquisadas, no que tange
à análise do contraditório no processo jurisdicional ou administrativo, toma como
premissa que o mesmo é meramente um direito formal de ser ouvido. Isso signi-
fica dizer que o Superior Tribunal de Justiça ainda não superou o processo como
relação jurídica, bem como que ainda está deixando de aplicar a normatividade
processual nos termos e paradigmas constitucionais corretos. Se a constituição
defende a cidadania (art. 1º), a democracia (art. 1º) e o contraditório (art. 5º, inc. LV),
e todos esses princípios possuem como elemento central a participação, qual-
quer tipo de conduta ou lei que veda a participação ou limite, como no caso do

40
LEAL. Teoria geral do processo: primeiros estudos, p. 82.
41
MOREIRA. Fundamentação do direito em Habermas, p. 144.

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Princípio do contraditório no Superior Tribunal de Justiça 43

advogado, é uma conduta que, em nosso entendimento, deixa de aplicar o sistema


democrático processual.
Por fim, ressaltamos que o Superior Tribunal de Justiça tem feito jus à sua
alcunha de Tribunal Cidadão, pois, apesar das críticas, várias são as decisões anu-
lando processos administrativos e judiciais sem a observância do contraditório,
o que nos deixa mais tranquilos com relação a essa garantia. Precisamos evoluir,
mas o Superior Tribunal de Justiça vem cumprindo sua função.

Abstract: The article examines how the Superior Court applied the principle
of contradiction in their judgments.

Key words: Procedure. Contradictory. Superior Court.

Referências
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GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992.
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 2. ed. Porto Alegre: Síntese, 1999.
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LEBRE DE FREITAS, José. Introdução ao processo civil: conceito e princípios gerais: à luz do Código
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LIEBMAN, Enrico Tullio apud MARCATO, Antônio Carlos. Preclusões: limitação ao contraditório?. Revista
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44 Carlos Henrique Soares

MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
MOREIRA, Luiz. Fundamentação do direito em Habermas. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.
SOARES, Carlos Henrique; BRETAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Manual elementar de processo civil.
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

SOARES, Carlos Henrique. Princípio do contraditório no Superior Tribunal de Justiça. Revista


Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 21, n. 82, p. 23-44, abr./jun. 2013.

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Direito Processual Social Atual – Entre o
Ativismo Judicial e o Garantismo Processual

Jefferson Carús Guedes


Doutor e Mestre em Direito Processual Civil (PUC-SP).
Professor da Graduação, Mestrado e Doutorado
do UniCEUB (Brasília). Advogado da União

Resumo: O texto faz uma abordagem da origem de certos aspectos ideoló-


gicos do processo civil no curso do séc. XX. Por fim, conclui que é necessário
pensar o processo civil na perspectiva do direito processual social com olhos
voltados aos tempos atuais.

Palavras-chave: Ativismo. Garantismo. Processo civil. Direito processual social.


Ideologia.

Sumário: 1 Introdução – 2 Contornos velhos e novos de um binômio apa-


rentemente inconciliável: a) socialismo e individualismo; b) autoritarismo e
liberalismo; c) publicismo e privatismo; d) ativismo (judicial) e garantismo
(processual) – 3 O debate estrangeiro e brasileiro atual: talvez o mais impor-
tante – 4 A favor ou contra o garantismo? Ou a favor da terceira via da coope-
ração e da democracia? – 5 Conclusão – Referências

1 Introdução
Este texto, escrito a convite do caríssimo amigo de mais de uma década,
prof. Glauco Gumerato Ramos, para coletânea brasileira organizada pelo prof. José
Renato Nalini em homenagem ao prof. Juan Montero Aroca, possuía no título ori-
ginal1 uma evidente provocação ao opor como contrários perfeitos o Garantismo
Processual e o, assim dito, Direito Processual Social.

1
O título original seria: “Ainda e muito ‘a favor’ do Direito Processual Social ou ‘contra’ o garan-
tismo processual universal”. Melhor será posicionar o Direito Processual Social entre o Ativismo
e o Garantismo, em homenagem à trova quinhentista portuguesa de Francisco Sá de Miranda:
“Pouco por força podemos,/ isso que é, por saber veio,/ todo o mal jaz nos extremos,/ o bem todo
jaz no meio”.

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Em texto publicado pelo professor Montero Aroca na obra Proceso civil e


ideología: un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos,2 — obra que a
esta altura estamos traduzindo para o português em conjunto com o próprio
Glauco Gumerato Ramos e Fauzi Hassan Choucr —, o estimado catedrático valen-
ciano faz várias associações entre autoritarismo processual e o processo civil
social, para, ao fim, reafirmar suas convicções garantistas. Para além deste texto
autoral, o prof. Montero Aroca conseguiu reunir em torno de si um grupo de pro-
cessualistas de vários países dispostos a rediscutir velhas e renovadas posturas
estatais relacionadas, principalmente a tendência de desequilíbrio entre direito
processual e política legislativa processual associada à sua notável capacidade
de, às vezes, deixar-se influenciar pela ideologia.
Essa atividade de militância democrática e doutrinária do prof. Montero
Aroca ultrapassou as fronteiras espanholas em várias direções, produzindo seus
reflexos além da Espanha, na Itália, Portugal, Argentina, Peru, Colômbia, Chile e
também no Brasil.
Por aqui, em profissão de fé nos últimos anos, mas também em outras pla-
gas da América Latina (do México à Patagônia Argentina) o prof. Glauco Gumerato
Ramos tem escrito e divulgado as ideias e as obras dos professores Juan Montero
Aroca e Adolfo Alvarado Velloso,3 afirmando sua convicção em prol do garantismo
processual.
De outro lado, quase por acidente, tratamos no ano de 2006 da existência
de um possível Direito Processual Social4 ao repor o debate sobre certas áreas do
processo civil que podem ou devem merecer tratamento diferenciado das regras
processuais e, de modo geral, apenas, como um reflexo de diferenciações origi-
nadas do direito material. Não há e nem houve na proposição apresentada nesse
trabalho um sentido original e pré-ordenado de opor-nos às afirmações garantistas

2
MONTERO AROCA (Coord.). Proceso civil e ideología: un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince
ensayos. Essa obra reúne trabalhos de Adolfo Alvarado Velloso, Eugenia Ariano Deho, José Carlos
Barbosa Moreira, Franco Cipriani, Ignazio Díez-Picazo, Federico G. Dominguez, Luís Correia de
Mendonça, Girolamo Monteleone, Joan Picó i Junoy, Giovanni Verde e do próprio coordenador,
Juan Montero Aroca.
3
ALVARADO VELLOSO. Garantismo procesal contra actuación judicial de oficio.
4
O artigo se denomina “Direito processual social no Brasil: as primeiras linhas” e a acidentalidade se
deve à pesquisa sobre igualdade e desigualdade processual, por nós desenvolvida, sob a generosa
orientação do prof. Arruda Alvim, para a tese de doutoramento (PUC-SP/2008), que possuía o desafio
inicial de definir uma “área” do Direito Processual Civil que contemplasse as “diferenciações” entre
partes e interesses merecedores de compensações processuais. O desafio original ficou resumido
a esse artigo publicado em 2006, na Revista Latinoamericana de Derecho Social, México, n. 2, e na
Revista de Processo, São Paulo, n. 142.

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do prof. Montero Aroca ou de Alvarado Velloso, ideia que somente mais tarde se
afigurou possível, com os debates feitos com o amigo Glauco Gumerato Ramos.
Por isso e só por isso é que este artigo pode ser considerado, em pálida
medida, uma réplica tardia das afirmações feitas pelo meu querido contendor
brasileiro e, em escala ainda menor, aos trabalhos dos professores espanhol e
argentino.

2  Contornos velhos e novos de um binômio aparentemente


inconciliável:5 a) socialismo e individualismo; b) autoritarismo
e liberalismo; c) publicismo e privatismo; d) ativismo (judicial)
e garantismo (processual)
O que se nos parece, às vezes, é que ressuscitamos velhos temas ao debater
o atual garantismo, e tanto o é assim que Montero Aroca nos traz como exemplo
em seu texto o Codice de Procedura Civile italiano de 1940, com sua carga carica-
tural de ser norma criada pelos fascistas, como se fosse possível às normas pro-
cessuais corresponderem em exata medida à presença ou não de democracia em
determinada nação a certo tempo, como se fossem a imagem espectral de seus
propositores.
Nem sempre isso ocorre. É possível que haja normas autoritárias em regimes
democráticos e normas democráticas em regimes autoritários. Barbosa Moreira
adverte que a disciplina processual sofre influência das características do regime
político,6 sem dizer que essa influência seja sempre perniciosa ou irreversível.
Joan Picó i Junoy tem a mesma opinião, discordando da relação direta entre con-
cessão de poderes instrutórios ao juiz e o caráter fascista e autoritário ou mesmo
totalitário do processo civil.7

5
ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO. Liberalismo y autoritarismo en el proceso. In: ALCALÁ-ZAMORA Y
CASTILLO. Estudios de teoría general e historia del proceso, t. II, item n. 22, p. 285, dirá que não há
incompatibilidade alguma entre liberalismo e autoritarismo no processo. Por essa razão nomina-
mos de “aparentemente” inconciliável o binômio.
6
MOREIRA. Neoprivatismo no processo civil. In: MOREIRA. Temas de direito processual: (nona série),
item n. 2, p. 88. O autor cita como exemplos leis que considera insuspeitas de autoritarismo, tais
como a Lei da Ação popular (Lei nº 4.717/1965) e Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985),
editadas durante os governos militares (1964-1985). Contudo, ao argumento de Montero Aroca
essas também seriam, provavelmente, leis autoritárias, pois outorgam excessivos poderes aos
juízes, e não democráticas, como imagina Barbosa Moreira.
7
PICÓ I JUNOY. El derecho procesal entre el garantismo y la eficacia: un debate mal planteado. In:
MONTERO AROCA (Coord.). Proceso civil e ideología: un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince
ensayos, item n. III.1, p. 117. O presente texto está publicado no Brasil, na Revista de Processo, n. 197,
jun. 2011, em língua italiana.

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No caso desta polêmica, mudam-se os nomes e os fenômenos mantêm-se


próximos, permitindo dizer que o antagonismo hoje evidente entre ativismo e
garantismo já foi visto outrora entre socialismo e liberalismo, autoritarismo e libera-
lismo e entre publicismo e privatismo. Esse seria um binômio aparentemente incon-
ciliável, desde muito aparentemente contraditório.
Essas denominações historicamente se posicionam em certa ordem, conforme
se propõe abaixo:
a) socialismo e individualismo – Atribui-se essa primeira divisão dupla de denomi-
nações dada aos debates originais surgidos logo após a edição das normas proces-
suais que no final do século XIX apareceram na Prússia e na Áustria, e principalmente
à anterior “militância” socialista de Anton Menger.
A obra mais referida de Anton Menger é Das Büergerliche Recht und die
besitzlosen Volksklassen: Eine Kritik des Entwurfs eines Buergerlichen Gesetzbuches
fuer das deutsche Reich (Tübingen: Laupp, 1890),8 composta de estudos críticos
sobre o Projeto do Código Civil do Império alemão, publicados nos Archiv für
sociale Gesetzgebung und Statistk, edições 1ª a 3ª/1889 e 1ª/1890, traduzido e
publicado em espanhol em duas ocasiões, em 1898 e em 1998 com o título El
derecho civil y los pobres.
As observações sobre o processo civil contidas na obra podem ser sintetiza-
das na seguinte crítica:

A extraordinária diferença segundo a qual os que têm e os que não têm


bens podem perseguir seu direito tem sido até agora esquecida pelos
jurisconsultos. O motivo disto consiste, sem dúvida, em que, por causa
de sua educação e de seus interesses, os jurisconsultos de todos os países
se sentem inclinados a considerar-se exclusivamente como servidores e
representantes das classes abastadas.9

E acrescentava, referindo-se ao Direito de Família:

[...] Não posso dar por terminada essa crítica sobre as disposições legais
relativas aos filhos ilegítimos, sem antes considerar o lado processual
desta questão. [...] o procedimento civil é prejudicial aos interesses das
classes pobres, na medida em que exclui, ordinariamente, a intervenção
autônoma do juiz. Este defeito geral da administração da justiça civil
influi em nossos casos, pesando duplamente sobre as costas dos pobres.

8
Há um exemplar da edição original alemã na Biblioteca do Supremo Tribunal Federal, em Brasília,
doada pela família de Pontes de Miranda. Há uma edição argentina, da mesma tradução de
Adolfo G. Posada e introdução de Diego Lamas (Buenos Aires: Atalaya, 1947).
9
MENGER. El derecho civil y los pobres, cap. VII, p. 134-135.

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Este defeito geral da administração da justiça civil influi em nossos casos,


pesando duplamente sobre as costas dos pobres, porque a mulher mãe
fora do casamento põe-se, com seu filho, em estado desesperado. Diante
de uma necessidade urgentíssima seria desejável que se autorizasse o
juiz a obrigar o pai do filho ilegítimo, ainda antes que se desse por con-
cluído o processo acerca da paternidade, prévio exame sumário, a pagar
os gastos do parto e da alimentação.10

Mais que a proteção de um ou de outro possível litigante, com característi-


cas que o enfraquecem, a ideologia autoritária que confere excessivos poderes ao
juiz se espalha por toda a legislação, como dizem seus críticos, dando um poder
amplo ao juiz no processo, em detrimento do protagonismo das partes.
Essa “fórmula” foi adotada na Zivilprocessordnung de 1895, projetado por
Franz Klein para a Áustria e no Relatório Chiovenda, de 1920, para a reforma pro-
cessual italiana.11
Contudo, no mundo jurídico neolatino, deve-se a Giuseppe Chiovenda a
disseminação na Itália, desde a oportunidade em que apresentou em 1906 a con-
ferência Le reforme processuale e le corrente del pensiero moderno, a reproposição,
principalmente, dos pontos referentes à reforma social do processo e à “descon-
fiança da classe operária nos juízes burgueses”, ideia contida na obra de Anton
Menger.12
Em oposição, haveria um processo civil representado por normas proces-
suais vinculadas a um individualismo no qual o papel do juiz estaria vinculado
à provocação das partes, à iniciativa destas, tanto para a definição do objeto do
processo, suas delimitações, da prova e as atividades para a sua obtenção e, por
fim, a contenção da decisão ao que foi requerido pelas partes, sendo exemplo
desse modelo a legislação francesa.13

10
MENGER. El derecho civil y los pobres, cap. XXVI, p. 213. Estão aqui presentes, sem dúvida, os ele-
mentos do que hoje conhecemos como de antecipação de tutela dos alimentos ou mesmo dos
alimentos gravídicos.
11
Essa denominação é atribuída por Luiz Machado Guimarães a Eduardo Couture, quando descreve
a autoridade do juiz segundo a fórmula de Franz Klein, no século XIX, e de Giuseppe Chiovenda,
no século XX. Ver: COUTURE. Oralidade e regra moral no processo civil. In: MORATO. Processo oral,
p. 99-110.
12
CHIOVENDA. Le riforme processuali e le correnti del pensiero moderno. In: CHIOVENDA. Saggi di
Diritto Processuale Civile, v. 1, item n. 5, p. 391, em que afirma que o principal problema da justiça
civil é a relação entre iniciativa da parte e iniciativa do juiz, chave das reformas processuais para a
adaptação do processo às necessidades sociais.
13
KELLY. Storia del pensiero giuridico occidentale, cap. VIII, p. 388, esclarece que “a ideia fundamental
dos legisladores franceses era excluir a incerteza e a arbitrariedade na aplicação da lei e com este
fim trataram de reduzir o quanto possível a função interpretativa e de criação do direito pelo juiz,
em quem não se confiava”.

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Desde então se atribui a essa dupla influência a disseminação do processo


autoritário no processo civil nas nações continentais europeias e latino-americanas.
b) autoritarismo e liberalismo – Fora do Brasil, como dito, essa disputa entre o
binômio aparentemente inconciliável se deu em muitos países, revelando e ocul-
tando as posturas políticas que se alega estejam escondidas sob esse manto.
O que ocorreu na Itália e principalmente o que restou dos debates em torno
do CPC italiano é que passou ao futuro como uma disputa para a recuperação da
autoridade do juiz, inexistente ou tênue no processo civil que correspondia a esse
país, antes da reforma. Giuseppe Chiovenda afirmava que “o conceito renovado da
justiça como função do Estado [...] restitui ao juiz no processo moderno uma posi-
ção central de órgão público interessado em distribuir justiça da melhor e mais rá-
pida forma possível” (§47 do Relatório). O próprio Piero Calamandrei concordava
que o Projeto “propõe introduzir no processo civil aquela restauração de princípio
de autoridade, que foi introduzida ou está em vias de introdução em todas as
esferas da vida nacional”.14 Não é de se estranhar, portanto, se diga até aqui, que
esse processo que recupera a autoridade do juiz é um processo autoritário.15
Mas essa é apenas uma face. Há outras, certamente.
Nesse sentido, autoritário é o processo que concentra poderes no juiz e o faz
o centro do debate e liberal é o processo que atribui às partes essa centralidade e
a disposição de atos e de fases processuais.
No Brasil, os debates que revelaram as posições dominantes para a elabo-
ração do CPC unitário que viria a público em 1939 expunham mais uma disputa
entre forma de realização dos atos: escrita ou oral, do que uma oposição entre
autoritarismo e liberalismo. É certo, entretanto, que atrás dessa cortina existe
sempre o debate sobre a prova e sua realização, que se coliga com o tema da
autoridade.
A Exposição de Motivos do CPC de 1939, da redação do intrépido Ministro
da Justiça de Getúlio Vargas, prof. Francisco Campos, era clara em dizer que o pro-
cesso tradicional serviu de “instrumento de dominação política”, pois “formalista
e bizantino, tendo sido apenas um instrumento das classes privilegiadas, que
tinham lazer e recursos suficientes para acompanhar os jogos e cerimônias da

14
CALAMANDREI. Premissas políticas do projeto do Código de Processo Civil italiano. In: MORATO.
Processo oral, item n. 1, p. 166. Esse trabalho foi apresentado como Parecer ao texto do Projeto
Preliminar de CPC (1937).
15
BÖHN. Processo civile e ideologia nello stato nazisocialista. Rivista Trimestrale de Diritto e Procedura
Civile. Sobre a influência da ideologia nazisocialista no processo civil; sobre a influência de Franz
Klein, item n. 3, p. 640; sobre o uso do judiciário como instrumento político e ideológico, item n. 4,
p. 641-647.

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justiça, complicados nas suas regras, artificiosos na sua composição e, sobretudo


demorado nos seus desenlaces”.16 Nos títulos seguintes o Ministro argumentava
ainda o caráter popular do Estado varguista e a restauração de sua autoridade,
além do papel de direção a ser exercido pelo juiz no processo, que lhe confere
“poderes largos”, para “investigar os fatos” e “descobrir a verdade”. Tudo isso revela-
va a “concepção publicística do processo”, com inspiração confessada em Giuseppe
Chiovenda.17
Luiz Machado Guimarães no ensaio “Processo autoritário e regime liberal”,
republicado em seus Estudos de Direito Processual Civil, já apontava para a tendên-
cia de ampliação dos poderes do juiz e para o “processo autoritário”, como reação
ao “absenteísmo característico do Estado liberal”, que gerara o desenvolvimento
do processo liberal, com juiz inerte e passivo e por tudo isso um processo incon-
veniente. Essa tendência, segundo o autor, já ocorria inclusive em estados liberais
e, no Brasil, não coincidia exclusivamente com o Estado Novo e seu reconhecido
autoritarismo, pois antes mesmo, em 1915, o Código de Processo da Bahia (art. 127),
já trazia dispositivo similar àquele que depois se consagraria como expressão do
processo autoritário, no art. 117 do CPC de 1939.18
Mas esses exemplos citados por Machado Guimarães não são os únicos,
pois os códigos estaduais de Minas Gerais em 1922 (art. 262) e da Parahyba em
1930 (art. 263) também conferiam os mesmos poderes instrutórios ao juiz, para a
apuração da verdade.19 E mesmo antes, no Regulamento nº 737/1850, norma pro-
cessual comercial do Império do Brasil — 45 anos antes da Zivilprocessordnung de
1895, austríaca, de Franz Klein — já havia a possibilidade de o juiz ordenar diligên-
cias independentemente do requerimento das partes, sem que se considerasse
esse um processo autoritário.20
Com todos esses precedentes, resta muito estranho, no Brasil, associar-se
integral e diretamente o processo autoritário aos governos e fases autoritárias.21

16
CAMPOS. Exposição de motivos. In: CÓDIGO de Processo Civil, p. 2.
17
CAMPOS. Exposição de motivos. In: CÓDIGO de Processo Civil, p. 5-7.
18
GUIMARÃES. Processo autoritário e regime liberal. In: GUIMARÃES. Estudos de direito processual
civil, p. 128-130. (Artigo foi originalmente publicado na Revista Forense, n. 82, em 1940).
19
Com redação idêntica, esses códigos previam no art. 262 da Lei nº 830, de 07.09.1922 (CPC de
Minas Gerais) e no art. 263 do Dec. nº 28, de 02.12.1930 (CPC da Parahyba) que: “O juiz póde orde-
nar ‘ex officio’ as diligencias que julgar necessarias para se apurar a verdade dos factos allegados,
depois de realizadas as que forem requeridas pelas partes”.
20
“Art. 230. Se, examinados os autos, o juiz entender necessaria, para julgar afinal, alguma diligen-
cia, ainda que lhe não tenha sido requerida nas allegações finaes, a poderá ordenar, marcando
para isso o prazo conveniente”.
21
GUEDES. O princípio da oralidade: procedimento por audiências no direito processual civil brasileiro,
item n. 1.3.3, p. 23-25, nas quais são feitas referências ao processo romano-canônico e a concessão
de poderes instrutórios ao juiz pela Clementia Saepe, ano 1306 d.C., do Papa Clemente V.

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Depois disso, Moacyr Amaral Santos, em aula proferida na abertura do ano


letivo de 1959, sob o título Contra o processo autoritário, dizia que “um processo é
do tipo autoritário, e desse tipo será consequentemente o juiz, pela predominân-
cia do princípio inquisitivo sobre o dispositivo, da autoridade sobre a liberdade”.
Contudo, considerava que as várias mudanças havidas entre o anteprojeto e a lei
(CPC/1939), “de algum modo desmancharam cientificamente essa feição, que o
legislador, politicamente, pretendia aparentar à sua obra”.22 Por fim, em proposta
intermediária o autor defende a “concepção publicística do processo”, com certas
limitações aos poderes do juiz.
No CPC de 1939 destacavam-se os arts. 112 e 117, referentes aos poderes do
juiz na instrução:23

Art. 112. O juiz dirigirá o processo por forma que assegure à causa anda-
mento rápido, sem prejuízo da defesa dos interessados.
[...]
Art. 117. A requerimento, ou ex-officio, o juiz poderá, em despacho moti-
vado, ordenar as diligências necessárias à instrução do processo e indeferir
as inúteis em relação a seu objeto, ou requeridas com propósitos manifes-
tamente protelatórios.

De outra parte, com outro espírito, haviam normas inseridas no CPC de 1939
que aparentemente iam em sentido contrário ao propalado autoritarismo, como
o art. 4º:

Art. 4º. O juiz não poderá pronunciar-se sobre o que não constitua objeto
do pedido, nem considerar exceções não propostas para as quais seja por
lei reclamada a iniciativa da parte.

Em razão dessas contradições é que Frederico Marques considerava que o


processo do Código era “sem sistema e sem coerência” e Alfredo Buzaid via nele
“duas almas”.24
c) publicismo e privatismo – Sob a nova denominação de publicismo e privatis-
mo aparece uma série de trabalhos, principalmente a partir da década de 1970,

22
Aula proferida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) (SANTOS. Contra o
processo autoritário. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, item n. 6, p. 37).
23
Outros dispositivos conferiam poderes instrutórios ao juiz, como o art. 224 (requisição de certi-
dões às repartições públicas); art. 210 (oitiva pelo juiz de testemunha referida).
24
SANTOS. Contra o processo autoritário. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, item n. 7, p. 39.

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Direito Processual Social Atual – Entre o Ativismo Judicial e o Garantismo Processual 53

na Itália, e de 1980, no Brasil, renovando a afirmação de que o processo civil é o


instrumento de natureza pública, informado pelos princípios do Direito Público,
que limita o princípio dispositivo, de natureza liberal e individualista.25 Mauro
Cappelletti não vê incompatibilidade entre o princípio dispositivo e o caráter pú-
blico e indisponível do processo, porquanto seu andamento e o seu resultado
também sejam do interesse desse ente; a liberdade das partes quanto ao objeto
material do processo não se estende ao processo em si, não podendo as partes
determinar como esse instrumento se desenvolverá.26
Barbosa Moreira, revisando o binômio aparentemente inconciliável já obser-
vou em tom jocoso as inúmeras contradições da hipótese levantada de correspon-
dência entre Estados autoritários e normas processuais inquisitivas ou autoritárias
e vice-versa. Em tom mais sério examina a questão central trazida, da liberdade ou
não do juiz em adentrar no campo aparentemente reservado às partes de busca
da prova para proferir a sua decisão. E conclui: “quem quer o fim, quer os meios.
Se a lei quer que o juiz julgue, não pode deixar de querer que ele julgue, tanto
quanto possível, bem informado; logo, não deve impedi-lo de informar-se, pelos
meios que tenha à mão”.27 Confirma sua proposição inicial de que a concessão dos
poderes instrutórios não desrespeita garantias das partes.
Cândido R. Dinamarco, ao descrever a influência no Brasil de Enrico T.
Liebman — chegado em pleno momento de início de vigência do CPC de 1939
— manifesta-se sobre a natureza pública do processo, que marcha em “direção ao
alargamento dos poderes do juiz e do reforço da autoridade deste, notadamente
no que diz respeito à antecipação e à efetivação da tutela jurisdicional”.28

25
JARDIM. A publicização do processo civil, parte II, cap. 2º, §7º, p. 87-91 e parte III, cap.1º, §3º, p. 107-109.
26
CAPPELLETTI. Publicización, oralidad, socialización. In: CAPPELLETTI. El processo civil en el derecho
comparado, §9, p. 44-45. O autor associa a publicização do processo à oralidade, também identi-
ficada ao uso dos poderes de direção e de controle pelo juiz.
27
MOREIRA. Neoprivatismo no processo civil. In: MOREIRA. Temas de direito processual: (nona série),
itens n. 2-6, p. 88-95. Em estudo anterior, publicado em 1984, o professor destacava que: “confiar
ao juiz papel mais ativo na direção e na instrução do feito, ao contrário do que parecem recear
alguns, não implica forçosamente instaurar no processo civil o domínio do ‘autoritarismo’ ou do
‘paternalismo’”. [...] “A ampliação dos poderes do órgão judicial não tem como contrapartida ne-
cessária o amesquinhamento do papel das partes, nem a eliminação, ou sequer a redução, das
garantias a que fazem jus e tampouco da responsabilidade a que fazem jus” (MOREIRA. A função
social do processo civil moderno e o papel do juiz e das partes na direção e na instrução do pro-
cesso. In: MOREIRA. Temas de direito processual: (terceira série), item n. 3, p. 54).
28
DINAMARCO. Liebman e a cultura processual brasileira. Revista de Processo, item n. 2, p. 1-2 e item
n. 8, p. 5-6. Versão eletrônica. Essa posição depois seria consagrada em outros autores italianos:
CAPPELLETTI. Publicización, oralidad, socialización. In: CAPPELLETTI. El processo civil en el derecho
comparado, §8º-19, p. 43-79. No mesmo sentido: CABRAL. O processo como superego social: um
estudo sobre os fins sociais da jurisdição. Revista de Processo, item n. 1, p. 345.

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54 Jefferson Carús Guedes

Luiz Guilherme Marinoni, ainda na década de 1990, indicava como essencial a


participação efetiva do juiz ativo no processo, característica de um processo demo-
crático, capaz de manter incólume o contraditório, pois inútil a igualdade de opor-
tunidades sem paridade de armas. Contudo, sugeria que a atuação instrutória do
juiz não se vinculasse à natureza do direito litigado, se disponível ou indisponível,
mas ao que se busca, que é a instrução para o exercício do poder estatal de decidir
sobre o direito.29
Leonardo Greco também dedicou-se ao exame das sucessivas modifica-
ções nominais do binômio aparentemente inconciliável em seu artigo Publicismo
e privatismo no processo civil. Descrevendo os contrastes entre juiz inerte e ativo,
o modelo processual oral e concentrado, a finalidade do processo equilibrada
entre busca da verdade e da justiça, o impulso oficial, boa fé e a compensação
de desigualdades. O autor isola os fenômenos político-institucional e político-­
processual, quando, a certa altura, critica a posição de Montero Aroca e repropõe
a “intervenção assistencial subsidiária do juiz para suprir a dificuldade de uma das
partes ou de ambas no exercício da sua defesa, a fim de assegurar em plenitude
o seu direito de acesso à justiça e a paridade de armas”, denominando-a como
compensação processual.30
Em conclusão, reafirma nossa tradição liberal e a luta que por ele devemos
manter, mas visando um novo ideal ajustado ao Estado Democrático de Direito:

que não apenas respeita o livre arbítrio dos cidadãos na tomada de decisões
relativas à sua esfera privada, mas que, no momento em que estes recorrem
ao Estado para a tutela dos seus direitos, este, através dos juízes, controla
vigilantemente se aqueles estão em condições de se autotutelarem e, em
caso negativo, supre moderada e parcimoniosamente as suas insuficiências
para, sem comprometer a sua imparcialidade, assegurar-lhes o acesso efe-
tivo ao gozo dos seus direitos, tendo em vista que as posições de domina-
ção que prevalecem na sociedade precisam ser neutralizadas, sob pena de
entregarem os mais fracos ao jugo incontrastável dos mais fortes, em total
desrespeito às promessas de construção de uma sociedade erigida sob a
égide da dignidade humana e do pleno respeito aos direitos fundamentais.31

29
MARINONI. Novas linhas do processo civil: o acesso à Justiça e os institutos fundamentais do direito
processual, item n. 2.5.8, p. 71-74.
30
GRECO. Publicismo e privatismo no processo civil. Revista de Processo, p. 29 et seq. Versão eletrônica.
31
GRECO. Publicismo e privatismo no processo civil. Revista de Processo, item n. 16, Conclusão.
A proposta de assistência do juiz à parte mais frágil se encontra também em: CALAMANDREI.
Instituciones de derecho procesal civil: según el nuevo Código, §62, p. 342-345; DENTI. Il processo
come strumento di politica sociale. In: DENTI. Processo civile e giustizia sociale, item n. 1, p. 53-55.

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Direito Processual Social Atual – Entre o Ativismo Judicial e o Garantismo Processual 55

Por todos se vê que as mudanças de denominação correspondem a deter-


minados períodos, principalmente no século XX, para indicar um fenômeno pro-
vavelmente único e comum a todos eles, qual seja, a disputa entre duas posições
políticas e ideológicas, identificada cada uma com a menor ou maior presença e
força do Estado e de seus agentes (juízes) no exercício da atividade jurisdicional.
d) ativismo (judicial) e garantismo (processual) – pode-se dizer que a retomada
dessa discussão surge outra vez entre Espanha e Itália e daí se projeta para a América
Latina, onde tem tido repercussão no Brasil, Argentina, Peru, Colômbia, Chile e outros
países.
A nova roupagem da discussão foi notada recentemente por Barbosa
Moreira, Leonardo Greco e pelo próprio Juan Montero Aroca, quando afirma que
“estamos sempre voltando sobre a mesmo [tema], sobre o papel do Estado na
sociedade e sobre o [papel] do juiz no processo”.32
Glauco Gumerato Ramos tem sido, dentre nós, o autor que melhor tem des-
tacado essa nova roupagem do debate crítico sobre a posição do juiz como figura
central do processo, sobre a tendência de publicização do processo e a mitigação
do princípio dispositivo. Seu texto original, “Ativismo e garantismo no processo
civil: apresentação do debate”,33 depois de traçar um relato do ressurgimento da
polêmica, aponta para as linhas centrais da postura ativista. Posicionaram-se ao
lado de Montero Aroca os processualistas italianos Franco Cipriani e Girolamo
Monteleone, autores de parte dos textos publicados na obra coletiva editada na
Espanha e na própria Itália.34 Esse ressurgimento da disputa se ampara muito nas
discussões feitas por Franco Cipriani, a partir do ano de 1991-1992, nas quais afir-
mava o caráter autoritário do CPC italiano de 1942 e a partir da criação em 2006
da revista Il Giusto Processo Civile, dedicada ao debate dos temas do garantismo
processual civil.35
A crítica à publicização do processo se encontra nos textos mais recentes de
Juan Montero Aroca, mas também em sua obra publicada logo após a edição da

32
MONTERO AROCA. El proceso civil llamado “social” como instrumento de “justicia” autoritária. In:
MONTERO AROCA (Coord.). Proceso civil e ideología: un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince
ensayos, item n. 10, p. 164.
33
Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, p. 83-102.
34
CIPRIANI, Franco. El proceso civil italiano entre revisionistas e negacionistas; CIPRIANI, Franco. El
proceso civil entre viejas ideologías y nuevos eslóganes; MONTELEONE, Girolamo. Principios y
ideologías del proceso civil: impresiones de un ‘revisionista’; MONTELEONE, Girolamo. El actual
debate sobre las ‘orientaciones publicísticas’ del proceso civil, publicados todos em MONTERO
AROCA (Coord.). Proceso civil e ideología: un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos.
35
PISANI. Pubblico e privato nel processo civile. Revista de Processo, itens n. 5-6, p. 295-301.

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Nueva LEC espanhola, em 1999.36 O ativismo processual é, para essa corrente, esse
conjunto todo de fenômenos que vão se conformando a partir do final do século
XIX e início do século XX, sintetizados pela ampliação dos poderes instrutórios
do juiz. De outro lado, o garantismo seria o inverso, caracterizado pela posição
moderada do juiz, com seus poderes limitados na atividade probatória e no impulso
processual, com a revalorização do princípio dispositivo.
Outro é, por certo, o ativismo constitucional, como bem destacou o pró-
prio prof. Glauco Gumerato Ramos em debate no UniCEUB (Centro Universitário
de Brasília) em reunião de nosso Grupo de Pesquisa =ISO Justiça Processual e
Desigualdade.37 Este outro ativismo dos Tribunais Constitucionais vem sendo
definido pela doutrina e pelos próprios tribunais, mas ainda pende de completa
delimitação.38
Em todas essas variações de denominações, o que se nota é uma discussão
entre duas formas aproximadas de ver o processo, que se isolam uma da outra por
motivos político-processuais como: a) a vedação ou autorização ao juiz de decidir
além das alegações das partes; b) vedação ou autorização para o juiz determi-
nar de ofício a realização de provas; c) vedação ou autorização a impulsionar o
processo.

2.1  O debate menos importante: Il Codice de Processo Civile italiano


de 1940
Debater sobre o texto do CPC italiano de 1940 é valioso, mas estranho a
alguns dos nossos processualistas, muitas vezes desatentos até mesmo às normas
processuais vigentes nas décadas de 1950/1960/1970, no Brasil.

36
MONTERO AROCA. El derecho procesal en el siglo XX, item n. 10-C, p. 71. Essa obra editada em 2000,
no item referido, traça um panorama crítico do processo civil europeu, influenciado por Franz
Klein, que segue a tendência de publicização, com função social, como fenômeno de massas,
com a ampliação dos poderes do juiz e mitigação do princípio dispositivo [PICÓ I JUNOY. El dere-
cho procesal entre el garantismo y la eficacia: un debate mal planteado. In: MONTERO AROCA
(Coord.). Proceso civil e ideología: un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos], consi-
dera como sinônimas as expressões “publicização” e “socialização do processo”, que possui como
virtude a ampliação dos poderes do juiz (item n. I, p. 109-110).
37
Nessa oportunidade o professor afirmou que o ativismo pode ser vislumbrado numa dupla pers-
pectiva: a) aquela praticada pelo STF, sob inspiração da Suprema Corte Americana (Common
Law), na qual o juiz pode criar o direito, sendo assim no Brasil, na qual o juiz interpreta a lei estabe-
lecida pelo Legislador e b) praticado pelas instâncias inferiores, posição criticada pelo professor,
na qual a figura do juiz é excessivamente valorizada e onde se exacerba o seu poder, interferindo
na matéria que deveria ser das partes e influenciando a decisão (Reunião de 14.09.2011 do Grupo
de Pesquisa =ISO Justiça Processual e Desigualdade, UniCEUB, Brasília/DF).
38
Sobre o conceito de ativismo constitucional ver: BRANCO. Em busca de um conceito fugidio: o ati-
vismo judicial. In: FELLET; PAULA; NOVELINO (Org.). As novas faces do ativismo judicial, p. 387-401. A
obra coletiva reúne mais de 20 textos sobre o tema.

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Muito se escreveu sobre esse assunto e há variadas posições sobre essa lei
italiana, com o propósito de contornar aquilo que não se lhe pode retirar, ou seja,
o fato de ter sido editada por fascistas em pleno ano de 1940. Seu nascimento
sob o patrocínio de um governo que é hoje execrado por todos (ou quase todos)
permite que se lhe oponham ressalvas.39
Quem se posiciona neste sentido é Franco Cipriani, opinião confirmada por
Juan Montero Aroca, Girolamo Monteleone e Alvarado Veloso, mas que encontra
concordância total ou parcial em outros doutrinadores.40
De outro lado, respeitados doutrinadores já argumentaram que a referida
lei não é exatamente autoritária porque editada por um Estado fascista.
Giovanni Verde sugere que se trata “de ver se há disposições do código que
seguem uma linha de características autoritárias e se estas disposições são de tal
importância que permitem qualificar o código como autoritário”. E acrescenta que
esse código autoritário e fascista tornou possível a formação de uma jurisprudên-
cia respeitosa em relação ao princípio da congruência entre pedido e sentença,
não sendo diferente daquela ideologia liberal pretendida por Montero Aroca.41
Michelle Taruffo, autor de uma das mais consagradas obras sobre a história
do processo civil italiano medieval, moderno e contemporâneo, ao tratar do CPC
de 1940 sintetiza quanto à matriz ideológica do código que: “com toda probabi-
lidade, na verdade, o Relatório Grandi foi considerado como fascista, mas não o
código”. E mais, finaliza dizendo que se se tem em conta tudo o que foi dito, então
é lícito afirmar que — aparte as tentativas de “fascistizar” o código completo em
qualquer parte do Relatório Grandi — isso não pode ser considerado o fruto da
ideologia fascista nem de modo geral, nem nas suas disposições individuais. É
verdade, em substância, que as conexões entre o código e o fascismo são princi-
palmente cronológicas [...]”.42

39
A primeira edição do ano 1941 da Rivista di Diritto Processuale Civile (v. XVIII, Parte I), traz uma série
de artigos que apontam progressos e elogiam o CPC italiano de 1940, tendo como autores, entre
outros: CARNELUTTI, Francesco. Carattere del nuovo Codice di Procedura Civile; REDENTI, Enrico.
L’umanità nel nuovo processo civile; CONFORTI, Leopoldo. Codice rivoluzionario; D’AMELIO,
Mariano. Le tendenze sociali del nuovo Codice di Procedura Civile.
40
RICCI. Il processo civile fra ideologie e quotidianità. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile,
item n. 6, p. 86, concordando parcialmente.
41
VERDE. Las ideologías del proceso en un reciente ensayo. In: MONTERO AROCA (Coord.). Proceso
civil e ideología: un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos, item n. 3, p. 72-74.
42
TARUFFO. La giustizia civile in Italia dal ‘700 a oggi, cap. IV, item n. 4, p. 286. Essa é também a
posição firme de: ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO. Liberalismo y autoritarismo en el proceso. In:
ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO. Estudios de teoría general e historia del proceso, t. II, item n. 9, p. 260,
ao afirmar que o código “não tem nada de fascista, se se excetuam algumas tão explosivas como
circunstanciais frases de sua exposição de motivos”.

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Barbosa Moreira, de outra parte, observa que o CPC italiano de 1940 tem
sido alvo de críticas por ser produto do fascismo, embora a melhor razão esteja
com os que divergem dessa posição, citando com exemplo Michele Taruffo, que
afirmava ser a Relazione del Ministro Grandi uma “cláusula de estilo acrescentada
pela exigência política contingente”.43
Mas a fogueira segue acesa, pois recentemente Andrea Proto Pisani a ela
voltou-se para dizer que “a polêmica sobre se o código de 1940 era ou não fascista,
era ou não autoritário seria progressivamente atenuada e os processualistas civis,
recuperada a sua tranquilidade, teriam podido voltar ainda dedicar-se ao estudo
do processo acentuando o componente publicista”.44 De um ponto de vista mais
amplo, Alessandro Somma, com base em extensa bibliografia, relativiza a influên-
cia do fascismo sobre o direito, restringindo-a a aspectos principalmente formais.
E acrescenta “à luz do que aqui se observou não me parece que o Código Civil ita-
liano [1942] — como o recurso formal dos modelos mutuais da história — possa
ser considerado fascista ou antifascista”.45
Entretanto, deve-se destacar o mais detalhado exame que se dispõe sobre
a Relazione Grandi, feito pelo processualista colombiano Jairo Parra Quijano, na
obra Racionalidad e ideología en las pruebas de oficio, na qual assegura, em síntese,
que:

Mediante a leitura cuidadosa do Relatório deixamos claro que, ao contrá-


rio do sustentado pelo então ministro da Justiça em seu Relatório, não
é possível identificar fisionomia alguma da ideologia fascista no Codice
di Procedura Civile de 1940, máxime se se leva em consideração que o
fascismo não realizou, nem poderia ter realizado contribuição ideológico
qualquer ao direito processual [...], pois seu discurso foi simples retórica.46

Essa posição se alinha com a postura ideológica adotada na obra, que con-
sidera necessária a concessão de poderes ao juiz como forma de permitir que ele
“conheça a verdade”, essencial para decidir de forma justa.

43
MOREIRA. Neoprivatismo no processo civil. In: MOREIRA. Temas de direito processual: (nona série),
item n. 2, p. 89.
44
PISANI. Pubblico e privato nel processo civile. Revista de Processo, item n. 3, p. 292. O texto corres-
ponde à palestra proferida em Cagliari, em julho de 2011, em homenagem a Franco Cipriani. De
outra parte, considerando relativa e inútil a discussão, ver: RICCI. Il processo civile fra ideologie e
quotidianità. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, item n. 6, p. 87.
45
SOMMA. Fascismo e diritto. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, anno LV, n. 3, item n. 8,
p. 628-633 e item n. 10, p. 643.
46
PARRA QUIJANO. Racionalidad e ideología en las pruebas de oficio, cap. X, item “B”, p. 55. Ao fim da
obra há o texto integral da Relazione Grandi, traduzida para o espanhol.

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Direito Processual Social Atual – Entre o Ativismo Judicial e o Garantismo Processual 59

O mesmo Luiz Machado Guimarães, em 1940, tratando do CPC brasileiro,


antes mesmo da leitura na Itália do Relatório Grandi, elogiava no Brasil a corajosa
adoção do processo inquisitório, “cedendo ao juiz, amplos poderes de iniciativa
não só na direção do processo, como também na respectiva instrução”.47
A pergunta que pode ser feita é: a norma processual italiana de 1940 é autori-
tária por que confere poderes excessivos ao juiz ou por que foi feita pelos fascistas?
Provavelmente pelas duas razões ou ainda por outras. Ou não! Provavelmente não
era apenas isso: uma norma feita pelos fascistas, que conferia poderes excessivos
ao juiz. Por certo, também, a mesma regra processual pode ter aplicação demo-
crática e antidemocrática, conforme o período e os componentes ideológicos ou
históricos de sua aplicação. Esta última hipótese torna ainda menos importante
esse debate, em vista de sua relatividade.

3  O debate estrangeiro e brasileiro atual: talvez o mais importante


Em atenção à História das leis ou História do Processo Civil, deve-se dizer que a
visão sobre o direito e o processo só pode existir a partir de um olhar mais amplo,
que considere suas razões gerais, sejam políticas ou não. Explico: nem todos os
atos da Colônia eram coloniais e assim por diante, no Império, na Monarquia e na
República.
Para situar o Brasil, olhemos inicialmente os nossos dois CPCs e o terceiro
que assim quer ser chamado e que está em fase final de redação legislativa: o
CPC de 1939, o CPC de 1973 e o CPC Novo, de 2013 ou 2014, como o chamaremos.
Os dois primeiros correspondem a dois graves períodos de exceção democrática,
editados o primeiro na Ditadura de Vargas (1930-1945) e o segundo em plena
Ditadura Militar (1964-1985), ao contrário do terceiro que se aproxima e nascerá
em um momento de vigor ou de revigoramento democrático. Por curiosidade,
muitos dizem tratar-se, este último, de um “belo monumento ao processo autori-
tário”, sem que se diga o mesmo dos anteriores.
O centro desse debate, referente aos poderes instrutórios do juiz e ao
controle formal do processo, à altura da entrada em vigência do CPC de 1973
(1º.01.1974) já se encontrava estabilizada a legislação processual brasileira, pois
até mesmo alguns CPCs Estaduais48 haviam previsto o instituto, como o CPC de

47
GUIMARÃES. Processo autoritário e regime liberal. In: GUIMARÃES. Estudos de direito processual
civil, p. 131-132.
48
São lembrados pelo próprio Luiz Machado Guimarães, como exemplos de Códigos Estaduais
que previram os poderes instrutórios do juiz, o Código do Processo Civil, Commercial, Penal
e Orphanologico do Estado da Bahia (Lei nº 1.121, de 21.08.1915) e o Código do Processo Civil e

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193949 e o CPC de 1973,50 assim como vem reafirmado no Projeto do Novo CPC.51
Na doutrina se destaca desde alguns anos os trabalhos de João Batista Lopes e
de José Roberto dos Santos Bedaque, sintetizando a posição dominante sobre o
tema,52 mas não pacífica.53 Alexandre Freitas Câmara ao tratar dos Poderes instru-
tórios do juiz e processo civil democrático, após um extenso reexame das posições
políticas dos grupos que se opõem, uns considerando democrático e outros auto-
ritário o processo, assegura a legitimidade democrática do art. 130 do CPC atual,
no qual “impõe-se o reconhecimento de amplos poderes de iniciativa probatória
ao juiz, permitindo-se que este agente estatal cumpra sua missão constitucional:
fazer justiça”.54 Outro exemplo, anterior ao CPC de 1973, é a Lei nº 5.478/1968, Lei
de Alimentos, que prevê, por exemplo, no art. 19 que “o juiz, para instrução da
causa ou na execução da sentença ou do acordo, poderá tomar todas as providên-
cias necessárias para seu esclarecimento ou para o cumprimento do julgado ou
do acordo, inclusive a decretação de prisão do devedor até 60 (sessenta) dias”.55
O Projeto do Novo CPC, depois da apresentação do Anteprojeto (2009), da
tramitação no Senado Federal (PL nº 166/2010), que a esta altura está na Câmara
de Deputados (Projeto de Lei nº 8.046/2010), possui outros tantos exemplos de

Commercial do Estado do São Paulo (Lei nº 2.421, de 14.01.1930). Mas podem-se identificar outros
dois casos além dos citados acima: o Código do Processo Civil do Estado de Minas Gerais (Lei nº 830, de
07.09.1922), e o Código do Processo Civil e Commercial do Estado da Parahyba (Dec. nº 28, de 02.12.1930).
49
Art. 117. A requerimento, ou ex-officio, o juiz poderá, em despacho motivado, ordenar as diligên-
cias necessárias à instrução do processo e indeferir as inúteis em relação a seu objeto, ou reque-
ridas com propósitos manifestamente protelatórios.
50
Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à
instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.
51
Art. 354. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias
ao julgamento da lide. Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências
inúteis ou meramente protelatórias (Anteprojeto, art. 258; PL nº 166/2010 do Senado, art. 354).
52
LOPES. Os poderes do juiz no aprimoramento da prestação jurisdicional. Revista de Processo, p. 24-67;
BEDAQUE. Poderes instrutórios do juiz, especialmente itens 3-3.8, p. 74-157. Ver textos precedentes a
esses que são ilustrativos: no Brasil, NAVES. Impulso, processual e poderes do juiz, itens 18-19, p. 53-57;
na Itália, CAPPELLETTI. Publicización, oralidad, socialización. In: CAPPELLETTI. El processo civil en el
derecho comparado, §13, p. 60-62.
53
CÂMARA. Poderes instrutórios do juiz e processo civil democrático. Revista de Processo, observa
que “a doutrina brasileira não é pacífica a respeito do alcance deste poder do juiz” (item n. 2, p. 2.
Versão eletrônica).
54
CÂMARA. Poderes instrutórios do juiz e processo civil democrático. Revista de Processo, item n. 5,
p. 5-8. Versão eletrônica.
55
Poucos dirão tratar-se de uma lei autoritária, embora tenha sido publicada em plena fase crítica
da Ditadura Militar, em vista da natureza dos direitos em disputa na ação de alimentos e o possí-
vel desequilíbrio entre as partes, a justificar esta e outras tantas diferenciações procedimentais ali
previstas.

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Direito Processual Social Atual – Entre o Ativismo Judicial e o Garantismo Processual 61

força que também poderiam ser considerados autoritários, tal como o art. 11856
e, especialmente, o inc. III, que autoriza ao juiz: “determinar todas as medidas
indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegu-
rar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto
prestação pecuniária”.
Mas devemos observar que o processo civil brasileiro não vem sendo regu-
lado exclusivamente no CPC, mas também recebe a normatização de inúmeras
leis especiais ou esparsas. Nessas normas especiais, que regulam, por exemplo,
mais da metade dos processos da União e de seus entes, na Justiça Federal, trami-
tam pelo procedimento dos Juizados Especiais Federais (JEF), com uma grande va-
riedade de regras compensatórias. Mas há outros exemplos nos quase 100 (cem)
procedimentos especiais existentes nessas leis esparsas, no CPC de 1973 e até no
CPC 1939, ainda parcialmente vigente.
Isto é uma parte do Direito Processual Social atual. Embora velho nas suas
concepções, ele é novo e variável quanto aos grupos de destinatários, quanto às
matérias e mesmo quanto aos seus fundamentos ideológicos.
É insuficiente hoje tratar-se de Direito Processual Social pensando apenas em
regras compensatórias para os pobres, como pensavam os socialistas do final do
século XIX e até a metade do século XX. As desigualdades encontradas atualmente
nas sociedades se pulverizam em inúmeras formas, como será exposto a seguir
no item 4.2 deste texto. Nele virão listadas as: a) desigualdades sociais (indivi-
duais e de grupos); b) desigualdades econômicas; c) desigualdades educacionais
ou instrucionais gerais; d) desigualdades técnicas-jurídicas e gerais; e) desigual-
dades culturais (étnicas, linguísticas etc.); f ) desigualdades político-institucionais

Art. 118. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: I – promover
56

o andamento célere da causa; II – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da


justiça e indeferir postulações impertinentes ou meramente protelatórias, aplicando de ofício
as medidas e as sanções previstas em lei; III – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas,
mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial,
inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária; IV – tentar, prioritariamente e
a qualquer tempo, compor amigavelmente as partes, preferencialmente com auxílio de concilia-
dores e mediadores judiciais; V – dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos
meios de prova adequando-os às necessidades do conflito, de modo a conferir maior efetividade
à tutela do bem jurídico; VI – determinar o pagamento ou o depósito da multa cominada limi-
narmente, desde o dia em que se configure o descumprimento de ordem judicial; VII – exercer o
poder de polícia, requisitando, quando necessário, força policial, além da segurança interna dos
fóruns e tribunais; VIII – determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes,
para ouvi-las sobre os fatos da causa, caso em que não incidirá a pena de confesso; IX – determi-
nar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outras nulidades processuais
(Anteprojeto, art. 107; PL nº 166 do Senado, art. 118).

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(Estado e seus órgãos) e as desigualdades político-ideológicas de grupo (Partidos


Políticos, Associações, Organizações Sociais e Sindicatos).
Parte dessas desigualações criam desníveis que recebem ou mereceriam re-
ceber tratamento processual diferenciado, sem que, em todas elas, se encontre uma
diferença de riqueza ou de capacidade financeira, um desequilíbrio de corte exclusi-
vamente econômico.
Em outro trabalho, mais recente, escrito em coautoria com Eliana Pires Rocha,
intitulado “Derechos Fundamentales y Proceso Civil en el Brasil: algunas técnicas
procesales compensatorias de desigualdades sociales y la protección judicial de
los derechos fundamentales” — publicado no Anuario de Derechos Humanos, v. 11,
da Universidad Complutense de Madrid57 — foi apontada uma série de grupos
sociais que merecem proteção processual ou tratamento processual diferenciado,
em razão das suas diversas características:

São técnicas previstas no Código de Processo Civil ou em leis especiais


brasileiras, que se destinam ao reequilíbrio da desigualdade social:
a) Crianças e adolescentes – Ademais das prerrogativas contidas no Código
de Processo Civil, as crianças e os adolescentes possuem, em sua defesa, as
normas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n. 8.069/1990.
Entre os benefícios processuais constam regras especiais, como a gra­
tui­dade de justiça e a assistência jurídica, a dispensa de pagamento de
despesas recursais (preparo), a intimação direta e pessoal do advogado
e dos responsáveis nas comunicações, a simplificação e a celeridade, a
preferência no julgamento de recursos aos tribunais, recursos com efeito
apenas devolutivo, bem como a legitimação do Ministério Público, tanto
para propor ações, como para interpor recursos. O Estatuto estabeleceu,
pioneiramente, a concessão de tutelas de urgência como formas de
proteção desse grupo especial e diferenciado de pessoas, que, em vista
de sua fragilidade, não se submete às regras gerais.
b) Idosos – Os idosos também integram grupo distinto, sendo parte pro-
cessual contemplada com uma desigualdade de tratamento por com-
pensação, de acordo com o Estatuto do Idoso (EI), Lei n. 10.741/2003, no
qual consta título próprio sobre o acesso à Justiça. A compensação é ga-
rantia mediante a observância do procedimento sumário às suas causas,
a criação de varas especializadas em idosos e prioridade na tramitação de
processos e nas diligências processuais. A tramitação prioritária dos pro-
cessos de idosos já fora prevista no Código de Processo Civil desde 2001,

57
ROCHA; GUEDES. Derechos fundamentales y proceso civil en el Brasil: algunas técnicas procesales
compensatorias de desigualdades sociales y la protección judicial de los derechos fundamentales.
Anuario de Derechos Humanos, item n. 5.1; versão portuguesa publicada na Revista Brasileira de
Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, item 5.1, p. 119-123, abr./jun. 2011.

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Direito Processual Social Atual – Entre o Ativismo Judicial e o Garantismo Processual 63

quando a doutrina apresentou clara defesa em seu favor, ao argumentar


que: “[...] é de absoluta legitimidade constitucional a lei que manda dar prio-
ridade, nos juízos inferiores e nos tribunais, às causas de interesse de pessoas
com idade igual ou superior a sessenta-e-cinco anos (Lei n. 10.173/2003);
toma-se em consideração que as partes idosas têm menor expectativa de
sobrevida e, na maioria dos casos, mais necessitam da tutela jurisdicional”.
Desde 2003, o Estatuto do Idoso considera como tal os maiores de 60 anos,
criando uma duplicidade de normas, uma prevendo 60 anos e outra 65
anos. A ambiguidade foi resolvida recentemente, mediante alterações pro-
movidas no CPC, que previu, de modo uniforme ao Estatuto do Idoso, a prio-
ridade processual aos maiores de 60 anos. O benefício, aplicado em todos
os graus de jurisdição, permite a aceleração processual, em vista da notória
expectativa de vida menor que os beneficiários possuem. As regras relativas
ao processo coletivo permitem que várias entidades estatais, para-estatais
e privadas representem os idosos em juízo, as quais poderão contar com
medida concessivas de tutelas de urgência e específica (ordens para fazer
ou não fazer), sem a antecipação de despesas processuais.
c) Portadores de deficiência física ou mental e de doenças graves- A priori-
dade na tramitação de processos administrativos, prevista originalmente
para maiores de 65 anos, mais tarde reduzida a idade para 60 anos, bene­
ficia também, desde meados de 2009, as pessoas portadoras de deficiên-
cia física e mental e os portadores de doenças consideradas graves. Nos
processos judiciais, o benefício se estende somente aos portadores de
doenças graves, pois, o art. 1211-A, desde a Lei n. 12.008/2009, que alte-
ra o CPC, prevê que: Os procedimentos judiciais em que figure como parte
ou interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, ou
portadora de doença grave, terão prioridade de tramitação em todas as ins-
tâncias. Também há regras especiais para o processo coletivo que envolva
interesse desigual na relação processual.
d) Acidentados em trabalho – Por meio da ação acidentária, prevista na Lei
n. 6.376/1976, os feridos em acidentes de trabalho têm em seu favor uma
série de distinções processuais, tais como: a modificação da competência do
juízo para o local do fato, a competência da justiça estadual, ainda que o réu
seja autarquia federal (Instituto Nacional de Seguro Social), a presença do
Ministério Público como fiscal da lei, a concessão de jus postulandi à parte
ou ao representante não advogado (dispensa do advogado), o princípio da
verdade real, que dá ao juiz maiores poderes, a mitigação do princípio
dispositivo e do princípio da demanda, a celeridade e a simplificação pela
adoção do procedimento sumário, a gratuidade de justiça, a valorização da
conciliação e a transigibilidade dos interesses. São vantagens que garantem
proteção à parte considerada mais fraca da relação processual.
e) Consumidores – Os consumidores de bens e serviços, públicos ou priva-
dos, podem ir a juízo, utilizando todos os meios e espécies de ações (art. 83
do CDC). O Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei n. 8.078/1990,
prevê regras processuais especiais e estabelece princípios que autorizam
a sua conformação autônoma. Essa conformação se dá, em sua maior parte,

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por meio das ações coletivas, que estão cercadas por peculiaridades que
esse sistema possui. Mas tais ações não excluem o processo individual de
consumo, que preserva singularidades, embora seja regido pelas normas
gerais de processo (CPC) e por leis extravagantes. Dentre alguns benefí-
cios processuais está a inversão do ônus da prova.
f ) Beneficiários da previdência e assistência social – Os assistidos pela Pre-
vidência Social têm a seu favor, no plano processual, a Lei dos Juizados
Especiais Federais (Lei n. 10.259/2001), que, combinada com a Lei dos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei n. 9.099/1995), oferece vanta-
gens em relação aos juízos comuns. Esse novo modelo judicial se baseia
na ampliação do acesso à Justiça por meio de um modelo consensual,
econômico e simplificado, oral e concentrado, informal e célere. Carac-
teriza-se também pela ampliação dos poderes do juiz (art. 4º), isonomia
total entre Administração e administrado, com redução de prerrogativas
da Fazenda Pública, possibilidade de transação de Direito Público, fim da
apelação ex officio e recorribili­dade somente quanto ao direito material.
Nesses juizados, os pedidos não podem ultrapassar 60 salários mínimos
(17 mil US$) e o pagamento das condenações é feito pelo Tesouro, median-
te requisição e não pelo sistema vinculado ao orçamento do ano seguinte
(precatório).
g) Agricultores e camponeses – Em alguns poucos casos, os camponeses
contam com regras especiais para a aquisição da propriedade. Ela pode
se dar por meio do usucapião especial agrário (Lei n. 6.969/1981), da
ação discriminatória de terras públicas (Lei n. 6.383/1976) e das imissões
possessórias agrárias. São tipicamente agrárias as demandas de cum-
primento, de despejo, de consignação, de rescisão e de indenização em
contratos agrários, de preferência, de divisão, demarcação e extinção de
condomínio agrário, usucapião especial e nunciação de obras rurais, além
da desapropriação para fins de reforma agrária. No processo agrário ado-
tam-se, sem exceção, os princípios constitucionais processuais, tais como
contraditório, ampla defesa, duplo grau, isonomia, publicidade etc.; os
princípios gerais do processo, como princípio dispositivo e da demanda,
lealdade processual e boa-fé, e, também, princípios especiais ou próprios,
dentre os quais podem ser arrolados os princípios da simplificação e da
oralidade, com identidade física e concentração de atos, o princípio da
gratuidade de justiça, o princípio da indisponibilidade das regras e da fixa-
ção da competência segundo o local dos bens litigados.
h) Beneficiários do meio ambiente sadio – Este grupo, titular de direito difu-
sos, que, às vezes, congrega toda a sociedade, tem a seu dispor meios efi-
cientes de atuação, principalmente a ação civil pública (Lei n. 7.347/1985)
e a ação popular (Lei n. 4.717/1965). Estas não são vistas como típicas
ações, mas como técnicas que ensejam procedimentos, métodos de cog-
nição e provimentos diferenciados para a obtenção da tutela do meio
ambiente, para o que se aplica subsidiariamente os dispositivos do Código
de Processo Civil. As regras do “processo civil ambiental” se ampliam cada

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Direito Processual Social Atual – Entre o Ativismo Judicial e o Garantismo Processual 65

vez mais, de forma a privilegiar a preservação do meio ambiente. Mais


notável, contudo, são as prerrogativas do processo coletivo e a possibili-
dade de concessão de tutela preventiva dos ilícitos ambientais.
i) Mulher “casada” – O gênero feminino é contemplado com o foro privile-
giado em ações de divórcio e de alimentos. Essas leis processuais brasilei-
ras (CPC, Lei do Divórcio e Lei de Alimentos) existiam antes da Constituição
de 1988 e persistem como normas conformes à Carta. Nessas hipóteses,
há o deslocamento de competência como forma de compensação por
desigualdades, permitindo que a mulher ajuíze a ação de seu interesse no
local que lhe é mais favorável. (Ver no STF o RE nº 227.114/SP)

Esses são sujeitos processuais que podem em maior ou menor escala neces-
sitar ou depender da atividade instrutória do juiz, da elasticidade de seus poderes
na busca da prova. São pessoas e as pessoas é que merecem tutela, não apenas
os direitos.58
Atenta à realidade dos nossos dias, tratando de iniciativa probatória do juiz,
a profa. Ada Pellegrini Grinover destaca que: “a visão do Estado social não admite a
posição passiva e conformista do juiz, pautada por princípios especialmente indi­
vidualistas. O processo não é um jogo, em que pode vencer o mais poderoso ou o
mais astucioso, mas um instrumento de justiça, pelo qual se pretende encontrar
o verdadeiro titular do direito. A pacificação social almejada pela jurisdição sofre
sério risco quando o juiz permanece inerte, aguardando passivamente a iniciativa
instrutória da parte”.59

3.1  O que se pode denominar como ativismo (processual civil) e


como garantismo processual civil atualmente
Para se chegar a esse conceito, tem-se de passar os olhos sobre as obras
mencionadas ao longo deste artigo. Para Juan Montero Aroca, Adolfo Alvarado
Velloso, Glauco Gumerato Ramos e outros, o ativismo processual civil é o exces-
sivo papel do juiz no processo que, principalmente, determina a realização de
provas, além de intervir em outras atividades típicas das partes.
Basicamente, o juiz ativista viola o conhecido axioma latino iudex debet
judicare secundum allegata et probata a partibus, identificado com a proibição de
o juiz de ir além das alegações das partes e a proibição de o juiz de determinar a
realização de provas de ofício ou sem requerimento dos interessados.

58
CABRAL. O processo como superego social: um estudo sobre os fins sociais da jurisdição. Revista
de Processo, item n. 1, p. 347, referindo Cândido R. Dinamarco.
59
GRINOVER. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório. In: GRINOVER. A marcha
do processo, item n. 5, p. 81.

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Além disso, Juan Montero Aroca arrola manifestações que se alinham com o
ativismo, embora não se refiram estritamente à atividade do juiz, tais como o não
reconhecimento pelas partes de ser o juiz um terceiro e a classificação da “luta
processual” das partes como má-fé ou improbidade processual.
O garantismo processual civil — e diga-se “processual civil” porque o garan­
tismo processual penal pode e deve ter outro sentido — está posto como o inverso do
ativismo, devendo o juiz se manter alheio à delimitação do objeto do processo e na
definição do âmbito da prova como um espectador, sem interferir nessas atividades.
Com isso, o juiz preserva sua independência e a essencial imparcialidade.
Como dito acima, o garantismo seria caracterizado pela posição moderada
do juiz, com seus poderes limitados na atividade probatória e no impulso proces-
sual, com a revalorização do princípio dispositivo.
O garantismo, na palavra final do artigo do professor Juan Montero Aroca,
é a luta contra a publicização, nome que se dá ao fenômeno do século XX que se
caracteriza pelo favorecimento extremo do coletivismo a ponto de se suprimirem
direitos fundamentais das pessoas.60

4  A favor ou contra o garantismo? Ou a favor da terceira via da


cooperação e da democracia?
Não há pecado antidemocrático em alguém se posicionar contrariamente à
universalização da visão garantista no processo civil.
Do mesmo modo, não há perigo em outrem se opor à orientação social do
processo ou ao Direito Processual Social.
Uma e outra são visões parciais; uma e outra estão revestidas de nuances
políticas; uma e outra posição têm componentes ideológicos, de grupo ou gru-
pos, de categorias profissionais, estamentos ou até de classes sociais. O que se
deseja é um debate público que esclareça o mais que possa, expondo quais são e
de quem são os interesses que acompanham uma ou outra posição.
Como alertou Nicolò Trocker, a escolha somente deve ocorrer quando nos colo­
camos diante da “estreita perspectiva de uma rígida alternativa entre autoritarismo
e liberalismo”,61 que a rigor nem sempre existe. Em algumas situações processuais se

60
MONTERO AROCA. El proceso civil llamado “social” como instrumento de “justicia” autoritária. In:
MONTERO AROCA (Coord.). Proceso civil e ideología: un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince
ensayos, item n. 10, p. 165.
61
TROCKER. Il processo civile tedesco e quello italiano: loro basi storico-ideologiche. In: TROCKER.
Processo civile e Costituzione: Problemi de diritto tedesco e italiano, item n. 2, p. 8-9, especialmente
a nota 11, na qual destaca a posição de R. Schmidt, Prozessrecht und Staatsrecht. Noutra passa-
gem, o autor denomina o binômio aparentemente inconciliável de “rígido dualismo”.

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Direito Processual Social Atual – Entre o Ativismo Judicial e o Garantismo Processual 67

evidencia a possibilidade de coexistência das duas correntes ideológicas. Noutras é


possível dizer-se que o processo pode ser garantista, como nos litígios privados entre
partes equilibradas e direitos disponíveis e que admitam transação. Numa sociedade
complexa e em “tempos difíceis” as alternativas processuais ou procedimentais não
podem ser rígidas.
Há novas propostas teóricas em autores que identificam o “processo autori-
tário” com o inquisitorial e o “processo garantista” com o adversarial, aproximação
considerada imperfeita ou simplista, mas possível. Como alternativa intermediá-
ria, diante da incapacidade de solução dos modelos extremos, surge a proposta
de uma terceira via, pelo processo cooperativo, baseado nos princípios da boa-fé
processual, do devido processo e do contraditório, reexaminados e revalorizados.
Neste modelo, o órgão jurisdicional assume dupla posição, ora paritária, ora assi-
métrica.62 De modo similar se propõe um processo civil cooperativo, que sucede
ao isonômico e ao assimétrico, baseado o primeiro em uma “dupla posição do juiz
(paritária no diálogo, assimétrica na decisão) e o reforço das posições jurídicas das
partes conferem marca ao processo civil cooperativo, manifestando-se ao longo
de todo o formalismo processual”.63 Também há quem defenda um processo civil
democrático, justificado a partir da necessidade de o processo se abrir a novos
conteúdos e novos desafios, diante da premissa de que “os macro-modelos de
estruturação do processualismo científico (liberalismo processual e socialização
processual), centrados em dogmas do protagonismo (das partes e advogados ou
dos juízes), não conseguem resolver os problemas de eficiência e de legitimidade
dos sistemas normativos (extremamente complexos) da atualidade”.64
Essas novas propostas revelam a incapacidade do processo tradicional de
resolver os novos desafios processuais, que não se restringe ao binômio aparente-
mente inconciliável: autoritário x liberal. Deve-se, contudo, voltar ao garantismo.

4.1  Mas por que ser contrário a um garantismo processual universal?


Universalizar uma ou outra posição não é mais compatível com a fase atual
das nossas sociedades multifacetadas, complexas, multiculturais, multiétnicas. Se

62
DIDIER JR. Os três modelos de direito processual: inquisitivo, dispositivo e cooperativo. In: LEITE;
SARLET; CARBONELL (Coord.). Direitos, deveres e garantias fundamentais, item n. 3-4, p. 431-434.
63
MITIDIERO. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos, item n. 4, p. 101-103.
64
NUNES; BAHIA. Processo, jurisdição e processualismo constitucional democrático na América
Latina: alguns apontamentos. Revista Brasileira de Estudos Políticos, v. 101, item n. 4, p. 92. Ver tam-
bém: NUNES, Dierle. Processo liberale, sociale e democrático. Disponível em: <http://www.diritto.it>.

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no passado os socialistas diziam que as regras do direito eram incompreensíveis


para os pobres e para os operários, hoje as limitações são outras, hoje as incom-
preensões são para outros.
Há áreas do processo em que as desigualdades entre os sujeitos parciais
são de menor expressão ou não interferem no resultado processual, podendo
ser desprezadas. Em outras, as diferenças são mais aparentes, não devendo ser
negligenciadas.
Propusemos uma reclassificação na Teoria Geral do Processo que observasse
essas diferenças, considerando a maior ou menor necessidade de intervenção da
força do juiz-Estado:
a) Processo para defesa dos interesses públicos ou do Patrimônio Público:
a-1) Direito Processual Constitucional; a-2) Direito Processual Eleitoral;
a-3) Direito Processual Ambiental; a-4) Direito Processual Administrativo
(Direito Processual Público); a-5) Direito Processual Tributário;
b) Processo para defesa de interesses individuais privados: b-1) Direito Pro­
cessual Civil; b-2) Direito Processual Comercial ou Empresarial;
c) Processo para defesa de interesses individuais privados especiais (Direito Pro­
cessual Social): c-1) Direito Processual do Trabalho; c-2) Direito Processual
Agrário; c-3) Direito Processual Previdenciário e Assistencial Social; c-4)
Direito Processual do Consumidor; c-5) Direito Processual da Infância e
Adolescência; c-6) Direito Processual dos Idosos; c-7) Direito Processual
Acidentário e de Portadores de Deficiência.
No grupo do Processo para defesa dos interesses públicos ou do Patrimônio
Público, o Direito Processual Civil serve de instrumento ao exercício da jurisdição
civil em toda a sua extensão, seja para defesa do patrimônio do Estado, seja para
defesa de interesses gerais, neles incluídos o ramo constitucional, o administrativo,
o tributário etc. Contudo, tem-se nesse ramo do direito processual uma postura
diferenciada para aplicação das regras processuais; orienta-se por princípios influen-
ciados pelo direito público e a atuação das partes e do juiz sofre influência da
natureza dos direitos litigados. Assim: ora “protege” o patrimônio estatal que deve
ser de todos, ora “defende” a cidadania contra o gigantismo da força processual
estatal.
O grupo do Processo para defesa de interesses individuais privados se carac-
teriza pela transigibilidade dos interesses materiais litigados, que influenciam as
leis de processo, trazendo a elas uma maior disponibilidade das regras, desde a
demanda, o impulso oficial, a iniciativa probatória, a amplitude do objeto de prova,

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Direito Processual Social Atual – Entre o Ativismo Judicial e o Garantismo Processual 69

as regras e a extensão dos recursos.65 Aqui o processo pode ser garantista, no sentido
reclamado por Montero Aroca, pois se está diante de partes que, em geral, são
equiparadas, assim como diante de direitos disponíveis.
No grupo do Processo para defesa de interesses individuais privados especiais
(Direito Processual Social) caracteriza-se o Direito Processual Social pela presença
de interesses privados diferenciados, amparados por regras materiais e, também,
protegidos pelas regras processuais especiais. Nestes casos, o juiz amplia seus
pode­res tanto para a busca de provas quanto para a concessão de medidas urgen-
tes de ofício.
Por tal razão, essas distinções entre partes e situações jurídicas distintas, não
se pode pretender uma regra universal que imobilize o juiz sempre, em todos os
casos e pelos mesmos meios. Encontrada esta contradição, deve ser feita uma
distinção necessária.
Universalizar o garantismo corresponderia, a essa altura, permitir uma apli-
cação plena do princípio dispositivo e a mitigação do princípio inquisitivo, que não
tem precedente conhecido.66 Devis Echandía, ao tratar do tema sob a ótica da
legislação colombiana, afirma que podem harmonizar-se o critério liberal com as
convicções sociais e, com igual razão, pode ter-se um processo civil também social,
que cumpra a função do interesse público.67

4.2  E por que se dizer a favor do Direito Processual Social em


sociedades com desigualdades complexas e multidimensionais?
A possibilidade de manter uma posição própria e nacional sobre o Direito
Processual Social se deve à existência de grupos ou conjuntos sociais que mere-
çam atenção diferenciada da lei processual (e material). Os pobres da Europa dos
anos 1940 não são mais os únicos merecedores de atenção especial do direito; os
frágeis de então não são os frágeis de agora, aqui!
Os tempos já são outros, mas as desigualdades se mantêm, tendo se tornado
desigualdades complexas e multidimensionais.68 São variadas as suas desigualdades

65
GUEDES. Direito processual social no Brasil: as primeiras linhas. Revista Latinoamericana de Derecho
Social, n 2, item IV, p. 67-81; Revista de Processo, n. 142, item n. 4, p. 148-160.
66
Ver: CAPPELLETTI. Iniciativas probatorias del juez y bases prejurídicas de la estructura del proceso.
In: CAPPELLETTI. La oralidad de las pruebas en el proceso civil, p. 111-135.
67
DEVIS ECHANDÍA. Política social en la justicia civil. In: DEVIS ECHANDÍA. Estudios de derecho procesal,
cap. V, item n. 6, p. 213.
68
As desigualdades complexas ou multidimensionais de modo geral estão associadas à pobreza,
que cria desnível ou déficit nos demais campos ou atividades vitais, atrasando a saúde, a edu-
cação, o conhecimento cultural, a comunicação, a instrução técnica etc. Exemplos podem ser

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e elas são capazes de influenciar no processo. Na tese antes indicada,69 classificamos


as desigualdades em várias categorias, que superam a exclusividade da desigualdade
econômica, tida ainda como a categoria mais importante a merecer atenção e pro-
teção social, mas não a única.

a) Desigualdades sociais (individuais e de grupos) – as desigualdades sociais


podem englobar as demais desigualdades ou delas serem resultado, pois
os reflexos nas posições sociais decorrem da riqueza, da capacidade, do
conhecimento, sendo difícil a sua separação das demais.70 Tende-se a asso-
ciar o conceito de desigualdade ao de pobreza, com conotação mais pró-
xima à economia. Mas pobreza é conceito teórico relacionado aos níveis e
profundidade da carência nas sociedades ocidentais modernas, de cunho
econômico mais que sociológico, mesmo que seja usado por igual e quase
sem distinções entre economistas, sociólogos e antropólogos.71 Sabe-se
também que a desigualdade é um fenômeno sociológico universal72 que
pode atingir um indivíduo, alguns indivíduos ou grupos.73
b) Desigualdades econômicas – a pobreza é conceito teórico do século XIX
que se transferiu à teoria da carência, vista como insuficiente à definição
dos desequilíbrios em sociedades complexas, nas quais a avaliação da
pobreza passou a ser medida por índices que não expressam a existên-
cia de grupos excluídos, tais como desempregados ou outros grupos, de
diferentes raças ou etnias, de diferentes idades, de diferentes classes etc.74
c) Desigualdades educacionais ou instrucionais gerais – os desequilíbrios
na educação formal, na instrução elementar ou na própria instrução geral

muitos, mas um é a feminilização da pobreza, que associa a liderança doméstica de lares pobres
àqueles conduzidos por mulheres, fazendo convergir duas condições de trato desigual e mere-
cedoras de compensação: a condição feminina e a pobreza. Mas há muitos outros que podem
associar múltiplas condições de déficit como a baixa instrução escolar, a pobreza, a integração
de minorias indígenas ou de imigrantes, comuns em agricultores latino-americanos, por exem-
plo. O acesso ao crédito, a participação política, a luta processual por direitos são obturadas se
não forem criados pelo Estado mecanismos de equiparação para essas pessoas ou grupos sociais
(GUEDES. Igualdade e desigualdade no processo civil: o processo como técnica compensatória de
desigualdades sociais, item n. 8.4.2).
69
GUEDES. Igualdade e desigualdade no processo civil: o processo como técnica compensatória de
desigualdades sociais, item n. 11.1.1.
70
SEN. Desigualdade reexaminada, cap. 6, p. 147; neste ponto o autor expõe a relação existente
entre os diferentes tipos de desigualdade.
71
ARZATE SALGADO. Elementos conceituais para a construção de uma teoria sociológica da carên-
cia. In: CATTANI; DIAZ (Org.). Desigualdades na América Latina: novas perspectivas analíticas, p. 236.
72
RODRIGUEZ SOLERA. Sete grandes debates sobre a desigualdade social. CATTANI; DÍAZ (Org.).
Desigualdades na América Latina: novas perspectivas analíticas, p. 218.
73
FISS. Grupos y cláusula de igual protección. In: GARGARELLA (Comp.). Derecho y grupos desavan-
tajados, p. 145-146.
74
ARZATE SALGADO. Elementos conceituais para a construção de uma teoria sociológica da carência.
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criam desníveis que se refletem no direito. A dificuldade de comunicação


oral ou escrita, o analfabetismo, a distância dos meios de comunicação e
a incapacidade de plena troca comunicacional é também decorrente da
instrução deficitária ou ausente.
d) Desigualdades técnicas-jurídicas e gerais – é a desigualdade ou déficit
técnico associado a uma vulnerabilidade decorrente da carência ou ausên-
cia de conhecimentos de certa área do saber humano. O desconhecimento
técnico do direito, das leis, pode servir de exemplo. Anton Menger des-
crevia prejuízos próprios dos pobres pela ignorância de seus direitos, por
motivos óbvios de terem os de melhor posse maior interesse pelo direito,
além de cultura mais elevada; de modo geral os pobres sabem pouquís-
simo de seus direitos.75
e) Desigualdades culturais (étnicas, linguísticas etc.) – as desigualdade cul-
turais podem manifestar-se de diversas formas. Will Kymlicka ao tratar do
multiculturalismo sugere que “precisamos ir além do nível dos pronun-
ciamentos retóricos, e examinar a forma como o multiculturalismo real-
mente funciona, i.e, que tipo de demandas estão sendo feitas por grupos
minoritários; [...] como elas causam impacto nos direitos e nos recursos de
diferentes pessoas dentro e fora do grupo, e assim por diante”.76
f ) Desigualdades político-institucionais (Estado e seus órgãos) e as desi-
gualdades político-ideológicas de grupo (Partidos Políticos, Associações
e Sindicatos) – são dadas em função do interesse público ou dos inte-
resses sociais protegidos por determinadas instituições públicas e iden-
tificados os elementos aos quais se atribui relevância. Embora algumas
instituições públicas ou privadas não sejam econômica ou culturalmente
frágeis, concede-se a elas diferenciados poderes, isenções, benefícios ou
direitos de modo a estender, indiretamente, a certos sujeitos sociais por
elas representados, alguns privilégios compensatórios.

Por certo, outras desigualdades podem ser acrescentadas, desdobradas ou


detalhadas para melhor compreender as situações múltiplas que disso decorre.
Por razões variadas essas desigualdades apresentam-se com denominações diver­
sas, tais como: pobreza, miserabilidade, exclusão, vulnerabilidade, desvantagem,
déficit, deficiência, desequilíbrio, assimetria, desproporcionalidade, inequitatividade,
discriminação, desequiparação, desfavorecimento, marginalização, diferença, multi-
culturalidade etc.
Todas querem dizer, em toda ou em alguma medida, desigualdade.

MENGER. El Derecho Civil y los pobres, cap. VIII, p. 137-139.


75

KYMLICKA. Multiculturalismo liberal e direitos humanos. In: SARMENTO; IKAWA; PIOVESAN (Coord.).
76

Igualdade, diferença e direitos humanos, p. 220.

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72 Jefferson Carús Guedes

4.3  Escalas e tons de um Direito Processual Social no Brasil,


nestes tempos
Há variadas escalas de dispositivos que permitem tratamento diferenciado
a partes menos ou mais favorecidas, por um ou por outro componente natural,
cultural ou social.
Niceto Alcalá-Zamora y Castillo, em trabalho republicado em seus Estudios
de Teoría General e Historia del Proceso, afirma que seria fácil mostrar uma série
importante e variada de dispositivos postos a serviço da finalidade de proteção
dos fracos em sentido jurídico.77 Deve ser verdade para outras legislações, mas
esse não é o objeto dessa exposição.
Piero Calamandrei, em seu Instituciones de Derecho Procesal Civil destacava
o “caráter social do novo processo e o novo significado do princípio da igualdade
das partes”, que, segundo o Relatório Grandi, baseava-se na aproximação do povo
da Justiça, de um processo mais popular e acessível às pessoas humildes, caracte-
rísticas consideradas indeterminadas ou genéricas. Para o autor, as características
mais díspares eram a tendência de simplificação das formas, a concentração, a
clareza das disposições, a imediatidade entre juiz e partes, e a nova concepção
da igualdade das partes, que no modelo anterior não passava de um enunciado
teórico.78
Na legislação brasileira atual são muitas as situações “postas a serviço de
atenuação das desigualdades processuais”. Exemplos dessa natureza estão perdi-
dos em normas de maior ou menor impacto, de variadas épocas, com valor geral
ou especial, subsumidas em regras de direito material civil, trabalhista, ambiental
ou agrária.
Tudo revela a força assistemática das proposições e o caráter somente con-
ceitual e político que as classifica como normas de um pretenso Direito Processual
Social.
Em tese de doutoramento, na qual foi tratado o tema da Igualdade e desi-
gualdade no Processo Civil: o processo como técnica compensatória de desigualda-
des sociais,79 foi feita uma tentativa de classificação desses instrumentos, nas leis
processuais brasileiras, dividindo em três técnicas ou formas: a) técnicas ou insti-
tutos compensatórios; b) procedimentos especiais [compensatórios]; c) juizados
especiais [compensatório]:

77
ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO. Causas y efectos sociales del derecho procesal. In: ALCALÁ-ZAMORA
Y CASTILLO. Estudios de teoría general e historia del proceso, v. 2, n. 5, p. 145.
78
CALAMANDREI. Instituciones de derecho procesal civil: según el nuevo Código, cap. 3º, §62, p. 342.
79
GUEDES. Igualdade e desigualdade no processo civil: o processo como técnica compensatória de
desigualdades sociais.

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As técnicas ou institutos processuais possuem natureza compensatória de


desigualdades, mas encerram-se em si, sem serem capazes de influenciar
ou modificar integralmente um procedimento.
Por razões lógicas, foram divididas em técnica propriamente compensa-
tória, por servirem exclusivamente à finalidade original de regra de com-
pensação de desigualdades, e técnica excepcionalmente compensatória
por servirem ordinariamente a uma finalidade original sem ser regra de
compensação de desigualdades, mas que se podem tornar técnicas com-
pensatórias de desigualdades.
São compensatórias para os fins deste trabalho: a) a assistência judiciá-
ria gratuita (assistência jurídica, assistência judiciária e a gratuidade de
Justiça); b) as alterações da distribuição e inversão do ônus da prova;
c) concessão de poderes dirigentes ao juiz; d) concessão de poderes ins-
trutórios ao juiz; e) legitimação extraordinária; f ) modificações de com-
petência; e g) equidade. São técnicas excepcionalmente compensatórias
para os fins deste trabalho: a) tutelas diferenciadas; b) tutelas de urgência
(antecipada e cautelar); c) tutela específica; d) simplificação do processo
e do procedimento (sumarização ou abreviação, limitação ao formalismo
e ao “excesso de rito”); e) redução e simplificação ou alteração do sistema
recursal (efeitos); f ) oralidade, imediatidade e conciliação; e g) controle
da moralidade, do abuso do processo e da má-fé e do comportamento
processual indevido.
Os procedimentos especiais têm a característica de somarem técnicas iso-
ladas e transformarem por inteiro um procedimento especial em uma
técnica compensatória. Por esse procedimento dá-se tratamento diferen-
ciado a pessoas ou grupos, com a finalidade de atender à peculiaridade
do direito litigado ou a singularidades dos sujeitos sociais envolvidos.
São procedimentos especiais de natureza compensatória: b1) procedi-
mentos dos juizados especiais (JECC e JEF); b2) procedimentos compen-
satórios em favor da Fazenda Pública; b3) outros procedimentos especiais
com natureza compensatória de desigualdades; b4) procedimentos espe-
ciais coletivos como sistema compensatório de desigualdades.
A natureza peculiar dos Juizados Especiais como sistema especial na Jus-
tiça Comum e de procedimento especializado é expressão orgânica e
funcional da natureza compensatória de desigualdades dessa nova estru-
tura judicial brasileira. Cria-se para o trato de questões simplificadas uma
verdadeira justiça à parte, com juízes, servidores, equipamentos, prédios,
sistemas diferenciados.80

Em síntese, afirmou-se que existem: a) técnicas processuais compensatórias


isoladas; b) procedimentos especiais compensatórios e; c) órgãos jurisdicionais
compensatórios (JECC, JEF, JEFP).

GUEDES. Igualdade e desigualdade no processo civil: o processo como técnica compensatória de desi-
80

gualdades, item n. 11.4.1.

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O que se nota é que tais normas protetoras ou compensatórias de desigualdades


se espalham por leis especiais, sem um tratamento orgânico ou sistemático e só assim
permitindo que se atribua, apenas como uma provocação acadêmica, a denomina-
ção de Direito Processual Social.
De forma pontual, alguns exemplos possuem maior organicidade, como
é o caso do “Sistema dos Juizados Especiais”, agora completo com a edição da
terceira e provavelmente última norma desse conjunto. Esses juizados são orga-
nizados nas três leis conhecidas: a) Lei nº 9.099/1995, Juizados Especiais Cíveis e
Criminais (JECC);81 Lei nº 10.259/2001, Juizados Especiais Federais (JEF)82 e c) Lei
nº 12.153/2009, Juizados Especiais da Fazenda Pública (JEFP).83 Por vários critérios
e princípios essas normas especiais correspondem curiosamente também a uni-
dades jurisdicionais próprias vinculadas, além dos procedimentos. Os Juizados
Especiais são também objeto de crítica em artigo recente do prof. Glauco
Gumerato Ramos, por afrontarem na sua “praxe local” as garantias do devido pro-
cesso, por ser “antirrepublicano, antidemocrático, um não processo”.84 Além de
impedir, as decisões dos Juizados Especiais, a uniformização própria das maté-
rias examinadas pelos Tribunais Estaduais, Tribunal do Distrito Federal e Tribunais
Regionais Federais.
Nessa perspectiva, de adaptação e diferenciação procedimental às deman-
das específicas de certos grupos sociais, tem-se de concordar com a criação de
procedimentos especiais que levem em consideração tais desigualdades, de
modo a atender com tutela adequada às necessidades processuais de tais sujeitos
ou de seus coletivos organizados ou não.
Ainda assim devemos lembrar sempre a observação de Niceto Alcalá-Zamora
y Castillo quando estabelece como critério a definição das características do pro-
cesso liberal e do processo autoritário, mais que suas vantagens, por considerar
esse passo inicial essencial à valoração de um ou de outro modelo.85

81
Órgãos da Justiça Comum dos Estados e do Distrito Federal (DF) criados para a conciliação de maté-
rias de menor complexidade e valor igual ou inferior a 40 salários mínimos (SM), entre particulares.
82
Órgãos da Justiça Comum Federal para a conciliação de matérias de menor complexidade e valor
igual ou inferior a 60 salários mínimos (SM) entre particulares e a União e alguns de seus entes de
administração indireta (autarquias, fundações e empresas públicas).
83
Órgãos da Justiça Comum dos Estados e do DF para a conciliação de matérias de menor comple-
xidade e valor de até 20 ou 60 salários mínimos (SM) a depender do ente federativo, entre parti-
culares e Estado, DF e Municípios ou alguns de seus entes de administração indireta (autarquias,
fundações e empresas públicas).
84
RAMOS. O processo civil gatopardista dos Juizados Especiais. Revista Brasileira de Direito Processual
– RBDPro, p. 37.
85
ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO. Liberalismo y autoritarismo en el proceso. In: ALCALÁ-ZAMORA Y
CASTILLO. Estudios de teoría general e historia del proceso, t. II, item n. 5, p. 252.

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Direito Processual Social Atual – Entre o Ativismo Judicial e o Garantismo Processual 75

5 Conclusão
Pensar-se em regras universais não faz mais muito sentido no Brasil, hoje,
quando se quer um processo cada vez mais “customizado” ou adequado à tutela
desejada pela parte. As razões podem ser muitas, mas aponto três genéricas.
Há um imenso campo de atuação do Processo Coletivo, no qual as regras e
princípios, tais como o princípio dispositivo e seus dois aspectos, não possuem res-
sonância tão alta, sendo guiado por outros princípios e para proteção de outros
interesses.86
Há uma extensa atuação processual do Estado,87 desconhecido e sem cor-
respondência na maioria dos países europeus continentais ou de tradição anglo-­
saxônica, que permitem o reconhecimento de um campo próprio do Direito
Processual Administrativo, como Direito Processual Público, ora com outorga de
poderes mais amplos ao juiz, ora com mitigação de garantias processuais estatais,
ora privilegiando o Estado, ora protegendo o cidadão da excessiva força proces-
sual estatal.88
Não há mais o velho Direito Processual Social dos pobres do século XIX e
do século XX, havendo sim novas e complexas dificuldades que mais exigem do
Estado e de seus agentes, sejam administradores ou juízes.
Reequilibrar partes com regras do processo, quando e se necessário, pode ser
tarefa estatal, seja pela outorga de direitos, seja pela compensação processual,89 se-
jam aos pobres ou desassistidos, negros, beneficiários de seguro social, adolescentes
em condição de risco, indígenas, mulheres, agricultores, desabrigados de catástrofes,
homossexuais e outras minorias, refugiados, detentos, imigrantes, desempregados,
doentes, acidentados, microempresários, sem-terra, deficientes etc.

86
ALMEIDA. Direito processual coletivo brasileiro, cap. 11, p. 560-579, especialmente o princípio da
máxima efetividade do processo coletivo, que corresponde à ampliação dos poderes do juiz (item
11.7.7, p. 576-577), baseado na opinião de Ada Pellegrini Grinover. Também: MACEDO JUNIOR.
Ação civil pública, o direito social e os princípios, YARSHELL; MORAIS (Coord.). Estudos em home-
nagem à Professora Ada Pellegrini Grinover, item n. 2, p. 294-296.
87
Diferentemente de outras repúblicas federativas (México e Argentina) temos apenas uma lei proces-
sual “nacional”, que se aplica a todos os litígios, sejam entre sujeitos privados ou entre estes e o Estado
(União, Estados, Distrito Federal, Municípios e os entes de cada um desses entes federativos), ao lado
de inúmeras leis esparsas que tratam de procedimentos especiais ou de incidentes processuais.
88
SUNDFELD. O direito processual e o direito administrativo. In: SUNDFELD; BUENO (Coord.). Direito
processual público: a Fazenda pública em juízo, p. 15-30, nas quais aponta as razões de conexão
entre o Direito Administrativo e o Direito Processual.
89
COUTURE. Algunas nociones fundamentales sobre derecho procesal del trabajo. In: COUTURE.
Estudios de derecho procesal civil, t. I, item n. 5, p. 275-276, onde descreve a sua ideia de igualdade
por compensação, feita por meio da criação de outras desigualdades.

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76 Jefferson Carús Guedes

Mas, além disso, tutelar não mais ou não apenas os direitos desses indivíduos
ou grupos de indivíduos, mas as pessoas e como pessoas, assim reconhecidas pela
técnica processual.

Resumen: El texto hace un abordaje de La origen de los rasgos ideológicos


del proceso civil en el largo del siglo XX. Por fin concluye sobre la necesidad
de pensarse el proceso civil bajo la perspectiva del llamado derecho procesal
social con la mirada de la actualidad.

Palabras-clave: Activismo. Garantismo. Proceso civil. Derecho procesal social.


Ideología.

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

GUEDES, Jefferson Carús. Direito Processual Social Atual: entre o Ativismo Judicial e o
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n. 82, p. 45-79, abr./jun. 2013.

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Ensaio sobre a argumentação do direito e a
boa-fé processual

Mariângela Guerreiro Milhoranza


Doutoranda em Direito pela PUCRS. Mestre em Direito
pela PUCRS. Especialista em Direito Processual Civil
pela PUCRS. Advogada. Professora da UCS/RS.

Camila Paese Fedrigo


Acadêmica de Direito da UCS – Bento Gonçalves/RS.
Pesquisadora do Grupo ALFAJUS (Alfabetização Ecológica,
Cultura e Jurisdição: uma incursão pelas teorias da decisão).
Estagiária da Procuradoria da Fazenda Nacional.

Resumo: A teoria da argumentação jurídica e a nova retórica compreendem


o discurso jurídico como um caso especial da argumentação prática. Nesse
sentido, a justificação das decisões tomadas através do poder discricionário
do juiz deve surtir eficácia social e ser composta de elementos como correção
e validade, eis que são essas as garantias que asseguram uma decisão justa.
Nosso estudo centra suas intenções no sentido de legitimar o princípio da
boa-fé através dos dois critérios anteriormente referenciados. Há também,
em nosso texto, uma tentativa de elucidação da maneira como os princípios
e regras moralmente aceitáveis positivam-se através de normas. De uma
análise doutrinária a uma análise jurisprudencial, inclusive com referências ao
direito comparado, o objetivo do texto divide-se em (i) fazer a diferenciação
do direito positivo e natural, (ii) diferenciar normas e princípios (iii) entender
como a moral contribui na aceitação e na eficácia jurídica de uma decisão ou
norma positivada.

Palavras-chave: Teoria da argumentação. Moral. Direito. Direito processual


civil. Direitos fundamentais. Direito positivo.

Sumário: I Introdução – II Situação histórica – III A relação entre Direito


Natural e Direito Positivado – IV A influência da moral na eficácia das normas
– V O direito como um sistema aberto de regras e princípios – VI A questão
da discricionariedade – VII A boa-fé no processo civil – VIII O sobreprincípio
da boa-fé processual – IX Conclusão

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82 Mariângela Guerreiro Milhoranza, Camila Paese Fedrigo

I Introdução
Os homens sempre viveram sob a égide de um ordenamento que os per-
mitisse viver em sociedade, desde que tornaram-se sedentários. Foi esse ordena-
mento natural que, positivado, deu origem aos códigos e às leis.
Entretanto, surgiu no mundo moderno, pós-guerra, uma nova “ciência” cha-
mada Teoria da Argumentação Jurídica que, aos poucos, mostrava ao povo que
não era possível conceber Direito sem moral. Mais do que isso, os expoentes mais
notórios dessa teoria, citados e parafraseados neste texto, comprovam que é jus-
tamente na moral que reside a justificação da vontade do legislador. Isto quer dizer
que não poderíamos considerar Direito uma lei injusta, que não fosse passível de
justificação através da moral.
O modelo processualista cível não poderia admitir, per se, critérios de cor-
reção e validade, principalmente por agir na esfera privada. No entanto, todas
as relações jurídicas passaram por uma referida constitucionalização, tornando
possível a aplicação desses critérios para que houvesse a validação das normas no
sentido de conferir se elas de fato surtiam eficácia social.

II  Situação histórica


Na Antígona,1 de Sófocles, aparece a presença do direito natural no Mundo
Antigo. Depois da morte de seu pai, Antígona retorna a Tebas e vê que seus irmãos
estão em litígio pelo trono. Batalhas se sucedem, mas a guerra não faz nascer um
vencedor. Destarte, Poliníce e Etéocles decidem partir para um combate singular,
cujo resultado é a morte de ambos. Quem herda o trono é o tio deles, Creonte,
que faz uma sepultura com todas as honras para Etéocles, e deixa Poliníce, con-
siderado traidor, onde caiu, proibindo qualquer um de enterrá-lo sob sanção de
pena de morte. Antígona, agindo de acordo com as leis dos deuses e contrariando
as ordens do tio, enterra seu irmão com as próprias mãos, pois quem morresse
sem os rituais fúnebres seria condenado a vagar cem anos pelas margens do rio
que leva ao mundo dos mortos.
O mito ilustra perfeitamente a existência de um direito natural, justo e supe-
rior às leis humanas. Na Idade Média, Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino,
expoentes do cristianismo e do direito natural, fizeram com que o direito natural,
divino, se sobrepusesse ao direito dos homens. O direito natural era um norteador
deontológico, medidor do fundamento moral das normas, que deveriam sempre
estar atreladas aos ideais religiosos pregados pelo cristianismo.

1
SÓFOCLES. Antígona. Tradução de Lawrence Flores Pereira. Rio de Janeiro: TopBooks, 2006.

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Ensaio sobre a argumentação do direito e a boa-fé processual 83

Com a Revolução Francesa2 e a emergência de Auguste Comte e seu positivismo


científico, passa-se a buscar a racionalização e a cientificidade de tudo que ocorria no
meio. É então que surge Hans Kelsen, no Direito, que separa a fé (a verdade univer-
sal) da ciência (a racionalização da verdade). É no contexto que se seguiu à Revolução
Francesa que vai surgir a escola da Exegese,3 em que a interpretação da lei se torna
objeto de estudos sistêmicos de notável finura, que correspondem a uma atitude ana-
lítica perante os textos segundo certos princípios e diretrizes: segundo Miguel Reale,4
sob o nome de “Escola de Exegese”, houve um movimento, transcorrido no século XIX,
que sustentou a lei positiva. Para tal escola, a lei era tida como a própria razão escrita,
o que tornou desnecessárias preocupações com o direito natural, a justiça ou a moral,
visto que a lei era, per se, o todo. Justificava-se a legitimidade do Direito não nas impli-
cações morais das suas características formais, mas sim na racionalidade formal.

III  A relação entre Direito Natural e Direito Positivado


Considerado metafísico e anticientífico, o Direito Natural foi empurrado
para a margem da história pela onipotência positivista do século XIX. A busca da
objetividade científica, com ênfase na realidade observável e não na especulação
filosófica, apartou o Direito da Moral e dos valores transcendentes. O Positivismo
comportou algumas variações e teve seu ponto culminante no normativismo de
Hans Kelsen.5
O silogismo judiciário exegético postulava que, estabelecidos os fatos, a
premissa maior devia ser fornecida pela regra de direito apropriada, a menor pela
constatação de que as condições previstas na regra haviam sido preenchidas, sen-
do a conclusão dada pela resolução do silogismo através da lei ao caso concreto.

2
Revolução Francesa é o nome dado ao conjunto de acontecimentos que, entre 05 de maio de
1789 e 09 de novembro de 1799, alteraram o quadro político e social da França. Ela começa com
a convocação dos Estados Gerais e a Queda da Bastilha e se encerra com o golpe de estado do 18
de brumário de Napoleão Bonaparte. Em causa estavam o Antigo Regime (Ancien Régime) e os
privilégios do clero e da nobreza. Foi influenciada pelos ideais do Iluminismo e da Independência
Americana (1776). Está entre as maiores revoluções da história da humanidade. A Revolução é
considerada como o acontecimento que deu início à Idade Contemporânea. Aboliu a servidão e
os direitos feudais e proclamou os princípios universais de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”
(Liberté, Egalité, Fraternité), frase de autoria de Jean-Jacques Rousseau. Para a França, abriu-se em
1789 o longo período de convulsões políticas do século XIX, fazendo-a passar por várias repúbli-
cas, uma ditadura, uma monarquia constitucional e dois impérios.
3
A escola da exegese, também conhecida como Escola filológica, em direito, é uma corrente de pen-
samento jurídico que floresceu no início do século XIX, a partir do Código Napoleônico. A escola da
exegese confirma que a interpretação deve ser mecânica, de acordo com a intenção do legislador.
4
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1965.
5
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 181.

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Em outras palavras, a aplicação da lei era mera subsunção — um raciocínio impessoal


que elimina a discricionariedade típica do juiz.
Gustav Radbruch,6 que chegou a ser um dos mais ferrenhos defensores do
positivismo jurídico durante a década de 1930, dava clara preferência ao direito
em caso de conflito com a justiça, “...pois é mais importante a existência da ordem
jurídica que a sua justiça, já que a justiça é a segunda grande missão do direito,
sendo a primeira, a segurança jurídica, a paz”. No entanto, é justamente ele que
mais tarde formula a tese de não poder ser considerada como direito uma lei fla-
grantemente injusta. Em um artigo em 1946, mais uma vez ele plasmou sobre o
assunto:

O conflito entre justiça e certeza jurídica pode ser bem resolvido do seguinte
modo: o direito positivo, assegurado pela legislação e pelo poder, tem priori-
dade mesmo quando o seu conteúdo é injusto e não beneficiar as pessoas, a
menos que o conflito entre a lei e a justiça chegue a um grau intolerável em
que a lei, como uma “lei defeituosa”, deva clamar por justiça.

Se a tese da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen estivesse exata, se a norma


jurídica não fosse mais do que um juízo hipotético, as normas se converteriam em
ações automáticas, a tarefa dos juízes seria limitada à simples análise lógica das
normas a que corresponde aplicar: os juízes agiriam como programas de computa-
dor. Lon Fuller mostra que, caso definamos o Direito pelo seu potencial coercitivo,
ou seja, pelo instrumento criado para realizá-lo, seria o mesmo que definir as ciên­
cias empíricas como o uso que elas fazem dos instrumentos de medir e provar.7
Mas não é assim, eis que o Direito tem uma estrutura aberta, e isso encon-
tra aporte tanto nas teorias positivistas como nas não positivistas. A legitimidade
da legalidade não pode ser explicada a partir de uma racionalidade autônoma
inserida na forma jurídica isenta de moral; ela resulta, em vez disso, de uma rela-
ção interna entre o direito e a moral, conforme ensinamento de Habermas.8 No
entanto, a legitimidade pode ser obtida através da legalidade na medida em
que os processos para a produção de normas jurídicas são racionais, num sen-
tido procedimental prático e moral e essa legitimidade da legalidade resulta do
entrelaçamento entre variados processos jurídicos e argumentações morais que
obedecem às suas próprias racionalidades procedimentais.

6
RADBRUCH, G. Introducción a la ciencia del derecho, p. 34.
7
La moral del derecho. México: F. Trillas, 1967. p. 123. Original inglês de 1964.
8
Direito e democracia: entre faticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. 2. ed. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003a. v. 1.

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IV  A influência da moral na eficácia das normas


O Direito era desde a Grécia Antiga, jus, e desde a Roma Antiga, prudentia.
Racionalidade, ou razão prática, é termo comumente usado para designar uma
opção prática ou ética, como, por exemplo, se devem ou não ir a determinado
lugar ou mentir para um conhecido. Pondera Robert Alexy:

Que um caso caia no âmbito de abertura do direito positivo significa que


o direito positivo não determina sua solução. Se o juiz estivesse vinculado
exclusivamente pelo direito positivo, poderia ele, sempre então, quando
os fundamentos jurídico-positivos acabam, solucionar o caso baseando-se
em suas preferências pessoais ou até jogando dados.9

Repetimos a orientação de Savigny de que os práticos do Direito deveriam


abandonar a tentativa de encontro de “uniformidades” nos casos de sua experiência
profissional, pois, dizia o jurista, tal empresa mostrar-se-á sempre infrutífera, dada a
inimaginável diversidade existente entre eles.10 Não há como se conceber, segundo
Manuel Atienza, que os casos difíceis11 possuam apenas uma resposta correta.
O racional e o razoável foram distinguidos: o que era racional, podia ser
descrito como aquilo que correspondia às relações necessárias, juntadas às ver-
dades evidentes, enquanto o razoável deveria ser aquilo influenciado pelas situa­
ções, pelo senso comum (topois12). A decisão razoável, no sentido perelmeniano,
seria aquela vinculada à equidade, e é dela que o Direito deve fazer uso. Tendo
que a razão prática que Perelman prescreve é a habilitação da racionalidade nas
discussões das questões relativas à moral e ao Direito, que tente significar algo
intermediário entre a razão teórico-científica e a pura e simples irracionalidade,
entende-se por óbvio que uma conexão fática necessária não é compatível entre
Direito e moral. Entretanto, sempre que o juiz usar de sua discricionariedade13 de

9
HECK, Luís Afonso (Org.). Direito natural, direito positivo, direito discursivo. Porto Alegre: Livr. do
Advogado, 2010. p. 118.
10
De la vocación de nuestra época para la legislación y la ciencia. Madrid: Aguilar, 1970. p. 64.
11
Um caso difícil é aquele que ocorre quando os fatos e normas relevantes permitem mais de uma
solução (antinomia); dois ou mais princípios colidem; não existe nenhuma norma aplicável (ano-
mia – lacuna), ou mesmo que exista a norma, e seja clara, seja injusta; e, finalmente, um caso é
difícil quando mesmo que exista um precedente judicial, considere-se necessário modificar.
12
Aristóteles chamava topoi ou “lugares comuns” a algumas verdades aceites que orientam os nos-
sos argumentos e as escolhas do dia a dia. Apesar de tudo, tais verdades podiam ser discutidas. Um
exemplo é a ideia de que se deve preferir um bem mais duradouro àquele que é menos duradouro.
13
Segundo Mello, “Discricionariedade é a margem de liberdade que remanesça ao administrador
para eleger, segundo critérios consistentes de razoabiildade, um, dentre pelo menos dois com-
portamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução

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modo correto, e sem abusos, ele fará uma conexão contingente entre Direito e
moral através da razão prática.
Um Estado puramente coator e totalitário não se importaria com a moral
do seu povo, e é nesse ponto que não haveria interesse da união de Direito e
moral. Um Estado sem fim social, priorizando o Direito patrimonial, é aquele que
quer desagregar a moral do direito. No exemplo do antepenúltimo parágrafo, a
vida sexual privada do casal não poderia ser posta em juízo, mesmo que um dos
cônjuges sofresse abuso constante, o que valeria era a “fama” destes perante a
sociedade. Ficaria, portanto, prejudicado o fim social do Estado (que hodierna-
mente é garantia Constitucional) e a pretensão de correção (validade) que deve
ser incessantemente buscada, a fim da eficácia social mostrada na aceitação das
leis pelos destinatários das normas.
A relação existente entre direito e moral pode definir-se, desde a perspectiva
habermasiana, como um entrelaçamento complementar — uma vez que a moral
é necessária como critério justificador no sentido de dar eficácia social às normas.
Não há resquício de subordinação hierárquica do Direito a respeito da moral, mas
sim uma comum participação na razão prática. Migra, portanto, a moral, ao inte-
rior do Direito, mas sem prender-se no Direito positivo. Dessa maneira, na medida
em que as normas jurídicas — que definem e organizam as regras do jugo coleti-
vo — permitem limitar a insegurança, a anarquia e o recurso à força, o direito se
aproxima de alguma maneira à moral.
Relendo-se a obra de Kant, notamos que a definição do Direito por ele ofe-
recida opera no campo do imperativo categórico e da regra moral, e harmonizava
as liberdades individuais e viabilizava a vida na sociedade civil, enquanto sua falta
privava o homem de sua liberdade. No fim das contas, a teoria do imperativo cate-
górico tentava explicar de um modo convincente para a razão a possibilidade do
dever e do ser sempre extraídos da lei. O Direito, portanto, em seus fundamentos
e em suas premissas normativas, relaciona-se intimamente com a ética, o que
conduz à superação do positivismo. Robert Alexy, pondo em foco essa discus-
são, de mais de dois mil anos, relembra o caso de Alcebíades, que, dirigindo-se
a Péricles, pergunta-lhe se a lei de um tirano que toma o poder usando a força
deve mesmo ser considerada uma lei. Se a lei é injusta ou imoral, ela não é Direito.
Desde o começo da existência do Direito, o gérmen da ideia dos direitos humanos

mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei
ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solu-
ção unívoca para a situação vertente”.

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estava aí, consoante ensinamento de Alexy,14 eis que é da concepção moderna


da moral e Direito que as fundamentações tradicionais se modificam para aten-
der as desigualdades entre os homens. Com a crescente mobilização do Direito,
agudizou-se a questão acerca das condições de legitimidade da legalidade. De
certo modo e com velocidade crescente, o direito positivo detona seus próprios
fundamentos de validade. A cada mudança de governo, novos interesses tornam-­
se maioria, atingindo, por exemplo, o direito tributário, da família ou do aluguel.
E, contrapondo-se paradoxalmente a esse movimento, existe outra tendência, a
qual, em nome de um direito moralizado, apela para o direito “correto” ou “justo”,
na forma de desobediência civil15 ou em questões de aborto, do divórcio, da pro-
teção do meio ambiente, etc. Isto também é fruto de razões sistemáticas — eis
que os princípios morais, procedentes do direito racional, compõem hoje em dia
o Direito pós-positivo. Por isso, a interpretação da Constituição assume cada vez
mais a figura de uma Filosofia do Direito,16 segundo Habermas.
O exercício da judicatura, na conjuntura atual, ainda está fundado no Direito
positivo. A solução de cada problema judicial, para os positivistas mais ferrenhos,
estará fundamentada, no máximo, na eticidade (ética da legalidade), não na mora­
lidade. No entanto, tem que ter-se claro que na solução da lide passa da solução
parcialmente indeterminada ditada no Código para a plenamente determinada,
que vai surtir efeito na vida das pessoas e na sociedade. Eis aí a necessidade de o
Direito ser justo.

O argumento da correção constitui a base dos outros dois argumentos,


ou seja, o da injustiça e o dos princípios. Ele afirma que tanto as normas e
decisões jurídicas individuais quanto os sistemas jurídicos como um todo
formulam necessariamente essa pretensão à correção. Sistemas norma-
tivos que não formulam explícita ou implicitamente essa pretensão não
são sistemas jurídicos.17

14
Ibid.
15
Desobediência civil é uma forma de protesto a um poder político (seja o Estado ou não), geralmente
visto como opressor pelos desobedientes. É um conceito formulado originalmente por Henry David
Thoreau e aplicado com sucesso por Mahatma Gandhi no processo de independência da Índia e
do Paquistão. É uma das formas de expressão do Direito de Resistência, sendo esta uma espécie de
Direito de Exceção que, embora tenha cunho jurídico, não necessita de leis para garanti-lo, uma vez
que se trata de um meio de garantir outros direitos básicos. Ele tem lugar quando as instituições
públicas não estão cumprindo seu fiel papel e quando não existem outros remédios legais possíveis
que garantam o exercício de direitos naturais, como a vida, a liberdade e a integridade física.
16
A Filosofia do Direito é o campo de investigação filosófica que tem por objeto o Direito. Ela pode
ser definida como o conjunto de respostas à pergunta “o que é o direito?”, ou ainda como o enten-
dimento da natureza e do contexto do empreendimento jurídico.
17
MAcCORMICK, Neil. Coherence in Legal Justification. In: KRAWIETZ, E. et al. (Ed.). Theorie der
Normen: Festgabe für Ota Weinberger Zum 65. Geburtstag. Berlín: Duncker und Humblot, 1984.

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O Terceiro Reich Nazista tinha leis próprias, que embora esdrúxulas, eram
plenamente cumpridas pelos soldados e parte da população, aliás, mais do que
cumpridas, eram exaltadas. Na época, plasmava-se que “a vontade do Führer e a
lei são a mesma coisa” e Adolf Hitler declarou-se aos promotores prussianos “juiz
supremo do povo alemão”. Possuía ele, entre outros poderes, o “direito” de revogar
processos criminais e de suspender os direitos civis. Com esses poderes, iniciou a
política de segregação racial.18 O comissário de Justiça e Líder Jurídico do Reich
assim disse aos juristas em 1936:

A ideologia nacional-socialista é o fundamento de todas as leis básicas


[...], em face do nacional-socialismo não há lei independente. Ante qual-
quer decisão que tomardes perguntais a vós mesmos “Como decidiria o
Führer em meu lugar?”. Em toda decisão, perguntai “Será esta decisão com-
patível com a consciência nacional-socialista? [...]”.19

Fora estabelecida uma Corte Especial para o julgamento de crimes políticos


ou ataques contra o governo, que antes estavam sobre a jurisdição de tribunais
ordinários. Os advogados de defesa dos réus eram estrita e unicamente aque-
les aprovados pelo regime nazista. Logo em seguida, foi criada a Corte Popular,
um dos tribunais mais temidos e arbitrários daquela época, que julgava os casos
específicos de traição, antes julgados exclusivamente pela Suprema Corte. Essas
Cortes eram sempre compostas por funcionários ou membros do partido nazis-
ta, nomeados pelo Führer. Como era de esperar-se de um regime totalitário, os
processos terminavam rapidamente, e muitos dos réus sentenciados recebiam a
pena capital.20
Claramente, denota-se dos três parágrafos acima trechos de um sistema de
justiça claramente injusto (e também amoral). Perceba-se que a moralidade não
se liga ao sentido íntimo do que se acha certo ou errado, mas é um senso comum
(topoi) do que é correto. A jurisprudência alemã aplicou a fórmula de Radbruch
(Antijuridicidade extrema não é Direito21) à antijuridicidade nacional-socialista. A
moralidade abarcada pelo Direito é essa, a mesma salvaguardada pelos direitos
fundamentais, que se encontram no artigo 5º da Constituição Federal de 1988.22

18
COTRIM, Gilberto. História global Brasil e geral. São Paulo: Saraiva. Volume único.
19
Colour of War (As Cores da Guerra). Documentário com vídeos em cores da Segunda Guerra
Mundial e relatos de soldados e civis. Apresentado na TV Escola. 2009.
20
PEDRO, Antonio; CÁCERES, Florival. História geral. São Paulo: Moderna. (Série Sinopse).
21
ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2010. p. 32.
22
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...]

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Ensaio sobre a argumentação do direito e a boa-fé processual 89

Émile Durkheim23 afirma que as relações normativas da sociedade são


primordialmente morais. Daí depreende-se que as normas já têm seu conteúdo
moral desde a elaboração. As normas já levam (ou deveriam levar) em conta
os dilemas reais, e é para dirimi-los que são criadas e, portanto, forçá-las a abarcar
a moral seria insistir na redundância. Para Kelsen,24 entretanto, o direito não tem
de representar um mínimo moral, já que aqui não se trabalha mais com a ideia de
conteúdo. Mas como pode o direito não tratar de conteúdo, se a solução da lide
trata do futuro da vida das pessoas?
Conceitualmente, o que conhecemos por lei é um conceito repleto de racio­
nalidade prática perelmeniana.25 O mínimo ético que resta passa de forma auto-
maticamente semântica da lei para a forma democrática da legislação vigente.
Vejamos o modelo da celebração livre de contratos, em que as ideias morais
são tidas como atos de entendimento empático. Por tal, Apel e Habermas suge-
rem tomar a própria argumentação moral como processo adequado para a for-
mação racional da vontade. Todos que se envolvem em práticas de argumentação
têm que pressupor, em princípio, todos os possíveis afetados, e que poderiam
participar, na condição de iguais e livres, buscando cooperar pela verdade, na
qual o melhor argumento é a única coerção válida. Há de se cuidar também com
aqueles que simplesmente distorcem o jogo da argumentação através de limita-
ções externas introduzidas sistematicamente.
É o direito, através da argumentação, o encarregado de barrar os excessos
do sistema político ou econômico, porque é ele que os regula e regula as expec-
tativas dos sujeitos no mundo da vida. Chama-se argumentação ao tipo de fala
em que os participantes tematizam as pretensões de validade que se tornam
duvidosas e tratam de aceitá-las ou recusá-las por meio de argumentos. Uma
argu­mentação contém razões que estão conectadas de forma sistemática com
as pretensões de validez da manifestação ou emissão problematizada. A força de
uma argumentação se mede num contexto dado pela pertinência das razões.26
Mesmo quando posicionados em pontos antagônicos, como se dá entre as
partes concomitante a seus advogados, deve-se observar a solidariedade exigida

23
GOLDMAN, L. Ciências humanas e filosofia. São Paulo: Ed. Difel, 1968. p. 27-70.
24
HECK, Luís Afonso. Jurisdição constitucional e legislação pertinente no direito comparado. Porto
Alegre: Livr. do Advogado, 2006. p. 124-126.
25
PERELMAN, Chain. Tratado da argumentação: a nova retórica. Tradução de Maria Ermantina de
Almeida Prado Galvão. Revisão da tradução Eduardo Brandão. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2005b. (Justiça e Direito).
26
HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia: entre faticidade e validade. 2. ed. Tradução de Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003a. v. 1, p. 138.

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pelo princípio ético de justiça, que impõe a observância do dever de veracidade,


isto é, o dever da boa-fé. Por não ser a lide jurídica apenas atividade do juiz, e sim
resultado de prestação jurisdicional de todos os sujeitos processuais, inclusive
autor e réu, há de se observar a máxima platônica: “não pode haver justiça sem
homens justos”.27

V  O direito como um sistema aberto de regras e princípios


Não há como se conceber o fenômeno jurídico como apenas a pura mani-
festação da lei. É necessário perceber também os princípios jurídicos, elementos
normativos veiculadores de especial carga normativa, como exara brilhantemente
J. J. Canotilho:

Princípios são normas que exigem a realização de algo da melhor forma


possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas. Os princípios
não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de “tudo ou nada”;
impõem a otimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em
conta a “reserva do possível”, fática ou jurídica.28

Robert Alexy, em seu livro Teoria dos direitos fundamentais, pondera que
regras e princípios são reunidos sob o conceito de norma, eis que ambos pres-
crevem o dever-ser: são eles expressões básicas do dever, da permissão e da proi-
bição. Dessa maneira, entende ele, ser a distinção entre regras e princípios uma
“distinção entre duas espécies de norma”.29
A Constituição e os demais códigos brasileiros começaram a ser vistos como
sistemas abertos30 de princípios e regras, onde as ideias de justiça e de realização
dos direitos fundamentais passam a ser os maiores anseios a serem alcançados —
as regras têm apenas função instrumental, com objetivo de dar segurança jurídica
ao sistema. De outra banda, os princípios, por trazerem normas mais abertas com
essa flexibilidade, oportunizam a realização da justiça ao caso em concreto. Os

27
NAILS, Debra. The People of Plato: a Prosopography of Plato and Other Socratics. [S.l.]: Hackett
Publishing, 2002.
28
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. 5. reimpr. Coimbra:
Almedina, 2008. p. 1255.
29
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madrid:
Centro de Estudios Constitucionales, 1993. p. 87.
30
Um conjunto normativo pode ser classificado de duas maneiras: 1. Se o corpo é dotado de ele-
mentos que permitem a flexibilidade e adaptação à riqueza da realidade, são abertos; 2. Se o
sistema fundar-se única e literalmente nas normas, sem admitir interpretações hermenêuticas,
será fechado.

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princípios estabelecem valores a serem preservados ou objetivos a serem buscados,


trazendo normalmente um conteúdo axiológico ou uma decisão política. Existe
moral porque somos seres que têm valor absoluto, não devendo ser tratados
como instrumentos. Existe moral, porque todo ser racional é fim em si mesmo e
não meio para outra coisa (o Direito é o meio). Existe moral porque as pessoas são
seres absolutamente valiosos. Como os seres são valiosos para si mesmos, eles
não têm preço, mas dignidade, e por isso, têm liberdade. E liberdade de agir com
boa-fé.
O princípio moral da boa-fé acaba fazendo-se presente na ponderação,
desem­penhando, portanto, papel de argumentação jurídica com validade moral,
sobretudo por ter pretensão de correção jurídica, no momento que é coerente
com os direitos fundamentais, assegurando a unidade do sistema jurídico e um
acesso justo a todos. Os direitos como a boa-fé, híbridos de direitos juspositivos
e direitos morais contêm eficácia social ou ao menos oportunidade de eficácia.
Passou de mero direito moral para direito “híbrido”, porque vez que não fosse
positivado, a busca pelo direito ficaria a mercê de sujeitos que não buscam, no
discurso, a pretensão de validade e correção. Nesse sentido, o direito passa a ser
compreendido como um complemento funcional da moralidade, compensando
seus déficits, chegando à conclusão de que um discurso, que gera as normas entre
os indivíduos calcado apenas na moral, não é capaz de garantir as pretensões de
validade do discurso, sendo necessário, portanto, atribuir ao direito o papel de
“meio” que estabiliza a tensão entre a faticidade dos procedimentos jurídicos e a
validade desses procedimentos na sociedade.
Dworkin31 demonstra que argumentos morais, éticos e pragmáticos desem­
penham um papel importante no processo legislativo, mas que devem ser real-
mente acionados através da reivindicação jurisdicional; portanto, crê numa certa
positivação da moral. O Estado, no caso da boa-fé processual, tornou-se neces-
sário não apenas como instância de imposição, mas também como instância de
decisão para a realização daquele direito. A Constituição possui um grau de hie-
rarquia externo, uma grande força de imposição e um conteúdo extremamente
importante, motivo pelo qual foi elencado o referido princípio no seu rol.
Entende-se, então, que pode haver o aperfeiçoamento do Direito dos se-
guintes modos: a uma, pela invalidação de uma norma e sua extinção, o que
normalmente ocorre quando há conflito de normas. A segunda alternativa é a
criação de uma nova norma pelo juiz, ou seja, os precedentes que, no Brasil, têm

DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio, p. 101 et seq.


31

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sido adotados notoriamente através das Súmulas Vinculantes do STF, repercussão


geral de recursos extraordinários, recursos especiais repetitivos, julgamentos das
demandas repetitivas.32
Dessa maneira, o “juiz não deve julgar segundo suas representações de valo-
res pessoais, mas deve seguir a ‘moral comunitária’, sob a qual ele entende a ‘mora-
lidade política, pressuposta pelas leis e instituições da comunidade’”.33
O princípio da boa-fé é extremamente heterogêneo: ele, mais do que um
princípio, é uma conduta. Essa conduta, na maioria dos casos, envolve facetas.
Assim, além do princípio da boa-fé, tem-se o direito de exigir a boa-fé, de reclamar
quando ela não é cumprida e de pedir a indenização quando não for. Ela é um
direito de exigir, mas também é um fazer. Ele é um princípio-conduta moral, mas
também atinge o âmbito patrimonial. No final, ele, além de princípio e conduta, é
regra — possuindo um espectro multicolorido axiológico, desvelando nitidamente
os valores ideológicos e jurídicos que condensa.

VI  A questão da discricionariedade


Enquanto os poderes Executivo e Legislativo são exemplos claros da sobe­
rania popular, no sentido de serem os atuantes nesses poderes escolhidos dire-
tamente pelo voto popular, indo ao encontro do único parágrafo do primeiro
artigo34 da nossa Carta Magna, o poder Judiciário faz valer aquele artigo através
da justificação argumentativa das suas decisões.35 Isso quer dizer, principalmente,
que o seu poder discricionário não é exercido sem limites. Não se deve (e nem
se pode) confundir discricionariedade com arbitrariedade. A primeira envolve a
ausência de um critério previamente delimitado no direito.
Dessa maneira, há no Direito um espaço que deve ser preenchido pelo intér-
prete autêntico, mas este deve manter-se dentro dos limites da moldura normativa.

32
O único problema é que essa mudança institucional não foi acompanhada por um rigor analítico
no julgamento dos casos, para que se possa determinar claramente qual o princípio ou regra foi
utilizado (holding ou ratio decidiendi), diferenciando de considerações feitas pelos julgadores que
não são necessárias para a decisão tomada (ober dicta), isso sem falar na necessidade de expor a
razão que levou à adoção de um juízo racional para que se crie uma exceção à regra geral fixada
por um precedente, tendo em vista uma nova circunstância fática (distinguish).
33
ALEXY, Robert. Direito, razão, discurso: estudos para a filosofia do direito. Tradução de Luís Afonso
Heck. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2010. p. 160.
34
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos
ou diretamente, nos termos desta Constituição.
35
Ideia desenvolvida inicialmente em conversa informal com o Procurador da Fazenda Nacional Dr.
Daniel Luis Dalberto, especialista em Direito Público.

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Sendo assim, não há como conceber apenas uma resposta correta para os casos
difíceis ou uma solução correta para a solução da lide. Postula Kelsen:

Dizer que uma sentença judicial é fundada na lei, não significa, na ver-
dade, senão que ela se contém dentro da moldura ou quadro que a lei
representa — não significa que ela é a norma individual, mas apenas que
é uma das normas individuais que podem ser produzidas dentro da mol-
dura da norma geral.36

Pontifica Hart:

O poder discricionário que assim lhe é deixado pela linguagem pode ser
muito amplo; de tal forma que, se ela aplicar a regra, a conclusão constitui
na verdade uma escolha, ainda que não possa ser arbitrária ou irracional.
A pessoa opta por acrescentar a uma série de casos um caso novo, por
causa das semelhanças que podem ser consideradas, quer como juridi-
camente relevantes, quer como suficientemente próximas. No caso das
regras jurídicas, os critérios de relevância e de proximidade da semelhança
dependem de fatores muito complexos, que atravessam o sistema jurídico
ou intenção que possam ser atribuídos à regra.37

Não podemos considerar o Direito atual como mera atividade de subsun-


ção, principalmente porque os conceitos empíricos que emanam das premissas
apresentam dúvidas acerca dos seus significados.
Richard Posner, iminente jurista norte-americano, afirma que “o direito é uma
atividade, mais do que um conceito ou grupo de conceitos”.38 Analisando esse
conceito, entende-se a posição do pragmatismo jurídico, que postula que os intér-
pretes do Direito, mais do que propriamente interpretar o Direito, dosariam as conse-
quências dessas decisões e das decisões alternativas. Pondera essa corrente que as
consequências na vida dos destinatários das normas é que deve nortear qualquer
julgamento. Nas palavras do célebre jurista brasileiro Luis Fernando Schuartz,

[o consequencialismo é] qualquer programa teórico que se proponha


a condicionar, ou qualquer atitude que condicione explícita ou implici-
tamente a adequação jurídica de uma determinada decisão judicante à
valoração das consequências [sociais, econômicas e de outras naturezas]
associadas a mesma e às suas alternativas.39

36
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 391.
37
HART, H. L. A. El concepto de derecho. Tradução de Genaro R. Carrió. Buenos Aires: Abeledo-Perrot,
1992. p. 140.
38
POSNER, Richard. Law, Pragmatism and Democracy. Cambridge: Havard University Press, 2004. p. 459.
39
SCHUARTZ, Luís Fernando. Poder Econômico e abuso do poder econômico no direito de defesa
da concorrência brasileiro. Revista de Direito Mercantil, São Paulo, n. 94, p. 130, 1994.

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VII  A boa-fé no processo civil


Moralmente, entre os deveres para consigo mesmos e para a comunidade,
avulta o da boa-fé em todas as relações inter-humanas havidas num cronotopos
dado. O princípio da boa-fé implica, por sua natureza, a fides no ordenamento
jurídico, matizando-o e, nas felizes palavras de Matilde Ferreira, “infundindo-lhe
a fertilizante seiva dos princípios éticos, dos valores sociais, dotando-o, assim, da
necessária flexibilidade, para manter sempre viva sua força e permitir a perma-
nente adaptação das normas às circunstâncias”.40 Daí, duas dimensões do dever
de boa-fé: uma subjetiva que vincula as intenções do agente ao entorno (boa-fé
subjetiva41); outra, aquela que se erige como “regra de conduta” (boa-fé objeti-
va42), implicadora dos deveres de confiança e de honestidade na participação da
vida comum.43
O Direito perspectivado como um produto cultural gera como subprodutos
culturais as relações contratuais que surgiram como metódica das proposições
que o capital vem empreendendo e com sucesso, desde o século XVI até os dias
atuais. A característica cultural do Direito está na relação dele com os mais variados
contextos, vale dizer, com o modo pelo qual se produz a riqueza e a pobreza tam-
bém, com os processos de divisão social, étnica, sexual e territorial. Certamente, o
princípio mais importante a (con)(in)formar a relação contratual está no princípio

40
MATILDE FERREIRA, D. La buena fe, el principio general en el derecho civil. Madrid: Monte Carlo,
1985. p. 292-293.
41
A boa-fé subjetiva revela-se ora numa dimensão psicológica, ora em uma ética. Na dimensão psi-
cológica há um desconhecimento da situação fática, por ignorância ou por erro de juízo, Fernando
Noronha adverte que [...] ou a pessoa ignora os fatos reais, desde que sem incorrer em erro crasso,
e está de boa-fé, ou não ignora, e está de má-fé. Mesmo quando ela ignore com culpa, continuará
de boa-fé, a menos que se trate de ignorância grosseira, caracterizando culpa grave (O direito dos
contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo:
Saraiva, 1994. p. 133). Na dimensão ética, a boa-fé do agente revela-se na convicção da prática de
ato legítimo isento de qualquer prejuízo ou dano ao outro; contudo, equivoca-se — sendo seu
erro desculpável —, aí implica-se uma valoração ética da conduta social do agente presumida-
mente de boa-fé, sendo subjacente o agir com cautela e diligência. A verificação da boa-fé, então,
tem por paradigma a cautela e diligência que as pessoas têm no trato de seus negócios.
42
Leciona o prof. Miguel Reale: “[...] a boa-fé objetiva se apresenta como uma exigência de lealdade,
modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa
ajuste a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e leal”
(A boa-fé objetiva. Estado de S. Paulo, 16 ago. 2003. Espaço Aberto, p. A2. Arquivo pessoal de notas).
43
O paradigma da boa-fé objetiva implica: “[...] uma atuação ‘refletida’, pensando no outro, no par-
ceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis,
seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem
excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento contratual e a rea-
lização dos interesses das partes” (LIMA, F. A. P. de; VARELA, J. de M. A. Código Civil anotado. 3. ed.
Coimbra: Coimbra Ed., 1986. v. 2, p. 3).

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da boa-fé. A boa-fé, aliás, constitui-se no núcleo duro das relações inter-humanas


e é justajacente à dignidade do humano.
No âmbito privado, o Código Civil a consagrou em várias de suas disposições
normativas v.g., art. 113, 187 e, especialmente, como está no art. 422: “os contratan-
tes são obrigados a guardar, assim como na conclusão do contrato, como na sua
execução, os princípios da probidade e boa-fé”. Boa-fé é um dever de comporta-
mento amparado na primazia da fides que exige da pessoa prudência e diligência
nas relações com o outro e com o coletivo. Quando se contrata, se contrata com
um objetivo por vir, vale dizer, se configura uma representação futura, imediata
ou mediata; o interesse que conforma essa representação deve corresponder o
mais possível à realidade; daí, a importante advertência de Santi Romano, quando
afirmava “a boa-fé domina [...] [a] atuação no sentido de um dever de apresentação
conforme a realidade, e não só de uma realidade genérica mas da aderente especi-
ficamente à causa do contrato”.44
A concepção de contrato acaba sendo uma concepção social do instrumento
jurídico, em que não importa apenas a manifestação da vontade, mas principal-
mente a repercussão dos efeitos daquele na sociedade. O princípio da boa-fé não
constitui um imperativo ético abstrato, mas uma norma que passa a condicionar e
legitimar todas as experiências jurídicas.
A boa-fé deve ser abordada desde duas dimensões: uma, subjetiva; outra,
objetiva. A primeira vinculada às condições psicológicas e envolve uma crença,
ou uma “aparência” da realidade intuída pelo agente, se pode localizá-la nos ar-
tigos 309, 686, 689, 1201, 1202, 1242, 1260, 1268 e §1º e 1561 do Código Civil. A
teoria da aparência é importante na tutela jurídica da boa-fé subjetiva, identifi-
cada ao interesse do agir com boa-fé ao lado da lei, também o direito pretoriano
assim o tem entendido.45 A segunda dimensão está na objetividade emprestada à
boa-fé, aí se incorpora o dever de lealdade ou confiança socialmente reconhecido,
está bem caracterizada nos artigos 161, 164, 180, 295, 363, do Código Civil; e, nos
artigos 4º, III, e 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor.
A boa-fé carrega consigo, geminado, o princípio da justiça contratual, e
não há aí qualquer contradição ou antagonismo, pois a pressupõe. Quando em
eventual colisão o interesse socialmente relevante, contido em um e outro prin-
cípio subjacente, será criteriosamente solvido pelo operador jurídico, com base
no princípio da proporcionalidade que incorpora a razoabilidade de uma decisão

BUONA FEDE. In: ROMANO, Santi. Enciclopedia del diritto. Milano: Giuffrè Editore, 1959. t. V, p. 683-684.
44

Cf., dispositivos normativos suprarreferidos, mais, STJ – Resp. nº 276025/SP, JBCC 189/361, DJ, 12 mar.
45

2001; RT, 785/181.

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solucionadora do antagonismo, pois deve prevalecer a igualdade material das


partes. Como dever e forte no princípio da justiça contratual, a boa-fé objetiva
implica três funções bem delineadas: (i) a função ativa; (ii) a função reativa; e, (iii) a
função interpretativa. Em (i) – função ativa – o que se verifica é a emergência dos
deveres acessórios, supletivos, que não se vinculam à vontade das partes — pois
o que vincula é a prestação principal derivada da relação com suporte na vontade
—, antes, são decorrentes da boa-fé em si. A doutrina, costumeiramente, entre
outros, refere-se aos de deveres de lealdade, de informação, de cooperação e de
segurança ou garantia. O dever de lealdade se mostra através do respeito aos prin-
cípios e regras que norteiam a honra e a probidade, implica fidelidade aos compro-
missos assumidos e revela-se como o núcleo duro de uma “relação de confiança”.46
O dever de informação ou de conhecimento é de fundamental importância, pois
colabora para evitar a incerteza do resultado, aliás, previamente ao Código Civil
de 2002, já estava disciplinado no Código de Defesa do Consumidor, com a pre-
visão de sanções ao fornecedor que eventualmente o descumpra, v.g., as regras
sobre a publicidade enganosa.
A boa-fé incorpora o valor ético da confiança. Representa uma das vias mais
fecundas de irrupção do conteúdo ético-social na ordem jurídica, e, concretamente,
o valor da confiança. A boa-fé supõe uma regra de conduta ou comportamento
civiliter, uma conduta normal, reta e honesta, a conduta de um homem comum,
de um homem médio. Aquele que detém informações, na relação contratual que
são ignoradas ou de algum modo desconhecidas por uma das partes, tem o dever
de fornecê-las, mesmo que tais informações lhe sejam prejudiciais.
O dever de informação, portanto, anda de mãos dadas com o dever de coope-
ração — que é aquele que exige das partes certas condutas necessárias para que
o contrato atinja seu fim, seu núcleo é o concurso teleológico na ação comum dos
contratantes, sendo que, em certos casos, esse concurso determine que a conduta
de uma das partes só beneficia a outra contratante. Sua vinculação ao dever de
informação está em que uma ativa cooperação exige o conhecimento real da situa-
ção que é objeto das negociações. Finalmente, impõe-se referir o dever de seguran-
ça ou garantia. Correlato do princípio da segurança jurídica, tem o dever de garantia
como finalidade assegurar a integridade dos bens, direitos ou serviços objeto das
relações contratuais. Em (ii) – função reativa – a boa-fé incorpora-se num instru-
mento de defesa regular e indireto, vale dizer, provoca oposição, aí, a arguição da

O professor Menezes Cordeiro leciona que a confiança “exprime a situação em que uma pessoa adere,
46

em termos de actividade ou de crença, a certas representações, passadas, presentes ou futuras, que


tenha por efectivas. O princípio da confiança explicitaria o reconhecimento dessa situação e a sua
tutela” (CORDEIRO, A. M.; ROCHA, A. M. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 1997. p. 1234).

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boa-fé objetiva como exceção, aponta para a possibilidade de defesa permitida


em caso de ação judicial injustamente proposta por um dos contratantes. As possi-
bilidades de reação utilizando-se a arguição da boa-fé objetiva são inúmeras. Uma
delas está no que a doutrina conhece como venire contra factum proprium, o que
se vê aí é a permanência da coerência que deve conformar a relação contratual.
Um exemplo esclarecedor nos dá o Código Civil no seu artigo 175,47 ao
deter­minar que o contratante que voluntariamente iniciou a execução de negócio
jurídico anulável, não pode mais invocar essa nulidade.48 Outra das possibilidades
está no que a doutrina conhece como dolo agit qui petit quod statim redditurus est.
É o caso da punição à parte que age com manifesto interesse de molestar a parte
contrária; portanto, age com dolo ao pedir aquilo que deve ser restituído.49 Aliás,
é importante lembrar que o dolo é a antítese da boa-fé objetiva, assim como o
contrário da boa-fé subjetiva é a má-fé.50 Finalmente, e não exaustivamente, po-
demos ainda vislumbrar entre as possibilidades de invocação da boa-fé objetiva,
o que a doutrina costuma denominar de tu quoque51 que se revela na ideia de
que a ninguém é lícito invocar normas jurídicas, que inadimpliu, pois, ninguém
pode adquirir direitos de má-fé; o exemplo clássico é o da exceção do contrato
não cumprido (exceptio non adimpleti contractus) que está prevista no artigo 476
do Código Civil.52 Finalmente, em (iii) – função interpretativa – atribuída à boa-­fé
revela-se autenticamente como instrumento de justiça contratual.53 Deflui de sua

47
Artigo 151 do Código Civil de 1916.
48
O adimplemento voluntário de negócio anulável implica em extinção de todas as ações ou exce-
ções que acaso dispusesse o devedor, pois esse opta por seguir certa conduta e não lhe é lícito,
posteriormente, surpreender a outra parte com tal mudança.
49
O exemplo usual é o de demandar por dívida já paga. Assim, determina o Código Civil que aquele
que demanda por dívida já paga fica obrigado a pagar ao devedor o dobro do que houver cobrado
(artigo 940 do Código Civil de 2002). É verdadeiro desdobramento do princípio do dolo agit, pois
pune o credor que propõe demanda contra o devedor por puro espírito de emulação, já que nada
mais tinha a receber.
50
BENATTI, F. A responsabilidade pré-contratual. Trad. A. V. Jardim e Miguel Caeiro. Coimbra: Almedina,
1970. p. 78.
51
Deriva de Tu quoque, Brute, fili mi? Até tu, Bruto, meu filho?, pronunciada por Julio César ao ser
assassinado em 44 a.C. (FERREIRA DA SILVA, C. W. M. Dicionário de expressões latinas. Porto Alegre:
SECOVI/AGADE, 2005. p. 188).
52
Se a parte não executou a sua prestação no contrato sinalagmático, não poderá exigir da outra
parte a contraprestação. Como poderia o inadimplente exigir da outra parte o cumprimento da
contraprestação se não prestou? Não poderá invocar a regra que descumpriu em seu benefício.
53
Francesco Messineo adverte que a justiça contratual determina que o contrato não deve destruir
o equilíbrio existente previamente entre os patrimônios dos contratantes, logo, cada uma das
partes deve receber o eqüipolente daquilo que haja dado (DIRITTO PRIVATO: TEORIA GENERALE.
In: Enciclopedia del diritto. Milano: Giuffrè, 1961. v. IX, p. 805). Jacques Ghestin, portanto, deduz
que, ao permitir a satisfação das necessidades dos contratantes, o contrato não pode afastar-se

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característica de cláusula geral acolhida pelo Código Civil de 2002. Por este motivo,
ao interpretar a lei ou o contrato de acordo com a boa-fé, o intérprete estará sem-
pre na busca da concretização ética das relações jurídicas, aplicando-se a norma
(princípios e regras) ao caso concreto, no sentido que melhor atenda à justiça
naquela determinada hipótese.54

VIII  O sobreprincípio da boa-fé processual


O Código de Processo Civil adotou a boa-fé processual, consoante denota-se
da leitura do artigo 14, II. O dispositivo em comento dispõe que as partes têm o
dever de expor os fatos sem alterá-los; que as partes não podem vir a juízo com o
fito de lesar o adversário, que as partes devem apresentar os fatos de acordo com
a ocorrência dos mesmos e, sem tentar, de forma ardilosa e artífice induzir a erro a
convicção do julgador. Sob esse enfoque, Ovídio Araújo Baptista da Silva,55 sabia-
mente, aduz que a boa-fé objetiva constitui muito mais do que um simples princí-
pio, constitui, em verdade, “o oxigênio sem o qual a vida do Direito seria impossível”.
A boa-fé objetiva pressupõe o dever de veracidade processual. Todavia, en-
tende-se que o processo judicial não é o meio hábil para se apurar a verdade real
e absoluta (como se fosse possível), e que na sentença o que se obtém é apenas
a verossimilhança.56 Destarte, referente acerca da questão da certeza, o filósofo

dos ideais de uma justiça comutativa (cf. L’utile et le juste dans les contrats. Archives de Philosophie
du Droit, Paris, n. 26, p. 47, 1981) dado que a incidência do princípio operará na relação contratual
em que uma das partes, por ser mais poderosa, possa impor seu conteúdo à outra, sendo irrele-
vante a natureza profissional ou não de seus partícipes (Op. cit., p. 48).
54
Pode-se afirmar que razões de boa-fé permitiriam que, excepcionalmente, o intérprete afastasse
a aplicação do texto frio da lei, construindo “o direito do caso”, atente-se, contudo, que esta cons-
trução na realidade é revelação do direito que se tira das relações inter-humanas dadas num crono-
topos determinado, já que o direito é um produto cultural que se atualiza permanentemente.
55
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 1º a 100. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 105.
56
É conhecido o momento retórico da decisão judicial: a sentença. Sua condição fundante está na
Constituição Federal, e está enucleada na lei processual no que trata da necessidade de indicação
dos motivos de fato e de direito que deram origem à decisão. Aí está, então, fixado o estigma (do
grego stigma, “picadura”, isto é, marca ou sinal no corpo — metaforicamente, a sentença “marca”
o corpo do juiz) do decidere, pois, ao se fazer a “picadura” o juiz analisando o conteúdo dos autos
“opta” (escolhe uma [ou duas, ou ...] entre varias possibilidades) por uma versão de resultado in-
terpretado, portanto, de conteúdo exegético (que, antes de tudo, é “relato”), que sua aculturação,
sua educação (no sentido mais amplo) e seus preconceitos lhe possibilitaram fazer... “fazendo”.
Por isso se lhe exige que “faça explícito” (daí, explicitar) em sua “mediação” (no sentido de inter-
por-se nos fatos contidos no processo) como ocorreram os fatos e desta forma como foi conduzida
à conclusão com a construção do incidere da norma jurídica aplicável ao caso. Em assim não sen-
do, emergem as condições para a manifestação das “nulidades”, excetuando-se as cargas subjeti-
vas, caso em que o decisum por déficit não se lhe adere por iniquidade, por isso mesmo, todas as

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Ensaio sobre a argumentação do direito e a boa-fé processual 99

decisões judiciais são aparatadas de requisitos semántico-lingüísticos para elidir eventual déficit.
Isto tudo garante que a “verdade” contida no processo, de “verdade” infunde pouco valor. Com o
que concordamos, em parte, com Carnelutti e em parte, com Jacinto Nelson de Miranda Coutinho
em seu artigo “Glosas ao “verdade, dúvida e certeza”, de Francesco Carnelutti para os operadores
do direito” (In: RUBIO, David Sánchez et al. (Coord.). Anuário ibero-americano de direitos humanos
(2001/2002). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 173-197). Não se pode falar de “verdade”, ou
mesmo de um “acordo de verdades”, contudo, rogata venia, não se pode falar de “certeza” como
escolha (como o faz Carnelutti). Todo o mecanismo utilizado no processo (processando...): os tes-
temunhos, interrogatórios, periciais e demais sememas jurídicos que vão induzir a decisão em si
mesma, traz implícita a semente da incerteza, do desparamento de juízos que vão dar lugar a
outros preconceitos detidos na sentencia; daí o “nullus” da verdade processual. Agora bem, se a
captura da “verdade” no processo é impossível, certamente, por conclusão simétrica, a negativa
de “justiça” é consequência. Logo é possível entender “justiça” (não como “poder” ou “instituição”)
mas como uma “câmara de compensação” (a semelhança de uma “clearing house”) onde os direi-
tos e os deveres, as pretensões e as exceções são os títulos (compensáveis). Daí ser importante ter
presente que a “verdade” (“inalcançável”) não pode ser atingida pelo processo; contudo, cuidado!
— isso não faz com que o processo não contenha “verdade”. Ele, o processo, é “verdade” no estrito
sentido de “conformidade das coisas com o conceito que delas forma a mente”. E aí, tem sede a
verossimilitude fática da sentença que formalmente atendeu os preceitos jurídicos e também os
transubjetivos acaso incidentes. Essa especial forma de “verdade” — o verossímil, que é um adje-
tivo que não repugna à verdade, que tem aparência de verdadeiro se mostra inteiro mas, oculta
seus determinantes, sua eficácia está na ilusão que provoca e na virtualidade que estabelece.
Agora, sobre a certeza (que trata Carnelutti), rogata maxima venia, não encontramos a raiz do
substantivo certeza (derivado do latim certu), no “cernere” latino, daí derivou o verbo em castelhano:
cerner (também cernir, mas pouco utilizado), que é, basicamente, separar; em português também
temos o verbo “cernir” e que também, expressa separar, até mesmo o latino cernere significa sepa-
rar (este separar é intencionado ao separar com a peneira a farinha do farelo, ou qualquer outra
matéria reduzida a pó, de sorte que o mais grosso fique sobre a tela, e o sutil caia no lugar desti-
nado para recolhê-lo. Em português temos o instrumento: a “cernideira” que é uma peça de ma-
deira sobre a qual se movem as peneiras da harina, na operação de peneirar). Seu uso transliterado
implica em atalaiar, observar, examinar. O mesmo do “discernir” (do latim discernere): isto é, distin-
guir uma coisa de outra, assinalando a diferença que há entre elas. O que é “separar” também.
Portanto, não podemos concordar que “certeza”, que implica uma significação distinta de “cernir”
ou “discernir”, significando claramente “o conhecimento seguro e claro de alguma coisa”, tenha
algo a ver com o significante: “escolher” (do latim ex e colligere). Certo que em sucessivas transli-
terações se pode agregar sentido denotando alguns significantes: assim, cernere, ao “separar”,
vale dizer, ao considerar isoladamente coisas que estavam juntas ou fundidas, a operação lógica
determina o plus da escolha, mas aí o ato é posterius. Portanto, o substantivo “certeza” emergente
do adjetivo “certo” proveniente do latim “certus” (conhecido como verdadeiro, seguro, indubitá-
vel) implica o significado de forma de assentimento decorrente de conhecimento que pode ser
demonstrado, o que é evidente, sendo, portanto, objetiva e subjetivamente suficiente. A “esco-
lha” está em “posteridade” frente a “certeza” que é prius, portanto, a “certeza” não “escolhe”, quando
muito “colhe”. “Colher” está no mundo dos fatos (asir, no sentido de agarrar, pegar; prender; empu-
nhar); já “escolher” está no mundo da cultura e é resultado de uma “ação intencional” de variante
extensiva, denota nossa participação volitiva num ato de querer um resultado de conteúdo inten-
sivo. O decisum então não deverá ser obtido por uma “certeza” que “escolhe”, ou por uma escolha
(certa) deliberada. Há uma presunção de certeza, mas não “a” certeza. Pois a bem da “verdade” (a
verdade do sujeito que pensa a verdade como coimplicação do “ser” no “deber-ser”, isto é, “ser-­
sendo-ser-devido”), por chaves interiores, inconsciente, o resultado eventualmente foi obtido por
manipulações probatórias ou por exercícios aprovantes de matriz meramente virtual, ou por vício
no momento da interpretação do direito a ser aplicado, o que aniquilaria com qualquer certeza,

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100 Mariângela Guerreiro Milhoranza, Camila Paese Fedrigo

alemão Gadamer57 advoga que “na verdade, há muitas formas de se ter certeza.
O modo de certeza proporcionada por uma certificação alcançada por meio da

ou não (?). O resultado pode haver sido obtido por uma clara manifestação idiossincrásica ou
ideológica vinculantes de estados inconscientes produtores de fantasias que intentam juridicida-
de. As contradições das sentenças são o resultado das contradições humanas, estão imersas e
saturadas do humano humanizante. Daí, a “verdade” que contém, nada mais reflete que uma ra-
zão de verossimilitude fática; tão só verossimilitude, vale dizer, probabilidade de certeza, ou com
aparência de verdadeiro. E aqui se estabelece, em nosso sentir, um dos maiores problemas ético-­
políticos no âmbito do direito: a indeterminação do erro nas sentenças judiciais, ao par com a
contingência dos órgãos estatais de jurisdição. A indeterminação e a contingência andam de
mãos dadas. Produzem incertezas e estão na base de todas as “teorías dos recursos judiciais”. São
por vezes invisíveis, mas eficazes. Estão implicadas nas contradições que o sistema normativo
social de vinculação compulsória estabelece àqueles neles inseridos. Estão no religioso, no esté-
tico, na moral, no jurídico, no político ou no económico, até mesmo na ciência. Não têm rosto mas
deixam sua “pegada” (ou vestígio) indelével naqueles marcados por elas, geralmente os despos-
suídos de toda sorte. Logo, as razões da propalada neutralidade e da proclamada “verdade” for-
mal (subjacente à “verdade” real) não podem ser tratados senão no contexto das contradições
que uma sentença possa encerrar. Por isso podem estar consteladas no erro e dele irradiar seus
efeitos (sub)vertendo a própria razão de ser da tutela jurídica a que se comprometeu o Estado de
Direito. Contudo, não olvidemos que, parafraseando Pontes de Miranda, se pode entender a sen-
tença como prestação do Estado, em virtude da obrigação assumida na relação jurídica proces-
sual (processo), quando a parte ou as partes vieram ao juízo, isto é, exerceram a pretensão à tutela
jurídica, tal explicação científica da necesitas cognocendi et judicandi satisfaz as exigências práti-
cas e teóricas. A toda evidencia, como discorre o pensamento pontiano, não se podendo saber
quem tem razão antes de proceder, in casu, a situação humana impõe que se fragmentasse o di-
reito material e o direito processual (formal), a que correspondem a pretensão e a ação de direito
material, de um lado, e, de outro, a pretensão de direito público, pré-processual, e a “ação”. O
Estado não rendeu-se à sua infalibilidade no julgar a ponto de fazer passar a coisa julgada mate-
rial como a incidência mesma da lei, nem as suas sentenças, todas, como sentenças justas. Há
concepções idealistas do Estado; ele, contudo, não é idealista, porque ele é fato, simplesmente
fato. O processo é todo encadeado para se chegar a seu fim: a sentença com a eficácia que lhe
agregue a natureza da ação e das circunstancias do processo. Cuidado! Não é o juiz que lhe con-
fere a eficácia segundo queira; é o direito processual, segundo a sua concepção da questão e da
sentença. Pontes de Miranda vai advertir que efeitos anexos e reflexos, que acaso tenham a sen-
tença, também dependem do que se passou; mas não seriam previsíveis pelos que só observas-
sem de dentro do processo e do interior da sentença. São efeitos que não são próprios e necessários
da sentença, posto que ela, dadas certas circunstâncias exteriores, os tenha de produzir. São efei-
tos que se vêm mirando-se do lado de fora para lá da sentença. Quando o juiz entregou a presta-
ção jurisdicional não os via, necessariamente, como poderia (pre-)ver a coisa julgada formal, a
coisa julgada material, a força ou o efeito constitutivo, a força ou efeito condenatório, a força ou
efeito mandamental, a força ou efeito executivo (cf. PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado das ações,
t. I, §33). Esta é uma visão cartesiana e empirista. É uma postura que o processo como instrumen-
to exige, reclama! Mas, não afasta a visão crítica (!), nem impede a desconstrução das decisões
judiciais frente a realidade em que se constitui o direito na sociedade pós-moderna. Daí, a cons-
cientização dos magistrados é importante frente a certo “daltonismo” emergente de (in)determi-
nadas convicções que distanciam, iníqua e falaciosamente o juízo em relação com o verosímil dos
fatos trazidos ao julgamento.
57
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I. Tradução de Flavio Paulo Meurer. Revisão da tradu-
ção por Enio Paulo Giachini e Márcia Sá Cavalcante Schuback. 5. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.
p. 321.

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Ensaio sobre a argumentação do direito e a boa-fé processual 101

dúvida é diferente dessa certeza vital imediata de que se revestem todos os


objetivos e valores da consciência humana, quando se elevam a uma pretensão
de incondicionalidade. Mas, com mais direito a certeza alcançada na própria vida
distingue-se da certeza da ciência. A certeza científica sempre tem uma feição
cartesiana. É o resultado de uma metodologia crítica, que procura deixar valer
somente o que for indubitável. Essa certeza, portanto, não surge da dúvida e
de sua superação, mas já se subtrai de antemão à possibilidade de sucumbir à
dúvida”. Assim, demonstra o filósofo alemão ter, no ponto em questão, reflexão
de notado legado cartesiano com sua distinguida noção de desconfiança versus
a integralidade de qualquer natureza de prejuízo, uma vez que para Descartes58
deve-se “evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção”, e, entendendo-se por
precipitação, segundo o próprio autor, “julgar antes de se ter chegado à evidência”.
Na prática, se observa a boa-fé processual quando há esforço das partes em
esclarecer todos os fatos relevantes atinentes à lide, expressando-se com clareza,
preservando os segredos profissionais, mesmo após a extinção do contrato.
Em “O problema da consciência histórica”, Gadamer59 faz alusão expressa
ao pensamento de Descartes ao afirmar que: “De fato, a certeza que se adquire
através da dúvida é fundamentalmente diferente daquele outro tipo de certeza,
imediata, que possuem os valores e os fins no âmbito da vida e que se dão à
consciência com uma pretensão absoluta. Há uma diferença decisiva entre esse
tipo de certeza que se realiza no seio da vida e a certeza das ciências. A certeza
obtida nas ciências possui sempre uma ressonância cartesiana: ela é resultado de
um método crítico”.
Retornando às assertivas acerca da boa-fé no direito processual, traz-se o
ensinamento de Darci Guimarães Ribeiro60 para quem: “Quando se exige da parte
no processo que sua conduta esteja calcada na boa-fé, isso equivale dizer que a
mesma deve agir em juízo com lealdade processual, com retidão e de maneira
proba”. Embora no cotidiano as pretensões de validade que ligam-se a cada ato
de fala são aceitas de modo ingênuo, tais pretensões devem ser problematizadas
no âmbito jurídico.

58
DESCARTES, René. Discurso do método. Tradução de Elza Moreira Marcelina. Brasília: EdUnb; São
Paulo: Ática, 1989. p. 37.
59
GADAMER, Hans-Georg. O problema da consciência histórica. Tradução de Paulo César Duque
Estrada. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 2003. p. 35.
60
RIBEIRO, Darci Guimarães. O sobreprincípio da boa-fé processual como decorrência do compor-
tamento da parte em juízo. In: ROCHA, Leonel Severo Rocha; STRECK, Lenio Luiz (Org.). Anuário
do Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo,
2003. p. 80.

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102 Mariângela Guerreiro Milhoranza, Camila Paese Fedrigo

IX Conclusão
No campo processual, só a análise dos fatos levaria à verdade. Mas quais
fatos seriam realmente verdadeiros, e não falsos?
A verdade processual nada mais é que a mescla entre a verdade processual,
os fatos e os acontecimentos comprovados, e uma nova verdade filosófica ligada
à linguagem e à argumentação, à narrativa, à subjetividade e ao convencimento
do Magistrado em relação aos fatos. Com as novas teorias retóricas, surge a neces-
sidade de uma norma que obrigasse os litigantes a trazer à lide tanto a verdade
processual quando a verdade real, mesmo que contrapostas. Significava dizer,
mais ainda, que o juiz teria o dever de buscar o esclarecimento dos autos, indo
além do proposto pelas partes.
No entanto, sabe-se que o papel do magistrado não é o mesmo de um pe-
rito que busca provas e confirma sua veracidade. Ao contrário, ele tem o dever
legal de, através da demonstração das partes e das provas por elas apresentadas,
decidir qual é a verdade processual.
O juiz, desde sempre, agia estritamente fundamentado pela legalidade. No
entanto, por muitas vezes, embora o magistrado soubesse da inverdade das pro-
vas apresentadas, ele obrigava-se a julgar estritamente com base nelas. Os autos
dos processos eram eivados de vícios, perdendo-se a verdade nas entrelinhas de
falsos testemunhos, perícias inexperientes e depoimentos falsos. Dessa forma,
a convicção do juiz, baseada estritamente na legitimidade pela legalidade, aca-
bava decidindo pela sentença injusta, mas legal. Com a insurgência da teoria da
argumentação jurídica e do sistema de regras e princípios, a moral começou a ser
abarcada pelo Direito Processual. Isso queria dizer, de modo geral, que o proce-
dimentalismo processual não poderia produzir eficácia jurídica se não agisse de
acordo com a moral da sociedade na qual viviam os destinatários da norma.
O Direito Processual passou por um longo trajeto em que começou, aos
poucos, a aceitar que só era eivada de correção e validade jurídica a verdade real.
E a verdade real só poderia ser provada se o Direito abarcasse a moral, eis que a
“honestidade” é um princípio moral, e não regra positivada.
No entanto, aos poucos, com o receito típico da magistratura pátria, aca-
bou-se por positivar o dever de agir moralmente frente o processo civil. E isso não
foi feito de uma hora para outra, ao contrário, somente depois da emergência
das garantias fundamentais de eficácia mundial o legislador pátrio começou a
indagar-se se códigos puramente patrimonialistas surtiriam efeito numa sociedade
pós-moderna na qual os direitos sociais dos homens passaram a sobrepor-se aos
direitos privados.

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Ensaio sobre a argumentação do direito e a boa-fé processual 103

A importância dos princípios reside precipuamente na sua força normativa,


de tal modo que são deles extraídos deveres (mandados de otimização) e fun-
ções — os princípios carregam em si valores fundantes do ordenamento jurídico
no qual operam. Não se pode olvidar que acredita-se na jurisdição estatal, pois
parece ser ela a mais apta a utilizar as técnicas e teorias de argumentação jurídica
para valorar a moralidade, enquanto ele mesmo é o órgão consultivo de maior
grau e melhor preparação.
O ordenamento pátrio, e o modo como o aplicador da norma entende o
legislador, é contraditório, entretanto. O mesmo poder judiciário que aceita os
precedentes na forma de súmulas vinculantes acaba tendo receio de calcar suas
decisões discricionárias apenas nos princípios. Certo é que a fundamentação atra-
vés de princípios é típica do sistema da commom law, e que a legalidade aponta
no sentido de uma certa segurança jurídica. No entanto, quando abre-se o espaço
dos precedentes judiciais no ordenamento pátrio na forma de súmulas e jurispru-
dências, não poderia ter tanta ânsia, o legislador, de positivar um mandado de
otimização como o princípio da boa-fé processual.
Parece a magistratura brasileira ter um infundado receio de não conseguir
fundamentar suas decisões judiciais de modo que realmente surtam efeitos na
sociedade civil. Entretanto, há de se tomar um grande cuidado na positivação dos
princípios, principalmente num mundo globalizado que não dá espaço a cons-
tituições e códigos retrógrados e no qual a maioria esmagadora da população
tem em mente e sabe quais são seus direitos inatos: devido à velocidade em que
muda a sociedade e os critérios morais, os critérios sociais e, principalmente, a
interpretação teleológica das leis, não haverá tempo, nem leis boas o bastante
que acompanhem e sejam atuais, no sentido de surtirem uma eficácia social que
seja aceita pelo povo como um Direito justo.
De qualquer forma, se no positivismo jurídico pleno os princípios tinham
uma função puramente garantidora dos textos legais, funcionando subsidiaria-
mente, servindo apenas como forma de integração de eventuais lacunas, agora
no neopostivismo, como chamamos no nosso estudo, a abrangência dos princí-
pios dá a eles um caráter apriorístico, eis que nele reside a garantia dos direitos
sociais do homem.
No entanto, percebe-se que a positivação dos princípios no ordenamento
pátrio segue a linha das legislações alienígenas, que os positiva através, princi-
palmente, de convenções internacionais aos quais determinados países sejam
signatários.
Uma sentença somente terá eficácia social se for moral — a decisão não
pode (e nem deve) ser baseada estritamente na legalidade positiva. Isto porque o

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104 Mariângela Guerreiro Milhoranza, Camila Paese Fedrigo

puro respeito à lei não garante a racionalidade da decisão, a uma pois pode ser a
norma irracional sua origem e a duas, porque o efeito que causa é o desequilíbrio
social. Entretanto, quando princípios são positivados na forma de normas, mais
ainda eles têm sua eficácia e segurança jurídica garantidas.

Resumen: La teoría de la argumentación jurídica y la retorica busca entender


el nuevo discurso jurídico como un caso especial de razonamiento práctico.
En este sentido, la justificación de las decisiones adoptadas por la discreción
del juez debe tener eficacia social y si consisten en elementos tales como
la corrección y validez, he aquí, estas son las garantías que aseguran una
decisión justa. Nuestro estudio se enfoca hacia la legitimación de sus inten-
ciones al principio de la buena fe a través de los dos criterios mencionados
anteriormente. Asimismo, en nuestro texto, un intento de dilucidar la forma
en que los principios y normas moralmente aceptable giro positivo a través
de las normas. A partir de un análisis doctrinal del análisis jurisprudencial,
incluyendo referencias al derecho comparado, el texto se divide en i) para
diferenciar el derecho natural y positivo, ii) distinguir entre reglas y principios
iii) entender cómo contribuye aceptación moral y los efectos jurídicos de una
regla de decisión o positivamente valorada.

Palabras-clave: teoría de la argumentación. moral. derecho. derecho procesal


civil. derechos fundamentales. derecho positivo.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

MILHORANZA, Mariângela Guerreiro; FEDRIGO, Camila Paese. Ensaio sobre a argumentação


do direito e a boa-fé processual. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo
Horizonte, ano 21, n. 82, p. 81-104, abr./jun. 2013.

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Um breve panorama sobre as tutelas de
urgência e de evidência no sistema do novo
Código de Processo Civil

Mauro Simonassi
Mestre em Direito Público, Estado e Cidadania
pela Universidade Gama Filho/RJ. Professor de Direito
Processual Civil na Faculdade de Direito de Ipatinga (FADIPA).
Juiz de Direito da Comarca de Ipatinga/MG.

Resumo: O presente estudo tem por objetivo proceder a uma análise das tu-
telas de urgência e de evidência no sistema no novo Código de Processo Civil
que se encontra em trâmite no Congresso Nacional (Projeto nº 8.046/2010),
fazendo-se um paralelo, em alguns pontos, com o Código de Processo Civil
vigente.

Palavras-chave: Tutela de urgência. Tutela de evidência. O acesso à justiça.


Procedimento. Medidas cautelares. Parte incontroversa. Novo Código de Pro-
cesso Civil.

Sumário: 1 Introdução – 2 Breve notícia histórica – 3 As tutelas de urgência


como extensão do direito fundamental ao acesso à justiça – 4 As tutelas
de urgência em alguns sistemas processuais alienígenas – 5 A proposta de
sistematização das tutelas de urgência – 6 O procedimento-base nas tutelas
de urgência – 7 A eliminação das medidas cautelares inominadas – 8 A tutela
de evidência – 9 Conclusão – Referências

1 Introdução
Não se ignora que, a cada dia, se criem mecanismos legais para agilidade no
julgamento da demanda, a ponto de se inserir a brevidade da duração do processo,
o que implica em celeridade, como garantia fundamental, segundo a regra inscrita
no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, introduzido com EC nº 45/2004,
que instituiu a chamada reforma do Judiciário.

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106 Mauro Simonassi

Nessa busca de justiça célere, encontra-se em trâmite no Congresso


Nacional, atualmente na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 8.046/2010,
que institui o novo Código de Processo Civil, cujo objetivo primordial é dar maior
celeridade e efetividade à Justiça, o que implicará em significativas mudanças no
sistema processual civil.
Entre as mudanças propostas inicialmente no Projeto de Lei nº 166/2010,
quando em trâmite no Senado, agora Projeto de Lei nº 8.046/2010, estão as tute­
las de urgência (arts. 269 a 286), gênero de cujas espécies se inserem a tutela
antecipada, chamada no Projeto de tutela satisfativa e a tutela cautelar.
Por seu turno, o Projeto trata como tutela de evidência aqueles casos que o
Código vigente consagra como de tutela de urgência, ou seja, quando haja abuso
do direito de defesa ou intenção protelatória manifesta do requerido, ou, ainda,
no caso de um dos pedidos ou parte dele se mostrar incontroverso.
Para o desenvolvimento do presente trabalho, em um primeiro momento,
passa-se em breve análise da origem das tutelas de urgência, insurgentes já no
direito romano, com menção ao Código de Processo Civil de 1939, até se chegar
aos dias atuais, sem incursões longas quanto ao aspecto histórico.
Noutro giro, não se perde de vista o foco das tutelas de urgência como
extensão do direito ao acesso à Justiça, erguida em firme cláusula pétrea no
art. 5º, inciso XXXV, como garantia Constitucional a propiciar a adequada tutela
dos direitos.
Em uma mirada breve foca-se a análise das tutelas de urgência em alguns
sistemas processuais alienígenas, mais precisamente, nos Códigos de Processo
Civil Português, Italiano, Espanhol e Alemão, agregando-se dados doutrinários
desses sistemas processuais.
Percebe-se no Projeto de Lei nº 8.046/2010 uma tentativa de sistematização
das tutelas de urgências, razão por que esse ponto mereceu análise, principal-
mente porque topicamente foram deslocadas as medidas de urgência para a parte
geral do NCPC, com a eliminação das medidas cautelares nominadas.
Não ficou de lado, a justificar tópico no presente trabalho, o aspecto proce-
dimental tratado no NCPC, já que as medidas cautelares nominadas guardavam,
sem a devida necessidade, modificações absolutamente desnecessárias, quando
na verdade bastava um procedimento cautelar padrão, com técnica suficiente
para tutela das situações de urgência.
Incursiona-se, ao final, sobre a tutela de evidência, em um primeiro momento,
em alguns pontos gerais e, a seguir, acerca da natureza da decisão quando se tra-
tar da tutela de evidência da parte incontroversa, dado a divergência que grassa
na doutrina acerca da natureza desse provimento jurisdicional.

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Um breve panorama sobre as tutelas de urgência e de evidência no sistema do novo Código de Processo Civil 107

2  Breve notícia histórica


As tutelas de urgência remontam ao direito romano antigo, e encontram-se
reguladas, na sua maciça maioria, nas Pandectas de Ulpiano, onde já se notava o
germe de seus requisitos ensejadores, sempre ligadas à ideia de plausibilidade
do direito e perigo de dano. Registra-se, ainda, a existência de providências de
urgência na Idade Média e Renascença.1
De outro lado, em Carnelutti já se fazia sentir o bafejo da tutela cautelar
como forma de garantir a efetividade do processo, embora, é verdade, ainda tra-
tado de modo incipiente, e, por que não dizer, com certo descaso da doutrina,
mas já se focava o processo cautelar como garantia a projetar-se no processo de
conhecimento e execução.2
As ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas também cuidavam da tu-
tela cautelar, porém regulavam apenas algumas medidas específicas, como regis-
tra Luiz Guilherme Marinoni, escudado em Alfredo R. Wetzler Malbrán e Héctor
Leguizamón, e se observa de suas palavras: “já as Ordenações tratavam da tutela
cautelar, regulando, entretanto, tão-somente medidas específicas”.3
No Código de 1939 nota-se a existência das medidas cautelares, conforme
registra Pontes de Miranda,4 mas também não se verifica uma distinção relacional
entre as medidas de urgência como gênero, e a medida cautelar e a antecipação
da tutela como espécies.
A tutela antecipada sem restrições a procedimentos específicos teve sua
introdução formal no Sistema Processual Brasileiro, na primeira onda de reforma
do CPC, havida em 1994/1995, com a modificação do art. 273, como registra José
Roberto dos Santos Bedaque em comento que vai adiante:

Com a alteração do art. 273 do Código de Processo Civil ampliaram-se,


sem dúvida, as oportunidades para concessão da tutela antecipada, que
pode ser requerida em qualquer hipótese submetida a procedimento
comum ou especial, não mais se limitando ao caos específicos anterior-
mente previstos.5

1
Nesse sentido, vide lição de José Roberto dos Santos Bedaque: Tutela cautelar e tutela antecipada:
tutelas sumárias e de urgências: (tentativa de sistematização), p. 32-33.
2
CARNELUTTI. Instituições de processo civil, v. 1, p. 205-206.
3
MARINONI. Tutela cautelar e tutela antecipatória, p. 44.
4
PONTES DE MIRANDA. Tratado das ações, v. 6, p. 360.
5
BEDAQUE. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgências: (tentativa de siste-
matização), p. 296.

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Não que não existisse antes. Na ação de reintegração de posse, a concessão


da liminar tem nitidamente caráter de tutela antecipatória,6 mas sua introdução
com possibilidade de aplicação ampla ocorreu com a reforma, muito embora o
Código de Defesa do Consumidor, instituído com a Lei nº 8.078/90, no seu art. 84,
mais precisamente §3º, já possibilitasse a antecipação da tutela para as obriga-
ções de fazer e não fazer.

3  As tutelas de urgência como extensão do direito fundamental ao


acesso à justiça
A necessidade do aprimoramento constante das leis processuais, inclusive
com a criação de mecanismos para tutelas de urgência, sempre tomando por
base nossa matriz Constitucional do processo, diante do anseio social por uma
justiça efetiva, aí incluída cognição e execução, não é um fenômeno unicamente
brasileiro, antes contrário, vem de fora e por ele é contagiado, como se verifica
das várias reformas ocorridas na Espanha, Alemanha,7 Itália8e Portugal,9 só para
citar algumas.
Falar em tutela jurisdicional efetiva, como extensão do direito fundamental
ao acesso à justiça, garantido pela Constituição Federal, no seu art. 5°, inciso XXXV,
só faz sentido tomando-se por base o direito material, com a criação de técnicas
processuais adequadas à tutela desse direito, de forma a garantir a efetividade do
processo.
Segundo Garcia Medina, o motivo que leva à criação de tutelas de urgência
é a necessidade de proteção do direito material. Eis o seu pensamento: “Como
se disse, estes princípios levam à instituição, pelo legislador, de procedimentos
que tenham a real aptidão de assegurar, com presteza, a eficácia dos direitos
materiais”.10

6
Alexandre Câmara, ao se referir à natureza da decisão que concede reintegração ou manutenção limi-
nar, assim arremata: “Trata-se de tutela antecipada” (CÂMARA. Lições de direito processual civil, p. 346).
7
Na Alemanha, a Lei de 27.07.2001, que entrou em vigor em 1º.01.2002, veio para reformar o
Código de Processo Civil Alemão (ZPO) de 1876, que entrara em vigor em 1º.10.1879, conforme
anota José Carlos Barbosa Moreira em comentário breve sobre a reforma processual civil alemã
[Temas de direito processual: (oitava série), p. 199].
8
A Itália também passou por reforma processual na década de 1990, conforme registra José Carlos
Barbosa Moreira [Temas de direito processual: (oitava série), p. 200].
9
Portugal passou por reformas na década de 1990, sendo as duas principais as do DL 329-A/95, de 12
de dezembro, e do DL 180/96, de 25 de setembro. Houve ainda a reforma do DL 183/2000, de 10 de
agosto, e, a última, a reforma dos DL 38/2003, de 08 de março, e DL 199/2003, de 10 de setembro,
principalmente o primeiro, que alteraram substancialmente o processo de execução.
10
MEDINA; ARAÚJO; GAJARDONI. Procedimentos cautelares e especiais: antecipação de tutela, juris-
dição voluntária, ações coletivas e constitucionais, v. 4, p. 32.

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Um breve panorama sobre as tutelas de urgência e de evidência no sistema do novo Código de Processo Civil 109

Colha-se, a propósito, a referência de Eduardo Cambi ao tema acesso à justiça,


como direito fundamental a tutela jurisdicional efetiva, e, segundo ele, se traduz
em parâmetro que deve ser perseguido pelo legislador e pelos magistrados. Assim
pontifica:

A percepção de que a tutela jurisdicional efetiva, célere e adequada é


um direito fundamental (art. 5º, inciso XXXV, CF) vincula o legislador, o
admi­nistrador e o juiz isto porque os direitos fundamentais possuem uma
dimensão objetiva, ou seja, constituem um conjunto de valores objetivos
básicos e fins diretivos da ação positiva do Estado.11

Na Argentina, no ano de 2012, já se desenhava um elo que liga o acesso à


justiça aos direitos humanos. Augusto M. Morelo, ao comentar sobre o direito e o
processo judicial civil, já traçava um paralelo entre a nova visão dos direitos huma-
nos e a tutela efetiva de todas as pessoas. Assim se expressa: “La nueva visión de
los Derechos Humanos y La tutela efectiva de todas lãs personas”.12
Nessa linha de direção, para Mauro Cappelletti e Bryant Garth, o acesso à
justiça, e acrescentamos à justiça efetiva, é o mais básico dos direitos humanos,
como afloram de suas palavras em sua obra Acesso à justiça. Dizem eles:

O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito funda-


mental — mais básico dos direitos humanos — de um sistema jurídico
moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os
direitos a todos.13

Com um enfoque na aspiração da sociedade por justiça, José Carlos Barbosa


Moreira fala em um processo socialmente efetivo, sob uma visão de dupla direção,
quais sejam: (i) aspiração da sociedade como um todo; (ii) e igualdade de condições
na demanda, o que ocorrerá quando o processo:

“se mostre capaz de veicular aspirações da sociedade como um todo e de


permitir-lhes a satisfação por meio da Justiça”; e, b) consinta aos mem-
bros menos bem aquinhoados da comunidade a persecução judicial de
seus interesses em pé de igualdade com os dotados de maiores forças —
não só econômicas, senão também políticas e culturais.14

11
CAMBI. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. In: DIDIER JR. (Org.). Leituras complementa-
res de processo civil, cap. VII, p. 158.
12
MORELLO, Augusto M. Avances procesales, p. 17.
13
CAPPELLETTI; GARTH. Acesso à justiça, p. 12.
14
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Por um processo socialmente efetivo. In: MOREIRA. Temas de direito
processual: (oitava série), p. 15-16.

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O que justifica, portanto, as tutelas de urgência em um sistema processual


é a necessidade de amparo do direito material, em caso de perigo de dano na
demora da prestação jurisdicional, ao qual, por meio do processo, se busca tute-
lar, e cujo fundamento encontra-se consagrado na Constituição Federal de 1988,
sendo essa a pretensão, em suma, da reforma processual com a instituição do
novo Código de Processo Civil.

4  As tutelas de urgência em alguns sistemas processuais alienígenas


Como o problema da demora na prestação jurisdicional e, consequente-
mente, da efetividade do processo é fenômeno mundial, também nos sistemas
processuais alienígenas se fazem presentes os mecanismos para a proteção do
direito material de urgência, dado que a formalidade do processo não permite,
em regra, a tutela jurisdicional definitiva de plano.
Assim, ainda que o art. 381 do Código de Processo Civil Português, inserto
no Título I (Disposições Gerais) do Livro III (Do Processo) do Capítulo IV da Seção I
(Disposições Gerais), faça menção a providências cautelares, no bojo da redação
deixa clara a possibilidade de concessão da antecipação da tutela.15
No sistema processual civil italiano há previsão expressa da medida cautelar
inominada, como se infere da redação do art. 700, que não sofreu alteração com
a recente reforma operada em 2009, com a edição da Lei nº 69/09. Contudo, não
trata de maneira satisfatória, como ocorre no CPC atual, a antecipação da tutela,
conforme comento de Luiz Guilherme Marinoni, cuja redação vai adiante:

Como o Código de Processo Civil italiano ainda não foi alterado, e a sua
realidade normativa não prevê uma tutela antecipatória similar a do di-
reito brasileiro, a doutrina italiana insiste em buscar na base da ação cau-
telar inominada (no art. 700) o fundamento para a tutela antecipatória.
(MARINONI, p. 199)16

Fazzalari, na tentativa de fazer distinção entre antecipação da tutela e medi-


das cautelares, adota o ensinamento de Calamandrei, denominando estas como
provimentos cautelares no sentido estrito.17 No entanto, embora faça a distinção

15
Como se colhe da redação do art. 381.1, que vai adiante: “1. Sempre que alguém mostre fundado
receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a
providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade
do direito ameaçado” (BRITO; MESQUITA. Código de Processo Civil anotado, p. 372).
16
MARINONI; ARENHART. Manual do processo de conhecimento, p. 199.
17
FAZZALARI. Instituições de direito processual, p. 245.

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Um breve panorama sobre as tutelas de urgência e de evidência no sistema do novo Código de Processo Civil 111

entre a medida cautelar e antecipação da tutela, busca no mesmo art. 700 do CPC
Italiano, deficiente nesse sentido, frise-se, a base para a sustentação desta. Eis o
seu pensar nesse caso:

Deve-se, entretanto, ressaltar que o art. 700 do CPC é, de fato, sempre


mais frequentemente usado, extra ordinem (isto é, por causa da grave
dura­ção do processo civil ordinário), com medida antecipatória.18

O Código de Processo Civil Espanhol, denominado Ley de Enjuiciamiento


Civil, de 07 de janeiro de 2000, com vigência a partir de 2001, regula as medidas
cautelares no Livro III, juntamente com a execução, no Título VI, nos arts. 721 a
747, e trata, com bastante abrangência, a tutela cautelar. O embargo preventivo
(art. 727, 1º), entre outras medidas cautelares ali previstas, destina-se a assegurar
a execução, não só por quantia, mas também de frutos, rendas e coisas fungíveis,19
portanto, mais abrangente que o arresto do art. 813 do nosso Código de Processo
Civil vigente.
Na Alemanha a ZPO contempla mecanismos de tutela cautelar nos §§935
e 940, a primeira basicamente para assegurar a efetividade da execução forçada
(§935); e a segunda (§940) para manter o estado da paz entre as partes, evitando a
obstar a destruição ou alteração do objeto como assinalam Bedaque20 e Marinoni,21
respectivamente.
Na verdade, o que se percebe na legislação alienígena desses países citados
é que não há grande preocupação em distinguir a medida cautelar da antecipa-
ção de tutela como claramente se percebe do Código de Processo Civil Português.
Mais próximo de nós territorialmente, com inspiração no art. 700 do Código
de Processo Civil Italiano, o art. 23222 do Código Procesal Civil y Comercial de la
Nación da Argentina contempla medidas cautelares genéricas,23 enquanto o art. 195,
que inicia o Capítulo III do Título IV do Livro II, trata de medida cautelar antece-
dente e incidente, similar ao art. 796 do nosso Código de Processo Civil, inclusive
contempla no art. 209 o embargo preventivo.

18
FAZZALARI. Instituições de direito processual, p. 244.
19
Eis a redação do §1º do art. 727 da Ley de Enjuiciamento Civil: “El embargo preventivo de bienes,
para asegurar la ejecución de sentenças de condena a la entrega de cantidades de dinero de fru-
tos, rentas e cosas fungibles computables a metálico por aplicación de precios ciertos” (MORENO.
Ley de enjuiciamento civil y otras normas procesales, p. 304).
20
BEDAQUE. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgências: (tentativa de siste-
matização), p. 44.
21
MARINONI. Tutela cautelar e tutela antecipatória, p. 39.
22
Que não sofreu modificação mesmo com advento da Lei nº 25.488, que entrou em vigência no
dia 20 de maio de 2002, publicada oficialmente em 22 de novembro de 2001.
23
Conforme Marinoni (Tutela cautelar e tutela antecipatória, p. 43).

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112 Mauro Simonassi

5  A proposta de sistematização das tutelas de urgência


No novo Código de Processo Civil em trâmite na Câmara dos Deputados (PL
nº 8.046/2010) verifica-se uma proposta de sistematização das tutelas de urgên­
cia e de evidência no plano legislativo. No plano doutrinário José dos Santos
Bedaque já se empenhou em semelhante empreitada resultando em obra de refe-
rência obrigatória sobre o assunto.24
Assim, no Título IX o legislador trata de tutela de urgência e da tutela de
evidência, localizando-as topograficamente, no Livro I do CPC, vale dizer, na parte
geral (Livro I), o que implica em dizer que se aplicam a qualquer espécie de pro-
cesso, de conhecimento ou execução, ou mesmo procedimentos especiais.
Já no Capítulo I do Título IX trata das disposições gerais das tutelas de
urgên­cia e de evidência, inscrevendo no art. 269 que as tutelas de urgência, assim
como a tutela de evidência, podem ser requeridas antes ou no curso do processo
principal, conquanto se vislumbrem dificuldades insuperáveis para concessão da
tutela de evidência em sede preparatória, ao menos na maior parte das hipóteses
contidas no art. 278 do NCPC, porque pressupõe a existência da demanda posta
em juízo.
Os §§1º e 2º do art. 269 pretendem a distinção conceitual, quanto ao con-
teúdo, entre a antecipação de tutela e medida cautelar, não se vislumbrando, na
verdade, nenhum interesse prático25 nessa distinção conceitual da Lei, quando
idênticos os fundamentos para a sua concessão, como observa Marcelo José
Magalhães Bonício, inspirado em José Roberto dos Santos Bedaque, realçando
que a verdadeira importância se dá em face da angústia do tempo no processo,
como se vê adiante.

José Roberto dos Santos Bedaque demonstrou que tanto a tutela anteci-
pada quanto a tutela cautelar são espécies do gênero chamado “tutela de
urgência”, inexistindo, portanto, qualquer importância prática na distin-
ção rigorosa entre as duas, e que a verdadeira importância reside, então,
na “perfeita identificação do fenômeno”, ou seja, na solução da “angus-
tiante questão do tempo no processo.26

24
BEDAQUE. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgências: (tentativa de
sis­te­matização).
25
Mas não técnico-jurídico, porque sabidamente distintas, mormente quanto ao conteúdo.
26
BONICIO. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da proporcionalidade, a legiti-
mação do processo civil e o controle das decisões judiciais, p. 90.

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Um breve panorama sobre as tutelas de urgência e de evidência no sistema do novo Código de Processo Civil 113

Noutros dizeres, o NCPC tratou a tutela cautelar e a antecipação da tutela no


mesmo título, como realmente era necessário, dado que tanto a tutela cautelar,
quanto a antecipação da tutela, conquanto com substância e contornos diferen-
tes, estão sujeitas aos mesmos pressupostos que justificam a concessão das me-
didas de urgência, sempre com mira de evitar os males da demora na prestação
jurisdicional.
Em qualquer caso, para a concessão da tutela de urgência, tanto cautelar
quanto satisfativa, também no caso do PL nº 8.046/2010, faz-se necessária a pre-
sença dos requisitos essenciais das medidas de urgência, como se percebe dos
art. 270 e 276, que se traduz, em suma, na plausibilidade do direito pleiteado e
perigo de dano que a demora na prestação jurisdicional pode ocasionar às partes
pela natural demora do processo.
Tal como a antecipação da tutela, a medida cautelar também é medida de
urgência, com a distinção essencial, quanto ao objeto, posto que na tutela caute-
lar não se antecipa o mérito, mas garante-se a efetividade e utilidade do processo,
acaso o provimento final declarativo ou satisfativo seja favorável ao que obteve a
concessão da medida cautelar.
Agora, com a redação dada ao PL nº 8.046/2010, o juiz poderá conceder a
medida de urgência que entender adequada ao caso, tanto a satisfativa ou a cau-
telar, o que já era possível, ao menos de forma incidental, no sistema processual
vigente, frente ao disposto no art. 273, 7º, do CPC, que permite a fungibilidade
entre a antecipação da tutela e a medida cautelar.
De todo modo, a norma do art. 270 (PL nº 8.046/2010) não deixa dúvidas de
que Estado-juiz pode conceder a tutela de urgência adequada ao caso, até mesmo
de ofício, consoante permissão do art. 277 (PL nº 8.046/2010), hipótese esta que,
salvo em casos excepcionais ou quando expressamente autorizadas por lei,27 ao
nosso sentir, seria mais comum incidentalmente, já que sem a provocação, não
pode o juiz, em regra, agir.

6  O procedimento-base nas tutelas de urgência


O Capítulo II, Seção I, do Título IX do NCPC (PL nº 8.046/2010) rege o procedi-
mento a ser observado nas medidas de urgência, tanto nas de caráter antecedente,

Isto porque, no juízo da infância e juventude, nos chamados pedidos de providência, previstos nos
27

arts. 98 e 101 da Lei nº 8.069/90, o juiz pode conceder, até mesmo administrativamente, medida
cautelar ou antecipação da tutela de ofício, em favor do interesse do menor, que se sobrepõe, não
de modo absoluto, como erroneamente se pensa, a outros interesses formais.

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114 Mauro Simonassi

como também quando requeridas incidentalmente, esta como se vê da Seção II


do mesmo Capítulo, no art. 286 do NCPC, sendo certo que o procedimento-base é
aquele conferido às medidas requeridas em caráter antecedente.
Se antecedente a medida de urgência, como de regra em todo procedimento,
inicia-se com a petição inicial apta, como faz menção o art. 279 do NCPC que, tal
como o Código de Processo Civil atual (art. 801, inciso III), não dispensou a exigência
de se declinar a ação principal28 a ser proposta eventualmente no futuro.
Posta a inicial em juízo, instrumentalizando o incidente de urgência, o juiz
poderá conceder a tutela provisória de plano, se existentes elementos demons-
trativos de seus requisitos, por meio de documentos; ou então designar audiência
de justificação prévia (art. 280, §2º, inciso II) para, em seguida, proferir decisão
negando ou deferindo tal tutela.
Deferindo-se ou não a medida de urgência de modo preparatório, em caráter
liminar: de plano ou após justificação prévia,29 seguir-se-á a citação do Requerido
para contestar no prazo de 05 (cinco) dias, devendo constar do mandado, por força
do contido no art. 280, §1º (NCPC), que acaso não seja impugnada a decisão da
liminar eventualmente concedida, esta continuará a produzir efeitos30 indepen-
dentemente de formulação de pedido principal.31
Se contestado o pedido, o juiz deverá, já no próximo provimento, designar
outra audiência de instrução, de modo a se preservar o contraditório e, após, pro-
ferir decisão interlocutória, concedendo ou mantendo se já concedida a medida
de urgência liminarmente, ou então negando o deferimento da medida conce-
dida inicialmente, caso em que também o recurso adequando a impugnação é o
agravo de instrumento, segundo a dicção do NCPC.

28
De modo a se avaliar o nexo de pertinência entre o pedido de tutela de urgência e o pedido da
ação principal, como registra Galeno Lacerda (Comentários ao código de processo civil: Lei n. 5.869,
de 11 de janeiro de 1973: v. 3, t. I: arts. 796 a 812, p. 212)
29
Que mesmo assim não perde o caráter de liminar porque concedido no início do procedimento,
como menciona Humberto Theodoro Junior, invocando Adroaldo Furtado Fabrício, quando assim
se expressa: “Liminar, lexicamente, é um adjetivo que atribui a algum substantivo a qualidade de
inicial, preambular, vale dizer ‘é tudo aquilo que se situa no início, na porta, no limiar’” (THEODORO
JÚNIOR. Curso de direito processual civil, v. 2, p. 659).
30
A ideia de conferir estabilidade aos efeitos das tutelas de urgência vem sendo defendida por Ada
Pellegrini Grinover desde 1977, como lembra José dos Santos Bedaque (BEDAQUE. Estabilização
das tutelas de urgência. In: YARSHELL; MORAES (Org.). Estudos em homenagem à professora Ada
Pellegrini Grinover, p. 660).
31
E se concedida e efetivada a medida sem impugnação, haverá extinção do processo, permane-
cendo a estabilização dos efeitos da medida, consoante a regra do art. 281, §2º, do NCPC que,
nesse caso, comportará recurso de apelação e não agravo de instrumento.

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Um breve panorama sobre as tutelas de urgência e de evidência no sistema do novo Código de Processo Civil 115

Havendo necessidade de inquirição de testemunhas, deverão as partes


levá-las à audiência de justificação prévia ou à segunda audiência de instrução,
sem necessidade de depósito prévio de rol ou intimação, seguindo-se a tendên-
cia do art. 441 do NCPC.
Se incidental, a tutela de urgência, inicia-se como um dos pedidos na pró-
pria inicial da ação principal, ou em momento posterior, no curso do procedimento.
No caso de concessão de tutela de urgência incidental requerida na inicial, ou
mesmo posteriormente, o procedimento a ser observado, nos termos do art. 286
do NCPC, é o mesmo da medida pleiteada em caráter antecedente, seguindo-se,
se necessário, duas audiências.
A bem da verdade, o que tem ocorrido presentemente quando se pleiteia
a medida cautelar incidental é que não se tem adotado procedimento autônomo,
restando a medida de urgência, atrelada ao curso do procedimento da ação prin-
cipal, ficando o êxito da medida condicionada à obtenção da medida cautelar
liminarmente.

6.1  A natureza do procedimento antecedente nas tutelas de urgência


Ao que se constata da redação do art. 271, parágrafo único, do NCPC, o legis­
lador não tratou a tutela de urgência e de evidência como ação autônoma, mas
apenas como incidente processual, ao prescrever que a decisão que conceder ou
negar a tutela de urgência será impugnável por meio de agravo de instrumento, o
que revela a nítida opção de tratar a matéria não como ação própria, mas como
inci­dente, porque, em caso contrário, teria feito menção à sentença e não à decisão.
Aliás, esse norte fica claro no pensamento do principal mentor do NCPC,
o Ministro Luiz Fux, em obra da qual foi coordenador, em artigo de sua autoria,
quando registra que o NCPC trata a tutela de urgência, quando antecedente, não
como ação independente da ação principal. É o que se colhe de seu ensinamento:

A eliminação do livro próprio permitiu conferir o adequado tratamento à


tutela cautelar, sendo certo que, quando antecedente, inicia o processo e
na mesma relação processual instaura-se a ação principal.32

Nesse sentido também é a opinião de José Herval Sampaio Júnior, ao comen­


tar sobre a extinção do processo cautelar, para quem “O processo cautelar não

FUX. O novo processo civil. In: FUX (Coord.). O novo processo civil brasileiro: direito em expectativa:
32

(reflexões acerca do projeto do novo Código de Processo Civil), p. 17.

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116 Mauro Simonassi

mais existirá, contudo não significa, em momento algum, que as tutelas cautelares
desaparecerão, pelo contrário, são mantidas em sua essência e podem ser conce-
didas tanto incidentalmente quanto no início do processo”.33
A linha de direção do NCPC é a racionalização do processo e economia
processual, para atender ao comando constitucional do art. 5º, inciso LXXVIII, da
Constituição Federal de brevidade da prestação jurisdicional, conquanto a norma
constitucional seja de conceito legal indeterminado, o que obriga o juiz a analisar
o caso concreto para dar efetividade à norma, como observam Nelson Nery Junior
e Rosa Maria de Andrade Nery.34
Esse vetor de orientação implica que a questão procedimental deve ser
flexibilizada35 quando se tem em mira o direito material veiculado através do
processo,36 e pleiteado antecipadamente como garantia processual (tutela cau-
telar), ou como antecipação da pretensão inicial (tutela antecipada), evitando-se
que filigranas procedimentais possam macular a tutela do direito, como assevera
Gustavo de Medeiros Melo, que aplaude o tratamento uniforme dado às tutelas
de urgência do NCPC, tanto em seu aspecto substancial quanto procedimental,
quando diz:

O PLS nº 166/10 acertou na opção política que fez ao acolher as boas


lições da doutrina. O Projeto unifica os pressupostos e o procedimento
para submeter as tutelas de urgência a regime jurídico uniforme, procu-
rando evitar que questões menores de natureza procedimental venha a
atrapalhar o funcionamento dessas medidas que podem ser tomadas em
qualquer fase do processo.37

No caso do NCPC, temos uma situação inovadora. Já era comum e pacífico


que se aproveitasse o processo principal para a concessão de tutela de urgência,
tanto a antecipação da tutela, quanto a medida cautelar, isso muito mais presente

33
SAMPAIO JÚNIOR. Tutelas de urgência no anteprojeto do novo CPC. In: DIDIER JR.; MOUTA;
KLIPPEL (Coord.). O projeto do Novo Código de Processo Civil: estudos em homenagem ao Professor
José de Albuquerque Rocha, p. 266.
34
NERY JÚNIOR; NERY. Constituição Federal comentada e legislação constitucional, p. 140.
35
Como acena Dinamarco em suas Instituições: “Uma das características do processo civil moderno é o
repúdio ao formalismo, mediante a flexibilização das formas e interpretação racional das normas que
as exigem, segundo os objetivos a atingir” (DINAMARCO. Instituições de direito processual civil, p. 57).
36
Não como valor absoluto a ponto de ofender garantias constitucionais básicas, como o devido
processo legal e o contraditório inscritos no art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal, como
direitos fundamentais de cuja emanação decorre do estado Democrático de Direito.
37
MELLO. O regime dos provimentos de urgência no projeto de Lei nº 166/10. In: ROSSI et al. O futuro
do processo civil no Brasil: uma análise crítica ao projeto do novo CPC, p. 238).

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Um breve panorama sobre as tutelas de urgência e de evidência no sistema do novo Código de Processo Civil 117

após a introdução do 7º do art. 273 do CPC, que esvaziou significativamente a


medida cautelar incidental.
Agora, com a redação atual do NCPC poderemos ter o aproveitamento do
procedimento antecedente para veicular pretensão principal, o que é inovador,
porque inexiste semelhante hipótese, no sistema processual vigente, ou seja, de
aproveitamento do procedimento cautelar ou antecipatório, para veicular o pro­
cesso principal, embora o contrário, repita-se, existisse, de aproveitamento do
processo principal para veicular medida cautelar ou antecipatória.
Todavia, a tutela de urgência preparatória poderá nascer e findar-se
como ação própria, o que ocorrerá quando concedida a liminar e não houver
impugnação,38 após a sua efetivação, caso em que o juiz, na dicção do art. 281,
§2º, do NCPC, extinguirá o processo, lembrando que o legislador, para conceituar
sentença, tomou como marco a relação processual e não o seu conteúdo, como
se colhe dos arts. 258, §1º, e 290 do NCPC.
Nesse caso que a tutela de urgência nasceu e se findou como ação própria e
não como incidente, e a natureza da decisão judicial que pôs fim ao procedimento
será sentença, de modo que o recurso próprio para se impugnar tal decisão será
apelação (art. 963 do NCPC), não se aplicando o parágrafo único do art. 271 do NCPC.
O que pretendeu, pois, o legislador na reforma do NCPC foi a eliminação de
dois processos para a tutela de direitos que são interligados, o que atenta contra
a efetividade do processo, porque seguramente mais oneroso e menos racional.
Essa, aliás, já era a tendência, mesmo antes mesmo da introdução do 7º do art. 273
do CPC atual, quando se concedia medida de cautelar de separação de corpos no
curso da ação de separação judicial ou divórcio.

7  A eliminação das medidas cautelares inominadas


Cada vez se faz necessária a racionalização do processo civil, uma vez que
fili­granas técnicas, por vezes, acabam afastando a verdadeira vocação do processo,
como instrumento a garantir a tutela efetiva do direito material, mas sempre se
pautando pelas balizas das matrizes constitucionais do processo, especialmente
as inscritas no art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal, frequentemente
maltratadas pelos operadores do direito quando se busca a prestação jurisdicio-
nal massificada.

Também será recurso de apelação quando o juiz indeferir de plano a petição inicial que instru-
38

mentalizar a demanda de urgência, porque, igualmente, porá fim ao procedimento.

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118 Mauro Simonassi

Nesse norte, a eliminação das medidas cautelares inominadas, consoante


se verifica da proposta do NCPC mostra-se salutar, não obstante a crítica de Luiz
Guilherme Marinoni no sentido da necessidade de se manter as medidas cautela-
res nominadas de arresto, sequestro ou busca e apreensão,39 o que também não
se justifica, uma vez que nada obsta a concessão de tais medidas pelo juiz quando
essa for a necessidade.
Com efeito, se já era permitida a fungibilidade não só da medida cautelar,
como também da própria ação cautelar, não faz sentido manter-se medidas caute-
lares nominadas quando presentes os requisitos para a concessão de tais medidas
e não a sua nominação, ou mesmo a que tipo de processo principal se destina a
garantia, como acontece, presentemente, em relação à medida cautelar de arresto
que se destina à garantia de processo de execução por quantia, enquanto que o se-
questro se destina à garantia de processo de execução para entrega de coisa certa.
Novamente volve-se ao pensamento de Luiz Fux, quanto ao NCPC, para jus-
tificar a eliminação das medidas cautelares nominadas, inclusive invocando a fun-
gibilidade da tutela cautelar, bem como o objetivo comum delas, de constrição
ou restrição de bens. Haure-se de suas palavras:

Ademais, a tutela cautelar reclama certa fungibilidade para que o juiz


possa conferir à situação fenomênica retratada uma solução sob medida,
nada justificando a existência de figuras abundantes de medidas caute-
lares, várias com o mesmo pressuposto e objetivo (constrição de bens ou
restrição de direitos), ostentando, apenas, nomens júris diferente.40

Desse modo, também não se mostra razoável atrelar, de modo rígido, a medi-
da cautelar ao objeto do processo principal, em curso, ou que vier a ser instaurado
quando preparatória a medida, mesmo porque é da essência da medida cautelar
que a providência pleiteada no processo cautelar difira da pretensão posta no pro-
cesso principal, porquanto, a não ser assim, estar-se-ia diante da ante­cipação da
tutela e não de medida cautelar.
O que se quer dizer é que se a pretensão é de natureza condenatória, ou
mesmo executiva, a providência cautelar poderá ser de arresto, ou mesmo busca e
apreensão, e até mesmo o sequestro, porque, qualquer que seja o nome, a garantia
de tutela do direito material, que é, afinal, o que se busca proteger mediatamente,
estará assegurada.

39
MARINONI; MITIDIERO. O projeto do Código de Processo civil: crítica e propostas, p. 106.
40
FUX. O novo processo civil. In: FUX (Coord.). O novo processo civil brasileiro: direito em expectativa:
(reflexões acerca do projeto do novo Código de Processo Civil), p. 17.

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Um breve panorama sobre as tutelas de urgência e de evidência no sistema do novo Código de Processo Civil 119

8  A tutela de evidência
As tutelas de urgências e de evidência foram tratadas no Título IX, Capítulo I
do Livro do NCPC, porquanto, tanto uma quanto a outra são mecanismos a operar
contra os males da morosidade do processo, mormente quando nos tempos atuais
o imediatismo se apresenta como valor quase que absoluto.
Especificamente cuidou o NCPC da tutela de evidência no art. 285, elencando
os casos em que será concedida, independentemente da demonstração do risco de
dano na demora da prestação jurisdicional, prescindindo, portanto, desse clássico
requisito, sempre presentes em tutelas de urgência.
Na verdade o legislador dispensou a necessidade de demonstração do pe-
rigo de dano, como se colhe da redação do art. 278 do NCPC, não porque não
seja exigido para o deferimento da tutela de evidência, mas sim porque o legis-
lador entendeu que está presumido o perigo de dano e, portanto, dispensou a
demonstração da existência.
Nessas hipóteses, também não há que se falar em plausibilidade do direito,
mas da sua constatação imediata diante da pretensão posta em juízo, como men-
ciona José Herval Sampaio Júnior ao conceituar a tutela de evidência, quando
assim se expressa:

Desta forma, podemos conceituar tal tutela como aquela que é dada
após se constatar como o próprio nome diz a evidência do direito ale-
gado, ou seja, não há discussão sobre o direito que se quer vê protegido
imediatamente, logo não se fala em plausibilidade, mas em constatação
de plano do direito alegado.41

Relativamente à situação do art. 278, inciso I, do NCPC, não é viável o defe-


rimento da tutela de evidência em caráter antecipatório, porque, nesses casos,
pressupõe demanda já em andamento, não se podendo falar em abuso do direito
de defesa ou manifesto propósito protelatório, a não ser quando existir processo
em curso, de modo que, não se pode conceber a tutela de evidência a não ser em
caráter incidental.
De outro lado, no caso do art. 278, inciso II, do novo CPC, difícil imaginar tam-
bém a antecipação da tutela de evidência em caráter preparatório, dado que só é
possível se constatar a incontrovérsia após o prazo para resposta do réu, porque

SAMPAIO JÚNIOR. Tutelas de urgência no anteprojeto do novo CPC. In: DIDIER JR.; MOUTA;
41

KLIPPEL (Coord.). O projeto do Novo Código de Processo Civil: estudos em homenagem ao Professor
José de Albuquerque Rocha, p. 260.

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no caso de haver incontrovérsia antes da demanda seria o postulante carecedor de


ação por falta de interesse de agir.
O mesmo ocorre no caso do inciso III do art. 278, onde, igualmente, será
improvável a concessão da tutela de evidência em caráter antecedente, posto
que, segundo a regra do inciso III, só mediante a manifestação do réu é que o juiz
poderá concedê-la.
No caso do inciso IV do art. 278, do novo CPC, em tese, poderá ocorrer a
antecipação da tutela em face da evidência, de modo antecedente. Contudo,
também não se vislumbra que será tão comum, já que o autor teria dois trabalhos
de instrumentalizar a tutela de urgência de modo antecedente e, após a demanda
principal e, assim sendo, seria mais conveniente o ajuizamento da demanda prin-
cipal sem passar pelo incidente.
Assim, no sistema do novo CPC, antecipa-se a tutela: (i) quando é plausível
a existência do direito e onde haja perigo de dano; e (ii) quando é evidente o
direito posto em juízo, independentemente da demonstração do perigo de dano,
que, nesses casos, está ínsito pelo natural prejuízo com a demora na prestação
jurisdicional.

8.1  A natureza da decisão na tutela de evidência da parte incontroversa


Grassa na doutrina e jurisprudência forte divergência acerca da natureza do
provimento jurisdicional que concede a tutela de evidência no caso de um ou
mais pedidos, ou parte deles, se mostrar incontroverso. Para uns trata-se de deci-
são interlocutória de mérito,42 para outros, sentença parcial de mérito.
Ao meu sentir, nos casos do art. 278, inciso II, do NCPC, não se trata nem de
decisão interlocutória de mérito e ou mesmo de sentença parcial de mérito, mas
sim de sentença de mérito, como se demonstrará adiante, porque, em casos tais,
opera-se, automaticamente, a cisão do mérito e da relação processual que ficará
dividida em duas, uma da parte incontroversa e outra da parte controvertida.
A decisão da parte incontroversa terá natureza de sentença,43 ao contrário
do que se sustenta de decisão interlocutória de mérito,44 já que nesta parte porá

42
Que fala em decisão interlocutória de mérito proferida em cognição exauriente [COSTA. Tutela de
evidência no projeto do novo CPC: uma análise dos seus pressupostos. In: ROSSI et al. (Coord.). O
futuro do processo civil no Brasil: uma análise crítica ao projeto do novo CPC, p. 174].
43
Não parcial, mas integral de mérito, ter-se-ia operado a cisão do mérito e do processo, conforme
se demonstrará adiante.
44
Esse ponto comportará estudo mais aprofundado em outro estudo específico acerca da sentença
e da chamada decisão interlocutória de mérito.

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Um breve panorama sobre as tutelas de urgência e de evidência no sistema do novo Código de Processo Civil 121

fim ao procedimento no primeiro grau de jurisdição e cuja execução será definitiva.


Nenhuma dificuldade de ordem prática poderá surgir, uma vez que cindidos o
mérito e a relação processual, basta processar-se por cópia a parte incontroversa,
com a execução definitiva.
Uma vez cindidos o mérito e o processo, a parte incontroversa ganha vida
própria, não mais dependendo, em hipótese alguma, do outro processo que
também tem autonomia quanto ao seu procedimento e, mesmo que venha a ser
extinto, por exemplo, por ilegitimidade passiva, a parte incontroversa cindida na
relação processual permanece íntegra.
Semelhante pensamento, conquanto diferentes os realces, encontra-se em
Daniel Amorim Assumpção Neves, para quem, nesse caso, trata-se de sentença
parcial de mérito,45 muito embora reconheça a predominância da doutrina e até
mesmo na jurisprudência pátria, inclusive no Superior Tribunal de Justiça, de que,
nesse caso, será decisão interlocutória de mérito.46
Na verdade, a redação do atual projeto do NCPC poderia sofrer alteração
para incluir mais um parágrafo no art. 285, transformando o parágrafo único em
parágrafo primeiro, e introduzindo-se o parágrafo segundo, com eliminação de
controvérsias que em nada ajudam a agilidade da prestação jurisdicional, com a
seguinte redação:

No caso do inciso II do art. 285, opera-se a cisão do mérito e da relação da


relação processual, sendo a natureza de tal decisão sentença.

Ou ainda, poder-se-ia, até mesmo, complementar a redação do art. 285, in-


ciso II, nos seguintes termos:

II - um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incon-


troverso, caso em que operar-se-á a cisão do mérito e do processo, mediante
sentença.

45
Quando assim orienta: “Já tive oportunidade de criticar o entendimento doutrinário amplamente
majoritário, afirmando que os problemas recursais advindos da mudança legislativa motivaram a
doutrina majoritária a uma interpretação equivocada da lei, tudo para evitar se falar em sentença
parcial de mérito, recorrível por apelação” (NEVES. Manual de direito processual civil, p. 493).
46
Em arremate ao pensamento predominante acerca da decisão interlocutória de mérito, pontifica
Daniel Amorim: “Dessa forma, muito provavelmente pacificar-se-á o entendimento de que, não
colocando fim ao processo ou à fase cognitiva, o ato judicial, ainda que tenha como conteúdo
uma das matérias do art. 269 do CPC, será considerado uma decisão interlocutória recorrível por
agravo. Tratar-se-á nesse caso de decisões interlocutórias de mérito” (NEVES. Manual de direito pro-
cessual civil, p. 493).

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Nesses casos, o juiz iria proferir sentença de mérito, com fundamento simpli-
ficado, quanto ao conteúdo cindido, do mesmo modo que ocorre nas sentenças
homologatórias de acordo nas hipóteses do art. 269, inciso III, do atual CPC, deter-
minando o prosseguimento do processo na parte incontroversa, mediante mero
comando formal no corpo dessa sentença, cujo teor principal poderia ser:

Nos termos do art. 285, inciso II do CPC, julgo por sentença com resolução
do mérito (art. 474, inciso I do NCPC), a parte incontroversa da demanda.
Proceda-se ao desmembramento do processo, mediante cópia, da parte
incontroversa, com o prosseguimento da parte controversa nestes mes-
mos autos.

Essa linha de direção elimina eventual controvérsia acerca do recurso cabí­vel


e mantém a harmonia conceitual em torno da sentença e da decisão interlocutó-
ria, sem a fragmentação que, de outro modo, ensejaria polêmica no âmbito prático,
acerca do recurso cabível,47 com prejuízo para o procedimento, sem qualquer
vantagem para a solução do conflito de interesses posto em juízo, atendendo, de
modo mais expedito o comando contido no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição
Federal.
Nesse caso, não haveria nem mesmo, como quer parte da doutrina, apela-
ção por instrumento, mas apelação, apenas o processo cindido seria por cópia.
Esse fenômeno processual da cisão do mérito e do processo não é novidade. É
exatamente isso que ocorre no processo penal, quando em face de vários réus,
um ou mais deles se encontram presos e outros soltos em lugar incerto, caso em
que se procede ao desmembramento daqueles citados por edital e suspenso na
forma do art. 366 do Código de Processo Penal.
Acaso apareça o réu citado por edital, o processo prossegue em outra rela­
ção processual, cujos autos se formaram por cópia. O processo desmembrado,
apesar de guardar relação com o processo cindido, é outro, com cisão do mérito
e da relação processual a partir de então, com nova sentença de mérito e, nesse
caso, nunca se insurgiu a doutrina quanto à natureza da outra eventual sentença
condenatória ou não, do réu que apareceu posteriormente.

47
Impende o registro novamente de Daniel Amorim, do pavor do operador do direito nesses casos,
quanto ao recurso cabível. Diz ele: “Esse cenário apavora o operador do direito, levando-o inclusive
a rejeitar o atual conceito legal de sentença, para entender tal pronunciamento como decisão
interlocutória e dessa forma recorrível pelo agravo de instrumento” (NEVES. Manual de direito
processual civil, p. 493).

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Um breve panorama sobre as tutelas de urgência e de evidência no sistema do novo Código de Processo Civil 123

Penso que o entrave anunciado por Daniel Amorim, de que a apelação carrega
os autos ao tribunal, com prejuízo para o procedimento,48 seria facilmente solucionado
operando-se a cisão do mérito e do processo, como propugnado anteriormente, já
que o processo cindido (com cópia da parte incontroversa) é que prosseguirá em
execução definitiva, enquanto o processo da parte controversa prosseguirá normal-
mente, sem qualquer prejuízo, quanto ao seu andamento.

9 Conclusão
As tutelas de urgência se traduzem em mecanismos necessários à garantia
constitucional de acesso à justiça inscrita no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição
Federal, e possibilita que a efetividade do processo se opere num plano de maior
razoabilidade, de modo a minimizar os males da demora na prestação jurisdicio-
nal, hoje tão exigida pela sociedade de massa atual no exercício da pretensão de
seus direitos.
Dada a sua importância para efetividade do processo, as tutelas de urgên-
cias encontram-se reguladas na legislação da Europa, entre outros, no Código de
Processo Civil Italiano, Português, Espanhol e Alemão, não se percebendo lá uma
preocupação acentuada com a distinção entre antecipação de tutela e medida
cautelar.
O novo CPC pretende uma sistematização no tratamento das tutelas de
urgência, pretensão essa já empreendida em sede doutrinária, conferindo um
tratamento diferenciado, situando-as topograficamente na parte geral, o que im-
plica dizer que se aplicam a todo e qualquer procedimento, seja no procedimento
cognitivo, executivo ou mesmo nos procedimentos especiais.
O procedimento nas tutelas de urgência, tanto antecipatória como inciden-
tais, na proposta do novo Código de Processo Civil, tem caráter de mero incidente
processual, e não ação autônoma, verificando-se um fenômeno novo, qual seja,
de aproveitamento do procedimento antecedente a viabilizar a tutela jurisdicio-
nal de cognição ou mesmo execução, transmudando-se a relação processual.
Quando os pressupostos de qualquer medida de urgência são comuns, e
tendo em linha de conta a fungibilidade entre elas, é desnecessária a manutenção
das medidas cautelares nominadas, tal como no atual Código de Processo Civil,
razão porque o novo Código de Processo Civil elimina as medidas cautelares nomi-
nadas, focando mais no seu fundamento e razão de ser, de proteção do direito
material.

NEVES. Manual de direito processual civil, p. 493.


48

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124 Mauro Simonassi

A tutela de evidência, inclusa entre as medidas antecipatórias, contempla


casos de antecipação da tutela, e de julgamento antecipado do mérito, em cogni-
ção exauriente, nas hipóteses do art. 278, inciso II, do novo CPC, quando um dos
pedidos ou parte dele se mostrar incontroverso, caso que haverá cisão do mérito
e da relação processual com proferimento de sentença de mérito e não decisão
interlocutória de mérito.
Nas demais hipóteses do art. 278 (incisos I, III, IV e parágrafo único), a deci-
são será interlocutória, proferida em juízo de cognição sumária, desafiando, por-
tanto, recurso de agravo de instrumento, e, nesses casos, é dispensada a presença
do clássico requisito do periculum in mora, como se dessome do caput do art. 278
do novo Código de Processo Civil.
É preciso ter em mente, por fim, que uma reforma processual, por mais ambi-
ciosa que seja, não pode resultar em transformações que, por si só, impliquem em
maior agilidade na prestação jurisdicional, se não houver disposição por parte
dos operadores do direito de internalizar a nova sistemática que se avista, diante
do natural temor do novo, da mudança que tanto assusta as pessoas.

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

SIMONASSI, Mauro. Um breve panorama sobre as tutelas de urgência e de evidência no


sistema do novo Código de Processo Civil. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro,
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Da convenção de arbitragem – Efeitos e
responsabilidade pelo descumprimento no
Brasil e em Portugal

Marianna Chaves
Doutoranda em Direito Civil pela Universidade de Coimbra. Mestre
em Ciências Jurídicas pela Universidade de Lisboa. Especialista
em Ciências Jurídicas (Direito de Família, Contrato de Transporte
e Direito Comercial Internacional) pela Universidade de Lisboa.
Pós-Graduada em Filiação, Adoção e Proteção de Menores pela
Universidade de Lisboa. Pós-Graduada em Direito da Bioética e
da Medicina pela Associação Portuguesa da Direito Intelectual
e Universidade de Lisboa. Diretora do Núcleo de Relações
Internacionais do IBDFAM – PB (Instituto Brasileiro de Direito de
Família – Seção Paraíba). Membro da International Society of Family
Law, da American BAR Association e da International BAR Association.
Pesquisadora Assistente do Instituto de Investigación Científica da
Universidade de Lima. Professora do Curso de Pós-Graduação em
Direito Marítimo e Portuário da Universidade Católica de Santos.
Membro do Conselho Editorial da revista Jus Scriptum. Autora da
obra Homoafetividade e direito: proteção constitucional, uniões,
casamento e parentalidade: um panorama luso-brasileiro e de
diversos artigos jurídicos publicados em obras coletivas e revistas
especializadas no Brasil, Portugal, Peru e Argentina. Advogada.

Resumo: O presente escrito visa trazer à baila questões sobre o descumpri-


mento da convenção de arbitragem, que, na atualidade, abrange a cláusula
compromissória e o compromisso arbitral, consoante o disposto na Lei
nº 9.307/96. A ideia é oferecer um panorama específico da matéria no direito
brasileiro, em comparação com o que determina do direito português, cuja
base de sustentação da arbitragem se encontra na Lei nº 31/86. A análise
deste estudo cingir-se-á à arbitragem doméstica e voluntária, excluindo-se a
arbitragem internacional, que alargaria imensuravelmente o seu objeto.

Palavras-chave: Convenção de arbitragem. Cláusula compromissória. Com-


promisso arbitral. Descumprimento. Brasil. Portugal. Litigância de má-fé.

Sumário: Introdução – 1 A arbitragem como meio alternativo de resolu-


ção de conflitos: linhas gerais – 2 A regulação da arbitragem no Brasil e em
Portugal – 3 Convenção de arbitragem – 4 Responsabilidade processual por
litigância de má-fé? – 5 Considerações finais – Referências

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Introdução
Não somente leis especiais — LAB1 e LAV2 — regulam a matéria no Brasil
e em Portugal, respectivamente. Disposições, efeitos e consequências constam
nos Códigos Civis e nos Diplomas Processuais Civis de ambos os países, pelo que
se faz necessário proceder a uma análise interdisciplinar, uma saudável interação
entre o Direito Processual e o Direito Material, ou simplesmente “um diálogo entre
as fontes”.3
E sobre essa influência recíproca que uma matéria pode — e deve — ter
sobre a outra, afirma José Roberto Bedaque que o Direito Processual deve ser
sempre elaborado à luz do direito substancial e em função dele. Acresce ainda o
jurista que a ciência processual deve amoldar-se às necessidades específicas do
seu objeto, ofertando formas de procedimentos e tutela ajustadas às situações de
vantagem garantidas pela norma material.4
Não se pretende, no presente estudo, seguir de modo exaustivo a evolu-
ção da arbitragem. A ideia é apresentar um pano de fundo, necessário ao bom
enten­dimento do panorama jurídico da arbitragem no momento atual, pois, sem
uma perspectiva evolutiva, ainda que genericamente e minimamente delineada,
jamais qualquer instituto — jurídico ou não — atingirá uma percepção minima-
mente correta.
Vale salientar que a análise do direito estrangeiro constitui uma ferramenta
importante para construção de ideias e para a fundamentação de juízo. É mister
ressaltar que esta análise comparativa entre Brasil e Portugal também serve para
evidenciar as semelhanças e as discrepâncias do tratamento jurídico deferido a
tal matéria, apontando os pontos fortes e fracos de cada ordenamento jurídico.
Assim, o presente estudo tentará, de forma superficial, traçar algumas ideias
e linhas gerais sobre a arbitragem como meio alternativo de resolução de litígios.
No ponto seguinte, abordar-se-á a regulação do instituto no Brasil e em Portugal,
trazendo-se à baila as normas em vigor e alguns comentários sobre normas revo-
gadas. O ponto seguinte ocupa-se do tema propriamente dito, precisamente, da
análise da convenção de arbitragem, da sua divisão, dos conceitos e, mais deti-
damente, dos efeitos e da responsabilidade — especificamente a processual —
oriundos do seu incumprimento.

1
Como denominar-se-á a Lei de Arbitragem Brasileira: Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.
2
Como denominar-se-á a Lei de Arbitragem Voluntária: Lei nº 31/86, de 29 de agosto.
3
Nas palavras de TARTUCE. Arbitragem: algumas interações entre o direito material e o direito
processual: função social do contrato, ética na arbitragem e abuso processual. Revista Magister de
Direito Civil e Processual Civil, p. 6-7.
4
BEDAQUE. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo, p. 22.

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Quanto à divisão dos assuntos, nomeadamente do tratamento em separado


da cláusula compromissória e do compromisso arbitral, em seus aspectos gerais
e efeitos do incumprimento no Brasil e, menção apenas do descumprimento da
convenção de arbitragem em Portugal, dá-se pela diferença de sistematização da
matéria nos ordenamentos dos dois países, o que suscita algumas dificuldades na
organização de um estudo de base comparativa, que tentar-se-á sanar no decor-
rer do escrito.

1  A arbitragem como meio alternativo de resolução de conflitos:


linhas gerais
A ciência processual hodierna preocupa-se, principalmente, como é sabido,
com a efetividade do processo. Em outras palavras, todo o moderno direito proces-
sual devota-se ao estudo de mecanismos designados a fazer com que o processo
verta-se em um eficaz instrumento de promoção da justiça, apto para dar a cada
um aquilo que é seu.5
Essa ideia remete à eterna lição de Giuseppe Chiovenda de que o processo
deve dar, na medida do possível, a quem tem um direito tudo aquilo, e precisa-
mente aquilo, que ele tem o direito de conseguir.6
Desta forma, os meios paraestatais de resolução de conflitos foram ganhando
espaço e valorização como mecanismos indispensáveis para o acesso à justiça.
Dentre esses meios, encontra-se e destaca-se a arbitragem, que nada mais é do
que um instrumento destinado a assistir na busca do mais lato acesso à ordem
jurídica justa. Por meio da arbitragem deve-se alcançar um sistema hábil para
autorizar que ao titular de um direito seja concedido tudo aquilo, e indispensavel-
mente aquilo, que ele tenha o direito de obter.7
Para Carlos Alberto Carmona, a arbitragem é, de forma ampla, “uma técnica
para solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas
que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nesta
convenção, sem intervenção do Estado, sendo a decisão destinada a assumir efi-
cácia de sentença judicial”.8

5
Cfr. CÂMARA. Das relações entre a arbitragem e o Poder Judiciário. In: CÂMARA. Escritos de direito
processual: segunda série, p. 121.
6
No original: “Il proceso deve dare per quanto è possibile a chi há un diritto quello e próprio quello
ch’egli há diritto di conseguire” (CHIOVENDA. Dell’azione nascente dal contratto preliminare. In:
CHIOVENDA. Saggi di diritto processuale civile, v. 1, p. 110).
7
Neste sentido, consultar CÂMARA. Das relações entre a arbitragem e o Poder Judiciário. In:
CÂMARA. Escritos de direito processual: segunda série, p. 121-122.
8
CARMONA. A arbitragem no processo civil brasileiro, p. 19.

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Na doutrina argentina, afirma-se que a arbitragem constitui uma jurisdição


privada, instituída pela vontade das partes ou por decisão do legislador, movendo
o poder de julgar para órgãos distintos dos tribunais estatais, que são, assim, inves­
tidos de poderes jurisdicionais semelhantes aos daqueles, de forma a resolver um
litígio.9 Uma questão emerge: seria a arbitragem um equivalente jurisdicional ou
realmente jurisdição? Parece ser o caso da última hipótese.10
Dentre muitos, alguns atributos inerentes à arbitragem merecem desta-
que: desformalização, celeridade, autonomia da vontade das partes, sigilo, maior
espe­cialização do julgador e menor custo.11 Imperioso ressaltar que a arbitragem
não possui o cunho contencioso e formal que classicamente permeia a jurisdição
estatal. Em sua originalidade e essência, a arbitragem é um mecanismo misto de
composição de conflitos, fundamentado tanto em negociação como em adjudi-
cação, no qual os envolvidos conferem o poder decisório aos árbitros, para que
alcancem uma resolução satisfatória, dotada de reconhecimento.12

2  A regulação da arbitragem no Brasil e em Portugal


No Brasil, a arbitragem em direito privado foi originariamente prevista na
Constituição Imperial de 1824. O Código Comercial de 185013 e o Regulamento 737

9
Esse é o conceito trazido à baila por CAIVANO. Arbitraje: su eficacia como sistema alternativo de
resolución de conflictos, p. 48. Para José Rogério Cruz e Tucci “infere-se, de logo, que o legislador
atribuiu natureza publicística ao juízo arbitral, consubstanciado em equivalente jurisdicional, por
opção das partes. A despeito de ser instituído por meio de um instrumento negocial de cunho
privado (convenção arbitral), o desenrolar do processo de arbitragem é tão jurisdicional quanto
aquele que tramita perante a justiça estatal” (TUCCI. Arbitragem: garantias constitucionais do
processo e eficácia da sentença arbitral. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, p. 43).
Note-se, portanto, que existem divergências doutrinárias acerca da natureza — privada ou pública
— do processo de arbitragem.
10
Corrente liderada, em território brasileiro, por CARMONA. Arbitragem e processo, p. 51-53. Outra
não parece ser a posição de GAGLIANO; PAMPLONA FILHO. Novo curso de direito civil, v. 2, p. 258.
No mesmo sentido se manifestam BARACHO. Processo constitucional, p. 75; WAGNER JÚNIOR.
Processo civil: curso completo, p. 11; FREITAS. Execução da sentença arbitral. Revista Síntese Direito
Civil e Processual Civil, p. 60.
11
Tais vantagens também são apontadas por AMARAL. Arbitragem: oportunidades, riscos e desa-
fios. In: LEITE (Coord.). Grandes temas da atualidade, p. 2.
12
Neste sentido, cfr. BASSO. Procedimento Arbitral atual: necessidade de um diálogo de reforma?.
In: LEMES; CARMONA; MARTINS (Coord.). Arbitragem: estudos em homenagem ao Prof. Guido
Fernando da Silva Soares, p. 1-2.
13
Lei nº 556, de 25 de junho de 1850, que ainda encontra-se em vigor, mas teve toda a sua parte
primeira revogada pelo Código Civil de 2002. O que levou ao fenômeno da “civilização” do Direito
Comercial, já que muitas questões antes tratadas pelo Código Comercial agora estão a Cargo do
Código Civil, como, por exemplo, questões de títulos de crédito, de sociedades comerciais, entre
outras.

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do mesmo ano trataram da arbitragem compulsória. Tal arbitragem obrigatória


deixou de existir em território brasileiro com o surgimento da Lei nº 1.350 de 1866.
O Decreto nº 3.900 de 1867 veio a disciplinar o juízo arbitral do comércio, sen-
do o primeiro diploma a dispor sobre a cláusula compromissória, tornando-se o
responsável pelo completo esvaziamento dos efeitos da mesma, em virtude do
disposto no art. 9º da referida norma.14 Desta forma, confirmou-se, no Brasil, a
tradição de o compromisso arbitral ser o instrumento único hábil para instaurar
a arbitragem, ao ponto de diplomas promulgados a posteriori nem mesmo men-
cionarem a cláusula arbitral, situação que só modificou-se com o surgimento da
legislação de 1996. Cumpre ressaltar que a arbitragem ainda foi disciplinada pelo
Código Civil de 1916,15 e, posteriormente, pelos Diplomas Processuais Civis de
193916 e 1973.17 18
A legislação em vigor — Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 199619 — foi
inspirada na regulamentação da arbitragem de acordo com as diretrizes segui-
das pela comunidade internacional, no padrão da Convenção de Nova Iorque, de
1958,20 e da Convenção do Panamá, de 1975.21 A lei de arbitragem brasileira teve a
sua constitucionalidade contestada e, em 2004, teve a sua constitucionalidade
confirmada pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro, no emblemático julgamento
do Agravo Regimental na Sentença Estrangeira nº 5206-7.22

14
Decreto nº 3.900 de 1867: Art. 9º – “A Cláusula compromissória, sem a nomeação de árbitros, ou
relativa a questões eventuais não vale senão como promessa, e fica dependente para sua perfei-
ção e execução de novo e especial acordo das partes, não só sobre os requisitos do art. 8º, senão
também sobre as declarações do art. 10º”.
15
Arts. 1.037 a 1.048.
16
Arts. 1.031 a 1.046.
17
Arts. 1.072 a 1.102.
18
Cfr. DOLINGER; TIBÚRCIO. Direito internacional privado: arbitragem comercial internacional, p. 20-21.
De igual modo trazem uma bela perspectiva da evolução histórica da arbitragem MORAIS; SPENGLER.
Mediação e arbitragem: alternativas à jurisdição!, p. 168-174; COSTA. Arbitragem. Revista Síntese Direito
Civil e Processual Civil, p. 8-10.
19
Que no decorrer do estudo poderá ser denominada apenas de LAB.
20
Convenção de Nova Iorque sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras,
ratificada por mais de 130 países, o que facilita a execução da sentença arbitral estrangeira, o que
em muitos casos não acontece com a sentença judicial estrangeira (CHAVES. Venda de navios:
panorama luso-brasileiro e internacional. Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e
do Consumidor, p. 78).
21
Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional.
22
Ementa: “1. Sentença estrangeira: laudo arbitral que dirimiu conflito entre duas sociedades co-
merciais sobre direitos inquestionavelmente disponíveis – a existência e o montante de créditos
a título de comissão por representação comercial de empresa brasileira no exterior: compromisso
firmado pela requerida que, neste processo, presta anuência ao pedido de homologação: ausên-
cia de chancela, na origem, de autoridade judiciária ou órgão público equivalente: homologação
negada pelo Presidente do STF, nos termos da jurisprudência da Corte, então dominante: agravo

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Em Portugal, encontra-se na doutrina especializada menções à existência


da arbitragem desde finais do século XII. Presente nas Ordenações do Reino, o
instituto da arbitragem também foi consagrado na Carta Constitucional de 1822
e nos textos constitucionais que se seguiram no século XIX. Em 1876 surgiu o
primeiro Diploma Processual Civil de Portugal, que tratou da arbitragem dos
arts. 44º a 58º. A Lei de 14 de agosto de 1889 deu origem a tribunais arbitrais
avindores com competência para solucionar litígios trabalhistas. O CPC de 1969
e o de 1961 diminuíram fundamentalmente a importância e a função da arbitra-
gem, judicializando-a.23
Finalmente, a partir de meados dos anos 80, teve fim o esforço legislativo
“no sentido de dotar o país com uma legislação moderna capaz de colocar a arbi-
tragem voluntária e a sua articulação com o poder judicial no lugar que merece”,24

regimental a que se dá provimento, por unanimidade, tendo em vista a edição posterior da L.


9.307, de 23.9.96, que dispõe sobre a arbitragem, para que, homologado o laudo, valha no Brasil
como título executivo judicial.
2. Laudo arbitral: homologação: Lei da Arbitragem: controle incidental de constitucionalidade
e o papel do STF. A constitucionalidade da primeira das inovações da Lei da Arbitragem — a
possibilidade de execução específica de compromisso arbitral — não constitui, na espécie, ques-
tão prejudicial da homologação do laudo estrangeiro; a essa interessa apenas, como premissa, a
extinção, no direito interno, da homologação judicial do laudo (arts. 18 e 31), e sua consequente
dispensa, na origem, como requisito de reconhecimento, no Brasil, de sentença arbitral estran-
geira (art. 35). A completa assimilação, no direito interno, da decisão arbitral à decisão judicial,
pela nova Lei de Arbitragem, já bastaria, a rigor, para autorizar a homologação, no Brasil, do laudo
arbitral estrangeiro, independentemente de sua prévia homologação pela Justiça do país de ori-
gem. Ainda que não seja essencial à solução do caso concreto, não pode o Tribunal — dado o
seu papel de ‘guarda da Constituição’ — se furtar a enfrentar o problema de constitucionalidade
suscitado incidentemente (v.g. MS 20.505, Néri).
3. Lei de Arbitragem (L. 9.307/96): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão
inci­dental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da
compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros confli-
tos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do
Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo plenário, considerando o
Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromis-
sória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a
vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o artigo 5º, XXXV, da CF.
Votos vencidos, em parte — incluído o do relator — que entendiam inconstitucionais a cláusula
compromissória — dada a indeterminação de seu objeto — e a possibilidade de a outra parte,
havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, recorrer ao Poder Judiciário para compe-
lir a parte recalcitrante a firmar o compromisso, e, consequentemente, declaravam a inconstitu-
cionalidade de dispositivos da Lei 9.307/96 (art. 6º, parág. único; 7º e seus parágrafos e, no art. 41, das
novas redações atribuídas ao art. 267, VII e art. 301, inciso IX do C. Pr. Civil; e art. 42), por violação
da garantia da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário. Constitucionalidade — aí por
decisão unânime, dos dispositivos da Lei de Arbitragem que prescrevem a irrecorribilidade
(art. 18) e os efeitos de decisão judiciária da sentença arbitral (art. 31)” (STF. Agravo Regimental na
Sentença Estrangeira n. 5.206 – Reino da Espanha. Revista Trimestral de Jurisprudência, p. 908-910).
23
BARROCAS. Manual de arbitragem, p. 53-56.
24
BARROCAS. Manual de arbitragem, p. 56.

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primeiro com promulgação do Decreto-Lei nº 243/84, de 17 de julho que, a


posteriori, foi considerado inconstitucional e, derradeiramente com o surgi-
mento da Lei de Arbitragem Voluntária — Lei nº 31/86, de 29 de agosto — que
encontra-se em vigor até os dias atuais.

3  Convenção de arbitragem
O Código de Processo Civil alemão, no §1029, traz a definição de convenção
de arbitragem. O nº 1 determina que a convenção arbitral é o acordo entre as
partes em submeter à decisão de um tribunal arbitral total ou parcialmente os
litígios que entre elas ocorrem ou que venham a surgir futuramente, pertinentes
a uma determinada relação contratual ou extracontratual.25
Manuel Barrocas conceitua a convenção de arbitragem como sendo “o acordo
pelo qual as partes se vinculam a submeter os litígios existentes a um tribunal arbi-
tral. Por esse acto de vontade, as partes determinam que os litígios entre si, emer-
gentes de uma certa relação jurídica, contratual ou extracontratual, que tenham já
surgido ou que venham a surgir no futuro, serão resolvidos por um terceiro através
de uma decisão que formará caso julgado e é susceptível de ser executada”.26
A Convenção de arbitragem é a forma de submeter as contendas à arbi-
tragem, e compreende a cláusula compromissória e o compromisso arbitral,
institutos diversos.27 Nos pontos seguintes analisar-se-ão as duas figuras e seus
respectivos efeitos, de acordo com a lei brasileira e a lei portuguesa.

3.1  Cláusula compromissória vs. compromisso arbitral: conceitos


A cláusula compromissória é a convenção, por meio da qual as partes obri-
gam-se a submeter as disputas que eventualmente possam surgir em decorrência
de determinada relação, à arbitragem. É ultimada antes da instalação litígio, como
previsão contratual relativa à forma de solucionar-se contendas, caso surjam.28

25
§1029 “Begriffsbestimmung.
(1) Schiedsvereinbarung ist eine Vereinbarung der Parteien, alle oder einzelne Streitigkeiten, die zwischen
ihnen in Bezug auf ein bestimmtes Rechtsverhältnis vertraglicher oder nichtvertraglicher Art entstanden
sind oder künftig entstehen, der Entscheidung durch ein Schiedsgericht zu unterwerfen”.
26
BARROCAS. Manual de arbitragem, p. 143.
27
De acordo com o art. 3º da Lei de Arbitragem brasileira, “as partes interessadas podem submeter
a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a
cláusula compromissória e o compromisso arbitral”.
28
Consultar SILVA. Arbitragem, mediação e conciliação. In: LEITE (Coord.). Grandes temas da atuali-
dade, v. 7, p. 23.

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O art. 4º da Lei de Arbitragem brasileira conceitua a cláusula compromissória


como sendo “a convenção através da qual as partes em um contrato comprome-
tem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente
a tal contrato”.29 No seu art. 9º, a mesma norma traz definição de compromisso
arbitral, como sendo “a convenção através da qual as partes submetem um litígio
à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial”.30
A LAV portuguesa unificou no seu art. 1º, que trata da convenção de arbi-
tragem, as duas tipologias. O nº 2 do referido artigo traz a noção dos institutos
atrelados ao seu objeto, quando dispõe que, “a convenção de arbitragem pode
ter por objecto um litígio actual, ainda que se encontre afecto a tribunal judicial
(compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de uma determinada rela-
ção jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória)”.31
Note-se que em ambos os ordenamentos faz-se uma diferenciação entre as
duas figuras, entretanto, não nos mesmos termos. Os dois sistemas jurídicos, de uma
forma ou de outra, atrelam a cláusula compromissória ao comportamento de com-
promisso de submeter futuros litígios, de uma relação contratual ou extracontratual,
à arbitragem. O compromisso arbitral diz respeito a um litígio atual, já instalado.
No sistema jurídico lusitano, a existência de uma cláusula compromissória
válida, per se, se mostra bastante para dar ocasião a futura realização de uma arbi-
tragem, prescindindo a sua revalidação por um compromisso arbitral ou qualquer
outro ato.32

29
Norma análoga é encontrada no Código de Processo Civil francês: Article 1442: “La clause
compromissoire est la convention par laquelle les parties à un contrat s’engagent à soumettre à
l’arbitrage les litiges qui pourraient naître relativement à ce contrat”.
30
No sistema anterior à Lei nº 9.307/96, dois caracteres primordiais podiam ser destacados em rela-
ção à arbitragem no plano interno: a diferenciação entre cláusula compromissória e compromisso,
e a necessidade de homologação do laudo arbitral por autoridade judiciária. Assim, a cláusula
compromissória existente em contrato, dispondo sobre a submissão de eventuais contendas
à arbitragem não constituía garantia de formação do juízo arbitral. O asseguramento vinha do
compromisso, que obrigava sua realização, reproduzindo a expressão de vontade das partes pela
realização da arbitragem, após o surgimento da lide. Neste sentido, cfr. DOLINGER; TIBÚRCIO.
Direito internacional privado: arbitragem comercial internacional, p. 21-22.
31
Neste sentido, se manifestou Acórdão do STJ português:
“I – A clausula compromissória tem uma eficacia identica a do compromisso arbitral, com a dife-
rença de este versar sobre litigio pendente e aquela sobre litigio futuro.
II – O compromisso arbitral, tal como a clausula compromissória, vincula as partes a sujeição da
decisão do litigio por árbitros.
III – Cabe a ambas partes discutir e fixar, por acordo, o objecto do litígio, no acto de nomeação de
árbitros, resolvendo o juiz, na falta desse acordo” (STJ. Processo nº 074664; Rel. Frederico Baptista;
j. 16.12.1986; BMJ, n. 362, ano 1987, p. 509).
32
“Quando as partes, tendo convencionado uma cláusula compromissória, celebrem após o surgi-
mento do litígio, um outro acordo referente à resolução por arbitragem, a natureza deste acordo

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No Brasil, faz-se necessária uma maior atenção às nuances sobre esta questão,
sendo necessária uma especial atenção à questão da cláusula compromissória “cheia”
e cláusula compromissória “em branco” ou “vazia”.

3.2  Cláusula compromissória cheia


Não obstante a lei brasileira ter contemplado os dois instrumentos, a dou-
trina especializada e a jurisprudência passaram a admitir a instauração da arbi-
tragem, no plano interno, com fundamento na cláusula compromissória, sem a
necessidade de celebração do compromisso arbitral, com fulcro no art. 5º da LAB.33
Desta forma, na existência de uma cláusula compromissória cheia — aquela
que prevê as regras sobre a forma de instituição da arbitragem, remetendo às regras
de algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada (arbitragem ins-
titucional) ou outra forma convencionada para a instituição da arbitragem (arbi-
tragem ad hoc) — o estabelecimento da arbitragem dar-se-á com a ida a esses
órgãos ou de acordo com o procedimento expressamente pactuado. Não existe,
neste caso, a obrigação da parte que desejar dar início ao procedimento arbitral,
fazer uso da execução específica, prevista no art. 7º da LAB, para a celebração do
compromisso em juízo.34
Inclusive, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal35 brasileiro já mani-
festou-se no sentido da desnecessidade de se fazer uso do mecanismo existente
no art. 7º da LAB, a não ser que se trate de cláusula compromissória “em branco”,

e a sua relação com a cláusula compromissória devem ser determinados por interpretação. As
partes podem ter pretendido a revogação da cláusula compromissória, substituindo-a por um
compromisso arbitral, ou apenas modificá-la e/ou complementá-la” (BARROCAS. Manual de ar-
bitragem, p. 171).
33
Art. 5º “Reportando-se as partes, na cláusula compromissória, às regras de algum órgão arbitral
institucional ou entidade especializada, a arbitragem será instituída e processada de acordo com
tais regras, podendo, igualmente, as partes estabelecer na própria cláusula, ou em outro docu-
mento, a forma convencionada para a instituição da arbitragem”.
34
DOLINGER; TIBÚRCIO. Direito internacional privado: arbitragem comercial internacional, p. 33. Em
sentido contrário, se manifesta o jurista português Manuel Pereira Barrocas, quando afirma que
segundo a lei do Brasil, “a existência de uma cláusula compromissória não dispensa a celebração
de um compromisso arbitral que, se não for acordado pelas partes, é levado a tribunal judicial
para que o juiz estabeleça os temos do compromisso se as partes, perante ele, não acordarem.
Em suma, sem compromisso arbitral não há arbitragem. Por nós, acreditamos que esta forma
complexa em assegurar execução à cláusula compromissória atrasa a resolução do litígio, reti-
rando à arbitragem uma das suas virtudes: a celeridade” (BARROCAS. Manual de arbitragem, cit.,
p. 171, nota 31). Data maxima venia, não deve prosperar o entendimento do jurista português,
uma vez que, essa situação apenas se aplica às cláusulas compromissórias “em branco”.
35
Em seu voto vista, o então Ministro do STF, Nelson Jobim, apontou por desnecessário o uso do art. 7º
para o caso de cláusulas com remissão às regras de órgão ou entidade e para as cláusulas com

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que nada mais é do que o acordo de vontades em submeter eventuais litígios à


arbitragem, sem indicar, entretanto, a forma de instituição da arbitragem.
O art. 6º da LAB36 prevê a possibilidade de uma reunião (procedimento extra-
judicial) para colmatar as omissões da cláusula “em branco”, cuja falta de compa-
rência da outra parte dá ensejo à execução específica da cláusula.

3.3  Autonomia da cláusula compromissória


Uma questão comumente suscitada diz respeito à autonomia da cláusula
compromissória: a invalidade do contrato em que a cláusula está inserida acarreta
ou não a nulidade da própria cláusula compromissória? Em outras palavras: nulo
o contrato, nula a cláusula, ou a convenção de arbitragem continua sendo eficaz e
válida mesmo diante da nulidade contratual? Essa resposta parece ser facilmente
encontrada tanto na LAV portuguesa, como na LAB brasileira.
No direito brasileiro, o art. 8º da LAB estabelece que “a cláusula compromissó-
ria é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nuli­
dade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória”.
No direito português, esse princípio da autonomia encontra abrigo no nº 2
do art. 21º da Lei de Arbitragem Voluntária, onde está disposto que “a nulidade do
contrato em que se insira uma convenção de arbitragem não acarreta a nulidade

pacto sobre instituição. Entente por aplicável o mecanismo do art. 7º da Lei nº 9.307/96 apenas
para as denominadas “cláusulas em branco”, que é a cláusula que não contenha “acordo prévio
sobre a forma de instituir a arbitragem (Art. 6º, primeira parte). Nesse caso, a cláusula não se
reporta nem às regras de órgão ou entidade especializada, nem mesmo possui qualquer disci-
plina quanto à questão. Cláusula dessa natureza chamo de ‘cláusula compromissória em branco’,
tudo porque não tem disposição nenhuma quanto à instituição da arbitragem. O que ela contém
é tão-somente o pacto de submeter à arbitragem os conflitos que decorrem da relação contratual,
seja ela, quanto ao objeto, uma cláusula ‘universal’, ‘parcial’ ou ‘singular’. Para esse tipo ‘em branco’
a lei tem norma específica”. Após citar o art. 6º da LAB, o Ministro continua seu voto a afirmar que
“está prevista uma notificação para se ‘dar início à arbitragem’, ou seja, para instituir-se a arbitra-
gem com a assinatura do compromisso arbitral. [...] A lei vai mais longe. Ela disciplina a hipótese
do não comparecimento da parte convocada ou de sua negativa expressa. [...] A lei criou uma
ação judicial com procedimento especial. Está no art. 7º” (STF. Agravo Regimental na Sentença
Estrangeira n. 5.206 – Reino da Espanha. Revista Trimestral de Jurisprudência, p. 949-951).
36
Art. 6º Não havendo acordo prévio sobre a forma de instituir a arbitragem, a parte interessada
manifestará à outra parte sua intenção de dar início à arbitragem, por via postal ou por outro
meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, convocando-a para,
em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral.
Parágrafo único. Não comparecendo a parte convocada ou, comparecendo, recusar-se a firmar
o compromisso arbitral, poderá a outra parte propor a demanda de que trata o art. 7º desta Lei,
perante o órgão do Poder Judiciário a que, originariamente, tocaria o julgamento da causa.

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Da convenção de arbitragem – Efeitos e responsabilidade pelo descumprimento no Brasil e em Portugal 137

desta, salvo quando se mostre que ele não teria sido concluído sem a referida
convenção”.37
Pode-se dizer que a presença de tais dispositivos nas legislações regulado-
ras da arbitragem no Brasil e em Portugal traduz o empenho do legislador na con-
servação negocial, restando clara a eficácia interna da função social do contrato
para as partes da avença.38

3.4  Natureza jurídica da convenção de arbitragem


No direito brasileiro o incumprimento da cláusula compromissória arbitral
leva à possibilidade da execução específica prevista no art. 7º da LAB, como restará
demonstrado adiante. Mais melindroso, e cheia de nuances, se mostra o caso de
incumprimento do compromisso arbitral. Mas antes de indicar os possíveis efeitos
do não cumprimento do compromisso, na esfera processual e na esfera civil, cum-
pre-se discorrer brevemente sobre a natureza jurídica do compromisso arbitral.
Conforme indica-se na doutrina hodierna,39 a ideia do compromisso é fun-
damentalmente mais ampla do que a de arbitragem, uma vez que é por meio do
primeiro que as partes remetem à segunda, com intuito de resolver seus conflitos
de interesses. Em resumo, pode-se dizer que “o compromisso é contrato, a arbi-
tragem é jurisdição; o compromisso é um contrato que gera efeitos processuais”.40
Portanto, parece ser arrazoada a ideia de conferir ao compromisso arbitral a natu-
reza jurídica de contrato, e à cláusula compromissória, a natureza, grosso modo, de
cláusula contratual.

37
Tal entendimento já se encontra cristalizado na jurisprudência, como se depreende de excerto de
um julgamento do Tribunal da Relação de Lisboa: “A nulidade, substancial ou formal, do contrato
não afecta a cláusula compromissória nele inserta, que subsiste, desde que não se mostre que o
contrato não seria concluído sem a referida cláusula” (RL; j. 27.11.2003; CJ, 2003-V, p. 100).
38
Neste sentido, assevera Flávio Tartuce que “a função social do contrato é associada à tendência
de conservação do contrato ou negócio jurídico, sendo a extinção do contrato o último caminho,
a última medida, a última ratio”. TARTUCE, Flávio. “Arbitragem: algumas interações entre o direito
material e o direito processual – função social do contrato, ética na arbitragem e abuso processual”
(cit., p. 12).
39
Consultar GAGLIANO; PAMPLONA FILHO. Novo curso de direito civil, p. 249.
40
Conforme afirma TARTUCE. Arbitragem: algumas interações entre o direito material e o direito
processual: função social do contrato, ética na arbitragem e abuso processual. Revista Magister de
Direito Civil e Processual Civil, p. 8. O mesmo autor, na página seguinte do mesmo escrito, assevera
que basta uma leitura atenta da Lei de Arbitragem brasileira, para vislumbrar dentro da própria
legislação quantas vezes a mesma faz menção aos verbetes “contrato”, “contratar”, o que leva ao
entendimento de que a própria LAB procurou dar-lhe uma feição contratual. Pertinente alertar
que no presente escrito está em causa o instituto contrato, e não o documento contrato.

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3.5  Descumprimento da convenção de arbitragem


Feitas essas considerações basilares e fundamentais sobre a arbitragem e
as modalidades em que a convenção de arbitragem pode revestir-se, os pontos
seguintes ocupam-se do tema propriamente dito, nomeadamente da análise das
consequências jurídicas do incumprimento da convenção, em dois domínios de
concretização: os efeitos provenientes da própria legislação especial (LAB e LAV)
e os efeitos oriundos dos Diplomas Processuais Civis do Brasil e de Portugal, além
da menção dos eventuais efeitos dentro da esfera da responsabilidade civil.

3.5.1  Efeitos do descumprimento da cláusula compromissória no


Brasil
Diferentemente do que acontecia na legislação pretérita,41 se a parte que for
convocada a comparecer para acordar em relação aos termos do compromisso
arbitral não cumprir sua obrigação, a outra parte tem a possibilidade de convocá-la
judicialmente, mediante procedimento especial.42 No caso de não comparecimen-
to ou na eventualidade de recusa em determinar os termos da arbitragem, o juiz
proferirá sentença e, se procedente, será equivalente ao compromisso arbitral,

41
No direito anterior, a doutrina e a jurisprudência dividiam-se em três correntes: a que não con-
feria eficácia alguma à cláusula compromissória; a que a via como simples obrigação de fazer,
prevendo que do seu incumprimento caberia pleito por perdas e danos; e a terceira, que defen-
dia a execução específica da cláusula compromissória. Para uma análise mais detalhada das três
correntes doutrinárias e jurisprudenciais, consultar BARBI FILHO. Execução específica da cláusula
arbitral. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, p. 32; DOLINGER; TIBÚRCIO.
Direito internacional privado: arbitragem comercial internacional, p. 22-23.
42
Sobre a questão, manifestou-se em erudito voto, a Ministra Ellen Gracie, onde afirmou que “ao
institutir a execução específica da cláusula compromissória, a Lei nº 9.307/96 afastou o obstáculo
que, até então, tornava praticamente inexistente a arbitragem em nosso país. Toda vez que se
quisesse furtar a uma solução célere da controvérsia — ou mesmo, ao simples reconhecimento
de sua responsabilidade pela quebra do contrato — à parte inadimplente bastava recusar-se a
firmar o compromisso arbitral. Ao juízo era vedado substituir-se a esta sua manifestação — ainda
que a controvérsia, perfeitamente delimitada, decorresse exatamente do desenvolvimento natu-
ral do contrato e versasse sobre direitos de natureza disponível. [...] Negar possibilidade a que
a cláusula compromissória tenha plena validade e que enseje execução específica importa em
erigir em privilégio da parte inadimplente o furtar-se à submissão à via expedita de solução da
controvérsia, mecanismo este pelo qual optara livremente, quando da lavratura do contrato ori-
ginal em que inserida essa previsão. É dar ao recalcitrante poder de anular condição que — dada
a natureza dos interesses envolvidos — pode ter sido consideração básica à formação da avença”
(STF. Agravo Regimental na Sentença Estrangeira n. 5.206 – Reino da Espanha. Revista Trimestral
de Jurisprudência, p. 998-999).

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Da convenção de arbitragem – Efeitos e responsabilidade pelo descumprimento no Brasil e em Portugal 139

tendo em consideração os requisitos dele. Nesta situação, o processo arbitral de


desenvolverá normalmente, fora do Judiciário.43
É o mecanismo de execução específica previsto no art. 7º da LAB: “Existindo
cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitra-
gem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para compa-
recer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência
especial para tal fim”.44
Existente a cláusula compromissória, sua eficácia é inegável de modo a abo-
nar futuro ataque a qualquer resistência na instauração da arbitragem. De acordo
com o disposto na LAB, sua eficácia possui duplo alcance e finalidade: atende ao
fim de afastar a jurisdição estatal (eficácia negativa)45 e, na ocorrência de oposição
ao estabelecimento do processo arbitral, assegura ao credor essa possibilidade

43
Neste sentido se manifesta AMARAL. Arbitragem: oportunidades, riscos e desafios. In: LEITE (Coord.).
Grandes temas da atualidade, p. 4.
44
Art. 7º
§1º O autor indicará, com precisão, o objeto da arbitragem, instruindo o pedido com o documento
que contiver a cláusula compromissória.
§2º Comparecendo as partes à audiência, o juiz tentará, previamente, a conciliação acerca do lití­
gio. Não obtendo sucesso, tentará o juiz conduzir as partes à celebração, de comum acordo, do
compromisso arbitral.
§3º Não concordando as partes sobre os termos do compromisso, decidirá o juiz, após ouvir o
réu, sobre seu conteúdo, na própria audiência ou no prazo de dez dias, respeitadas as disposições
da cláusula compromissória e atendendo ao disposto nos arts. 10 e 21, §2º, desta Lei.
§4º Se a cláusula compromissória nada dispuser sobre a nomeação de árbitros, caberá ao juiz,
ouvidas as partes, estatuir a respeito, podendo nomear árbitro único para a solução do litígio.
§5º A ausência do autor, sem justo motivo, à audiência designada para a lavratura do compromisso
arbitral, importará a extinção do processo sem julgamento de mérito.
§6º Não comparecendo o réu à audiência, caberá ao juiz, ouvido o autor, estatuir a respeito do
conteúdo do compromisso, nomeando árbitro único.
§7º A sentença que julgar procedente o pedido valerá como compromisso arbitral.
45
AÇÃO DE COBRANÇA – CLÁUSULA ARBITRAL – AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO JUÍZO ESTADUAL
– IMPOSSIBILIDADE – No momento em que as partes convencionam a Arbitragem como forma
única de solução dos seus conflitos, porventura decorrentes do próprio contrato, apenas a juris-
dição privada é que será competente para decidi-los, inexistindo necessidade de observância
dos requisitos do §2º do art. 4º da Lei 9.307/96, quando não se tratar de contrato de adesão e o
aderente concorda com a estipulação (TJMG; AC nº 1.0702.07.378892-0/001; 12ª C. Cív.; Rel. Des.
Domingos Coelho; j. 23.09.2009).
ARBITRAGEM. OBRIGATORIEDADE DA SOLUÇÃO DO LITÍGIO PELA VIA ARBITRAL, QUANDO
EXISTENTE CLÁUSULA PREVIAMENTE AJUSTADA ENTRE AS PARTES NESTE SENTIDO. INTELIGÊNCIA
DOS ARTS. 1º, 3º e 7º DA LEI Nº 9.307/96. PRECEDENTES. Provimento neste ponto. Alegada ofensa
ao art. 535 do CPC. Não ocorrência. Recurso especial parcialmente provido (STJ; REsp nº 791.260;
Proc. 2005/0175166-1; RS; 3ª T.; Rel. Des. Conv. Paulo Furtado; DJE, 1º jul. 2010).

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legal (eficácia positiva). A única exceção a essa regra ocorre quando a cláusula é
inserida em contrato de adesão,46 de acordo com o art. 4º, §2º, da LAB.47
Na situação de resistência à instauração do processo arbitral, a LAB possui
mecanismos eficientes para a sua execução.48 Mas o que acontece no caso de uma
das partes ingressar com uma ação judicial, deixando de levar em conta a existên-
cia de uma cláusula compromissória? Qual a resposta do Judiciário a tal demanda?
O Código de Processo Civil brasileiro, em seu art. 267, VI, estabelece que ex-
tingue-se o processo, sem resolução de mérito, pela convenção de arbitragem.49
Note-se, porém, que para que tal fato ocorra, o réu deve alegar em sua defesa,50

46
AÇÃO CONSIGNATÓRIA CUMULADA COM REVISIONAL DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. ESCRITURA
PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. AUSÊNCIA DE CARACTERÍSTICAS DE CONTRATO DE
ADESÃO. LEI Nº 9.514/97. ADMISSIBILIDADE DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. LEI DE ARBITRAGEM.
I. Em se tratando de compra e venda de imóvel instrumentalizada por escritura pública, ausentes
as características de contrato de adesão, não há que se falar em revisão contratual ou nulidade
de cláusulas que foram livremente pactuadas entre as partes. II. A Lei nº 9.514/97, expressamente,
admite a cláusula compromissória nos contratos que versem sobre alienação fiduciária de imóvel
e, por não se tratar de contrato de adesão, deve prevalecer a convenção de arbitragem. III. A esco-
lha do juízo arbitral é lícita, e uma vez estipulada a convenção de arbitragem, nos termos da Lei
nº 9.307/96, fica excluída a competência da justiça comum para dirimir as controvérsias oriundas do
contrato, devendo o processo ser extinto sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, VII, do
CPC. Apelos conhecidos, mas prejudicados. Processo extinto sem julgamento de mérito. Sentença
cassada (TJGO; AC 92320-0/188; 1ª C.Cív.; Rel. Des. João Ubaldo Ferreira; DJGO, 16 jan. 2006).
47
Neste sentido, consultar MARTINS. A arbitragem no Brasil. Revista Síntese Direito Civil e Processual
Civil, p. 27.
48
Como já referido anteriormente, só será necessária a utilização do mecanismo de execução cons-
tante do art. 7º da Lei de Arbitragem brasileira no caso de cláusula compromissória “em branco”
ou “vazia”.
49
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. RENÚNCIA A JURISDIÇÃO ESTATAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM
JULGAMENTO DE MÉRITO. Havendo as partes convencionado a solução de controvérsia acerca do
contrato que pactuaram, conforme previsão do art. 3º e ss. da Lei nº 9.307/96, estabelecendo a
convenção de arbitragem, renunciam à jurisdição estatal, de modo que o processo instaurado
deve ser extinto sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, VI do CPC. II. Honorários advo-
catícios. Fixação. Valor da causa. Critério sem paradigma ou previsão legal. Considerando-se que
o caso trata-se de embargos à execução, para fixação da verba honorária o juiz não está adstrito
ao valor atribuído à causa, haja vista ausência de previsão legal de tal parâmetro. Aplica-se as dis-
posições do art. 20, §4º, do CPC. Apelo conhecido e parcialmente provido (TJGO; AC 83147-2/188;
Proc. 200402054746; Goiânia; 3ª C.Cív.; Rel. Des. João Waldeck Félix de Sousa; DJGO, 22 fev. 2005).
50
Na lição de Humberto Theodoro Júnior, “a contestação, em nosso sistema processual, não é ape-
nas um meio de defesa de ordem material ou substancial. Cabe ao réu usá-la, também, para as
defesas de ordem processual, isto é, para opor ao autor alegações que possam invalidar a relação
processual ou revelar imperfeições formais capazes de prejudicar o julgamento do mérito. Essas
arguições meramente processuais se revestem de caráter judicial, de maneira que seu exame e
solução hão de preceder a apreciação do litígio (mérito)”. Continua o processualista brasileiro por
dizer que “o juízo arbitral, nos casos em que a lei o permite (Lei nº 9.307, de 29.09.96), é modo
de excluir a aptidão da jurisdição para solucionar o litígio. Se as partes ajustaram o compromisso
para julgamento por árbitros, ilegítima será a atitude de propor ação judicial sobre a mesma lide.
A defesa processual que opõe à ação a preexistência de compromisso arbitral é peremptória”
(THEODORO JÚNIOR. Curso de direito processual civil, v. 1, p. 346-347).

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Da convenção de arbitragem – Efeitos e responsabilidade pelo descumprimento no Brasil e em Portugal 141

preliminarmente, antes de discutir o mérito, a existência de convenção de arbitragem,


de acordo com o art. 301, IX,51 não podendo o juiz reconhecer a existência da con-
venção de ofício, em virtude do disposto no §4º52 do mesmo dispositivo.53
Neste sentido, o STJ,54 revendo seu posicionamento anterior, passou a enxer­
gar como inafastável a extinção de um processo judicial sem apreciação do mérito
se, quando evocada a existência de cláusula compromissória arbitral, já estava em
pelo vigor a LAB, ainda que o contrato tenha sido celebrado anteriormente à sua
vigência, uma vez que as normas processuais possuem aplicabilidade imediata.55 56

51
Art. 301. Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar:
[...]
IX – convenção de arbitragem;
52
Art. 301
[...]
§4º Com exceção do compromisso arbitral, o juiz conhecerá de ofício da matéria enumerada neste
artigo.
53
ARBITRAGEM. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA E COMPROMISSO ARBITRAL. REQUISITOS DA
LEI Nº 9.307/96 NECESSIDADE. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM CONHECIMENTO DE OFÍCIO.
IMPOSSIBILIDADE. EXTINÇÃO DO PROCESSO. Para a estipulação da cláusula compromissória ou
compromisso arbitral devem ser respeitados os requisitos esculpidos no art. 4º e seguintes da
Lei nº 9.302/96, sob pena de ineficácia do instrumento de vinculação. O Código Processual Civil
veda, no art. 301, §4º, o reconhecimento, de ofício, da convenção de arbitragem pelo juiz para
dar ensejo à extinção do feito sem julgamento de mérito, vez que a mesma necessita ser arguida
pelo réu por se tratar de matéria de defesa (TJGO; AC nº 98927-0/188; 4ª C.Cív.; Rel. Des. Almeida
Branco; DJGO, 29 ago. 2006).
54
Processual civil. Recurso especial. Cláusula arbitral. Lei de Arbitragem. Aplicação imediata.
Extinção do processo sem julgamento de mérito. Contrato internacional. Protocolo de Genebra
de 1923.
– Com a alteração do art. 267, VII, do CPC pela Lei de Arbitragem, a pactuação tanto do compro-
misso como da cláusula arbitral passou a ser considerada hipótese de extinção do processo sem
julgamento do mérito. – Impõe-se a extinção do processo sem julgamento do mérito se, quando
invocada a existência de cláusula arbitral, já vigorava a Lei de Arbitragem, ainda que o contrato
tenha sido celebrado em data anterior à sua vigência, pois, as normas processuais têm aplicação
imediata. – Pelo Protocolo de Genebra de 1923, subscrito pelo Brasil, a eleição de compromisso
ou cláusula arbitral imprime às partes contratantes a obrigação de submeter eventuais conflitos
à arbitragem, ficando afastada a solução judicial. – Nos contratos internacionais, devem preva-
lecer os princípios gerais de direito internacional em detrimento da normatização específica de
cada país, o que justifica a análise da cláusula arbitral sob a ótica do Protocolo de Genebra de
1923. Precedentes. Recurso especial parcialmente conhecido e improvido (STJ; 3ª Turma; REsp
nº 712.566 – RJ (2004/0180930-0), Rel. Min. Nancy Adrighi, j. 18.08.2005).
55
Cfr. GAJARDONI. A arbitragem nos tribunais estatais (10 anos de jurisprudência). In: LEITE (Coord.).
Grandes temas da atualidade, p. 190.
56
Também no sentido da aplicabilidade imediata das normas da LAB, já havia se manifestado o
Supremo Tribunal Federal, em mais de uma ocasião:
SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA. PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO. CONTRATO DE AFRETAMENTO.
REQUISITOS PREVISTOS NO REGIMENTO INTERNO DO STF E NA LEI Nº 9.307/96 (LEI DA
ARBITRAGEM). Tendo as normas de natureza processual da Lei nº 9.307/96 eficácia imediata,

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142 Marianna Chaves

3.5.2  Efeitos do descumprimento do compromisso arbitral no Brasil


Este ponto nos remete, ao que foi discorrido supra, relativamente à situa­
ção do descumprimento da cláusula arbitral no direito brasileiro. Na corrente
sistematização da LAB, as duas espécies de convenção de arbitragem possuem
eficácia análoga relativamente ao processo estatal. A existência de convenção de
arbitragem, em qualquer das suas formas, é motivo de extinção do processo sem
julgamento do mérito, salvo em caso de distrato ou renúncia à via arbitral.57
Diante do que foi exposto, entende-se — dentro de uma percepção pós-­
moderna58 — que a cláusula compromissória é uma cláusula contratual e, desta
forma, o compromisso arbitral é um contrato, cujo escopo fundamental — em
ambos os casos — é a solução de eventuais contentas por meio de um tribunal
arbitral, ou seja, que a arbitragem seja efetivada. Tal dedução mostra-se essencial
para o que se pretende neste ponto: a defesa da incidência do princípio da boa-fé
objetiva na arbitragem.
Como desdobramento da aplicação da boa-fé objetiva na arbitragem, temos
a proibição de comportamento contraditório — venire contra factum proprium.
A situação fundamental onde o comportamento contraditório pode se verificar
é na ocorrência de os contratantes elegerem a arbitragem — seja por meio da

devem ser observados os pressupostos nela previstos para homologação de sentença arbitral es-
trangeira, independentemente da data de início do respectivo processo perante o juízo arbitral.
Pedido que cumpre os requisitos dos arts. 37 a 39 da mencionada lei, bem como os dos arts. 216
e 217 do RI/STF. Homologação deferida (STF. Tribunal Pleno; Sentença Estrangeira Contestada
nº 5.828 – Reino da Noruega; Rel. Min. Ilmar Galvão; j. 06.12.2000).
HOMOLOGAÇÃO DE LAUDO ARBITRAL ESTRANGEIRO. REQUISITOS FORMAIS: COMPROVAÇÃO.
CAUÇÃO: DESNECESSIDADE. INCIDÊNCIA IMEDIATA DA LEI Nº 9.307/96. CONTRATO DE ADESÃO:
INEXISTÊNCIA DE CARACTERÍSTICAS PRÓPRIAS. INAPLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. 1. Hipótese em que restaram comprovados os requisitos formais para a homo-
logação (RISTF, artigo 217). 2. O Supremo Tribunal Federal entende desnecessária a caução em
homologação de sentença estrangeira (SE nº 3.407, Rel. Min. Oscar Corrêa, DJ de 07.12.84). 3.
As disposições processuais da Lei nº 9.307/96 têm incidência imediata nos casos pendentes de
julgamento (RE nº 91.839/GO, Rafael Mayer, DJ de 15.05.81). 4. Não é contrato de adesão aquele
em que as cláusulas são modificáveis por acordo das partes. 5. O Código de Proteção e Defesa
do Consumidor, conforme dispõe seu artigo 2º, aplica-se somente a “pessoa física ou jurídica que
adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Pedido de homologação deferido
(STF. Sentença Estrangeira Contestada n. 5.847 – Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do
Norte. Revista Trimestral de Jurisprudência, p. 868-869).
57
CÂMARA. Parecer: arbitragem: interpretação de cláusula compromissória: redução do objeto do
processo estatal. In: CÂMARA. Escritos de direito processual: segunda série, p. 391.
58
Abraçando a tese de que o contrato seria “a relação jurídica subjetiva, nucleada na solidariedade
constitucional, destinada à produção de efeitos jurídicos existenciais e patrimoniais, não só entre
os titulares subjetivos da relação, mas também perante terceiros” (NALIN. Do contrato: conceito
pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional, p. 253).

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Da convenção de arbitragem – Efeitos e responsabilidade pelo descumprimento no Brasil e em Portugal 143

cláusula compromissória, seja por meio do compromisso arbitral — e, a posteriori,


alegam a nulidade da cláusula ou do contrato, o que não seria cabível em virtude
da boa-fé objetiva.59

3.5.3  Efeitos do descumprimento da convenção de arbitragem


em Portugal
Antes de analisar os efeitos do descumprimento da convenção de arbitra-
gem em território português, cumpre-se reafirmar que o efeito primordial desse
acordo é o de vincular as partes, a levar a decisão das contendas oriundas da rela-
ção abarcada pela convenção à arbitragem. Trata-se de consequência do princípio
pacta sunt servanda. Destarte, cada parte, reciprocamente, adquire o direito a que
um eventual litígio seja solucionado por arbitragem, e fica sujeita a que o seja.60
Assim, a parte que desejar instaurar o litígio no tribunal arbitral deverá noti­
ficar a parte contrária em relação a tal intuito. De tal notificação deverá constar
a convenção de arbitragem e o objeto do litígio, se não estiver já determinado
na convenção. Em tal aviso, deverá estar presente também a indicação do(s)
árbitro(s), se for o caso, de acordo com a exegese do art. 11º da LAV.61
Ficando o demandado silente em relação à nomeação do árbitro ou do ter-
ceiro que deveria indicar um ou mais árbitros, poderá o demandante recorrer ao
judiciário, para que o presidente do Tribunal da Relação — do lugar fixado para
a arbitragem ou do domicílio do demandante — faça a nomeação e, assim, se
constitua o tribunal arbitral, de acordo com o art. 12º, nº 1 da LAV. Diferentemente

59
Conforme indica SCHREIBER. A proibição de comportamento contraditório: tutela de confiança e
venire contra factum proprium, p. 50.
60
Neste sentido, consultar BARROCAS. Manual de arbitragem, p. 165.
61
Artigo 11º
(Constituição tribunal)
1 – A parte que pretenda instaurar o litígio no tribunal arbitral deve notificar desse facto a parte
contrária.
2 – A notificação é feita por carta registada com aviso de recepção.
3 – A notificação deve indicar a convenção de arbitragem e precisar o objecto do litígio, se ele não
resultar já determinado da convenção.
4 – Se às partes couber designar um ou mais árbitros, a notificação conterá a designação do árbi-
tro ou árbitros pela parte que se propõe instaurar a acção, bem como o convite dirigido à outra
parte para designar o árbitro ou árbitros que lhe cabe indicar.
5 – Se o árbitro único dever ser designado por acordo das duas partes, a notificação conterá a
indicação do árbitro proposto e o convite à outra parte para que o aceite.
6 – Caso pertença a terceiro a designação de um ou mais árbitros e tal designação não haja ainda
sido feita, será o terceiro notificado para a efectuar e a comunicar a ambas as partes.

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144 Marianna Chaves

do que defende-se no direito brasileiro, a doutrina lusitana62 entende que não se


trata de execução específica, mas de constituição forçada do tribunal arbitral.
Fixada tal ideia, vem à baila a mesma pergunta que emergiu quando do tra-
tamento da matéria em território brasileiro. O que se passará, na ocorrência de
uma das partes intentar ação em tribunal judicial, olvidando-se da existência da
convenção de arbitragem? Quais são as consequências processuais de tal atitude?
Analogamente ao que verificou-se no ordenamento brasileiro — não obs-
tante a terminologia seja diversa — parece que os efeitos, dentro do Direito
Processual Civil são os mesmos. O réu da ação, cujo objeto esteja submetido à
convenção de arbitragem — seja cláusula compromissória ou compromisso arbi-
tral63 — deverá na sua contestação, indicar a existência da mesma, em sede de
exceção. Trata-se de hipótese de exceção dilatória, prevista pelo art. 494º, al. j)64 do
CPC português,65 que obstará que o tribunal conheça do mérito da causa e dará
lugar à absolvição da instância, de acordo o art. 493º, nº 2 do mesmo diploma.66
Note-se que semelhantemente ao que ocorre no direito brasileiro, o tribunal não
poderá conhecer de ofício a exceção dilatória de preterição do tribunal arbitral
voluntário, em virtude do disposto no art. 495º do CPC.

62
Como afirma BARROCAS. Manual de arbitragem, p. 226.
63
A excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral (art. 494º, nº 1, al. h), do Cód. Proc. Civil)
abarca quer o compromisso arbitral, quer a cláusula compromissória. (RP, Acórdão de 09.05.1995,
Col. Jur. Ano 1995, n. 3, p. 208).
64
Antiga alínea h). Por tal fato, em alguns julgados — mais antigos — citados serão encontradas
referências à alínea h).
65
I – O compromisso arbitral versa sobre litígio presente, ao passo que a cláusula compromissória
versa sobre litígio futuro; mas tanto aquele como esta vinculam as partes à sujeição da decisão do
litígio a árbitros, que, no primeiro caso, são logo nomeados pelas partes; e, no segundo, terão de
o ser por elas quando surgir um litígio abrangido pela cláusula, ou, na falta de escolha, pelas par-
tes, o serão pelo Tribunal. II – Constitui cláusula compromissória e é inteiramente válida aquela
em que as partes estipulam que em caso de sinistro, a avaliação dos bens seguros e dos prejuízos
será feita entre o segurado — mesmo que o seguro produza efeitos a favor de terceiros ou tenha
sido celebrado por conta de outrem — e a seguradora. III – A violação de uma tal cláusula consti-
tui a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral previsto na al. h) do nº 1 do art. 494º do
CPC (RL, Processo nº 0006676, Rel. Pires Salpico, j. 05.04.1990, BMJ, n. 396, ano 1990, p. 423).
66
ARTIGO 493º
(EXCEPÇÕES DILATÓRIAS E PEREMPTÓRIAS – NOÇÃO)
1. As excepções são dilatórias ou peremptórias.
2. As excepções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à
absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal.
ARTIGO 494º
(EXCEPÇÕES DILATÓRIAS)
São dilatórias, entre outras, as excepções seguintes:
[...]
j) A preterição do tribunal arbitral necessário ou a violação de convenção de arbitragem.

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Da convenção de arbitragem – Efeitos e responsabilidade pelo descumprimento no Brasil e em Portugal 145

A invocação da convenção de arbitragem pelo demandado na ação iniciada


no judiciário é a materialização do seu direito potestativo. A submissão traduz-se
na impossibilidade de as partes na convenção de arbitragem recusarem a mesma,
ou seja, a impossibilidade de obstar a organização e o funcionamento do tribunal
arbitral. A prerrogativa do presidente do tribunal da relação de nomear árbitros
em todos os casos em que se omita a sua nomeação, de acordo com o art. 12º,
nº 1, da LAV, é uma consagração deste regime. Uma das mais evidentes formas de
impedir a execução da convenção de arbitragem é, destarte, solucionada por este
meio. Note-se que este efeito da convenção é oriundo da própria, e, ainda que na
forma de cláusula compromissória, é desnecessária qualquer declaração ulterior
de confirmação.67
No caso de ação judicial intentada quando o processo arbitral já está em
curso, também faz-se necessário que o demandado alegue a exceção de violação
da convenção de arbitragem, sob pena de se considerá-la caduca.

4  Responsabilidade processual por litigância de má-fé?


O último ponto do presente estudo é, talvez, o mais polêmico e o que seja
capaz de suscitar as maiores dúvidas. Está a possibilidade de responsabilização
processual por litigância de má-fé presente na arbitragem? A resposta parece ser
positiva, seja por meio da interpretação da legislação vigente ou da exegese de
excertos doutrinários.
Não se vê, na doutrina portuguesa, a possibilidade de pleito por perdas
e danos pelo ingresso de ação judicial, em descumprimento à convenção de
arbi­tragem.68 Entretanto, a mesma doutrina ventila a possibilidade de respon-
sabilidade por “litigância de má-fé”69 dentro do processo arbitral70 e até mesmo
responsabilidade civil das partes por atraso na prolação da sentença.

67
BARROCAS. Manual de arbitragem, p. 166.
68
Esse é o entendimento de BARROCAS. Manual de arbitragem, p. 166.
69
Coloca-se entre aspas, por tal comportamento — dentro da arbitragem — não estar expressa-
mente tipificado na LAV ou no Diploma Processual Civil.
70
Neste sentido, assevera o especialista em Arbitragem, Manuel Barrocas, que “não é coerente e é,
em suma, contra as regras da boa fé que as partes tenham acordado submeter o seu litígio ou
litígios a arbitragem e, uma vez tal facto tenha ocorrido, adoptem uma atitude tendente a impe-
dir ou a dificultar a constituição do tribunal arbitral ou pratiquem atos hostis à arbitragem e ao
desenvolvimento normal da acção arbitral. Igualmente, não é admissível que, sabendo as partes
como funciona a arbitragem, com as suas vantagens e desvantagens relativamente aos tribunais
judiciais, minimizem ou impeçam a verificação daquelas e fomentem estas últimas, nomeada-
mente não cumprindo decisões ou meras solicitações do tribunal arbitral no sentido de colaborar
com uma correcta produção da prova ou o estabelecimento adequado da verdade dos factos”
(BARROCAS. Manual de arbitragem, p. 227).

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Assim, entende-se que o incumprimendo do dever de boa-fé dentro do


processo arbitral, a parte que de forma dolosa ou em virtude de negligência
grave atrase, injustificadamente e com puro intento protelador, a pronúncia da
sentença arbitral pode não apenas ser condenada em custas — nos termos que
o tribunal arbitral repute apropriados à sua conduta —, mas também poderá ser
responsabilizado civilmente pela outra parte, caso reste demonstrada a existência
de danos indenizáveis relativos ao fato.71
No caso do direito brasileiro, a resposta parece ser ainda mais clara. O art. 27
da LAB dispõe que “a sentença arbitral decidirá sobre a responsabilidade das par-
tes acerca das custas e despesas com a arbitragem, bem como sobre verba decor-
rente de litigância de má-fé, se for o caso, respeitadas as disposições da convenção
de arbitragem, se houver”.
Sobre o dispositivo em questão, opina a doutrina brasileira no sentido de
que o legislador inseriu a presciência por cautela, sendo cabíveis as penalizações
por dolo processual independentemente de autorização da convenção arbitral
ou pedido da parte. A norma incidirá existindo comportamento indesejável no
curso do processo ou, ainda, abuso do direito de demandar.72
Para ilustrar a situação — se fazendo uma interação entre o processo judi-
cial e o processo arbitral — pode-se dizer que haverá litigância de má-fé quando
uma das partes mantém pedido ou apresenta recurso em uma ação interposta
em tribunal judicial quando já tenha sido iniciado o procedimento arbitral, com
provável intuito de obter uma vantagem descabida.73 Também estará configurada
a presença da litigância de má-fé quando uma parte, num primeiro momento, se
recusa a cumprir o estipulado em cláusula compromissória e, a posteriori, já em
instância judicial, invoca a existência de tal cláusula para tentar afastar a juris-
dição estatal, em patente comportamento contraditório.74 São comportamentos

71
BARROCAS. Manual de arbitragem, p. 227.
72
CARMONA. Arbitragem e processo, p. 299.
73
Neste sentido, julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: CIVIL – APELAÇÃO – AÇÃO
DECLARATÓRIA – FALTA DE INTERESSE SUPERVENIENTE – OCORRÊNCIA – ARBITRAGEM POSTERIOR
AO AJUIZAMENTO DO FEITO – PRESENÇA DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA – EXTINÇÃO DO
FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO – INCISO VII DO ARTIGO 267 DO CPC. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
– OCORRÊNCIA. Deve ser negado provimento ao recurso contra a sentença que extinguiu o feito
judicial por ausência de interesse processual por terem as partes instituído o procedimento arbi-
tral. Deve ser reduzida a pena de litigância de má-fé quando o montante foi arbitrado acima do
legalmente previsto. Majoram-se os honorários advocatícios quando a fixação ocorreu em valor
irrisório para a causa em discussão (TJMG; 11ª C. Cível; AC nº 1.0283.05.001235-2/002(1); Rel. Des.
Afrânio Vilela, j. 17.12.2008).
74
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO CUMULADA COM
COBRANÇA E ENCARGOS DA LOCAÇÃO. COMPROMISSO ARBITRAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM

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Da convenção de arbitragem – Efeitos e responsabilidade pelo descumprimento no Brasil e em Portugal 147

expressamente repudiados pelo Diploma Processual Civil brasileiro. No primeiro


caso, pare clara a incidência dos comportamentos previstos nos incisos III, VI e VII
do art. 17 do CPC. O segundo caso parece estar albergado pelo inc. I do mesmo
dispositivo.75
Além da responsabilidade processual, em havendo quebra da boa fé obje­
tiva, tem-se entendido que basta a prova da quebra da confiança para que o
lesionado faça jus à indenização. Em outras palavras: a perquirição da culpa é
dispensável, não existindo tal ônus da prova para aquele que suportou as conse-
quências do abuso. Nas relações existentes entre os sujeitos envolvidos na arbi-
tragem — partes e árbitros — o abuso de direito deve ser vedado, sob pena de
responsabilização objetiva dos mesmos, principalmente nas hipóteses em que
houver infração à eticidade e à boa-fé objetiva.76

5  Considerações finais
Diante de tudo o que foi exposto no presente estudo, é imperioso ressaltar
algumas questões e cumpre-se retirar algumas conclusões:
1. Para que o mecanismo da arbitragem funcione eficazmente, se faz ne-
cessário o chamado “dialógo das fontes”, uma interação entre o Direito

RESOLUÇÃO DO MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONDENAÇÃO REDUZIDA.


INTELIGÊNCIA DO ART. 18 DO CPC. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. A convenção de arbi-
tragem é pressuposto processual de ordem negativa e que acarreta a extinção do processo sem
resolução do mérito, caso a parte invoque a justiça comum para dirimir controvérsia existente
entre os contratantes. A discordância da parte, sem justo motivo, na escolha do árbitro, no juízo
arbitral, habilita o Poder Judiciário dirimir a controvérsia, mormente quando ela alega a nulidade
da cláusula compromissória e não indica o árbitro para solucionar a questão. É litigante de má-fé
a parte que recusa a cumprir cláusula de compromisso arbitral e depois, em juízo, a invoca para
afastar a atuação do Estado-juiz. A condenação, portanto, deve observar o disposto no art. 18,
caput, do Código de Processo Civil. Efetuar o pagamento do aluguel e encargos da locação é obri-
gação elementar e principal do locatário. Caracterizada a lesão pelo inadimplemento da obrigação
assumida pelo inquilino, impõe-se a sanção tanto pela rescisão do contrato de locação quan-
to pela condenação no pagamento do aluguel em atraso. Apelação conhecida e parcialmente
provida (TJMG; Processo nº 1.0024.05.796559-2/001(1); 17ª C. Cível; Relª. Desª. Márcia de Paoli
Balbino; j. 03.08.2006).
75
Art. 17. “Reputa-se litigante de má-fé aquele que: I – deduzir pretensão ou defesa contra texto
expresso de lei ou fato incontroverso; II – alterar a verdade dos fatos; III – usar do processo para
conseguir objetivo ilegal; IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V – pro-
ceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI – provocar incidentes
manifestamente infundados; VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório”.
76
Neste sentido, se manifesta TARTUCE. Arbitragem: algumas interações entre o direito material e
o direito processual: função social do contrato, ética na arbitragem e abuso processual. Revista
Magister de Direito Civil e Processual Civil, p. 26.

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Material e o Direito Processual, já que em nem todos os casos a legislação


especial será capaz de oferecer a solução sozinha.
2. Dito isto, pode-se afirmar que a regulação da arbitragem, no Brasil pela
Lei nº 9.307/96 e em Portugal pela Lei nº 31/86, se mostra genuinamente
eficaz, mormente, em virtude da existência de diversos mecanismos
para instauração do procedimento arbitral e conservação negocial, que
traduz-se na materialização da função social do contrato e autonomia
da vontade das partes — já que foi o elemento volitivo das mesmas, e
apenas ele, que deu origem ao intuito de submeter os eventuais litígios
oriundos de suas relações à arbitragem.
3. Fala-se em função social do contrato, porque, do conceito hodierno de ins-
tituto, depreende-se que a convenção de arbitragem, nomeadamente na
forma de compromisso arbitral, constitui um verdadeiro contrato, que deve
ser regido, dentre outros, pelo princípio da boa-fé.
4. Seja por via da execução específica da cláusula compromissória, possibili-
dade existente no ordenamento brasileiro, seja por meio da constituição
forçada do tribunal arbitral, situação possível dentro do ordenamento
português, a verdade é que, diante de uma convenção de arbitragem,
válida e eficaz, dificilmente as partes conseguirão, a posteriori, impedir
que eventuais litígios sejam submetidos à arbitragem, exceto em caso de
renúncia ao procedimento arbitral.
5. A existência de convenção de arbitragem válida, no caso de tentativa de
interpor ação judicial, em descumprimento daquela, levará aos mesmos
efeitos no Brasil e em Portugal: extinção do processo, sem apreciação do
mérito.
6. É patente que a litigância de má-fé dentro do procedimento arbitral
poderá restar configurada e ser punida, dentro dos dois sistemas legais.
No caso brasileiro, a legislação expressamente trata da possibilidade. No
caso português, a doutrina especializada leva ao mesmo entendimento.
A jurisprudência brasileira vai ainda mais longe, reconhecendo a possi-
bilidade de responsabilizar por litigância de má-fé, aquela parte que se
recusa a cumprir cláusula de compromisso arbitral e, posteriormente,
em juízo, a invoca em claro procedimento contraditório. Trata-se de claro
embaraço aos comportamentos de venire contra factum proprium.
7. Tendo o compromisso arbitral como um contrato, pode-se, inclusive,
falar-se em responsabilidade civil por incumprimento de obrigação con-
tratual, e todas as consequências daí decorrentes, desde que presentes

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Da convenção de arbitragem – Efeitos e responsabilidade pelo descumprimento no Brasil e em Portugal 149

os elementos configuradores da responsabilidade civil: fato, ilicitude,


culpa ou dolo do lesante, dano e, por óbvio, o nexo de causalidade. Mas
a possibilidade de responsabilização civil não para por aí: restando pro-
vado o abuso do processo, estar-se-á diante de caso de responsabilidade
objetiva, caso em que o abusador processual poderá ser responsabilizado,
sem fazer-se necessária a análise da culpabilidade da sua conduta.

Abstract: This study aims to bring up questions about the non-performance


of the compromise, which currently covers the arbitration clause, and the
compromise and settlement in accordance with the provisions of Law
nº 9.307/96. The idea is to provide an overview of the matter under Brazilian
law, in comparison with what determines the Portuguese law, which support
base is in the Law n. 31/86. The analysis of this paper will stick to domestic
and voluntary arbitration, excluding international arbitration which would
immeasurably extend its object.

Key words: Compromise. Arbitration clause. Compromise and settlement.


Disregard. Brazil. Portugal. Vexatious Proceeding.

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Da convenção de arbitragem – Efeitos e responsabilidade pelo descumprimento no Brasil e em Portugal 151

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arbitral. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 26, p. 43-46, set./out. 2008.
WAGNER JÚNIOR, Luiz Guilherme da Costa. Processo civil: curso completo. 2. ed. Belo Horizonte: Del
Rey, 2008.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

CHAVES, Marianna. Da convenção de arbitragem: efeitos e responsabilidade pelo descumpri-


mento no Brasil e em Portugal. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte,
ano 21, n. 82, p. 127-151, abr./jun. 2013.

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Dos fundamentos axiológicos dos
modelos probatórios (clássico, moderno
e contemporâneo)

Eduardo Cunha da Costa


Especialista em Direito Processual Civil pela UFRGS.
Doutorando em Direito pela Universidade de Buenos Aires.
Procurador do Estado do Rio Grande do Sul.

Resumo: Este trabalho propõe a sistematização, sob uma análise comparativa,


dos diferentes conceitos e métodos probatórios. Neste estudo, serão ana-
lisados os aspectos formais e fundamentos teóricos dos modelos clássico,
moderno e contemporâneo de prova. Este ensaio está estruturado em cinco
partes: (1) uma primeira parte em que são analisadas as premissas histórico-­
culturais dos modelos probatórios; (2) uma segunda parte na qual os méto-
dos argumentativos de convencimento são desenvolvidos em uma relação
assimétrica baseada na crença da prevalência da retórica sobre a lógica; (3) uma
terceira parte em que os métodos demonstrativos de prova são desenvol-
vidos com base no conceito de tratamento isonômico pelo qual a lógica
prevalece sobre a retórica; (4) uma quarta parte em que são estudados os
fundamentos axiológicos do modelo de prova no processo civil contempo-
râneo; e, por fim, (5) uma quinta parte em que é abordado o modelo contem-
porâneo de prova.

Palavras-chave: Direito probatório. Fundamentos axiológicos. Prova. Direito


processual.

Sumário: 1 Introdução – 2 Premissas histórico-culturais dos modelos proba-


tórios – 3 Ordem isonômica e prova argumentativa – 4 Ordem assimétrica
e prova demonstrativa – 5 Premissas axiológicas do modelo probatório no
processo civil contemporâneo – 6 Modelo probatório de polaridade assi-
métrica e o conceito de prova no processo contemporâneo – 7 Conclusão
– Referências

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1 Introdução
O direito probatório, como sub-ramo do direito processual, está intimamente
condicionado pelas premissas jusfilosóficas prevalecentes em cada momento da
cultura humana.
Como consequência dessa influência filosófico-cultural, tem-se que em cada
modelo probatório (clássico, moderno e contemporâneo — classificação mera-
mente didática) haverá uma diversa determinação do que seja relevante na inda-
gação posta.
Assim, pode-se constatar no chamado modelo clássico de prova a presença
de um caráter seletivo do conhecimento e relativo do fato. Diante da constante
presença do problema do erro, da falibilidade humana, nela é limitado o campo
de indagação, com a renúncia ao conhecimento do fato na sua totalidade.
A concepção moderna de prova, por sua vez, fruto que é do iluminismo, do
racionalismo, busca um alargamento do campo de indagação para melhor conhe­
cimento dos fatos (total evidence), procurando conhecer o fato em sua inteireza,
tal qual em uma operação técnica. O conceito moderno de prova, portanto, passa
a ser demonstrativo, firme na crença de que nenhum conhecimento é ao homem
vedado.
Por fim, o modelo contemporâneo de prova decorre da presença constante
dos princípios constitucionais vigentes, conjugando características ora de prova
argumentativa, ora de prova demonstrativa, mostrando-se de um modelo de pola-
ridade assimétrica.

2  Premissas histórico-culturais dos modelos probatórios


O processo não consiste em um fenômeno unitário e homogêneo,1 mas, ao
contrário, tem “o seu tecido interno formado pela confluência das idéias, projetos
sociais, utopias, interesses econômicos, sociais, políticos e estratégias de poder
reinantes em determinada sociedade, com notas específicas de tempo e espaço”.2
A ciência do direito processual, portanto, carrega consigo a inexorável
influên­cia da axiologia humana, visto que o processo é um fenômeno cultural, o
qual refletirá, invariavelmente, os valores reinantes em determinada sociedade e
em dado momento do desenvolvimento humano.

1
GIULIANI. Ordo iudiciarius medioevale (Riflessioni su un modello puro di ordine isonomico). Rivista
di Diritto Processuale, p. 598.
2
OLIVEIRA. A garantia do contraditório. In: OLIVEIRA. Do formalismo no processo civil, 2003, p. 227.

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Dessa forma, a evolução do direito processual, como fenômeno cultural,


produto exclusivo do homem e por consequência empolgado pela liberdade, não
encontrável in rerum natura,3 esteve sempre ligada aos valores de cada momento
histórico, acompanhando a própria evolução do homem.
Como prova irrefutável da influência da cultura, esta entendida como a espi­
ritualidade inerente à realidade humana socialmente considerada,4 observa-se,
como bem colocado por Daniel Mitidiero,5 que o direito processual vivenciou qua-
tro grandes linhas metodológicas, passando de uma fase praxista (ou sincretista)
para uma exacerbada dicotomia entre direito processual e direito material, que se
pode chamar de processualismo, passando deste para o instrumentalismo e, por
derradeiro, para a fase do formalismo-valorativo.6
Cada uma dessas fases teve uma forte influência cultural, refletindo sempre
os valores da sua época, o que, de per se, já é suficiente para tornar incontestável
o caráter cultural do processo.
Essa ligação entre o processo e o momento histórico-cultural vivido pelo
homem alcança, da mesma forma, a prova judiciária, um dos elementos centrais
do processo.
Nesse diapasão, para que se possa compreender o momento atual da evo-
lução do direito probatório, mister se faz o entendimento do caminho percorrido
pelo processo, especialmente dos modelos probatórios por ele adotados, ao longo
do seu desenvolvimento.
Diante disso, observa-se que o próprio conhecimento no processo, não só
da questão de fato, mas também da questão de direito, pressupõe um questiona-
mento preliminar acerca da prevalência da retórica sobre a lógica ou desta sobre
aquela.7

3
OLIVEIRA. A garantia do contraditório. In: OLIVEIRA. Do formalismo no processo civil, 2003, p. 227.
4
Idem, p. 17.
5
Idem, p. 18 e MITIDIERO. Elementos para uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro, p. 16.
6
Para Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, a primeira fase da história do direito processual desco-
nheceu a sua autonomia e a intervenção estatal na sua regulação. A segunda fase, por sua vez,
chamada de procedimentalismo pelo preclaro jurista gaúcho, era ainda sincrética, ou seja, não
distinguia o processo do direto material, caracterizando-o como mero adjetivo. Essa fase é inter-
calada por uma transição, chamada de conceitualismo, com a obra de Oskar Bülow, surgindo a
construção dogmática das bases científicas dos institutos processuais. Mais tarde viria a fase do
instrumentalismo, no qual o processo é visto como instrumento da realização do direito material.
Por fim, a quarta fase é a do formalismo-valorativo, na qual o processo, além da técnica, é visto
como fenômeno cultural, produto do homem, e não da natureza (Cf. OLIVEIRA. Do formalismo no
processo civil, 3. ed.).
7
GIULIANI, op. cit., p. 598.

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Esse perene conflito entre retórica e lógica teve como resultado ora a
preponderância de uma, ora a de outra, ao sabor das vicissitudes de cada mo-
mento histórico, cujas implicações se refletem diretamente no processo.
Disso, como ressalta Giuliani,8 embora retórica e lógica não estejam em opo-
sição, mas se complementem na construção do conceito de ordem, com o pre-
domínio de uma ou de outra, formaram-se duas opostas ideias de ordem. Uma,
a que se deu o nome de isonômica, em que prevalecem os princípios da retórica,
e outra, chamada assimétrica, em que predominam os parâmetros estabelecidos
pela lógica.
O conceito de prova, da mesma sorte, está intimamente ligado à ideia de
ordem, pois, nas palavras de Giuliani:

Senza ordine, non é possibile una forma correta di conoscenza, come è


rivellato dalle forme prelogiche della mente umana, legate ai meccanismi
psicologici della memoria e del ricordo.9

A ordem representa o princípio da racionalidade e da economia da investi-


gação, permitindo a seleção de informações relevantes dentre as diversas que se
apresentam como passíveis de prova.10
As grandes alterações se dão porque as soluções oferecidas pela retórica ao
problema do papel do juiz e das partes em juízo são opostas às oferecidas pela lógica.
Observe-se que, em qualquer dessas ordens, ocorre tão somente uma pre-
ponderância da retórica sobre a lógica ou vice-versa, mas não uma total suplanta-
ção dos princípios de uma ou de outra.
É em cada uma delas que prevalece, também, o conceito clássico e o conceito
moderno de prova, respectivamente, de modo que, para que se possa delinear as
características de cada uma dessas concepções do direito probatório, faz-se neces-
sário um breve escorço acerca do contexto em que se insere o que se convencionou
chamar de ordem isonômica e ordem assimétrica.
As diferenças entre os dois conceitos de prova estão, precipuamente, nas
premissas jusfilosóficas de cada um, consistindo na determinação absolutamente
diversa daquilo que é relevante na indagação, ou seja, estão em sua base uma
“análise oposta do fato”.11

8
GIULIANI. Prova in generale: A) Filosofia del dirito. In: ENCICLOPEDIA del diritto, XXXVII, p. 519.
9
Idem.
10
GIULIANI, Alessandro. Prova in generale: A) Filosofia del dirito. In: ENCICLOPEDIA del diritto, XXXVII,
p. 519.
11
KNIJNIK. Os standards do convencimento judicial: paradigmas para o seu possível controle.
Revista Forense, p. 22.

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Dos fundamentos axiológicos dos modelos probatórios (clássico, moderno e contemporâneo) 157

Danilo Knijnik, citando Alessandro Giuliani, afirma que:

A concepção clássica põe em evidência o caráter seletivo do conheci-


mento e relativo do fato: dominada como é, pelo problema do erro, trata
de limitar rigidamente o campo da indagação, renunciando ao conheci-
mento do fato em sua totalidade. A concepção moderna vê, ao contrário,
no alargamento do campo de indagação o meio para um melhor conhe-
cimento dos fatos (o princípio da “total evidence”): a determinação do
fato parece uma operação em certo sentido técnica, e o mundo dos fatos
parece ter uma autonomia completa, tornando possível a introdução de
critérios quantitativos numéricos para seu acertamento.12

Para fins didáticos,13 portanto, convencionou-se aludir a um modelo segundo


o qual a prova é um argumento persuasivo destinado a convencer o julgador da
oportunidade de aceitar como possível uma certa versão dos fatos relevantes para
a decisão; e outro, em que a prova é entendida como um instrumento demonstra-
tivo, cuja finalidade é o conhecimento científico da verdade dos fatos relevantes
para a decisão.14
Esses modelos estão em constante relação de polaridade, variando o seu
vetor consoante os valores postos em questão.15

3  Ordem isonômica e prova argumentativa


Para a ordem isonômica, a possibilidade de uma verdade prática depende da
realização de uma cooperação involuntária entre os participantes de uma discussão.16
Contudo, a investigação, em tal ordem, deve evitar tanto a tentação da
demons­tração científica, quanto a vitiosa argumentatio.17 Isso porque essa ordem
não é nem pré-constituída, como um sistema, nem espontânea, e encontra o remé-
dio à falibilidade do juízo na divisão do conhecimento e na definição (actio finium
regundorum) dos papéis dos participantes da lide (julgador, partes e testemunhas).
Na ordem isonômica, há um constante temor de uma perversio ordinis, seja
proveniente de odiosa intervenção externa, seja decorrente do abuso do processo
pelas partes. Isso se constata, claramente, na obra de Ioannes Saresberiensis
(nome latino) ou John of Salisbury, em que ele sustenta ser o processo coisa das

12
Idem.
13
KNIJNIK. A prova nos juízos cível, penal e tributário, p. 10.
14
TARUFFO. Modelli di prova e di procedimento probatorio. Rivista di Diritto Processuale, p. 420-421.
15
KNIJNIK. A prova nos juízos cível, penal e tributário, p. 11.
16
GIULIANI. Prova in generale: A) Filosofia del dirito. In: ENCICLOPEDIA del diritto, XXXVII, p. 523.
17
Idem.

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partes, não do juiz, sendo deste a função de controlar o juízo das partes, sem,
todavia, substituí-lo pelo seu próprio, em violação ao princípio do contraditório e
em detrimento das alternativas argumentativas que lhe são apresentadas.18
Alessandro Giuliani,19 citando o seguinte trecho da obra Policraticus, de John
of Salisbury, afirma que, no momento introdutório do processo, não apenas as
partes, mas também os causídicos se obrigavam a não lançar mão de manobras
que resultariam em abuso do processo, ressaltando a preocupação com a manu-
tenção da ordem:

Para que mais rapidamente se esclareça a verdade das coisas, os próprios


litigantes, certamente os principais sujeitos, não serão admitidos pelo
juiz à lide antes que em sacramento [sob juramento] afirmem que busca-
rão a justiça e se afastarão de qualquer calúnia, ou também os próprios
advogados das partes, para que mais fiel possa ser o exame, da própria
contestação da lide, jurarão pela verdade e pela fé que buscarão o que
é justo e verdadeiro com toda a sua virtude e com toda a sua força, na
condução de seus clientes, sem abandonar nenhum estudo, dentro do
possível, e que deliberadamente não protrairão as lides. Isso porque elas
devem ser julgadas pelos juízes dentro de dois ou três anos. (Policraticus,
Livro V, cap. 13).20

É, também, a problemática do erro que imprime à metodologia da inves-


tigação um caráter seletivo na base de uma lógica da relevância, concebida em
regras de exclusão,21 ou seja, a sempre presente ideia do erro, de falibilidade do
próprio conhecimento humano, traz como consequência a busca de meios de
evitação do equívoco.22
O conceito clássico de prova está inserido, portanto, em uma concepção
filosófica, segundo a qual o fato não pode ser conhecido em sua totalidade, sendo
apenas adquirido por meio de probabilidade.

18
GIULIANI. Ordo iudiciarius medioevale (Riflessioni su un modello puro di ordine isonomico). Rivista
di Diritto Processuale, p. 610.
19
Idem, p. 610, nota 29.
20
No original: “Ut vero rerum veritas citius illucescat, litigatores ipsos, personas videlicet principales, non
ante ad litem Iudex admittet, quam ei praestito sacramento faciant fidem, quod iustitiae insistent, et
calumniam omnem procul facient, seu et ipsi patroni causarum, quo fidelior possit esse examinatio,
ab ipsa contestatione litis, iuramento arctantur ad veritatem et fidem, iurantes quod cum omni
virtute sua, omnique ope, quod iustum et verum examinaverint, clientibus suis inferre procurabunt,
nihil studii relinquentes prout cuique possibile est; et quod ex industria sua non protahent lites. Nam
eas oportet a iudicibus infra biennium vel triennium terminari” (tradução nossa).
21
GIULIANI. Prova in generale: A) Filosofia del dirito. In: ENCICLOPEDIA del diritto, XXXVII, p. 531.
22
KNIJNIK. Os standards do convencimento judicial: paradigmas para o seu possível controle. Revista
Forense, p. 22.

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Nesse contexto, o contraditório constitui princípio basilar da ordem isonômica,


visto que ele oferece ao juiz um conhecimento que nenhuma mente individual
poderia alcançar sozinha:

Il contraddittorio offre al giudice un sapere che nessuna mente individuale


potrebbe ricercare autonomamente: l’interesse delle parti serve inconsa-
pevolmente alla ricerca della verità pratica, irriducibile ad una verità neces-
saria peculiare delle scienze dimostrative.23

Mais do que isso, nas palavras de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, “o contra-
ditório representa o único método e instrumento para a investigação dialética da
verdade provável” no ambiente cultural da ordem isonômica. Valemo-nos, ainda,
das magistrais palavras do jurista gaúcho para explicar o contexto e as idiossin-
crasias dessa ordem:

O processo, fartamente influenciado pelas idéias expressas na retórica e


na tópica aristotélica, era concebido e pensado como ars dissedendi e ars
oponendi et respondendi, exigindo de maneira intrínseca uma paritária
e recíproca regulamentação do diálogo judiciário. Dado que nas matérias
objeto de disputa somente se poderia recorrer à probabilidade, a dialética se
apresentava, nesse contexto, como uma ciência que ex probabilibus procedit,
a impor o recurso ao silogismo dialético. Na lógica do provável, implicada
em tal concepção, a investigação da verdade não é o resultado de uma ra-
zão individual, mas do esforço combinado das partes, revelando-se implí-
cita uma atitude de tolerância em relação aos “pontos de vista” do outro
e o caráter de sociabilidade do saber. A dialética, lógica da opinião e do
provável, intermedeia o certamente verdadeiro (raciocínio apodítico) e o
certamente falso (raciocínio sofístico). No seu âmbito, incluem-se os pro-
cedimentos não demonstrativos, mas argumentativos, enquanto pressu-
põem o diálogo, a colaboração das partes numa situação controvertida,
como no processo. Em semelhante ambiente cultural, o contraditório
representa o único método e instrumento para a investigação dialética
da verdade provável, aceito e imposto pela prática judiciária à margem
da autoridade estatal, decorrente apenas da elaboração doutrinária, sem
qualquer assento em regra escrita.24

O conceito de prova típico, portanto, da ordem isonômica, ou seja, o conceito


clássico, consiste em uma prova argumentativa: probatio quidem est rei dubiae et

23
GIULIANI. Ordo iudiciarius medioevale (Riflessioni su un modello puro di ordine isonomico). Rivista
di Diritto Processuale, p. 606.
24
OLIVEIRA. A garantia do contraditório. In: OLIVEIRA. Do formalismo no processo civil, p. 228-229.

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per argumenta iudici faciens fidem (a prova, portanto, é esclarecer [tornar fidedigna]
ao juiz, por meio de argumentos, uma coisa dúbia — tradução nossa).25
Conforme afirma Giuliani,26 clássica é a concepção de prova como argumentum,
tendo sido de Cícero a definição mais madura, segundo a qual, argumentum est ratio
quae rei dubiae faciat fidem (argumento é a razão que esclarece uma coisa dúbia —
tradução nossa).
Essa frase de Cícero foi extraída de sua clássica obra Topica, em cujo contexto
se lê:

[6] Toda ratio disserendi diligente possui duas partes, uma inventiva (de
encontrar) e a outra judicativa (de julgar), sendo Aristóteles, ao que me
parece, o criador de ambas. Os Estóicos, por sua vez, elaboraram-nas. A
judicativa é diligentemente perseguida pela ciência chamada Dialética,
enquanto a arte inventiva, chamada tópica, a qual melhor era ao uso e
certamente anterior pela ordem da natureza, foi totalmente abandonada.
[7] Nós, porém, visto que ambas são dotadas de suma utilidade, e, se pos-
sível, pensamos em pesquisá-las, começando pela primeira. Visto que é
fácil encontrar as coisas escondidas por meio de um locus (lugar) demons-
trado e conhecido, dessa forma, quando desejamos investigar um argu-
mento, devemos conhecer os locos (lugares); assim, elas são chamadas
por Aristóteles, por assim dizer, a sede da qual os argumentos emergem.
[8] Dessarte, pode-se definir o locus como a sede do argumento, o qual, por
sua vez, é a razão que esclarece uma coisa dúbia.27

Esse conceito de prova como argumentum, no dizer de Michele Taruffo,28


está compreendido em um procedimento probatório caracterizado por desen-
volver-se por meio do diálogo entre as partes e dar-se perante um juiz passivo, ou
seja, sem o poder de intervir na prova dos fatos (iudex non potest in facto supplere).
Esses fatores é que vão caracterizar a ordem como isonômica.

25
GIULIANI. Prova in generale: A) Filosofia del dirito. In: ENCICLOPEDIA del diritto, XXXVII, p. 530.
26
GIULIANI. Il concetto di prova: contributo alla logica giuridica, p. XI.
27
No original: “[6] Cum omnis ratio diligens disserendi duas habeat partis, unam inveniendi alteram
iudicandi, utriusque princeps, ut mihi quidem videtur, Aristoteles fuit. Stoici autem in altera ela-
boraverunt; iudicandi enim vias diligenter persecuti sunt ea scientia quam dialektikon appellant,
inveniendi artem quae topika dicitur, quae et ad usum potior erat et ordine naturae certe prior,
totam reliquerunt. [7] Nos autem, quoniam in utraque summa utilitas est et utramque, si erit
otium, persequi cogitamus, ab ea quae prior est ordiemur. Ut igitur earum rerum quae abscon-
ditae sunt demonstrato et notato loco facilis inventio est, sic, cum pervestigare argumentum
aliquod volumus, locos nosse debemus; sic enim appellatae ab Aristotele sunt eae quasi sedes, e
quibus argumenta promuntur. [8] Itaque licet definire locum esse argumenti sedem, argumentum
autem rationem quae rei dubiae faciat fidem” (tradução nossa).
28
TARUFFO. Modelli di prova e di procedimento probatorio. Rivista di Diritto Processuale, p. 420.

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Diante disso, visto que pertencentes ao passado, os fatos têm em sua


reconstrução valorações opostas, incumbindo às partes a apresentação das suas
versões como duas hipóteses argumentativas, dentre as quais cabe ao julgador
escolher uma.
A verdade dos fatos, nesse contexto, nunca é absoluta, mas é dada pela
hipó­tese mais provável, ou seja, com maiores elementos de confirmação.
A formação do conceito clássico de prova delineia-se ainda na Antiguidade,
entre os séculos V e I a.C.29 É, porém, no período justinianeu que se fixam os cha-
mados princípios clássicos da prova, que, até então, não passavam de responsa a
questionamentos feitos em casos concretos.30
Como assevera Giuliani, foi com base nos textos contidos no Corpus justinianeu
que, a partir da Idade Média, se fez possível construir a lógica da prova no mundo
ocidental.31
Assim, o conceito clássico de prova como argumentum está intimamente
ligado a uma ideia do normal, sendo que este não corresponde àquilo que nor-
malmente acontece (id quod plerumque accidit), mas àquilo que é eticamente pre-
ferível.32 Nas palavras de Giuliani, “esiste insomma una scala di probabilità, che è
conessa con un sistema di valori. I valori vivono nella disputa, nel dialogo, nella
ricerca: non esistono come un dato di conoscenza esterno ed oggettivo”.33
Todavia, é no chamado ordo iudiciarius medieval que essa concepção do
direito probatório encontra o seu auge, dominando na Europa do século XII ao
século XVII, quando cede lugar ao predomínio dos valores de uma outra ordem
(a assimétrica), não mais inspirada na dialética aristotélica, mas, sim, na lógica
ramista.
Desde a metade do século XIII, conexamente com o início do declínio da
retórica, a ideia de provável começou a transmudar-se e, lenta e progressiva-
mente, a adquirir um caráter objetivo, emergindo a ideia de normal como id quod
plerumque accidit.34 Surge a tentativa de superar os limites da verdade provável,
acreditando-se ser possível alcançar a verdade real.
Com essa alteração de paradigma, logo prevalecerá uma nova ordem, dire-
tamente influenciada pelos ideais lógico-científicos de sua época e especialmente
embasada na lógica ramista a partir do século XVI.

29
GIULIANI. Il concetto di prova: contributo alla logica giuridica, p. XI.
30
Idem, p. 109.
31
Idem.
32
GIULIANI. Il concetto di prova: contributo alla logica giuridica, p. 231.
33
Idem.
34
Idem, p. 233.

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162 Eduardo Cunha da Costa

4  Ordem assimétrica e prova demonstrativa


Com a difusão e a larga aceitação da lógica de Pierre de la Ramée, segundo
a qual a matemática constituía o protótipo sobre o qual se modelariam todas as
formas de conhecimento, a retórica e a prova argumentativa rendem-se à lógica
e à prova demonstrativa, sob os auspícios dos grandes desenvolvimentos científi-
cos experimentados na modernidade.
Houve, assim, uma passagem da ars disserendi à ars ratiocinandi, ligada à
dialética ramista, que ofereceu um status lógico às ideias latentes já mesmo na
segunda fase do ordo iudiciarius.35
O papel da lógica matemático-científica na prevalência da ordem assimé-
trica sobre a ordem isonômica consiste, principalmente, na crença na capacidade
humana de conhecer os fatos em sua totalidade. No dizer de Alessandro Giuliani:

La metodologia ramista della scoperta scientifica, benché trascurabile dal


punto di vista della storia, ha esercitato un grande fascino nell’evoluzione
delle idee moderne sul processo e sulla prova fino al XVIII secolo. Le ragioni di
questo successo vanno ricercate anzitutto nell’idea della verità oggettiva
o materiale: i fatti contingenti — anche nell’esperienza giudiziale — pos-
sono essere sottoposti alla verificazione e al controllo, come i fatti empirici.36

Não predomina mais o temor do erro, da injustiça, diante da falibilidade hu-


mana, mas, ao contrário, crê-se piamente que o homem possa alcançar a verdade
material por meio de um método científico. Como assevera Danilo Knijnik:

Identifica-se, pois, que, ao mesmo tempo em que as idéias atinentes ao


positivismo ganharam força, o sistema da prova haveria, necessariamente,
de sofrer a sua influência, pois, finalmente, a aceitação do modelo sub-
suntivista determinaria que a pesquisa de fato, até então concebida
dentro de uma premissa dialética e pluralista, pudesse ser concebida na
sua “totalidade absoluta”, na sua “verdade total e objetiva”, na sua “inde-
pendência” e “autonomia” quanto ao “mundo do direito”, desprezando-se,
com isso, a relatividade que lhe era imanente, a possibilidade do erro e
do equívoco.37

Somou-se a isso, para caracterizar por completo a mudança de paradigma,


com a prevalência de uma ordem assimétrica, a apropriação, pelo soberano, do

35
GIULIANI. Prova in generale: A) Filosofia del dirito. In: ENCICLOPEDIA del diritto, XXXVII, p. 549.
36
Idem, p. 552.
37
KNIJNIK. O recurso especial e a revisão da questão de fato pelo Superior Tribunal de Justiça, p. 75.

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Dos fundamentos axiológicos dos modelos probatórios (clássico, moderno e contemporâneo) 163

monopólio da legislação processual, campo que lhe era tradicionalmente vedado na


ordem isonômica. Tal passagem histórica é brilhantemente explicada por Carlos
Alberto Alvaro de Oliveira no excerto ora transcrito:

A mudança de perspectiva, introduzida pela lógica de Pierre de la Ramée


(século XVI), já antecipa uma alteração de rumo que busca incorporar
ao direito os métodos próprios da ciência da natureza, um pensamento
orientado pelo sistema, em busca de uma verdade menos provável, com
aspirações de certeza, a implicar a passagem do iudicium ao processus.
Tudo isso se potencializa, a partir do século XVII, com a estatização do
processo, com a apropriação do ordo iudiciarius pelo soberano, pelo
príncipe, que passa a reivindicar o monopólio da legislação em matéria
processual, tendência incrementada depois pelas idéias do iluminismo e
pelo verdadeiro terremoto produzido pela Revolução francesa.38

Desse modo, conforme célebre passagem de Nicola Picardi, não só no direito


probatório, mas também no direito processual como um todo, ocorre uma tran-
sição de um modo de pensar voltado para o problema, ou seja, tópico, para um
modo de pensar sistemático, embasado no saber científico:

L’applicazione della logica ramistica allo studio del processo rappresenta,


invece, il momento di transizione da un modo di pensare orientato
sul problema ad un modo di pensare sistemático, modellato sul sapere
scientifico; e la procedura, da una disciplina che studia verità “probabili”,
diviene, almeno tendenzialmente, una scienza delle verità “assolute”.39

As regras, nesse contexto histórico, não mais dependem dos princípios da


retórica, mas, sim, dos da lógica, a qual reivindica uma função legislativa, e não
meramente auxiliar.40
O triunfo, porém, do modelo assimétrico está estreitamente ligado à passa-
gem das provas racionais às provas legais, decorrente da vitória do soberano no
que concerne à sua intervenção na legislação processual.41 Vale citar a esclarece-
dora explicação de Alessandro Giuliani:

Il trionfo del modello asimmetrico, insinuatosi nella seconda fase della


procedura romano-canonica, resta legato al passagio dalle prove razionali
alle prove legali: ossia alla fortuna del sovrano nel’intervento, attraverso

38
OLIVEIRA. A garantia do contraditório. In: OLIVEIRA. Do formalismo no processo civil, 2003, p. 228-229.
39
PICARDI. Processo civile (dir. moderno). In: ENCICLOPEDIA del diritto, XXXVI, p. 111.
40
GIULIANI. Prova in generale: A) Filosofia del dirito. In: ENCICLOPEDIA del diritto, XXXVII, p. 539.
41
Idem, p. 542.

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164 Eduardo Cunha da Costa

la legislazione processuale, in un settore tradizionalmente contestatogli


(l’ordus iudiciarius). Sulla base di ben diversi contesti culturali ed istituzio-
nali, tra il XVII e il XVIII secolo si sono consolidati due opposti sistemi pro-
batori, costruiti come modelli puri rispettivamente dell’ordine isonomico
e dell’ordine asimmetrico: la law of evidence in Inghilterra e il Beweisrecht
in Prussia.42

Como afirma Nicola Picardi, até a Idade Moderna, o processo era considerado
fruto da manifestação da razão prática, não tendo regramento legislado:

Fino all’età moderna la procedura era considerata manifestazione di una


ragione pratica e sociale, che si era realizzata nel tempo attraverso la
collaborazione della prassi dei tribunali e della dottrina.43

Nesse influxo de ideias, inspiradas no cientificismo dominante na época,


chega-se a uma autonomia completa entre fato e direito, passando-se a encarar
aquele como algo externo, sem, porém, descurar da necessária relação entre o
fato e a consequência jurídica. Essa é a lição que nos dá Alessandro Giuliani:

[...] al mondo dei fatti viene riconosciuta una autonomia completa: quando
si ammette il fatto come qualcosa di esterno, oggettivo, viene meno
quell’aspetto di contrarietà nella ricerca, che nel passato era sembrato
essenziale, sotto l’influsso delle teoria retoriche e dialettiche. Se il giudice
deve porre a base della decisione il fatto confessato, derivano alcune
conseguenze dal punto di vista lógico: a) la questione di fatto è nettamente
separata dalla questione di diritto (che conosce solo il giudice); b) deve
esistere um rapporto di necessita fra il fatto e la conseguenza giuridica.44

Na ordem assimétrica, “a prova é entendida como instrumento demonstra-


tivo, voltado para o conhecimento científico da verdade dos fatos relevantes para
a decisão”.45 Seguindo, Hermes Zaneti Jr. explica que:

Neste modelo o procedimento é caracterizado pelo forte ativismo judi-


cial, ou seja, um juiz burocrata, presentante do Estado, que participa da
instrução probatória ativamente. Desta forma é considerado assimétrico,
justamente porque o juiz assume papel relevante na instrução e acaba
por desigualar a relação de isonomia entre as partes.46

42
GIULIANI. Prova in generale: A) Filosofia del dirito. In: ENCICLOPEDIA del diritto, XXXVII, p. 542.
43
PICARDI. Processo civile (dir. moderno). In: ENCICLOPEDIA del diritto, XXXVI, p. 114.
44
GIULIANI. Il concetto di prova: contributo alla logica giuridica, p. 208.
45
ZANETTI JR. O problema da verdade no processo civil: modelos de prova e de procedimento
probatório. In: ZANETTI JR. Introdução ao estudo do processo civil, p. 143.
46
Idem.

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Dos fundamentos axiológicos dos modelos probatórios (clássico, moderno e contemporâneo) 165

A partir dessa época, o direito, como ciência jurídica, passa a ter como ideal
uma ordenação exaustiva, dominado que é por um pensamento sistemático típico
de uma lógica cientificista.
A assimetria da ordem, contudo, veio aos poucos se mostrando, com a intro­
dução lenta e gradual da intervenção judicial nas questões fáticas, visto que, nesse
momento, iudex potest in facto supplere.
Exemplos marcantes nos são apresentados por Carlos Alberto Alvaro de
Oliveira, que, em sua obra Do formalismo no processo civil, explicita os caso da
Prússia, em cuja legislação processual de 1793 e 1795 conferiu ao juiz poderes
de se assegurar das verdadeiras condições dos fatos da causa, bem como o da
reforma promovida por Bellot, no Cantão de Genebra, em que ao juiz é dado até
mesmo investigar os fatos ex officio:

[...] os inconvenientes do procedimento do direito comum induziram


a Prússia, o principal Estado alemão, a tomar enérgicas medidas para
ampla reforma do Judiciário. Dentro de uma inspiração da função judicial
de molde inquisitório, os §§6º e 7º da Introdução à Ordenança Judicial
Geral (Allgemeine Gerichtsordnung) de 1793 e 1795 atribuíram ao juiz, de
modo significativo, o dever e, por conseqüência, o poder de se assegurar das
verdadeiras condições dos fatos da causa. O juiz, portanto, mesmo de ofício
estava autorizado a investigar o fundamento dos fatos surgidos no processo
e, tanto quanto necessário, trazê-los à luz para a correta aplicação da lei.47
No mar da passividade das primeiras décadas do século XIX, sobressai
como onda encapelada de grande porte a obra de Bellot, o projeto da
Loi de Procédure Civile do Cantão de Genebra, decretado pelo Conseil
Representatif et Souverain em 29 de setembro de 1819.
De modo verdadeiramente precursor, destina-se papel ativo ao juiz,
inclusive na investigação dos fatos da causa. No art. 150, o Code de Procédure
outorgou ao juiz a possibilidade de determinar de ofício o interrogatório das
partes, o juramento e ouvida de testemunhas, o exame pericial e exibição
de documentos, sempre que não estivesse suficientemente esclarecida a
verdade material.48

Dessa forma, na ordem assimétrica, claramente, privilegiam-se as operações


solitárias da mente do juiz, considerado advocatus partium generalis (advogado
geral das partes), nas palavras de Leibniz.49

47
OLIVEIRA. Do formalismo no processo civil, 2003, p. 37.
48
OLIVEIRA. Do formalismo no processo civil, 2003, p. 47.
49
GIULIANI. Prova in generale: A) Filosofia del dirito. In: ENCICLOPEDIA del diritto, XXXVII, p. 521.

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166 Eduardo Cunha da Costa

5  Premissas axiológicas do modelo probatório no processo civil


contemporâneo
Como já mencionado, o processo não consiste em um mero conjunto de
regras que regem a administração da justiça. Muito mais do que isso, o processo
é reflexo direto dos valores imperantes em uma sociedade.
Tomando emprestadas as palavras da conspícua professora Judith Martins-
Costa, o direito vive uma nova racionalidade (superando a razão monológica do
Iluminismo, totalitária e fechada, “[desconhecedora] das pulsões e dos desejos
do indivíduo dissolvido na massa, que escamoteia as substanciais desigualdades
econômicas e o jogo do poder que se desenrola na vida”), racionalidade essa que
se mostra mais aberta e substantiva, “capaz de submeter à sua jurisdição o reino
dos valores e de avaliar a maior ou menor racionalidade das normas”.50
Seguindo o pensamento da eminente civilista gaúcha, tem-se que cabe ao
direito a operacionalização das formas de manifestação dessa nova racionalidade,
de modo “a realizar o equilíbrio entre as formas de regulação abstrata e geral —
tendo em conta o princípio da segurança jurídica — e as formas de regulação
casuística e plural, para tanto considerando, com um relevo especial, as circuns-
tâncias do caso, as singularidades do livre desenvolvimento da personalidade, a
efetiva desigualdade substancial das partes contratantes, tendo em conta o prin-
cípio da justiça substancial”.51
Assim, o direito, mais do que se mostrar abstrato e geral, deve respeito às
situações individuais, observando constantemente valores e princípios como o
da segurança jurídica e o da justiça substancial, o qual tem por “base cultural a
idéia de Direito como experiência normada e como base axiológica o indivíduo
situado, a pessoa humana considerada como valor-fonte de todos os valores”.52
O papel da cultura, substantivo cuja origem é o verbo latino colere, cultum,
cujo significado é cultivar, é indubitável nos aspectos pertinentes ao conheci-
mento, à compreensão e à regulação das relações inter-humanas, inclusive as
jurídicas.53 Como bem esclarece Judith Martins-Costa, esse a priori cultural não é
absoluto ou imutável, pois “toda a cultura é histórica, constituindo, sempre, um

50
MARTINS-COSTA. Culturalismo e experiência no novo Código Civil. In: DIDIER JR.; MAZZEI (Org.).
Reflexos do novo Código Civil no direito processual, p. 24.
51
MARTINS-COSTA. Culturalismo e experiência no novo Código Civil. In: DIDIER JR.; MAZZEI (Org.).
Reflexos do novo Código Civil no direito processual, p. 24.
52
MARTINS-COSTA, op. cit., p. 25, sintetizando magistralmente a filosofia elaborada por Miguel
Reale.
53
Idem, p. 27.

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Dos fundamentos axiológicos dos modelos probatórios (clássico, moderno e contemporâneo) 167

processo de realização de valores que se compõem, continuamente, na dimensão


do tempo cultural”.54
Em suma, o direito processual, assim como todo o direito, é fenômeno cultu-
ral e, consequentemente, axiológico, estando sempre ligado “à experiência humana
concreta, à experiência de uma determinada sociedade, em determinado momento
de sua história”.55
Dessarte, como acertadamente assevera Carlos Alberto Alvaro de Oliveira,
“o estágio atual do desenvolvimento cultural da humanidade determina a neces-
sidade de se colocar à disposição dos sujeitos de direito um processo justo —
em que fiquem assegurados, pelo menos, os direitos fundamentais que lhe são
próprios (juiz imparcial, contraditório, motivação das decisões, direito à prova,
duração razoável etc.) — e que seja efetivo e eficaz”.56
Mais do que um processo efetivo e eficaz, portanto, a sociedade demanda
um processo justo, com respaldo em normas constitucionais, qual o princípio do
devido processo legal e as garantias do contraditório e da ampla defesa, aplicados
e interpretados à luz dos fundamentos axiológicos imperantes em determinada
sociedade e em determinado momento.
Para tanto, o processo é informado por dois valores essenciais, cujo escopo,
de ambos, é a concreta realização dos fins do próprio processo, agindo por meio
de uma orientação de todos os sujeitos atuantes no ambiente processual.57
Os valores da segurança jurídica e da efetividade, portanto, acabam por refletir
em todo o sistema jurídico, dada a sua origem axiológica superior, de caráter constitu-
cional, influindo, invariavelmente, na conformação interna do processo e na aplicação
adequada das técnicas já existentes.
Nas palavras do doutrinador gaúcho Carlos Alberto Alvaro de Oliveira,
“numa perspectiva deontológica, [o valor segurança e o valor efetividade consis-
tem em] normas principais que sobrepairam sobre as demais, embora sejam, por
sua vez, também instrumentais em relação ao fim último do processo, consistente
na realização da Justiça do caso concreto”.58
Nesse contexto de clara influência dos valores constitucionais sobre o di-
reito processual, tem-se que a efetividade, nas palavras de Carlos Alberto Alvaro
de Oliveira, “implica, em primeiro lugar, o direito da parte à possibilidade séria e

54
Idem.
55
Idem, p. 28 e OLIVEIRA. A garantia do contraditório. In: OLIVEIRA. Do formalismo no processo civil,
2003, p. 227.
56
OLIVEIRA. Teoria e prática da tutela jurisdicional, p. 124.
57
Idem.
58
Idem, p. 125.

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168 Eduardo Cunha da Costa

real de obter do juiz uma decisão de mérito, adaptada à natureza das situações
subjetivas tuteláveis, de modo a que seja plenamente satisfeita a necessidade de
tutela manifestada na demanda”.59
A segurança, por sua vez, é o fundamento da garantia do cidadão contra o
arbítrio estatal, sendo ela inafastável da própria noção de Estado de Direito.60
No âmbito do direito processual, a finalidade da segurança é assegurar a
concretização de um processo justo, este entendido não meramente como ofe-
recedor de meios processuais mínimos, mas também de resultados qualitativa-
mente diferenciados, “em que todos os institutos e categorias jurídicas são relidos
à luz da Constituição e o próprio processo civil é materialmente informado pelos
direitos fundamentais”.61
De suma importância a ressalva feita por Carlos Alberto Alvaro de Oliveira
de que o valor da segurança jurídica não deve ser confundido com a manutenção
cega e indiscriminada do status quo, devendo ser evitada a confusão entre segu-
rança jurídica e a ideologia da segurança, cujo objetivo é o imobilismo social.62
De notar-se, ainda, que esses dois valores (efetividade e segurança) se encon-
tram em permanente conflito, pois na medida em que maior é a segurança, menor
será a efetividade, e vice-versa.
Por outro lado, consoante bem coloca Humberto Ávila, o princípio é uma nor-
ma que aponta para um estado ideal de coisas a ser promovido sem, no entanto,
indicar os comportamentos cuja adoção irá contribuir para a promoção gradual
desse ideal.63
Contudo, essa ausência de indicação dos comportamentos necessários
não significa que o seu cumprimento não seja obrigatório. Ao contrário, a mera
instituição do princípio, de per se, já impõe a adoção de condutas adequadas e
indispensáveis à sua promoção.64
Dessarte, o dever de adequação da conduta com o princípio é decorrência
lógica da própria positivação dele. Todavia, como já sabido, a Constituição não
protege apenas um fim, mas vários. Deve-se, então, escolher dentre todos os com-
portamentos adequados para a promoção de um fim — um estado ideal de coisas
— aquela conduta que menos restringe os demais fins do Estado Democrático de
Direito.65

59
OLIVEIRA. Teoria e prática da tutela jurisdicional, p. 127.
60
Idem, p. 129.
61
Idem, p. 131.
62
OLIVEIRA. Teoria e prática da tutela jurisdicional, p. 132.
63
ÁVILA. O que é devido processo legal?. Revista de Processo – RePro, p. 51.
64
Idem, p. 52.
65
ÁVILA. O que é devido processo legal?. Revista de Processo – RePro, p. 53.

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Dos fundamentos axiológicos dos modelos probatórios (clássico, moderno e contemporâneo) 169

Assim, é uma constante análise de proporcionalidade entre a promoção


de determinado fim e a restrição causada a outro por esta mesma conduta que
deve pautar a escolha dos comportamentos mais adequados. Esse dever de pro-
porcionalidade no conflito entre princípios, ou seja, entre os estados ideais de
coisas previstos no ordenamento jurídico, decorre da positivação do princípio da
liberdade, sendo contrário a ela qualquer comportamento que, a pretexto de pro-
mover determinado fim, restrinja demasiadamente outro de mesma envergadura
constitucional.66
No âmbito do direito processual, verifica-se que os princípios, face positi-
vada dos valores decorrentes de uma ordem constitucional, podem e devem ter
lugar de destaque na aplicação prática do direito, sobrepondo-se às simples regras
infraconstitucionais.67 Isso acaba por determinar uma alteração na segurança
jurídica, passando de um estado estático para um estado dinâmico, como aduz
Carlos Alberto Alvaro de Oliveira.68
Conforme o insigne jurista, “a segurança jurídica de uma norma se mede
pela estabilidade de sua finalidade, abrangida em caso de necessidade por seu
próprio movimento. Não mais se busca o absoluto da segurança jurídica, mas a
segurança jurídica afetada de um coeficiente, de uma garantia de realidade. Nessa
nova perspectiva, a própria segurança jurídica induz a mudança, a movimento, na
medida em que ela está a serviço de um objetivo mediato de permitir a efetividade
dos direitos e garantias de um processo equânime”.69
Dessa forma, o aplicador do direito deve prestar atenção às circunstâncias
do caso concreto, visto que, às vezes, a despeito do estrito cumprimento do for-
malismo estabelecido pelo sistema, o processo pode conduzir a um resultado
injusto, situação em que somente se mostrará atendida a segurança jurídica se
afastado o entrave ao alcançamento da justiça do caso concreto.
É nessa perspectiva que devem ser interpretadas e aplicadas todas as nor-
mas que compreendem o formalismo processual, considerando que a efetividade
que inobserva a segurança acaba por constituir uma efetividade perniciosa, cujo
resultado, a pretexto de conceder a tutela jurisdicional de modo célere, em verdade,
viola o direito fundamental ao devido processo legal (justo).
Mais do que isso, “a visão principiológica, ao contrário da puramente estática e
garantística, não se limita aos direitos fundamentais expressos e pode elaborar normas

66
Idem.
67
OLIVEIRA. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo. Revista Forense, p. 19.
68
OLIVEIRA. Os direitos fundamentais à efetividade e à segurança em perspectiva dinâmica. Revista
Forense, p. 45.
69
OLIVEIRA. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo. Revista Forense, p. 19.

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a partir de outros direitos fundamentais principiológicos, contidos na Constituição,


com vistas à concretização de um processo justo e uma tutela jurisdicional efetiva”.70

6  Modelo probatório de polaridade assimétrica e o conceito de prova


no processo contemporâneo
Vale lembrar, como bem colocado na doutrina de Danilo Knijnik,71 que “só se
pode aludir a um modelo demonstrativo ou persuasivo para fins didáticos”, pois
“eles não existem em formas puras”, mas, sim, como “tendências que se pronun-
ciam aqui e ali”.
Indubitável, porém, a existência de dois polos no âmbito do direito probató-
rio, em que há um modelo demonstrativo, no qual a finalidade da prova é “recons-
truir o fato no processo, para, depois, separadamente, resolver-se a questão de
direito”,72 e um modelo persuasivo, no qual se busca uma “reconstrução próxima da
realidade, valorizando-se o diálogo das partes na formação da questão de fato”.73
Evidentemente, portanto, o modelo probatório contemporâneo é permeado
pelos valores do seu tempo, especialmente pela segurança jurídica, em um estado
dinâmico,74 cujo escopo é permitir a efetividade dos direitos e garantias de um
processo equânime, efetivo, eficaz e justo.75
Nesse contexto, o direito probatório também encontra um modelo dinâmico,
em que os polos (persuasivo e demonstrativo) se alternam e se completam.76 Esse
fenômeno de alternância entre o âmbito persuasivo e o demonstrativo da prova é
chamado, na doutrina de Danilo Knijnik,77 de polaridade assimétrica.
O modelo demonstrativo de prova, concebido sob uma orientação jurídico-­
científica de apego a paradigmas de racionalidade,78 traz consigo um alargamento
do campo de indagação para melhor conhecimento dos fatos.
Por sua vez, o modelo argumentativo contribui com “a prudência, a modés-
tia, a consciência da chance de erro”,79 tratando a prova como “razão construída de

70
OLIVEIRA. Teoria e prática da tutela jurisdicional, p. 133.
71
KNIJNIK. A prova nos juízos cível, penal e tributário, p. 10.
72
KNIJNIK. A prova nos juízos cível, penal e tributário, p. 11.
73
Idem, p. 12.
74
OLIVEIRA. Os direitos fundamentais à efetividade e à segurança em perspectiva dinâmica. Revista
Forense, p. 45.
75
OLIVEIRA. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo. Revista Forense, p. 19.
76
Idem, p. 13.
77
Idem.
78
REICHELT. A prova no processo civil contemporâneo..., p. 95.
79
KNIJNIK. A prova nos juízos cível, penal e tributário, p. 15.

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Dos fundamentos axiológicos dos modelos probatórios (clássico, moderno e contemporâneo) 171

forma conjunta pelos sujeitos do processo em função da necessidade de solução


de um problema posto em exame”.80
O modelo probatório de polaridade assimétrica e, consequentemente o
conceito contemporâneo de prova, é, em síntese, fruto da interpenetração dos
princípios e valores do modelo argumentativo com os do demonstrativo, de
modo a influenciarem-se um ao outro, permeados pelos valores constitucionais
imperantes no direito processual contemporâneo.
Na conceituação dada por Luís Alberto Reichelt, “a prova, no âmbito do
direito processual civil contemporâneo, designa-se um argumento dotado de
estrutura logicamente ordenada, cujo conteúdo é eticamente influenciado em
função dos deveres jurídicos de investigação da verdade e de proteção de diretos
fundamentais”.81
Seguindo, o precitado autor esclarece que a ideia contemporânea de prova
a partir do conceito de argumento evidencia o seu caráter instrumental, cujo
emprego envolve uma “complexa teia de direitos, de deveres e de ônus que se
entrelaçam na formação do regramento do diálogo travado nos autos”:

A definição da idéia de prova a partir da noção de argumento, nos ter-


mos em que se propõe, torna evidente o caráter instrumental que lhe é
inerente. Trata-se de um argumento que veicula o resultado do contraste
entre as alegações sobre fatos juridicamente relevantes veiculadas nos
autos e aquilo que efetivamente ocorreu, tendo por escopo a construção
de um retrato possível da realidade histórica considerada juridicamente
relevante para a solução da lide a ser analisada pelo julgador. O emprego
desse argumento pelos sujeitos do processo envolve a definição, por parte
do ordenamento jurídico, de uma complexa teia de direitos, de deveres
e de ônus que se entrelaçam na formação do regramento do diálogo tra-
vado nos autos. O debate no qual são inseridos tais argumentos, aqui, é
tomado como caminho que leva à resolução do problema proposto ao
juiz para enfrentamento.82

Por derradeiro, pode-se dizer, outrossim, que o conceito de prova no pro-


cesso contemporâneo reflete o conjunto de princípios decorrentes da ordem
constitucional vigente, especialmente o princípio da segurança jurídica e o da
efetividade, predominando ora os valores do modelo demonstrativo, ora os do
modelo argumentativo, consoante a necessidade e adequação de cada instituto.83

80
REICHELT. A prova no processo civil contemporâneo..., p. 96.
81
REICHELT. A prova no processo civil contemporâneo..., p. 124.
82
REICHELT. A prova no processo civil contemporâneo..., p. 124.
83
KNIJNIK. A prova nos juízos cível, penal e tributário, p. 13.

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172 Eduardo Cunha da Costa

7 Conclusão
Em conclusão, tomando emprestadas as palavras de Alessandro Giuliani, o
direito probatório pode ser considerado como um capítulo da história político-­
constitucional de uma época, refletindo as suas variações nas relações de harmo-
nia e dissonância principalmente nas relações institucionais entre legislador e juiz
e entre este e o cidadão.84
A concepção clássica de prova predominou durante a ordem isonômica, entre
os séculos XII a XV, fundada no caráter seletivo do conhecimento e relativo do fato.
Diante da constante presença do problema do erro, da falibilidade humana, nela é
limitado o campo de indagação, com a renúncia ao conhecimento do fato na sua
totalidade.
O pensamento probatório desse período é o de uma verdade provável, ob-
tida a partir da ars oponendi et respondendi (diálogo regrado).
O ordus iudiciarius medieval, apontado por Giuliani como um modelo em
que predomina a ordem isonômica, representa um fator de equilíbrio no consti-
tucionalismo medieval, visto que o próprio direito probatório, assim como o di-
reito processual como um todo, sofre influência direta dos valores constitucionais
predominantes em sua época:

L’Ordo iudiciarius medioevale — considerato come il modello della pro-


cedura razionale nelle decisioni pratiche — rappresenta un fattore di
equilibrio nel costituzionalismo medioevale.85

No caso da ordem isonômica, o que a determina é a sua autonomia frente


ao soberano, porquanto os seus princípios não estão submetidos às normas esta­
belecidas pelo legislador, mas, ao contrário, respeita tão somente os da retórica e
os da ética:

[...] il primato del’ordo è nella sua extrastatualità, in quanto i suoi princìpi


non dipendono dalla volontà del legislatore, ma dalla retorica e dalla ética.86

Vale, ainda, ressaltar que o conceito clássico de prova subentende uma filo-
sofia político-constitucional de limitação do poder, vedando qualquer interven-
ção externa ao processo.

84
GIULIANI. Prova in generale: A) Filosofia del dirito. In: ENCICLOPEDIA del diritto, XXXVII, p. 522.
85
GIULIANI. Ordo iudiciarius medioevale (Riflessioni su un modello puro di ordine isonomico). Rivista
di Diritto Processuale, p. 613.
86
GIULIANI. Ordo iudiciarius medioevale (Riflessioni su un modello puro di ordine isonomico). Rivista
di Diritto Processuale, p. 613.

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Dos fundamentos axiológicos dos modelos probatórios (clássico, moderno e contemporâneo) 173

Diante desse contexto, considerada a incapacidade do homem de conhecer


a verdade, crença dominante no período em comento, a prova não pode ser mais
do que o convencimento acerca de uma verdade provável por meio da argumen-
tação, por meio da persuasão.
A concepção moderna de prova, por sua vez, fruto que é do iluminismo, do
racionalismo, busca um alargamento do campo de indagação para melhor conhe-
cimento dos fatos (total evidence), procurando conhecer o fato em sua inteireza.
Isso porque a determinação dos fatos é entendida como uma operação técnica.
Inspirada e diretamente influenciada pelos princípios das ciências exatas,
emergentes e avassaladores em sua época, a prova deixa de ser baseada na argu-
mentação, fundada na retórica, para acompanhar as ideias do momento e adotar
um método quase científico de averiguação da verdade. A concepção moderna
de prova, portanto, passa a ser demonstrativa, firme na crença de que nenhum
conhecimento é ao homem vedado.
Com base nesses dois diferentes contextos culturais e institucionais, entre
os séculos XVII e XVIII, consolidam-se dois sistemas probatórios opostos: a law
of evidence inglesa, embasada no modelo da ordem isonômica, e a Beweisrecht
prussiana, fundada na ordem assimétrica.87
Todavia, como afirma Michele Taruffo, existem relações entre os modelos de
prova e os sistemas processuais. Não são, porém, de simétrica coincidência, mas
de complexa e articulada inter-relação.
O conceito de prova no direito processual contemporâneo envolve um entre­
laçamento dos valores e características dos modelos clássico (argumentativo) e
moderno (demonstrativo), prevalecendo ora um, ora outro, de acordo com as ne-
cessidades e institutos, permeados sempre pelos princípios constitucionais vigen-
tes, especialmente por uma perspectiva dinâmica da segurança jurídica e por uma
efetividade virtuosa, livre do formalismo excessivo.

Abstract: This essay proposes the systematization, under a comparative


analysis of the different concepts and methods of proof. In this study, shall
be analyzed the formal aspects and the theoretical fundaments of the classic,
modern and contemporary methods of proof. This work is structured in five
parts: (1) the first part shall analyze the cultural-historical assumptions of the
methods of proof; (2) on the second part, the argumentative methods of
proof shall be developed in an asymmetric order, based on the classical belief
that rhetorical prevails over logic; (3) on the third part the demonstrative

GIULIANI. Prova in generale: A) Filosofia del dirito. In: ENCICLOPEDIA del diritto, XXXVII, p. 542.
87

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174 Eduardo Cunha da Costa

methods of proof shall be developed based on the concept of equitable


treatment, wherein logic prevails over rhetorical; (4) the fourth part shall
study the axiological fundaments of the methods of proof in contemporary
procedural law; and, to conclude, (5) the firth part in which the contemporary
model of proof shall be discussed.

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COSTA, Eduardo Cunha da. Dos fundamentos axiológicos dos modelos probatórios (clássico,
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Informatização do Poder Judiciário e acesso
à justiça – Perspectivas atuais

Bruna Pinotti Garcia


Advogada. Mestranda em Direito do Centro Universitário
Eurípides de Marília (UNIVEM). Bolsista CAPES – Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Modalidade 1).
Aluna pesquisadora do grupo “Constitucionalização do Direito
Processual” e do “Núcleo de Estudos e Pesquisas em Direito e
internet”. Estagiou no Ministério Público do Estado de São Paulo.
E-mail: <brunapinotti@univem.edu.br>.

Nelson Finotti Silva


Procurador do Estado de São Paulo. Pós-Doutorando pela
Universidade de Lisboa. Doutor em Direito Processual Civil
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em
Direito do Estado pela Universidade de Franca. Professor titular
concursado da cadeira de Processo Civil da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Catanduva e do curso de Pós-Graduação lato
sensu. Professor do Mestrado em Direito do Centro Universitário
Eurípides de Marília (UNIVEM). Líder do grupo de pesquisa
“Constitucionalização do Direito Processual”. Membro efetivo
do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

Resumo: O presente artigo objetiva discutir a ligação entre o processo de infor-


matização do Poder Judiciário e a maximização do direito fundamental de aces-
so à justiça. Assim, inicialmente tece comentários sobre o conceito de acesso à
justiça e a sua ligação com a questão da efetividade processual como uma de
suas facetas. Então, expõe-se sobre como a tecnologia deve ser utilizada como
uma aliada da efetividade processual, diante de suas particularidades que pro-
porcionam um processo judicial mais célere. Após, são analisados os obstáculos
que se apresentam para a informatização judiciária total. A partir daí conside-
ra-se sobre o contexto jurídico e fático do processo de informatização, com aná-
lise da Constituição Federal, da Lei nº 11.419/06 e do Projeto de Lei do Senado
nº 166/10 (novo Código de Processo Civil), bem como por meio da exposição
de casos concretos. Desta forma, pretende-se determinar quais perspectivas
cercam, atualmente, a questão da informatização do Poder Judiciário.

Palavras-chave: Direito virtual. Informatização do Poder Judiciário. Acesso à


justiça. Efetividade processual.

Sumário: Introdução – 1 Acesso à justiça, efetividade processual e tecnolo-


gia – 2 Obstáculos à informatização judiciária – 3 Contexto jurídico do pro-
cesso de informatização – 4 Contexto fático do processo de informatização
– Considerações finais – Referências

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Introdução
Quando se fala em acesso à justiça, é preciso investigar perspectivas que
o proporcionem de maneira maximizada. Isto é, não basta permitir o acesso à
justiça, é necessário que este ocorra de maneira real, com celeridade e eficiência.
E para que a celeridade e a eficiência se mostrem presentes, bons recursos mate-
riais devem estar disponíveis para a prestação de tutela jurisdicional.
Nesta esfera é que surge a questão da informatização do Poder Judiciário, pois
a tecnologia é uma grande aliada do homem na busca de eficiência para a prestação
de serviços públicos ou privados. Por sua vez, a internet e os seus variados recur-
sos têm se mostrado fundamentais no exercício das atividades do Poder Judiciário,
destacando-se o acompanhamento e o cadastramento de processos on-line.
Cumpre verificar que, num contexto de informatização judiciária total, os pro-
cessos em papel seriam extintos e o peticionamento eletrônico ganharia tamanha
amplitude que as visitas aos fóruns e aos tribunais se tornariam desnecessárias.
Seria também possível falar na realização de defesas orais e de audiên­cias por comu-
nicação simultânea, isto é, por videoconferência.1 Tais recursos tornariam o processo
muito mais célere, garantindo o acesso à justiça de maneira ampla e efetiva.
Contudo, a observação da estrutura judiciária atual demonstra que os recur-
sos tecnológicos não têm sido utilizados nas dimensões de suas capacidades reais.
Apesar da utilização da tecnologia, a informatização total do Poder Judiciário ainda
não ocorreu.
Então, surge o objeto do presente artigo, que visa apurar se a falta de infor­
matização do Poder Judiciário em larga escala é um dos fatores responsáveis
pela garantia ineficaz do acesso à justiça. Assim, serão analisadas as questões da
contribuição da tecnologia para o direito processual, dos principais obstáculos à
implantação do processo informatizado e do atual contexto fático e jurídico da
informatização judiciária.
Com efeito, pretende-se compreender as perspectivas atuais da informati-
zação do Poder Judiciário, considerando a necessidade de que a mesma ocorra
em larga escala para que o direito fundamental de acesso à justiça, previsto na
Constituição Federal, seja garantido.

1
No processo penal, a realização de audiências por videoconferência foi autorizada pela Lei
nº 11.900/09, que deve ser utilizada em caráter excepcional. O Código de Processo Civil não disci-
plina tal possibilidade. Contudo, o projeto do novo Código de Processo Civil o faz, em seu artigo
151, §3º: “os processos podem ser, total ou parcialmente, eletrônicos, de modo que todos os atos
e os termos do processo sejam produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio ele-
trônico, na forma da lei [...]” (BRASIL, 2010, p. 83).

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1  Acesso à justiça, efetividade processual e tecnologia


Não há processo civil efetivo sem que exista o acesso à justiça: como o pro-
cesso é o instrumento para que o direito material seja garantido, é preciso que ele
abranja o maior número de situações nas quais tais violações ocorram, sob pena
de uma justiça para poucos.
A relação jurídica processual deve necessariamente se formar para que o
direito material se aplique nas situações em que for desrespeitado. Com isso, a
justiça passa a ser algo concreto, não dependendo só da vontade dos sujeitos
para que seja aplicada, ou seja, é dotada da coação. Reale (2002, p. 684) entende
que “o Direito é, pois, coercível. A rigor, logicamente coercível, por haver possibi-
lidade ou compatibilidade de execução forçada [...]”. Nos dizeres de Nader (2001,
p. 67), “a coercibilidade, entendida como a possibilidade de o Judiciário ou órgãos
da administração acionarem a força, revela-se fator essencial ao Direito”.
Logo, quando um processo judicial se inicia, está em foco um instrumento
que, utilizando-se do poder coercitivo do Direito, exercido pelo Estado-juiz, aplica
o direito substancial ao caso concreto, mesmo contra a vontade de uma das partes,
e realiza, a princípio, justiça. Entretanto, é preciso questionar se a aplicação da
justiça ocorre de fato quando apenas realizada nos casos em que poucas pes-
soas, pertencentes a uma classe minoritária mais esclarecida, buscam o Poder
Judiciário para fazer valer seus direitos. Desta ideia surge a questão do acesso à
justiça, sobre a qual considera Batista (2010, p. 27):

O cidadão, por estar na sociedade e por esta visar ao bem-estar social,


estando diante de alguma questão que envolva direta ou indiretamente
uma norma jurídica violada ou de um próprio direito que foi violado, tem
a prerrogativa do acesso à Justiça, que é um direito subjetivo à jurisdição.

Para se falar em uma real aplicação do Direito moderno, é preciso focar nas
noções de direitos e garantias fundamentais relacionados ao processo judicial,
entre as quais se encontra o acesso à justiça. A formação do conceito de acesso
à justiça possui diversos enfoques, o que se verifica pelo posicionamento de
Cappelletti e Garth, que apontaram três ondas, ou seja, três posicionamentos
básicos para a realização efetiva de tal acesso.
Primeiramente, Cappelletti e Garth (1998, p. 31-32) entendem que surgiu
uma onda de concessão de assistência judiciária para os pobres, partindo da pres-
tação sem interesse de remuneração por parte dos advogados e, ao final do pro-
cesso, levando à criação de um aparato estrutural para a prestação da assistência
pelo Estado.

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Em segundo lugar, no entender de Cappelletti e Garth (1998, p. 49-51),


veio a onda de superação do problema na representação dos interesses difusos,
saindo da concepção tradicional de processo como algo restrito a apenas duas
partes individualizadas e ocasionando o surgimento de novas instituições, como
o Ministério Público.
Finalmente, Cappelletti e Garth (1998, p. 67-73) apontam uma terceira onda
consistente no surgimento de uma concepção mais ampla de acesso à justiça,
considerando o conjunto de instituições, mecanismos, pessoas e procedimentos
utilizados:

[...] esse enfoque encoraja a exploração de uma ampla variedade de


refor­mas, incluindo alterações nas formas de procedimento, mudanças
na estru­tura dos tribunais ou a criação de novos tribunais, o uso de pes-
soas leigas ou paraprofissionais, tanto como juízes quanto como defen-
sores, modificações no direito substantivo destinadas a evitar litígios ou
facilitar sua solução e a utilização de mecanismos privados ou informais de
solução dos litígios. Esse enfoque, em suma, não receia inovações radicais e
compreen­sivas, que vão muito além da esfera de representação judicial.
(grifos nossos)

Assim, dentro da noção de acesso à justiça, diversos aspectos podem ser


destacados: de um lado, deve-se criar o Poder Judiciário e disponibilizar meios
para que todas as pessoas possam buscá-lo; de outro lado, não basta garantir
meios de acesso se estes forem insuficientes, já que para que exista o verdadeiro
acesso à justiça é necessário que se aplique o direito material de maneira célere.
Logo, é possível conceituar acesso à justiça como o conjunto de aparatos
capazes de proporcionar a busca da prestação de tutela jurisdicional, que neces-
sariamente deverá ocorrer com efetividade. Nesta linha de pensamento, a efetivi-
dade surge como um dos principais aspectos do acesso à justiça, embora apenas
como parcela de seu conceito.
Efetivo pode ser definido como aquilo “adj 1. que tem efeito; 2. positivo, real,
verdadeiro; sm 3. aquilo que existe realmente [...]” (AMORA, 2001, p. 242). Já efeti-
vidade é a consequência do que é efetivo, constitui a produção de um resultado
por uma ação efetiva.
Nesta linha, define Marcacini (2009, p. 52): “efetividade do processo quer
dizer um processo que encontre um desejado equilíbrio entre justiça, acesso,
estabilidade e celeridade, pois assim estaremos, o mais possível, realizando prati-
camente os fins esperados do nosso sistema processual”. Logo, em termos proces-
suais, a efetividade se verifica na utilização de recursos materiais e pessoais para
proporcionar uma boa prestação da tutela jurisdicional.

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Considerando a intrínseca ligação entre o acesso à justiça e a efetividade


processual, expõe Batista (2010, p. 67): “além de oferecer uma prestação jurisdi-
cional eficaz, o Estado deve promover de modo justo os meios legais utilizados
pelos cidadãos que desejam essa prestação com celeridade e com facilidade”.
Aliás, Batista (2010, p. 23) assevera que a justiça ainda não acolhe satisfatoria-
mente os interesses do cidadão por causa da morosidade processual, o que tem
levado o Judiciário e a sociedade a buscar métodos que auxiliem na prestação de
tutela jurisdicional, os quais, em sua maioria, envolvem o uso de tecnologia.
No entendimento de Cappelletti e Garth (1998, p. 93), o sistema processual
ideal deve ser caracterizado pelos baixos custos, informalidade e rapidez, bem
como ser composto por julgadores ativos e pelo uso de conhecimentos técnicos
aliados aos jurídicos. Verifica-se que a questão do uso da técnica como aliada na
aplicação do Direito é um tema recorrente.
Tecnologia pode ser conceituada, de acordo com Amora (2001, p. 711),
como o “conjunto de princípios científicos que se aplicam aos diversos ramos de
atividade”. Assim, a tecnologia constitui uma evolução de um paradigma tradicio-
nalmente estabelecido, isto é, o desenvolvimento de novas aptidões voltadas a
determinada área do conhecimento. Sob o aspecto da informática, encontra-se
uma das evoluções tecnológicas mais profundas pela qual a sociedade já passou.
Estes aperfeiçoamentos devem ser incorporados ao cotidiano, de modo a facilitar
as relações jurídico-sociais.
Por sua vez, a informatização judiciária constitui um modo de incorporação
da evolução tecnológica ao dia a dia de todos. Toda a sociedade precisa que a
prestação de tutela jurisdicional ocorra, de maneira direta ou indireta, pois este é
o único modo de garantir a segurança e a preservação dos direitos de cada cida-
dão. Quanto mais efetiva for tal prestação, mais ampla a realização da Justiça, o
fim social máximo em prol do bem comum.
Neste sentido, a informatização do Poder Judiciário desponta como uma
das diretrizes do acesso à justiça, considerando que aliar a tecnologia à aplicação
do Direito possibilita um processo mais rápido, eficaz e, consequentemente, justo.
“O acesso à justiça, em sentido lato, vem a ser promovido pela informatização do
processo judicial, não o contrário” (MENDONÇA, 2008, p. 134). Sobre a situação
atual da onda tecnológica no processo civil, aponta Bedaque (2006, p. 20-21):

Dotar o processo de efetividade prática constitui preocupação não só do


processualista, mas de todos os que têm consciência da importância da
atividade jurisdicional para realização dos direitos. [...] Embora muito dis-
tante do que se considera ideal, inegável a adoção, nos últimos 20 anos,

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de medidas legislativas, inclusive em nível constitucional, destinadas a


facilitar o acesso à Justiça. Aliás, o grande movimento destinado à amplia-
ção do acesso ao Poder Judiciário, representado pelas denominadas “on-
das renovatórias” do processo civil, pode ser analisado por dois ângulos.
Facilitou-se o ingresso, e, em consequência, o número de processos au-
mentou de forma espantosa. Não foram adotadas, todavia, medidas visando
a adequar o Poder Judiciário e a técnica processual a essa nova realidade.
Além de a estrutura permanecer praticamente inalterada, são empregados
métodos de trabalho ultrapassados. (grifos nossos)

Dos apontamentos do autor, pode ser extraída a ideia de que a falta de


estru­tura tecnológica do Poder Judiciário desponta como um dos entraves para
a efetiva realização do acesso à justiça, eis que não existirá um verdadeiro acesso
sem a implementação de recursos técnicos que alterem a morosidade existente
na aplicação da lei.
Considera Mendonça (2008, p. 118):

A bem da verdade, por mais que não se possa considerar a informatização


do processo judicial como uma evolução natural, fato é que ela decorre de
uma necessidade incontestável. Não se rebusca como suposto conforto
trazido por laptops e ipods — afinal, quem quiser que permaneça com
lápis, cadernos e radinhos de pilha —, mas como método indispensável
para a prestação da atividade jurisdicional.

O fato é que a sociedade e suas instituições precisam aproveitar as vanta-


gens da evolução tecnológica e compreender que com o surgimento de recursos
como a internet ocorreu uma modificação radical no modo de desenvolvimento
de diversas atividades. Por isso, defende Marcacini (2009, p. 8):

Não se vê solução possível se a Justiça não se modernizar, não se apare-


lhar, não se tornar mais eficiente. Alterações na lei processual, ou discus-
sões doutrinárias neste campo do Direito soam inócuas [...]. E, diga-se,
nestes esforços por mais agilidade e eficiência, pouco adianta a informa-
tização em si [...] Uma informatização incorretamente implementada não
só pode significar desperdício de dinheiro do contribuinte, como ainda
pode, por incrível que possa parecer, piorar a eficiência da máquina judicial.

De fato, é preciso que o processo de informatização judiciária se desenvolva


de forma consciente, possibilitando a maximização da efetividade processual e
do acesso à justiça. Não basta investir em tecnologia, é preciso propiciar recursos
para a adequação dos profissionais e para a interação entre os sistemas de todos

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os tribunais brasileiros. Com isso, diversos benefícios serão alcançados. Aliás, sobre
os benefícios do processo eletrônico, entende Mendonça (2008, p. 134):

[...] a operacionalização do processo aproxima ainda mais o cidadão da


Justiça, já que os envolvidos poderão acompanhar o andamento de seus
processos, tendo acesso ao teor destes, de suas próprias casas o que garan-
tirá uma maior transparência da atividade jurisdicional. O processo eletrô-
nico desponta no afã da harmonização da atividade jurisdicional com os
reclames da sociedade contemporânea, que preza pela segurança, pela
celeridade e pela transparência.

No entendimento de Castells (2006, p. 67), a sociedade passa por diversos


períodos estáveis, pontuados por intervalos na história, e o novo paradigma tec-
nológico ao qual o homem foi submetido no século XX caracteriza um desses
intervalos, no qual a cultura material foi transformada, passando a se organizar
em torno da tecnologia. Peck (2002, p. 17) destaca a existência de um movimento
de convergência, no qual a internet foi tomando espaço cada vez maior na socie-
dade e em suas instituições públicas e privadas.
Isto ocorreu porque a internet e recursos conexos possuem uma grande
varie­dade de modos de utilização. O uso pode se dar por pessoas físicas, para o
lazer ou para o trabalho; por pessoas jurídicas privadas, para estruturação e admi­
nistração; e pelo próprio Estado, nas esferas executiva, legislativa e judiciária.
Logo, a informática acabou por desafiar os modos de relacionamento humano e
não há por que resistir à utilização de seus benefícios.
Vale considerar que cada vez um número maior de pessoas se conecta pela
internet e que os índices de conexão têm aumentado progressivamente. Por
exemplo, em 2010, 28,7% da população mundial já possuía acesso à rede. Em pro-
porções específicas, assevera-se que a população da América do Norte está 77,4%
conectada; a da Oceania, 61,3%; a da Europa, 58,4%; na América Latina, 34,5%;
na África, 10,9% (INTERNET World Stats. Internet Usage Statistics: the Internet Big
Picture, 2011). No Brasil, a última pesquisa sobre o uso das tecnologias da infor-
mação e da comunicação divulgada pelo Comitê Gestor da Internet expõe que,
em 2009, 39% da população brasileira total teria acessado a internet nos três meses
anteriores à pesquisa (BRASIL, 2010, p. 242). Os dados sobre a inclusão digital bra-
sileira evidenciam que a informatização judiciária é um processo que está acom-
panhando as mutações sociais provocadas pelo surgimento da internet, isto é,
pela evolução tecnológica. Assim, não se justifica a utilização de argumentos con-
servadores que visem impedir a adequação do processo à tecnologia.

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Calandra (2008) conscientiza sobre a importância da informática para a


aplicação justa e célere do Direito:

A informática possibilita ainda uma comunicação célere e eficiente, que


desfaz as fronteiras da distância. Assim, atende ao propósito de desper-
tar no homem a curiosidade e a busca pela diversidade de conceitos e
experiências. Ante essa nova concepção de vida em sociedade, não resta
ao Estado de Direito outra alternativa que não se adaptar a esse universo
tão dinâmico. Os tribunais do país têm se deparado com a necessidade
de atualização do seu aparato tecnológico. Estão cientes de que somente
por meio dela será possível injetar eficiência e agilidade no trâmite proces-
sual, de forma a inverter o gráfico quantitativo de litígios há bom tempo
ascendente.

Portanto, para se falar em um acesso à justiça concreto é preciso promover


uma modificação estrutural no Poder Judiciário, adequando-o às novas tecnolo-
gias, que constituem um forte mecanismo apto a promover uma radical mudança
na questão da celeridade processual e, por consequência, na aplicação da justiça.

2  Obstáculos à informatização judiciária


Essencialmente, são três os principais obstáculos à total informatização judi-
ciária: falta de recursos financeiros para adquirir tecnologias mais modernas,
ausência de compatibilidade entre sistemas implantados nos tribunais e resis-
tência cultural dos servidores.
Em relação ao primeiro aspecto, referente à falta de recursos financeiros,
nota-se que diversas cortes do país não possuem aparato tecnológico suficiente
para a informatização judiciária. O fato é que, por mais que, a longo prazo, o pro-
cesso eletrônico seja mais barato, a curto prazo serão necessários investimentos
de alta monta, como a aquisição de computadores modernos, softwares, sistema
de banda larga com alta capacidade etc.
No entender de Calandra (2008), a falta de previsão orçamentária é um dos
maiores problemas para que a informatização ocorra, ao menos no estado de São
Paulo, o qual, apesar da previsão da Constituição Estadual, não possui indepen-
dência financeira e, geralmente, tem sua proposta orçamentária aprovada pelo
Poder Executivo abaixo do valor requisitado.
Batista (2010, p. 68) explica que a falta de previsão orçamentária é um dos
fatores que impede o acesso ao Judiciário, principalmente em razão do controle
exercido pelo Poder Executivo:

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A sua liberação em valores pecuniários é muito pequena em relação aos


outros Poderes, impossibilitando, assim, outro fator de acesso, como a infor-
matização dos fóruns brasileiros. Em muitos deles a informática é utilizada
de maneira rara, não são todos os departamentos forenses que a utilizam,
dificultando a celeridade processual. A realidade das regiões mais desen-
volvidas economicamente é bem diferente das outras menos desenvolvidas
economicamente, que não usufruem do benefício da informática.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça, um passo para solucionar a ques-


tão financeira seria o de começar a suprir os tribunais estaduais, principalmente
os localizados no Norte e no Nordeste, com computadores que permitam a trami-
tação informatizada dos processos (RECONDO, 2008, p. A4).
Assim, a informatização judiciária necessita de recursos financeiros de gran-
des proporções para que se estabeleça e daí a dificuldade orçamentária apontada
pelo Poder Judiciário. Contudo, vale lembrar que, após a construção da estrutura
básica do Judiciário informatizado, os gastos serão muito inferiores aos utilizados
com o processo convencional, conforme aduz Mendonça (2008, p. 120): “a infor-
matização do processo judicial é, sem sombra de dúvidas, interessantíssima, ao
passo que, realmente, num médio prazo, ela poderá repercutir de forma muito
positiva na dinamicidade e no barateamento do processo”.
Os processos convencionais geram um custo milionário, que deixaria de
existir com o processo eletrônico, isto porque um processo de papel com 20 folhas
custa em torno de R$20,00, sendo que cerca de 20 milhões de processos che-
gam por ano ao Poder Judiciário, ocasionando um custo de R$400 milhões anuais
(RECONDO, 2008, p. A4). Aliás, se a falta de recursos por parte dos litigantes é um
dos obstáculos ao acesso à justiça, conforme apontado por Cappelletti e Garth
(1998, p. 21), a informatização judiciária o proporcionará de maneira maximizada,
porque tornará o processo menos oneroso.
Nessa linha de pensamento, outro obstáculo relevante que desponta em
relação à informatização do Poder Judiciário é o da existência de incompatibili-
dades entre os diversos sistemas que vêm sendo implementados pelos tribunais.
Segundo Calandra (2008), a expectativa é que, em alguns anos, a transposição do
papel para o virtual seja total, mas para chegar a esse estágio, é preciso superar
entraves como a diversidade de equipamentos.2

2
O Conselho Nacional de Justiça, com o sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe), um software recen-
temente elaborado, tem buscado a solução para os problemas da incompatibilidade de softwares e
dos gastos com a informatização. Com tal sistema, “o CNJ pretende convergir os esforços dos tribu-
nais brasileiros para a adoção de uma solução única, gratuita para os próprios tribunais e atenta para
requisitos importantes de segurança e de interoperabilidade, racionalizando gastos com elaboração
e aquisição de softwares” (BRASIL, 2011).

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Basicamente, é possível apontar que sem a compatibilidade de sistemas o


processo eletrônico não será totalmente viável. Por exemplo, se o sistema de um
tribunal não for compatível com o da respectiva corte superior, a interposição de
recursos não acontecerá eletronicamente dentro do mesmo contexto estrutural.
Apesar desses aspectos, na verdade, o maior dos entraves à informatização
judiciária consiste na necessidade de quebra das barreiras culturais daqueles que
trabalham no Poder Judiciário, como juízes, promotores, advogados, procurado-
res etc.
Hoje, no Poder Judiciário, principalmente nas entrâncias finais, encontram-se
magistrados e promotores que formaram seus pensamentos quando a tecnolo-
gia não era um recurso comum. “Muitos deles não acompanham a evolução do
pensamento e conduta dos partícipes e não partícipes da sociedade, o dinamismo
da cultura e o avanço da modernidade” (BATISTA, 2010, p. 71). Por isso, não conse-
guem encarar com a mesma naturalidade que as atuais gerações a reestruturação
do Judiciário com a informática.
Aponta Recondo (2008, p. A4) no sentido de que existe um receio por parte
dessas pessoas que os processos sejam alterados ou sumam no espaço virtual,
embora seja evidente que o processo eletrônico é mais seguro.
No entender de Calandra (2008, p. A4), “é preciso romper essa barreira da
cultura antiga. Há uma acomodação que tem que ser combatida por decisões
uniformes. [...] só há uma maneira de melhorar o Judiciário: virtualizando todas
as operações”.
Compreende Bedaque (2006, p. 23):

Não se desconhece a resistência encontrada no próprio Poder Judiciário à


aceitação de métodos modernos de administração e à introdução da tec-
nologia no processo, por puro apego a dogmas e tradições do passado.
Sem sombra de dúvida, esses fatores contribuem decisivamente para a
situação caótica em que se encontra o sistema processual brasileiro.

Neste direcionamento, explica Mendonça (2008, p. 119) que a informati-


zação judiciária é vista por muitos de maneira injustiçada, diante de uma rejei­
ção saudosista, própria do ser humano, aos novos métodos que superam os
tradicionais.
Destarte, o apego aos dogmas e tradições do passado leva à recusa em se
aceitar a construção de um novo sistema judiciário, por mais que este se mostre
mais eficaz, célere e seguro. Trata-se de uma barreira que deve ser rompida, sob
pena de que a informatização judiciária não se efetive. Em outras palavras, sem

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a aceitação daqueles que trabalham com o processo, de nada adiantará possuir


os melhores recursos ou os sistemas mais compatíveis. É necessário que todos
estejam dispostos a fazer este novo sistema funcionar e produzir bons frutos, tor-
nando a atividade jurisdicional mais célere.
A legislação é expressa em estabelecer a necessidade premente de informa-
tização do Poder Judiciário. Afinal, o acesso à justiça é um direito humano funda-
mental, que deve ser corroborado pelo sistema de leis interno. Além disso, bons
exemplos de informatizações na esfera do Judiciário não faltam, devendo estes
ser mencionados em destaque para proporcionar uma quebra de paradigmas.
Consequentemente, será possível reestruturar o pensamento dos servidores do
Poder Judiciário e fazer com que o processo de informatização seja bem-sucedido,
gerando o verdadeiro acesso à justiça.

3  Contexto jurídico do processo de informatização


A origem jurídica do processo de informatização judiciária se encontra na
Constituição Federal, que ao tratar do acesso à justiça estabeleceu a necessidade
de um processo judicial célere.
Referida previsão surgiu com o advento da Emenda Constitucional nº 45/04,
que deu ao artigo 5º, LXXVIII, o seguinte teor: “a todos, no âmbito judicial e admi-
nistrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garan-
tam a celeridade de sua tramitação” (BRASIL, 2009, p. 27). Conforme explica Batista
(2010, p. 73), referida Emenda, “conhecida como a Lei da Reforma do Judiciário,
adveio da necessidade de um Judiciário mais célere, dimanando a problemática à
qual se insere: a relação entre o tempo e o processo”.
Numa iniciativa de colocar as diretrizes constitucionais em prática, os três
Poderes se reuniram e firmaram, logo após a Emenda transcrita, o Pacto do Estado
por uma Justiça mais Rápida e Republicana, o qual trata expressamente da infor-
matização judiciária no item 8, prevendo: a apresentação de metas expansivas
pelo Poder Judiciário, o estabelecimento de convênios com o Poder Executivo e a
inclusão na agenda parlamentar de projetos de lei sobre a questão (BRASIL, 2011).
Desde que o pacto foi firmado, diversas legislações extravagantes abrangendo a
informatização foram promulgadas, destacando-se a Lei nº 11.280/06 e, de maior
importância, a Lei nº 11.419/06.
Nos termos da Lei nº 11.280/06, ficou estabelecido em um dos parágrafos
do artigo 154 do Código de Processo Civil:

Os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prá-


tica e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos,

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atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e


interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-­
Brasil. (BRASIL, 2009, p. 263)

Verifica-se, então, que para o processo informatizado é necessária a assina-


tura eletrônica, efetuada conforme disciplina da ICP-Brasil. A medida é necessária
para garantir a segurança na prática dos atos processuais, evitando que terceiros
se façam passar pela parte do processo ou por seu representante nos autos. Sobre
o funcionamento da ICP-Brasil destaca-se:

ICP, ou Infra-estrutura de Chaves Públicas, é a sigla no Brasil para PKI —


Public Key Infrastructure —, um conjunto de técnicas, práticas e procedi-
mentos elaborado para suportar um sistema criptográfico com base em
certificados digitais. Desde julho de 2001, o Comitê Gestor da ICP-Brasil
estabelece a política, os critérios e as normas para licenciamento de
Autoridades Certificadoras (AC), Autoridades de Registro (AR) e demais
prestadores de serviços de suporte em todos os níveis da cadeia de certi-
ficação, credenciando as respectivas empresas na emissão de certificados
no meio digital brasileiro. (BRASIL, 2011)

Em suma, a ICP-Brasil controla o credenciamento e fornece bases aos siste-


mas de instituições que necessitem do uso dos mecanismos de certificação digi-
tal. Uma vez credenciadas, as instituições se tornam Autoridades Certificadoras
(AC) ou Autoridades de Registro (AR) e podem receber o cadastramento de pes-
soas físicas ou jurídicas que pretendam utilizar, no âmbito da instituição, os meca-
nismos de certificação digital. No âmbito do processo judicial, aponta-se, entre as
Autoridades Certificadoras, a AC-JUS:

A AC-JUS é a primeira Autoridade Certificadora no mundo criada e


mantida pelo poder judiciário. [...] A AC-JUS alavancou definitivamente
a implan­tação da Certificação Digital no Judiciário, com o desenvolvi-
mento de aplicações para comunicação e troca de documentos, agora
com validade legal, viabilizando dessa forma o advento do Processo Judi-
cial Eletrônico. (BRASIL, 2011)

Assim, o cadastro para o peticionamento eletrônico é realizado pelos advo-


gados que queiram utilizá-lo nos tribunais, conforme a estrutura de ICP estabele-
cida pela AC-JUS.
Por sua vez, a legislação que regulamenta em detalhes a informatização
do processo judicial é a Lei nº 11.419/06. Mendonça (2008, p. 127) aponta as
origens do referido diploma legal: a Lei do Fax (Lei nº 9.800/99), o artigo 8º da

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Informatização do Poder Judiciário e acesso à justiça – Perspectivas atuais 193

Lei nº 10.259/01 e a Instrução Normativa TST nº 28, sendo que a última instituiu
o Sistema Integrado de Protocolização e Fluxo de Documentos Eletrônicos da
Justiça do Trabalho.
Nos dizeres de Batista (2010, p. 76), esta lei “é recente e vai contribuir muito
para a celeridade processual, pois, ao se protocolizar um processo, perde-se muito
tempo no cartório, os cartorários têm que numerá-lo, encapá-lo, carimbá-lo etc.,
ou seja, é um outro óbice ao acesso à Justiça”. De maneira geral, afirma-se que a
Lei nº 11.419/06 é o principal diploma regulamentador do processo judicial in-
formatizado, trazendo as diretrizes para a atuação dos profissionais que utilizem
o sistema e disciplinando a estrutura que deverá ser implementada pelo Poder
Judiciário em obediência à lei.
Entre outros aspectos, destaca-se a facultatividade para se aderir ao processo
eletrônico, decorrente da redação do artigo 1º: “o uso de meio eletrônico na tra-
mitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças pro-
cessuais será admitido nos termos desta Lei” (BRASIL, 2009, p. 1286, grifos nossos).
A Lei nº 11.419/06 acerta ao não impor a utilização dos meios eletrônicos, pois
isso seria muito precipitado, apesar de não existirem dúvidas de que, num futuro
próximo, o processo seja totalmente eletrônico.
Mendonça (2008, p. 130-131) considera, ainda, sobre os principais aspectos
da Lei: protocolo eletrônico no momento de envio da mensagem, prorrogação
dos prazos nos casos de falhas do sistema, criação do Diário de Justiça Eletrônico,
desnecessidade de apresentação dos originais da maior parte dos documentos
digitalizados.
Destacam-se, ainda: o prazo estendido até 24 horas do último dia (artigo
3º, parágrafo único), citações e intimações por meio eletrônico (artigos 5º e 6º),
os autos digitais transmitidos pela internet (artigo 8º), a dispensa da intervenção
do cartório na juntada de petições (artigo 10), o envio eletrônico de documentos
(artigo 13) e as diversas alterações no Código de Processo Civil, modernizando-o
(artigo 20) (BRASIL, 2009, p. 1286-1287).
Segundo Giglio (2007, p. 40), referida Lei, por timidez ou por atraso, acabou
apenas ratificando as medidas que já estavam em prática pela Justiça Federal e
por alguns tribunais trabalhistas. Entretanto, Giglio (2007, p. 42) assevera: “em sín-
tese conclusiva, a Lei nº 11.419 é necessária, progressista, ponderadamente ino-
vadora, coerente, apresenta alguns defeitos, mas merece aplausos pelos acertos,
que superam com folga os desacertos”.
Embora pairem diversas controvérsias sobre a Lei nº 11.419/06, como a ADI
proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil versando sobre a constitucionalidade

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da mesma (ADI nº 3.880), o fato é que esse diploma inovou a regulamentação do


processo judicial, adequando-o à realidade da sociedade informatizada.
Ainda na seara do contexto jurídico do processo de informatização do Poder
Judiciário, evidencia-se o conteúdo das disposições propostas pelo anteprojeto
do Código de Processo Civil: processo eletrônico uniformizado em todos os tri-
bunais (artigo 151, §4º); assinatura eletrônica dos magistrados (artigo 160, §1º);
armazenamento digital de atos processuais (artigo 164, §1º); prática dos atos
em qualquer horário (artigo 168); prorrogação de prazos em caso de falhas do
sistema (artigo 180, §1º); citação por meio eletrônico (artigo 203, IV); publica-
ção eletrônica de edital (artigo 214, II); expedição de precatórias e rogatórias
por meio eletrônico (artigo 216, §3º e 220); intimação eletrônica (artigo 219);
distribuição eletrônica (artigo 248); documentos eletrônicos (artigo 418 a 420);
penhora on-line de bens e valores (artigo 762); leilão eletrônico (artigo 802, II) e
alienação judicial eletrônica (artigo 820) como regras; voto eletrônico em sede
recursal (artigo 862); etc. (BRASIL, 2010).
Há quem entenda que o anteprojeto peca por ainda estabelecer o processo
judicial eletrônico como exceção e não como regra. Nesta esfera, destaca-se o
pensamento de Ataíde Júnior (2010), para o qual o novo código erra ao repetir
fórmulas processuais tradicionais que se referem exclusivamente ao processo de
papel, como a questão dos atos datilografados e escritos, da rubrica das folhas
do processo, da proibição de emendas e rasuras, do exame e carga dos autos etc.
Ainda, segundo Ataíde Júnior (2010), o novo código, por partir da premissa dos
autos físicos, constitui um estímulo para a manutenção do atraso do processo de
informatização e prejudicará as varas e tribunais que ousem adotar o processo
eletrônico, defendendo, por isso, que as normas que abordam o processo em pa-
pel deveriam possuir caráter provisório, isto é, constituir disposições transitórias
do código.
A posição do autor não parece a mais acertada, pois de nada adiantaria esta­
belecer o processo judicial eletrônico como regra na legislação enquanto restar
evidente que a informatização judiciária total está distante da realidade brasileira.
Apesar dos avanços sob o aspecto da informatização judiciária, ainda não existe
estrutura para a adoção de um Código de Processo Civil que cuide do processo
eletrônico como regra. A proposta de novo Código de Processo Civil buscou ficar
atenta às modificações sociais provocadas pela tecnologia e trazer bases para que
o processo judicial eletrônico deixe de ser exceção em todos os fóruns e tribunais
brasileiros. Entretanto, a constância das modificações tecnológicas leva a crer que
existe uma possibilidade de o novo código precisar ser substituído em alguns anos.

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Informatização do Poder Judiciário e acesso à justiça – Perspectivas atuais 195

No aspecto em questão, Ataíde Júnior (2010) questiona a conveniência da


criação de um novo código no momento. Ainda, aponta Marcacini (2010):

Se, por conta da informatização, o Judiciário e o Processo estão passando


por formidáveis alterações — cujos resultados finais não são ainda com-
pletamente conhecidos — será conveniente criar um novo Código agora?
Ou seria melhor esperar a finalização e os resultados dessa informatização,
quando, então, uma nova legislação já poderia contemplar a nova realidade
automatizada?

Se consideradas a intensa mutabilidade da tecnologia e a evolução do pro-


cesso de informatização, é questionável a validade da criação de um novo código
no momento, ainda mais se ele apenas vier a dar nova roupagem a fórmulas tra-
dicionalmente estabelecidas.

4  Contexto fático do processo de informatização


Por sua vez, o legislador, em respeito à garantia de acesso à justiça prevista
na Constituição Federal, promulgou legislações extravagantes e alterou disposi-
ções do Código de Processo Civil, visando adequar a realidade processual à tec-
nologia e gerar maior celeridade e eficiência do Poder Judiciário. Com essas bases
legais, o Poder Judiciário tem caminhado para a informatização em um processo
gradativo.
Marcacini (2010, p. 137-144) considera que a informatização judiciária pas-
sou por duas fases: após a informatização das rotinas das secretarias, a primeira
fase trouxe a disponibilização on-line dos atos processuais, e a segunda possibili-
tou a prática de atos eletronicamente.
A observação da atual estrutura do Poder Judiciário permite afirmar que a
primeira fase do processo de informatização praticamente se concluiu, isto por-
que, hoje em dia, os protocolos e distribuidores estão ligados à rede em todo o
Poder Judiciário, tanto que as falhas do sistema chegam a gerar suspensão de
prazos. Também o acompanhamento eletrônico dos processos e das intimações
via Diário Oficial Eletrônico se tornou rotina.
Por exemplo, o site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em sua
página inicial, possui links para a consulta de processos de 1ª e 2ª instâncias, para
o acesso aos repositórios de jurisprudência e para a visualização do Diário Oficial
(São Paulo, 2011). Os mesmos mecanismos estão disponibilizados no site do
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, o que demonstra o estágio avan-
çado das primeiras fases do processo de informatização (MINAS GERAIS, 2011).

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Em geral, com sistemas mais ou menos modernos, todos os tribunais brasileiros


disponibilizam tais recursos em suas páginas iniciais, bem como os utilizam no dia
a dia de trabalho.
Contudo, a terceira fase do processo de informatização está apenas se ini-
ciando e é sobre ela que recaem as maiores controvérsias legais e os mais varia-
dos receios, como a falta de segurança e de conforto.
Algumas instituições que trabalham dentro do Poder Judiciário criaram
sistemas internos visando a padronização de conduta dos agentes e o acom-
panhamento de ações no âmbito de toda a competência institucional. Entre tais
iniciativas, destaca-se a do Ministério Público do Estado de São Paulo, que insti-
tuiu o SIS MP Integrado, um sistema que, nos termos do Ato Normativo PGJ/CGMP
nº 665/10, registra e gere os “procedimentos das áreas de interesses difusos, cole-
tivos e individuais homogêneos; de interesses individuais indisponíveis e de aten-
dimento ao público” (SÃO PAULO, 2011). A tendência é que esse sistema se amplie
cada vez mais, uniformizando a atuação do Ministério Público e contribuindo
para a prestação de serviços à sociedade. Logo, o processo de informatização não
está restrito ao Poder Judiciário, mas se estende a todas as instituições que nele
laboram.
Por sua vez, diversas experiências foram implementadas nos tribunais bra-
sileiros, principalmente nos superiores, e produziram bons resultados, o que per-
mite afirmar a eficácia do processo eletrônico.
“O Supremo Tribunal Federal já disponibiliza o processo virtual, por meio da
protocolização de recursos extraordinários. Sendo assim, já se tem como uma pers-
pectiva do adimplemento digital processual no Brasil” (BATISTA, 2010, p. 77-78). Em
suma, o Supremo Tribunal Federal instituiu o Programa Processo Eletrônico, pelo
qual, mediante cadastro, os advogados podem peticionar ao Supremo e acessar
autos que lá se encontrem. Basicamente, referido programa pretende consolidar,
de maneira gradativa, o processo eletrônico na corte (BRASIL, 2011).
Outra iniciativa de informatização judiciária partiu do Superior Tribunal de
Justiça, sendo que esta foi divulgada amplamente na imprensa. Em uma página
própria, é explicado como funciona a virtualização de processos:

Todo processo em papel que chega ao STJ é transformado em arquivo


digital. Também há processos que já chegam em arquivo eletrônico.
Todo esse acervo pode ser consultado 24h por dia por advogados e en-
tes públicos cadastrados que tenham certificado digital válido junto à
ICP-Brasil. (BRASIL, 2011)

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Informatização do Poder Judiciário e acesso à justiça – Perspectivas atuais 197

Assim, o Superior Tribunal de Justiça está totalmente informatizado, consoli-


dando a ideologia de acesso à justiça por meio da efetividade processual. Também
o E-STJ “permite o uso da internet para a prática de atos processuais, sem necessi-
dade de petições escritas em papel, em todos os tipos de processos do Tribunal”,
através do peticionamento eletrônico (BRASIL, 2011). Evidente a facilidade criada
para o profissional do Direito, que antes precisava optar entre se submeter à moro-
sidade do protocolo integrado e se deslocar a Brasília, sede do Superior Tribunal de
Justiça.
Entre os tribunais inferiores, há de se considerar que a informatização judiciá-
ria chegou primeiro aos tribunais regionais federais, nos quais o processo eletrônico
ocupa um maior espaço, ao passo que nos tribunais de justiça a virtualização se
restringe, em sua maioria, a algumas varas dos juizados especiais.
Por exemplo, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região encontra-se com um
sistema avançado de citações eletrônicas (E-CIT) e peticionamento eletrônico
(E-Proc), que pode ser acessado facilmente (BRASIL, 2011). Já os Juizados Especiais
Federais da 2ª Região, em 2008, já possuíam autos 100% virtuais (MENDONÇA,
2008, p. 128). E o Tribunal Regional Federal da 5ª Região já oferece, facultativa-
mente, o uso do processo judicial eletrônico (BRASIL, 2011). A propósito, em 2008,
80% dos Juizados Especiais Federais, segundo o Conselho Nacional de Justiça, já
estavam informatizados (RECONDO, 2008, p. A4).
Nesta seara, destaca-se a implementação do Sistema de Processo Judicial
Eletrônico, software desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça para o uso
do processo eletrônico nos tribunais do país, sem incompatibilidades. Por ora,
houve adesão por praticamente todos os tribunais federais, mas apenas parte das
justiças estaduais já aderiram ao sistema:

Após a celebração do convênio inicial com o CJF e com os cinco regionais


federais, o sistema foi apresentado para a Justiça do Trabalho e para mui-
tos tribunais de justiça. A Justiça do Trabalho aderiu em peso por meio de
convênio firmado com o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT)
e com o Tribunal Superior do Trabalho (TST), os quais firmaram, por sua
vez, convênios com todos os tribunais regionais do trabalho. Aderiram
também 16 tribunais de justiça e o Tribunal de Justiça Militar de Minas
Gerais. (BRASIL, 2011, p. 8)

Assim, na justiça estadual o processo de informatização ainda não está tão


avançado. No Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, v.g., apenas parte dos
processos dos juizados especiais se encontram na modalidade eletrônica e podem
ser acessados a partir de um link na página inicial (Amazonas, 2011). Já no Tribunal

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de Justiça do Estado de São Paulo existem mais recursos voltados ao processo


de informatização, como a possibilidade de leilão eletrônico e a conferência de
documentos digitais, mas o estágio não é tão avançado quanto o dos tribunais
superiores e federais (SÃO PAULO, 2011).
Logo, considerados os exemplos expostos, é possível afirmar que a justiça
estadual não acompanha o progresso da justiça federal no processo de informati-
zação, o que gera uma situação preocupante que diz respeito ao acesso à justiça.
Sobre o contexto atual do processo de informatização, aduz Batista (2010,
p. 77-78):

O processo digital está se arraigando com sutileza no sistema jurídico


brasileiro, pois não são todos os Juízos que têm capacidade para suportar
tal inovação. É necessário que todos disponibilizem informatização digi-
tal capaz de contribuir com essa lei e para a celeridade processual.

Desta forma, a informatização do Poder Judiciário desponta como um processo


irreversível, decorrente da evolução dos meios tecnológicos, e deve ser encarada com
naturalidade e com especial atenção às vantagens dela decorrentes. Com a informati-
zação judiciária, a efetividade processual se maximizará e só então será possível atin-
gir um nível mais profundo de acesso à justiça.

Considerações finais
Na era da informação, a sociedade passou a evoluir em um ritmo cada vez
mais acelerado, o que tem gerado diversas modificações em seus modos de rela­
cionamento e na estrutura de funcionamento de suas instituições. Se, por um
lado, pode se afirmar que a informatização do Poder Judiciário não está ocor-
rendo por um processo natural, por outro lado, é inegável que existe um clamor
no sentido de que a tecnologia deve se aliar a todas as esferas de atuação humana,
aperfeiçoando, inclusive, a oferta de serviços públicos.
Depois das ondas de acesso à justiça, a busca da prestação de tutela juris-
dicional aumentou progressivamente. Entretanto, o Poder Judiciário não aperfei-
çoou sua estrutura de maneira compatível com as novas exigências sociais, o que
gerou uma crise que vem se alastrando há anos e prejudicando o acesso à justiça.
Como foi dito, para o verdadeiro acesso à justiça, não basta disponibilizar
um fórum para que o sujeito de direito busque a tutela jurisdicional: são necessá-
rios mecanismos diversos e toda uma estrutura apta a garantir esse direito funda-
mental do ser humano, previsto na Constituição Federal.

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Informatização do Poder Judiciário e acesso à justiça – Perspectivas atuais 199

É nesta seara que desponta a informatização judiciária, que traz recursos aptos
à maximização do acesso à justiça sob o aspecto estrutural. Tais recursos dotam o
processo judicial de uma maior celeridade e eficiência, o que se mostra essencial
diante dos problemas atualmente enfrentados nos juízos e tribunais. Entre esses
recursos, destacam-se a digitalização dos processos, o peticionamento eletrônico e
a realização de atos processuais com a utilização da internet.
Evidente que o Poder Judiciário possui falhas que não serão solucionadas
pela informatização judiciária, como o pequeno contingente de juízes e cartorá-
rios, o aumento desproporcional do número de demandas e a falta de ética pro-
fissional por parte de alguns. Com certeza, tais problemas merecem a atenção
da sociedade e a busca de soluções rápidas e coerentes. Por outro lado, com o
processo judicial eletrônico será economizado o tempo gasto com a formação de
autos convencionais, o que envolve a extinção das inúmeras certidões exaradas e
a diminuição das diligências praticadas por oficiais de justiça.
Tantos aspectos positivos levam a uma situação de alerta com a qual a socie-
dade se depara: a existência insuficiente de informatização, em especial na esfera da
justiça estadual. O contexto atual da informatização judiciária, infelizmente, demons-
tra que o poder público oferece às instituições tecnologias aquém das disponíveis no
mercado e não investe de maneira suficiente na melhoria da estrutura das mesmas.
De outra forma, é inegável que ocorreu uma evolução no processo de
infor­matização, principalmente a partir da Lei nº 11.419/06, o diploma legal que
colocou em prática o direito de acesso à justiça decorrente da Carta Magna. Tal
perspectiva leva a crer que, em um futuro próximo, o processo eletrônico será
uma realidade em todos os fóruns e tribunais brasileiros.

Abstract: The present article aims to discuss the connection between the
computerization process of the Judiciary and the maximization of the fun-
damental right of justice access. Such, initially weaves comments about the
justice access concept and its connection with the procedural effectiveness
issue as one of its facets. Then, it exposes about how the technology must
be used as an procedural effectiveness ally, before their particularities which
provides a speedier judicial process. After, it analyzes the obstacles that pres­
ent themselves to the total computerization judicial. From there it is consid­
ered about the legal and factual context of the computerization process, with
analysis of the Constitution, of the Law n. 11.419/06 and of the Law Project
n. 166/10 (new Code of Civil Procedure), as well as through exposure to specific
cases. So, it is intended to determine which perspectives surrounds, actually,
the issue of the computerization process of the Judiciary.

Key words: Virtual Law. Computerization Process of the Judiciary. Justice


Access. Procedural Effectiveness.

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

GARCIA, Bruna Pinotti; SILVA, Nelson Finotti. Informatização do Poder Judiciário e acesso à
justiça: perspectivas atuais. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte,
ano 21, n. 82, p. 181-202, abr./jun. 2013.

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CONFERÊNCIAS

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Los criterios de la legitimación jurisdiccional
según los activismos socialista, facista y
gerencial1

Eduardo José da Fonseca Costa


Juez Federal en Brasil. Licenciado en Derecho por la Universidad de
São Paulo. Especialista, Máster y Doctorando en Derecho Procesal
Civil en la Pontificia Universidad Católica de São Paulo. Miembro del
Instituto Brasileño de Derecho Procesal y de la Academia Brasileña
de Derecho Procesal Civil. Miembro del Consejo Editorial
de la Revista Brasileña de Derecho Procesal.

No existe una única diferencia específica entre el activismo y el garantismo.


Esas diferencias son muchas.
Uno de ellas, está en cómo cada una de estas corrientes ve los criterios que
legitiman el poder jurisdiccional.
Para los garantistas, el problema del déficit de legitimidad democrática
del poder jurisdiccional es falso, porque la legitimidad de la actividad judicial
no se basa en la soberanía de los votos. De todos modos, el consentimiento
popular no hace parte de un poder jurisdiccional legítimo. No se puede extender
pasivamente a la autoridad judicial la “democracia participativa radical” y sus
criterios rousseaunianos de legitimación política, porque ellos son exclusivos de
los poderes ejecutivo y legislativo. De hecho, el Poder Judicial tiene legitimidad
porque se une a la Constitución y a las leyes, que fueron aprobadas por los
representantes del pueblo y por lo tanto expresan la volonté générale. Aquí, el
significado de legitimidad proviene de la etimología de la palabra [en latín clásico,
legitimus = “legal, de conformidad con la ley”]. Dicho de otro modo, a diferencia de
los poderes constitucionales estructurados como una democracia representativa,
el Poder Judicial no tiene ningún compromiso con la mayoría, pero con el derecho.
Decididamente, los jueces no son representantes del pueblo, ficudiarios de las
masas votantes o un “espejo” representativo del cuerpo político. Por conseguiente,

1
Ponencia ganadora del Premio “Humberto Briseño Sierra”, presentada el 19 de octubre de 2012 al
XII Congreso Nacional de Derecho Procesal Garantista, en la ciudad argentina de Azul.

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se trata de una forma de legitimación predominantemente a priori, retrospectiva,


estática y constatativa.
Al contrario, los activistas creen que el déficit de legitimidad democrática
del Poder Judicial le impulsa a buscar una “complementación integradora”, que
debe ocurrir de manera a posteriori, dinámica, prospectiva y performativa. Es decir,
la actividad jurisdiccional sólo será legítima se cumplir ciertas tareas capaces de
ganar ex post la convicción de los jurisdicionados. En este sentido, la legitimidad
de la acción jurisdiccional — vista como “plebiscito cotidiano” (Renan) — se ase-
meja a la confianza y credibilidad que los titulares de depósitos bancarios depo-
sitan en la solidez de su institución financiera. Esto impone a los jueces activistas
un mayor esfuerzo de justificación, ya que las tareas antes mencionadas tienen
claramente un contenido extrajurídico (a pesar de que no siempre cumplen con
este esfuerzo).
La pregunta es ¿cuáles son esas tareas?
Ellas varían de acuerdo con la ideología que subyace en cada tipo de activismo.
Después de todo, las ideologías políticas siempre llevan con ellas una “antropolo-
gía filosófica”, o sea, subyace una metafísica que reflexiona sobre los hombres y
sobre cómo se relacionan entre sí, con la naturaleza y con Dios. Por lo tanto, este
supuesto filosófico definirá la manera como el jurista va a entender la vocación
de las partes y de los jueces — que serán trasformados en hombres unidimensio-
nales por el reduccionismo ideológico — en el curso del procedimiento judicial.
Fundamentalmente, los procesalistas activistas se dividen en tres categorías
político-ideológicas:
1) activistas socialistas;
2) activistas fascistas;
3) activistas social liberales.

II

Para entender los criterios de legitimidad jurisdiccional propugnados por


los activistas socialistas, se debe hacer una incursión in extenso en los postulados
fundamentales de su base ideológica.
La llama social fue alimentada por las condiciones crueles y a menudo
inhumanas de vida y trabajo de la clase obrera. Por lo tanto, ha surgido como una
crítica a la sociedad de mercado liberal y como un intento de ofrecer una alterna-
tiva al capitalismo industrial. Así como el credo liberal, el socialismo tiene fe en los
principios de la razón y el progreso. Aquí, no obstante, la clave para el desarrollo
no es el egoísmo del individuo competitivo (generador de agresividad), sino la

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cooperación mutua (generadora de afecto y solidaridad), que debe ser alentada


por el Estado. Los hombres pueden estar motivados no sólo por los incentivos
materiales (por ejemplo, beneficios económicos), sino moral (por ejemplo, la con-
tribución al bien común). Ellos son vistos como criaturas eminentemente sociales,
unidas por su común humanidad y sólo capaces de superar sus problemas socia-
les y económicos apoyándose en la fuerza de la comunidad.
Así, la iniciativa humana colectiva tiene más valor que el esfuerzo individual.
Más: los hombres son concebidos como seres “plásticos”, cuyo comportamiento
e identidad no son moldeados por la “naturaleza”, sino por la “cultura” a través de
experiencias de interacción intersubjetiva, circunstancias de vida y participación
social en las entidades de carácter colectivo. En vista de eso, mientras que los pen-
sadores liberales establecen una clara distinción entre “individuo” y “sociedad”, los
socialistas creen que el individuo es inseparable de la sociedad. En consecuen-
cia, sostienen que los seres humanos son naturalmente iguales, pero difieren en
virtud de la desigualdad de oportunidades. En resumen, la desigualdad humana
refleja la desigual estructural del sistema capitalista. Por consiguiente, la igualdad
meramente formal de los liberales les suena como algo inapropiado. Con esto, el
valor principal del socialismo y la gran misión del gobierno es promover la igual-
dad social, lo que refuerza la cohesión social y la estabilidad.
En los comienzos, el socialismo se asoció a la idea de “política de clases”. Se
entendia así, que los hombres pensaban y actuaban junto con los que compar-
tían la misma posición socioeconómica (lo que, en los evangelios civiles de Karl
Marx, Friedrich Engels y tutti quanti, fueron la clave para comprender la historia).
Se entendía también que el socialismo era una expresión de los intereses de la
clase obrera, que luchó para emanciparse. Sin embargo, esta visión clasicista se
debilitó bajo la desindustrialización, la reducción de la clase obrera tradicional y
la creciente clase media, lo que contradijo Marx y su teoria biclacista. Con esto, las
utopías sociales hard del marxismo clásico y el comunismo ortodoxo (fundadas
en la creencia de que el motor de la historia es la lucha de clases y que el capita-
lismo será abolido y sustituido por la revolución proletaria y por la sociedad sin
clases, sin propiedad privada, sin las desigualdades sociales y con la economía
basada en la colectivización y la planificación estatal central) se sometieron a revi-
siones profundas y generaron líneas más softs del pensamiento socialista, que se
llamaron la Nueva Izquierda (New Left): (i) el neo-marxismo (en lo cual, entre otras
cosas, se desaproban el determinismo económico y la situación privilegiada de la
clase proletaria); (ii) la social democracia (fundada en la idea de que el capitalismo,
aunque sea un defectuoso medio de distribución de la riqueza, es la única manera

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confiable para generarla, por lo que — según los dictámenes de la justicia social
y los principios democráticos liberales — puede ser tranquilamente corregido y
humanizado por la regulación social y económica de un Estado que se encamina
a la erradicación de la pobreza); (iii) la “tercera via” (que repele el “caminar con sus
propios pies” de los liberales, rechaza el “cuidado de la cuna a la tumba” de los
socialdemócratas, admite con pragmatismo la economía globalizada por encima
del Estado, acepta las diferencias de clase y las desigualdades económicas y aboga el
bienestar (no sólo a los excluídos) a través de una política de meritocracia (“opor-
tunidad, no caridad”), que sea fraternal, pero haga contrapeso entre los derechos
y las responsabilidades.
De cualquier manera, todas estas corrientes ideológicas de inspiración socia-
lista están permeadas por idealizaciones como la igualdad material, la justicia social,
la preocupación por los pobres, la colaboración, la prevalencia de lo social sobre lo
individual, la solidaridad y la planificación estatal.
Trasplantados al ámbito jurisdiccional, estos valores causan la infusión de un
“socio-sanitarismo procesal” (hasta ahora tan cara a las demandas sobre welfare
rights, es decir, las demandas sobre derechos de trabajo, seguridad y asistencia
social). Aquí, a diferencia de la concepción liberal clásica del proceso civil, no
está sólo preocupado por “componer lides”. El caballo de batalla de la vanguardia
socialista es resolver el conflicto subyacente con justicia social. Por ninguna otra
razón la figura procesal central es el juez (“juez-gnóstico”), que posee los “poderes
iniciáticos” de transponer a la realidad aparente in statu assertionis. A través de la
Big Science — la Sociología —, el juez desvela la realidad “real” en sus más “pro-
fundas contradicciones” por medio de un “análisis microscópico marginal”, que
hace caso omiso de los principios clásicos del derecho probatorio. En definitiva, se
hace “de la vista gorda” ante el adagio “lo que no consta en los autos, no es de este
mundo” [quod non est en actis hoc non est en el mundo] y la fría “verdad formal” da
paso a la efervescente “verdad material”.
En resumen, el juez del “fabianismo procesal” sigue el script hegeliano de la
“reconciliación con la realidad” [Versöhnung mit der Wirklichkeit]. Por lo tanto, el
proceso deja de ser un instrumento a disposición de las partes para llegar a ser
instrumento público del Estado-clínica para implementar ex cathedra una política
de igualación social [publicismo social]. Más: al juez se confieren amplios poderes
extroversos [principio inquisitivo], por medio de los cuales tendrá que alcanzar la
misión soteriológica de equilibrar las fuerzas entre las partes y promover la igual-
dad sustancial entre ellas.
Para un concepto socialista, un buen juez es un Hobin-Hood, ejecutor de las
ideas de los grandes iconos del “romanticismo social”. A favor del “eslabón más débil”

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de la relación procesal — una iniciativa conocida como “parcialidad positiva” (?!)


— el juez puede hacer más flexible el procedimiento estándar legal (aunque aquí,
por regla general, sea realizado un procedimiento sumario y oral), invertir la carga
de la prueba, relativizar pro misero el rigorismo de la cosa juzgada (lo que explica
la propagación contra legem de la cosa juzgada secundum eventum probationis
en Brasil, especialmente en las lides sobre seguridad y asistencia social), interferir
en la formación del objeto litigioso, satisfacer las carencias en materia de prueba
(esto no insulta a la “imparcialidad”?) y conceder medidas autosatisfactivas ex
officio [activismo autoritario “socioequilibrante”, que los críticos ven como praxis
gauchiste].
Por lo tanto, el magistrado deja de ser el “inerte anémico” de la herejía liberal
para convertirse en un apasionado “poliburocrata soixante-huitard”, un “filósofo-rey”
de Platón, un centralizador de las iniciativas, interesado en los males socioeconómicos
de la relación jurídica material litigiosa y propenso a erradicarlas. Con eso se puede
dar cuenta de que el enfoque dogmático sale del proceso y se cae en el estudio de la
jurisdicción, que no es más vista como jurisdictio [= poder de “decir derechos”), pero
como imperium [= poder de “efectivizar derechos”]. Esto hace que el due process of
law, el “proceso civil justo”, sea el proceso efectivo, que puede transformar la realidad
social. Otrosí, el proceso es visto como un “bien de todos”, una “propiedad del pueblo”
bajo la custodia de un mandarinato judicial, que debe desempeñar sus ocupaciones
con visión social y sentimiento altruista. El magistrado es un “gran timonel” a la Mao
Zedong; luego, como era de esperar, el contradictorio sólo está permitido dentro de
riendas firmes, sin que las partes estén perdidas en largas discusiones febriles y estéri-
les. Sin embargo, si el proceso es un instrumento social, no puede perderse en trucos,
insultos e inmoralidades otras: a mala fe es fuertemente reprimida.
Teniendo en cuenta todas estas consideraciones, se puede concluir que,
para una visión socialista, el criterio de legitimidad de la actividad jurisdiccional
debe ser el cambio social (sobre todo en favor de los “excluidos y marginados”): si
el juez no tiene autoridad para modificar el status quo, el proceso no cumple con
su propósito último.

III

Al igual que el procesualismo socialista es el procesualismo de la ideología


fascista.
No es fácil definir el fascismo. Los nacionalismos y los deseos frustrados de
venganza no resueltos, desde la Segunda Guerra Mundial han surgido dentro de
la clase media baja (comerciantes, pequeños empresarios, agricultores, artesanos,

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etc.), afectada por la crisis económica de la década de 1930 y apretada entre las
grandes potencias empresariales emergentes y los trabajadores organizados. Con
esto, florecieron el odio al capitalismo (mercado libre) y al socialismo (planifica-
ción centralizada). Así, surgió el llamado “corporativismo” y la creencia de que las
clases sociales no se pelean entre sí, pero trabajan en armonía para el bien común
mediadas por el Estado. La base de este nuevo modo de producción sería una
comunidad espiritual nacional y orgánicamente unificada bajo la cohesión social
incondicional, expresada en el lema “L’union fait la force” y gobernada por un es-
tado totalitario bajo el dominio personal de un liderazgo fuerte e invencible (Il
Duce, Der Führer).
Para que todo esto fuese posible, era esencial que las ideas iluministas de
la igualdad, la libertad, la fraternidad y el progreso de la Revolución Francesa de
1789 fuesen aniquiladas por valores marciales como el poder, la guerra, el orden,
la autoridad, la obediencia, la lealtad y el heroísmo. El individualismo debe ceder
el paso, por lo tanto, a una nueva concepción del hombre: un héroe, absorbido
por la comunidad y motivado por los sentimientos de deber, honor, abnegación,
gloria y lealtad absoluta al líder supremo y todopoderoso. De esto podemos ver
que el fascismo nunca se molestó con el desarrollo de un sistema racional y cohe-
rente: era simplesmente “un revoltijo de ideas sin sentido” [Hugh Trevor-Roper].
De todas formas, es posible identificar algunos principios básicos: a) anti-
racionalismo (que hace hincapié en la historia, la mística, el pasado común, el
sentimiento, la cultura, el deseo, el impulso, el instinto y los límites de la razón y
del intelecto); b) lucha (que cree en el darwinismo social y la guerra como medio
de selección natural de los hombres más fuertes); c) socialismo (que desarrolla un
colectivismo materialista y un capitalismo que sirve a los intereses del Estado);
d) ultranacionalismo (que cree en la superioridad de una nación sobre las demás
y fomenta el expansionismo e imperialismo); e) liderazgo (que entiende que la
sociedad civil debe estar guiada por una autoridad carismática, libre de cualquier
atadura constitucional); f ) elitismo patriarcal (que rechaza la igualdad, cree en el
gobierno de una minoría “guerrera” masculina dispuesta a sacrificarse por las masas
ignorantes, débiles y inertes, destinadas a la obediencia ciega).
Trasplantada la Weltanschauung al ambiente jurisdiccional, se llega a un
“dirigismo procesal à outrance”. El proceso se convierte en un regnum iudicis, en
que el juez ejerce una monocracia formalista, legalista y policiesco-inquisitorial.
Por otra parte, los litigantes son vistos como enfermos, que se desentonan de la
armonía socio-orgánica y precisan ser sanados espiritualmente con justicia por el
Estado Paternal (y, si es posible, reconciliados, pero jamás en un contexto alter-
nativo privado extrajudicial: “nada fuera del Estado”, como defendía Mussolini).

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Además en este caso el juez ejerce “poderes ilimitados casi místicos” — en sintonía
con el libre recherche scientifique de los franceses y la Freirechtbewegung de los
alemanes — para transponer la “verdad formal” de los autos del proceso y llegar
a la “verdad material”, ignorando el adagio quod non est en actis hoc non est en el
mundo.
Sin embargo, el juez no manipula estos mecanismos de prueba buscando el
“equilibrio social” de los marxistas aventureros, es decir, con el objetivo de reequi-
librar las partes, que son socioeconómicas desiguales: sua iniciativa probatória es
promovida a tout propos para simplemente reafirmar la autoridad incontestable
del Estado. Es la reducción diestro-hegeliana y ad Hitlerum de la “reconciliación
con la realidad” [Versöhnung mit der Wirklichkeit]. Es como si la jurisdicción, de
acuerdo con la dicción de uno de los grandes teólogos del Estado, fuera “el fin
último”, la “finalidad propia, absoluta e inquebrantable”, el “razonable en sí y por sí
mismo”, que tiene “el derecho supremo contra el individual, cuyo supremo deber
se centra en ser un miembro del Estado”. No por otra razón se admite que el juez
arbitrariamente, sin un propósito específico, imponga ex officio adiciones al objeto
litigioso; llene ex officio la ausencia de presupuestos procesales; fije o investigue
hechos no alegados; relaje el procedimiento estándar; invierta la carga de la prueba;
relativice la cosa juzgada sin provocación de las partes (sobre todo en favor del
Estado); conceda medidas de oficio [activismo autoritario publicístico radical].
En consecuencia, para la concepción fascista, tiene más valor el “juez-general”, el
“monista línea dura”, que es la prima donna del espectáculo procesal.
En consecuencia, el proceso deja de ser un instrumento a disposición de
las partes para llegar a ser un instrumento del Estado-juez a servicio de la pacifi-
cación a forceps y, por conseguiente, un instrumento de dominación [publicismo
estatólatra]. Con esto, el énfasis recae en el estudio dogmático de la jurisdicción,
que efectiviza los derechos subjetivos, no transformando subversivamente la rea-
lidad social a favor de los más necesitados, sino alimentando la libido dominandi
del Estado. Después de todo, más importante que la trascendencia de la jurisdictio
y de suas palabras es la inmanencia del poder jurisdiccional de imperium y su acción
concretizadora.
Por otra parte, el proceso civil es un “bien público”, una “propiedad del
Estado” colocado bajo custodía de un patriciado cartorial formado por plenipo-
tenciarios actores judiciales. Si el juez es el Führer, entonces no es sorprendente
que el contradictorio sea entendido como una cooperación espiritual-orgánica
entre las partes, sin que se pierdan en la dialéctica febril y mezquina del abyecto

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homo economicus liberal. Es decir, bajo los auspicios del ideal de la cooperación
judicial monocéntrica, se ve el contradictorio como un “diálogo” exlético asimé-
trico [= intento de comprensión — a menudo forzado — entre materialmente
desiguales], no como un debate dialéctico simétrico [= desacuerdo entre formal-
mente iguales]. Sin embargo, si el proceso es un instrumento público-estatal, no
puede perderse en trucos, insultos e inmoralidades propios de los lobos capitalis-
tas: la mala fe es demonizada in extremis.
Teniendo en cuenta todas estas consideraciones, se puede concluir que,
para una visión fascista, la consigna del derecho procesal debe ser la efectividad: si
el juez no tiene poder para aplicar sus resoluciones, entonces el proceso no es más
que una guarida de “pronunciamientos inofensivos”. Esta consigna fue adoptada,
según los garantistas, por el Código portugués de procedimiento civil de 1939, las
modificaciones introducidas en la ZPO alemán por medio del Decreto de 8 de no-
viembre de 1933, el Code di Procedura Civile italiano de 1940, el Zivilprozessordnung
austriaco de 1895, hecho por Franz Klein (que el garantismo dice ser el opus magnum
del fascismo procesal, el non plus ultra del protagonismo autoritario judicial y el
“organo metodológico” de todos los activistas judiciocratas).

IV

Hay un intenso debate acerca de la identidad del “liberalismo moderno”. Los


neoliberales, fuertemente unidos a los postulados básicos del liberalismo clásico,
entienden que los cánones de la doctrina liberal fueron traicionados por esta
nueva forma de gobierno y que el término “liberalismo social” es una contradic-
ción in terminis. La cuestión, sin embargo, no es tan simple. Después de todo, el
liberalismo social se basa en los cuatro pilares del liberalismo clásico (el constitu-
cionalismo, la democracia, la descentralización y la economía de mercado). Estos
supuestos, no obstante, sufren un oxigenante relectura.
Por un lado está el liberalismo clásico, que defiende el libre mercado, visto
por un gobierno mínimo y alimentado por individuos egoístas, auto-responsables
y titulares de derechos de contenido contra el Estado, que buscan maximizar la
utilidad y obtener recompensa por criterios de mérito.
Por el otro, está el liberalismo social. Aquí, el individualismo egoísta da paso
a un individualismo altruista y progresista que ve una conexión entre los hombres
por lazos de simpatía y atención, características más socio-cooperativas y la bús-
queda de crecimiento personal. Ante el fracaso del libre comercio y la inviabilidad
de la empresa privada sin restricciones, el capitalismo no regulado — dirigido
a las bajas inversiones, inmediatas y la fragmentación social — es retirado de la

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Los criterios de la legitimación jurisdiccional según los activismos socialista, facista y gerencial 213

“anarquía económica” y presentado por los controles reguladores “de arriba hacia
abajo”, que buscan promover la prosperidad, la armonía en la sociedad civil y la
reducción de las desigualdades de los puntos de partida. Por lo tanto, el Estado
mínimo de los liberales radicales (incapaz de corregir las injusticias y desigualda-
des) y el Estado máximo de los socialistas marxistas (pesado, ineficaz y opresivo)
dan paso a un estado fiscal y ágil, a un “liberalismo de Estado”, que — aunque
sigue siendo oponente de nivelaciones y estandarizaciones sociales — ayuda a la
gente a ayudarse a sí misma, interviene por inducción en la economía y promueve
los servicios de bienestar social, como la salud, la seguridad social y la educación.
La libertad negativa de los liberales clásicos da lugar a una libertad positiva, o sea,
a la idea de que la libertad también puede ser amenazada por las desigualdades
sociales y desventajas muy intensas.
El trasplante de los topoi social liberales al ámbito jurisdiccional (como la
individualidad, la libertad positiva, la cooperación, la regulación, la eficiencia) da
lugar al llamado “gerencialismo procesal civil”. Aquí se desconfía del sistema
adversarial paleoliberal del common law, pues su demora en el desenlace proce-
sal es inaceptable para las demandas actuales de celeridad [right delayed is right
denied]. El engaño y la astucia son vehementemente combatidos por el juez (que
se basa en un sistema de represión de la litigación de mala fe construído sobre
la responsabilidad objetiva del improbus litigator). El magistrado se convierte en
un “regulador”, que no espera más soluciones legislativas milagrosas, asume la
responsabilidad [accountability] por la buena gestión de los procesos e interviene
extra legem — a menudo bajo la racionalidad organizacional y através de técnicas
de gestión computacional — para eliminar los obstáculos que causan la “conges-
tión procesal” y para una resolución de los litígios en “tiempo razonable”.
El proceso es manejado como una “micro-empresa gestionada por la
macro-empresa judicial”, que opera bajo la planificación estratégica, la toma de
decisiones a gran escala y se compone de magistrados dotados de inteligencia
orga­nizacional, liderazgo motivacional y capacidad de movilización. En este caso,
el protagonista de la relación procesal no es la persona del juez o las partes, pero
el Poder Judicial y su poderoso staff asesorial, que sufren una fuerte presión ins-
titucional para el desempeño satisfactorio (que se mide — a la luz de las reco­
mendaciones del New Public Management de Mark Moore — por indicadores
estadísticos y supervisión del cumplimiento de metas objetivas).
Se instala un vínculo entre el proceso civil [case mamangement] y las políti-
cas públicas judiciales [court mamangement], ambos impregnados de la filosofía
del Just in time. El juez (visto como un proveedor) y las partes (vistas como los

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consumidores) trabajan en un régimen de colaboración para la producción trium


personarum de las pruebas necesarias y para una disminución entre la realidad
intra-procesal y la realidad extra-procesal (lo que le da un “tono socialdemócrata”)
[principio de la cooperación probatoria]. Medidas se pueden conceder — de ofí-
cio o a petición de las partes — con miras a la gestión eficiente del proceso. La
carga de la prueba se define de forma adaptativa por el juez según la teoría de
las cargas dinámicas de las pruebas. Tanto el juez (de ofício) como las partes (por
acuerdos) pueden imprimir flexibilidades sumarizantes ad hoc al procedimiento
legal estándar, incluida la creación de líneas de tiempo [schedules] o calendarios
[timing of procedural steps] que pueden suprimir los “tiempos neutrales” o “aguje-
ros negros” [black holes], mediante la adaptación creativa del procedimiento a las
caracteristicas del derecho sustantivo y las particularidades del caso. La manera
más eficaz para detener el flujo interminable de los procesos y con ello dar un ren-
dimiento mayor a la actividad jurisdiccional, son las políticas de conciliación y de
resolución alternativa de conflictos [publicismo gerencial]. El objeto litigioso es
un constructum de colaboración entre el juez y las partes, el “debido proceso” es el
proceso eficiente, flexible, eficaz y ágil, en trámite en autos virtuales y basado en
una legislación de procedimiento abierto. El juez, sin importar su posición jerár-
quica, recibe poderes discrecionales [judicial case management powers] para el es-
tablecimiento de metas de desempeño para las partes [activismo regulador]. No
hay interés en la trilogía estructural del proceso (jurisdicción, acción y proceso),
pero en una trilogía funcional (eficiencia, organización y celeridad). Hay énfasis a
extremo en los procedimientos y, en particular, en la “ingeniería procesal inventiva
y particularizadora” (que es un de los conocimientos prácticos arcanos de la good
judicial governance). El juez símbolo del liberalismo social es un “juez manager”,
productivo, pragmático, plástico e informal, que, advertido sobre el colapso del
adversarismo mandevilliano e inspirado en los postulados de la proporcionalidad
y la razonabilidad, establece marcos regulatorios de acción para las partes con el
objetivo de evitar el uso irrrazonable del tiempo procesal (en resumen, orientado
por un “post-keynesianismo procesal”, el juez no suprime el ejercicio del contra-
dictorio, pero imprime un poco de planificación calculada y “galgas correctivas”).
Es importante señalar que el gerencialismo procesal pioneramente floreció
en Inglaterra (a través de las Civil Procedure Rules de 1999) y los EE.UU. (a través del
libro de recomendaciones The elements of case management: a pocket guide for
judges, escrito por William W. Schwarzer y Alan Hirsch y publicado por el Federal
Judicial Center en 2006). Allí, bajo una arraigada tradición liberal clásica, siempre
se cultivaron los ideales del sistema adversarial. Sin embargo, bajo la visión liberal

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Los criterios de la legitimación jurisdiccional según los activismos socialista, facista y gerencial 215

moderna, ya no más puede existir el laissez faire laissez passer: el Estado interviene
para estimular la vida social. En el procedimiento civil, esto significa que las “téc-
nicas” de los procesalismos socialista y fascista no se utilizan para compensar la
vulnerabilidad de la parte desfavorecida, o para fortalecer el Estado contra la so-
ciedad civil, pero para garantizar “the just, speedy and inexpensive determination of
every action and proceeding” [Federal Rules of Civil Procedure de los EE.UU., Rule 1].
Es decir, estas “técnicas” son releídas de acuerdo a una mentalidad empresarial. En
la Comunidad Europea, este gerencialismo activista fue elevado a la condicción
de directiva a través de la Recomendación R (1984) 5 del Comité de Ministros del
Consejo de Europa, adoptada en 28 de febrero de 1984 (esta directriz fue adoptada,
por ejemplo, en el §4.9 del Dispute Act de 2005).
Frente a todas estas consideraciones, no es difícil concluir que, a los social
liberales, el lema principal de legitimación es la flexibilidad (prater legem o lograda
a través de textos normativos concisos y escritos en conceptos vagos e impreci-
sos, que permiten al juez un razonamiento sobresuntivo). Todo esto se pone de
acuerdo con el “fetiche business” y sus reingenierías corporativas laboratoriales...

Al final de las correlaciones desarrollados anteriormente, se puede afirmar que:


(i) el activismo autoritario engagée del procesualismo socialista predica la
“parcialidad positiva” como criterio de legitimidad de la actividad jurisdiccional
(que no es más que una degradación de la imparcialidad). Dentro de la trilogía
estructural del proceso, el objetivo socialista de desestructuración es el concepto
de jurisdicción (y el principio constitucional que lo protege — la imparcialidad).
(ii) el proto-activismo autoritário publicista del logos fascista predica la ali-
mentación de la libido dominandi del Estado como factor de legitimación juris-
diccional, lo que sólo es posible a través del reclutamiento de agentes judiciales
plenipotenciarios, cuyo protagonismo sea capaz de suprimir cualquier iniciativa
de las partes. En consecuencia, dentro de la trilogía estructural de proceso, el objeto
de la destrucción es la idea de la acción (y el principio constitucional que la protege
— el derecho de petición).
(iii) por último, el neo-activismo gerencial del liberalismo moderno predica
una flexibilidad procesal radical, lo que permite al Poder Judicial legitimarse me-
diante el cumplimiento de las metas dictadas por los órganos rectores de la pla-
nificación judicial. De esto podemos ver que el objetivo del ataque es la noción
de proceso (y el principio constitucional que la protege — el debido proceso legal).
Todos ellos, a un mayor o menor grado, desarticulan un órgano vital de la
anatomía procesal y producen peligrosos riesgos para las garantías fundamentales

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del proceso. Nunca está de más enfatizar el carácter razonable de la demarché


garantista, que está contra todo esto. Después de todo, la prevención contra el
despotismo está muy lejos de ser un engaño del liberalismo clásico. Es una
insight que continuamente se confirma en el cotidiano forense: los jueces activis-
tas descienden con frecuencia al summum malum de la arbitrariedad. De ahí nace
la “eterna juventud” del garantismo.
Esto sucede gravemente en la cultura política y administrativa subdesarollada
de los países latinoamericanos, cuya tradición social estatista, sin igual hasta hoy,
fue heredada de la vieja y salvaje estructura autoritaria, paternalista, patrimonia-
lista, clientelista y mercantilista del Estado ibérico burocrático y jerárquico de la
época colonial: “una combinación paradójica de nacional socialismo del siglo XX
y absolutismo modernizador de fines del siglo XVIII” [J. O. Meira Penna dixit]. No
sin razón, por lo tanto, en la exposición de motivos del Código de Procedimiento
Civil brasileño de 1939 se anunció el germen del activismo judicial, que ganó con-
tornos más específicos en el Código de 1973.
Luego, se debe dedicar sincero respeto al aggiornamento europeo liberal y a
la adecuación de sus intereses ante la realidad judicial latinoamericana. Por cierto,
los garantistas son dignos de los más altos elogios. En primer lugar, introducieran
en la agenda académica un debate fundamental para el mejoramiento de los ins-
titutos procesales (que es la relación entre el derecho procesal civil y las ideologías
políticas y sociales). En segundo lugar, porque transformaron el canon liberal en un
elemento “caliente” y “subversivo” contra las estructuras potencialmente autoritarias
de las tecnocracias estatales contemporáneas. Sin embargo, la crítica garantista —
especialmente en Brasil, donde es todavía in statu nascendi — debe escapar de la
tentación de ver el activismo en un bloque monolítico. Como hemos podido demos-
trar, el activismo está permeado por distintas tendencias políticas e ideológicas y
cada uno de ellas tenta erosionar un pilar específico del procesualismo estructural.
Es posible que en algún momento un activista pien pensant alegue que esa corrosión
es un “efecto no deseado de una acción intencional”. No importa: con un poco de
pesimismo se puede decir que esto será el saldo neto histórico del activismo.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

COSTA, Eduardo José da Fonseca. Los criterios de la legitimación jurisdiccional según los
activismos socialista, facista y gerencial. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo
Horizonte, ano 21, n. 82, p. 205-216, abr./jun. 2013.

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Aspectos semânticos de uma contradição
pragmática. O garantismo processual sob o
enfoque da filosofia da linguagem1 2 3

Glauco Gumerato Ramos


Mestrando em Direito Processual Civil na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestrando em
Derecho Procesal na Universidad Nacional de Rosario (UNR –
Argentina). Membro dos Institutos Brasileiro (IBDP), Iberoamericano
(IIDP) e Panamericano (IPDP) de Direito Processual. Professor
da Faculdade Anhanguera de Jundiaí. Advogado.

Resumo: O texto aborda o fenômeno jurídico-processual na perspectiva da


filosofia da linguagem, corelacionando e tentando demonstrar que o modelo
semântico de processo que provém da Constituição está em total descom-
passo com o modelo pragmático da praxe forense. Afirma, finalmente, que
esse descompasso é de todo inconveniente aos supostos jurídicos determi-
nados pelo garantismo processual, afetando diretamente a garantia constitu-
cional da ampla defesa.

Palavras-chave: Direito processual. Garantismo processual. Constituição.


Filosofia da linguagem. Praxe forense. Ampla defesa. Modelo semântico e
pragmático de processo. Descompasso.

Sumário: 1 Direito, linguagem e os três planos fundamentais da semiótica


– Sintática, semântica e pragmática – 2 Dimensão semântica da Constituição
e dessintonia pragmática na utilização do processo – 3 Ativismo judicial e
distorção do modelo pragmático de processo – 4 Ativismo judicial versus
ampla defesa – 5 O garantismo processual como fator de (re)equilíbrio entre
os modelos semântico e pragmático de processo – 6 Fechamento

1
Texto base da palestra proferida no XXIV Congresso do Instituto Panamericano de Direito Processual
(IPDP), em 18 de abril de 2012, no Colégio de Abogados de La Plata, Argentina.
2
Agradeço ao amigo e conterrâneo Hélio Oliveira Massa, advogado e professor, que gentilmente
revisou o texto e lhe propôs mudanças significativas de conteúdo e estilo.
3
En este abril del año 2012, mi solidaridad al pueblo argentino, sus víctimas y veteranos en el marco
de los 30 años de la Guerra de las Malvinas.

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1  Direito, linguagem e os três planos fundamentais da semiótica –


Sintática, semântica e pragmática
O Direito é pura linguagem. A compreensão das estruturas linguísticas torna-se
relevante para que se possa melhor compreender a dimensão e o alcance de seus
fenômenos. O ordenamento jurídico positivo (=Constituição, leis, contratos etc.) é
um emaranhado de enunciados prescritivos que, muito embora voltados a orientar e
a determinar condutas, apresentam-se rigorosamente inertes diante da vida social. O
Direito tornar-se-á algo concreto quando materializado através da linguagem (=ato
de fala) externada pela autoridade estatal competente, por meio da sentença judicial
e do ato administrativo. Quando isso acontece, torna-se norma individual e concreta
de observância obrigatória devido à força vinculativa própria do ontologicamente
jurídico. Portanto, o Direito não é algo dado (=entregue) pelo ordenamento jurí-
dico, mas sim algo construído através de um caminho dialético constitucionalmente
marcado pela ampla defesa e pelo contraditório. Eis aí a função do processo: ser um
caminho regrado por ampla defesa e contraditório através do qual será construído o
Direito que deverá imperar num determinado caso concreto. O Direito não teria vida
sem o processo; este seria inútil se não fosse para criar aquele. E tudo isso passa pela
dinâmica da linguagem.
Ferramenta importante no estudo da linguagem em geral, e da jurídica em
especial, a semiótica apresenta três planos fundamentais: a sintática, a semântica
e a pragmática. Grosso modo, a sintática procura explicar o conceito do enunciado
prescritivo; a semântica, por sua vez, explica os vários e possíveis conteúdos que
pode assumir o enunciado prescritivo; a pragmática, por fim, procura explicar as
relações havidas entre o conceito, seu(s) conteúdo(s) e a forma como se lhes apli-
cam seus utilizadores no mundo da vida. Deixando de lado a estrutura sintática
que aqui não nos interessa, foquemos nosso discurso na análise semântica e prag-
mática do processo jurisdicional voltado à criação do Direito.

2 Dimensão semântica da Constituição e dessintonia pragmática na


utilização do processo
As Constituições políticas ocidentais positivadas após o flagelo da Segunda
Guerra Mundial — via de regra — estabelecem enunciados prescritivos voltados
a estabelecer garantias em favor do indivíduo e da sociedade contra a natural
arbitrariedade que rege a condição humana. E sendo o Poder estatal exercido por
pessoas humanas, é necessário que se estabeleçam garantias e que elas sejam

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Aspectos semânticos de uma contradição pragmática... 219

concretizadas quando do exercício do Poder, de modo a se evitar, tanto quanto


possível, que o Direito seja criado pela autoridade estatal fora dos padrões garan-
tistas estabelecidos na Constituição.
A Constituição brasileira de 1988 foi pródiga em estabelecer um modelo
semântico onde o exercício do Poder só se justifica na perspectiva republicana e
democrática por ela estabelecido. Em seu núcleo duro de prescrições de direitos,
deveres e garantias fundamentais individuais e coletivas (=art. 5º, incisos I até
LXXVIII), a Constituição de meu país prescreve no mesmo nível jurídico-hierárquico
a jurisdição (=Poder) e o devido processo legal (=Garantia). E mais. Também estabe-
lece e garante ao indivíduo e à sociedade o direito fundamental à liberdade (=art. 5º,
caput).
Portanto, jurisdição, devido processo e liberdade são valores jurídicos fun-
damentais prescritos na Constituição que devem orientar o desenvolvimento do
processo jurisdicional de criação do Direito que será representado na sentença
criadora da norma individual e concreta a ser aplicada em determinada situação.
Tornou-se comum na doutrina brasileira a utilização do sintagma modelo
constitucional de processo, cuja influência direta remonta à obra de Italo Andolina
e Giuseppe Vignera (=Il modelo costituzionale de processo civil italiano, 1990). Este
modelo constitucional de processo não é outra coisa senão o respectivo modelo
semântico que se projeta da Constituição e que deve — ou deveria — orientar o
modelo pragmático de processo praticado pelo Poder Judiciário, seja no civil, seja
no penal.
Em miúdos: da Constituição transborda um modelo semântico de processo
jurisdicional de inequívoco perfil garantista exatamente para que o exercício do
Poder pelos juízes o seja efetivado dentro do marco republicano e democrático
estabelecido nas prescrições constitucionais. Do contrário, será Poder exercido
com subjetivismo. Do contrário, será Poder exercido com arbitrariedade. Do con-
trário, será Poder exercido conforme o sentimento pessoal de “justiça” de quem
o exerce. Do contrário, será Poder exercido sem a garantia da imparcialidade. Do
contrário, será Poder exercido em violação ao devido processo. Do contrário, será
Poder exercido à margem do modelo acusatório (=autor pede, réu defende-se, juiz
julga). Do contrário, será Poder exercido com violação à garantia da ampla defesa.
E così via!
Pergunta-se: se o modelo semântico constitucional garante um processo re-
publicano e democrático, (?) por que então o modelo pragmático do dia a dia do
Poder Judiciário tantas vezes nos mostra que no iter de criação do Direito via due
proces of law, a autoridade judicial “resolve” o processo da maneira que subjetiva

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e arbitrariamente lhe parece mais conveniente? Por que os juízes e os tribunais


tantas vezes se esquecem da Constituição e da República em que vivem, e às
quais estão subordinados, para “justiçar” o caso concreto — e respectivo procedi-
mento decisório — conforme o próprio arbítrio?
Eis aí o aspecto semântico da uma contradição pragmática que, ao menos
no plano do jurídico, não deveria ser usual. Ou, em outras palavras, o modelo prag-
mático de processo se contradiz quando posto à prova diante do modelo semân-
tico de processo estabelecido pela Constituição.

3  Ativismo judicial e distorção do modelo pragmático de processo


Há várias causas que fomentaram o ativismo judicial reinante no processua-
lismo ibero-americano, que nos interessa mais de perto em razão de nossas raízes
jurídico-culturais oriundas de Sefarad. A propósito, já há tempo venho pensando,
e cada vez mais o tenho para mim, que a falta de sintonia entre o modelo semân-
tico que se projeta da Constituição e o modelo pragmático do processo que prati-
camos tem boa parte de sua etiologia radicada nos exatos 356 anos (1478-1834)
que durou no mundo ibero-americano a fantasmagórica Inquisição Espanhola —
“mãe regente” da Inquisição Portuguesa —, que certamente introjetou em nosso
“DNA social” esse temor reverencial que a sociedade externa diante da figura da
autoridade judicial, e que por vezes acaba por “justificar” arroubos de arbitrarie-
dade. Apesar de não ser disso que trato aqui, deixo o ponto em suspenso para
possível reflexão de quem assim o queria.4
Marco objetivo a construir a visão (ultra)publicista e autoritária do processo
civil foi o CPC austríaco de 1895, cujo mentor fora Franz Klein. Assim observou em
1995 o (ex)professor ordinário de direito processual civil da Universidade de Bari
— falecido em abril de 20105 — Franco Cipriani, em seu hoje clássico texto Nel
centenario del Regulamento di Klein (Il processo civil tra liberta e autorità).
Esse código austríaco inspirou o legislador na elaboração político-ideológica,
por exemplo, do CPC alemão, do CPC italiano de 1940 — auge do nazifascismo

4
Ainda sobre a influência da Inquisição Espanhola no modelo de processo que ainda hoje prati-
camos no ambiente ibero-americano, notadamente quanto ao protagonismo do juiz no cenário
processual, cf. com muito proveito Adolfo Alvarado Velloso (Garantismo procesal versus prueba
judicial oficiosa. Rosario: Editorial Juris, 2006. p. 48-70).
5
Ver a homenagem póstuma que lhe prestou Andrea Proto Pisani em “Ricordando Franco Cipriani”
(Revista de Processo – RePro, v. 187, p. 435, set. 2010).

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Aspectos semânticos de uma contradição pragmática... 221

naquele país, vale lembrar —, e, claro, do CPC brasileiro de 19396 e de seu sucessor
de 1973,7 o Código Buzaid.
A conformação do modelo arbitrário e autoritário de processo civil incenti-
vou a produção de uma doutrina maciçamente influenciada por esses valores. No
Brasil, tanto na perspectiva do CPC-39, como do atual CPC-73, a matiz publicista
sempre esteve na pauta das especulações da doutrina e da consequente casuís-
tica jurisprudencial.
Contudo, apesar da radical mudança de paradigma ocorrida posterior-
mente à Segunda Grande Guerra, onde — ao menos no mundo ocidental —
criou-se uma ordem constitucional (=Constituições) e internacional (=Pactos
Internacionais) democrática, toda essa influência acabou por projetar luzes no
processo civil e no papel que o juiz deve exercer por seu intermédio. Daí surge a
ideia do devido processo garantida constitucionalmente, com todos os consectá-
rios que esta cláusula constitucional impõe: ampla defesa, contraditório, impar-
cialidade, impartialidade etc.
Mesmo diante de uma nova ordem de coisas, a doutrina tradicional do pro-
cesso civil seguiu a produzir e a difundir as concepções publicistas do final do
século XIX, época em que amadurecia na Europa uma das vertentes do Estado
Contemporâneo: o Estado do Bem-estar Social, ou Welfare State.8

6
Na Exposição de Motivos do CPC-39, Francisco Campos deixa claro qual foi a opção política que
orientou a estruturação daquele código. Uma leitura atenta dessa Exposição de Motivos chamará
— creio eu — a atenção do leitor para os tópicos em que o respectivo discurso foi desenvolvido,
por exemplo: “Decadência do processo tradicional”; “O processo como instrumento de domina-
ção política”; “A concepção duelística e a concepção autoritária do processo; “Sentido popular do
novo sistema”; “A restauração da autoridade e o caráter popular do Estado”; “A função do juiz na
direção do processo”; “Chiovenda e a concepção publicística do processo”. Além de outros, sob
esses tópicos paradigmáticos o Ministro da Justiça do Estado Novo de Getúlio Vargas sustentou a
concepção (ultra)publicista e autoritária que deveria orientar o trato do processo civil de modo a
se buscar os fins do Estado.
7
Quanto ao CPC-73, cf. Alfredo Buzaid: “[...] ainda no derradeiro quartel do século XIX, dois Códigos
— o da Alemanha e o da Áustria — que tiveram grande ascendência sobre os monumentos ju-
rídicos dos tempos atuais. Dado o rigor científico dos seus conceitos e precisão técnica de sua
linguagem, impuseram-se como verdadeiros modelos, a que se seguiram as elaborações legis-
lativas dos Códigos do século XX” (Linhas fundamentais do sistema do Código de Processo Civil
brasileiro. In: BUZAID, Alfredo. Estudos e pareceres de direito processual civil: notas e adaptação ao
Direito Vigente de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. p. 33). Ver, ainda, da pena do mesmo Buzaid “Exposição de Motivos do Código de Processo
Civil”. In: Capítulo II – Do sistema do Código de Processo Civil vigente, nº 3.
8
Sobre a ideia de Estado Contemporâneo e Estado do Bem-estar, ver ESTADO contemporâneo.
In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 10. ed.
Brasília: UnB, 1997. v. 1, p. 401-409 e, ESTADO do bem-estar. In: Norberto; MATTEUCCI, Nicola;
PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 10. ed. Brasília: UnB, 1997. v. 1, p. 416-419.

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Acredito que os processualistas do Estado Constitucional Democrático


do pós-guerra (re)incidiram numa confusão conceitual que lhes fez enaltecer
o publicismo-arbitrarismo-autoritarismo do direito processual civil. A ideia de
Estado do Bem-estar parece-me compatível com a postura — aqui sim — ativa
que se espera do Estado-administrador (=Poder Executivo) e do Estado-legislador
(=Poder Legislativo) na perseguição e concretização de políticas públicas volta-
das ao atendimento das necessidades fundamentais do indivíduo e da coletivi-
dade. Agora, quando o problema extrapola o âmbito das prescrições do direito
material, e tenha que ser resolvido nos quadrantes do processo jurisdicional, não
parece seja correto que a pessoa física detentora do poder que é próprio do Poder
Judiciário (=o juiz) possa pautar sua conduta com arroubos ativistas. Ao menos no
ambiente republicano e democrático, ativismo é um atributo político do Estado
(=Executivo e Legislativo) que não pode corresponder às funções do juiz (=pessoa
física). O juiz ativista é juiz político, e “juiz político” ontologicamente não é juiz. Ora,
se a função jurisdicional tem como seus atributos a imparcialidade e a impartiali-
dade, tais qualidades não se compadecem com o eventual — e dogmaticamente
equivocado, com todo respeito — exercício político da função jurisdicional.
Se em linhas gerais o ativismo judicial fomenta e viabiliza o protagonismo
do juiz no processo de criação do Direito, fica fácil de notar que por sobre a liber-
dade dos litigantes, e até mesmo por sobre o devido processo legal (=Garantia), o
leitmotiv que determinará o discurso motivador da decisão judicial será o próprio
arbítrio e subjetivismo da autoridade estatal responsável pelo respectivo “ato de
fala”. E toda vez que isso acontece oprime-se o modelo semântico do processo
jurisdicional garantista, democrático e republicano que da Constituição se projeta.
A partir dessa análise se constata que o modelo pragmático de processo
— civil ou penal — acaba subjugando o modelo semântico prescrito no plano
constitucional. Nesse momento, o jurídico transforma-se no político; o juiz, que
por definição é a autoridade estatal que deve legitimar sua decisão de criação do
Direito a partir de enunciados prescritivos (=constitucionais e infraconstitucionais),
transforma-se num agente concretizador das prescrições derivadas do próprio
arbítrio. Ou seja, ignora-se o modelo semântico constitucional com subterfúgios
juridicamente ilegítimos que consagram um processo jurisdicional refém de um
modelo pragmático rigorosamente dissociado dos enunciados prescritivos republi-
canos e democráticos preestabelecidos. E a Constituição, que dentre suas funções
também atua — ou deveria atuar — como fator de contenção do Poder, acaba
sendo, ela própria, uma justificativa espúria e sofismática para concretização das
ideologias da autoridade estatal responsável pelo “ato de fala” por intermédio do
processo jurisdicional.

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Aspectos semânticos de uma contradição pragmática... 223

A experiência nos mostra que é mais comum do que deveria ser essa distorção
na ordem das coisas, onde o mundo “prático” do processo nem sempre coincide com
o mundo “idealizado” na Constituição que, em última análise, representa as próprias
diretrizes que a sociedade constitucionalmente organizada se impôs. A realidade do
Poder Judiciário, lamentavelmente, nos mostra isso de forma bastante visível.

4  Ativismo judicial versus ampla defesa


Não há dúvida de que a ampla defesa é uma das decorrências do princípio
maior do devido processo legal, de inequívoco nível constitucional. É ela, a ampla
defesa, uma garantia a ser observada-viabilizada-concretizada pela autoridade
estatal de maneira prévia ao “ato de fala” representativo do Poder. Insista-se no
ponto: o Poder estatal só poderá ser exercido após o exercício da ampla defesa
pelo seu destinatário. Foi essa a nossa opção constitucional! Do contrário, é Poder
decretado com autoritarismo e arbitrariedade eis que exercido fora do devido pro-
cesso legal, e isso passa ao largo do modelo semântico de processo prescrito na
Constituição.
Daí surge a pergunta: o ativismo judicial é constitucionalmente compatível
com a ampla defesa? Ou, perguntado de outra maneira, o ativismo judicial é uma
contradição diante da garantia constitucional da ampla defesa?
Em primeiro lugar tenhamos em mente — em definitivo — que a ampla
defesa não é um favor que o Estado nos confere, mas uma garantia constitucional
decorrente do devido processo que é um dos fatores de legitimidade do processo
jurisdicional de criação do Direito e do próprio exercício do Poder estatal. Em se-
gundo lugar, tenhamos em mente — também em definitivo — que a ideologia do
ativismo judicial viabiliza posturas mais incisivas, autoritárias e arbitrárias do juiz
e do Poder Judiciário no curso do processo de criação do Direito, seja quanto ao
manejo do procedimento que leva ao “ato de fala” (=sentença judicial) representa-
tivo do Poder, seja quanto à própria configuração do Direito criado através desse
processo. Em suma, o ativismo judicial afeta o conteúdo dogmático da teoria da
decisão judicial republicana e democrática e com isso acaba “criando” um modelo
pragmático de processo apartado do modelo semântico decorrente dos enuncia-
dos prescritivos contidos na Constituição.
Estabelecidos estes parâmetros (=ampla defesa como garantia prévia; ativis-
mo judicial como fator ideológico determinante a motivar postura mais incisiva,
autoritária e arbitrária do titular do Poder jurisdicional), temos que a ideologia do
ativismo judicial é capaz de subverter a garantia constitucional da ampla defesa. E
isso, parece-me, nos é revelado inclusive de maneira intuitiva.

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224 Glauco Gumerato Ramos

Num processo jurisdicional de arquétipo acusatório (=autor pede; réu defende-se;


juiz julga), tal como é o estabelecido no modelo semântico constitucional, não se
pode supor que seja constitucionalmente possível que no processo jurisdicional de
criação do Direito possa a autoridade judicial pautar-se de forma incisiva (=vertical-
mente contundente), autoritária (=ultrapassando os limites do poder que lhe é con-
ferido pela Constituição) e arbitrária (=agindo subjetivamente, fora das prescrições
democráticas e republicanas). Atuação da autoridade judicial nesse sentido é moti-
vada pela própria ideologia e configura o ativismo judicial que fomenta o modelo
pragmático de processo jurisdicional dissociado do modelo semântico estabelecido
constitucionalmente.
O conteúdo semântico da categoria jurídico-processual-constitucional da
ampla defesa pode ser vislumbrado sob dois aspectos distintos, porém, comple-
mentares: (i) defensivo-intersubjetivo e (ii) defensivo-jurisdicional.
O aspecto defensivo-intersubjetivo está relacionado à ampla defesa como ga-
rantia do litigante (=autor, réu e também terceiro interveniente) contra as alega-
ções e/ou pretensões contra si dirigidas por outros atores da cena processual. Já
o defensivo-jurisdicional é a garantia da ampla defesa em sua dimensão voltada ao
próprio exercício do Poder representado nos “atos de fala” incidentais (=decisão
interlocutória) ou finais (=sentença dos juízes e/ou dos tribunais), e aqui poderá
ter o perfil de recurso (=v.g., apelação) ou de ação autônoma de impugnação (=v.g.,
ação de mandado de segurança, acción de amparo, ação de habeas corpus etc.).
A ampla defesa é uma categoria jurídica garantida constitucionalmente para
que os demandantes em geral possam voltar-se — no curso do processo juris-
dicional — contra a parte contrária (=aspecto defensivo-intersubjetivo) e contra
a própria decisão e/ou procedimento de criação do Direito (=aspecto defensivo-­
jurisdicional). Logo, o ativismo judicial que viabiliza a atuação incisiva-autoritária-­
arbitrária do detentor do Poder é uma contradição técnica quando confrontado
com a ampla defesa. É claro que a ampla defesa também existe para que o juris-
dicionado se volte, inclusive, contra posturas judiciais ativistas. Mas o fato é que
num processo jurisdicional de perfil constitucional acusatório o único adversário
do demandante deve — ou deveria — ser a parte contrária, e nunca o juiz ativista.
Um processo desenvolvido nesse modelo pragmático é um processo de perfil inqui-
sitivo incompatível com as garantias preestabelecidas no modelo semântico que
as Constituições modernas asseguram ao jurisdicionado.
Portanto, sendo o ativismo um fator de rompimento da impartialidade judi­
cial por autorizar o juiz a investir inquisitivamente sobre a relação processual e
respectivos sujeitos (=autor e/ou réu), parece evidente que a ampla defesa consti-
tucionalmente garantida acaba por ter sua força esvaziada. Se levarmos em conta

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Aspectos semânticos de uma contradição pragmática... 225

que o processo jurisdicional de criação do Direito desenvolve-se pelo menos em


duas instâncias (=perante o juiz e, interposto recurso, perante o tribunal), tere-
mos que aceitar a conclusão de que as atitudes ativistas oprimem a ampla defesa,
tornando-a uma garantia constitucional lamentavelmente enfraquecida.
Em suma: o ativismo judicial gera a esqualidez não apenas da ampla defesa,
mas de todo o modelo semântico de perfil garantista que a Constituição viabiliza
ao jurisdicionado.

5 O garantismo processual como fator de (re)equilíbrio entre os


modelos semântico e pragmático de processo
Falar em (re)equilíbrio entre os planos — ou modelos — semântico e prag-
mático do mundo jurídico deveria ser algo próprio das especulações teóricas, já
que a ideia de vinculatividade, ínsita ao que é jurídico, lhe pertence e isso deve
gerar correlação entre o que está prescrito e aquilo que é praticado, até mesmo
para que se viabilize a segurança jurídica que as coisas do Direito devem pro-
porcionar ao indivíduo e à sociedade democraticamente organizada. Logo, seria
natural que o modelo semântico de processo jurisdicional que transborda da
Constituição fosse determinante no desenvolvimento e na dinâmica do modelo
pragmático operado pelo juiz e pelo jurisdicionado. Mas não é bem assim que o
fenômeno processual ocorre, como sabemos.
O baixo grau de intensidade na correlação entre os modelos semântico e
pragmático do processo jurisdicional é responsabilidade direta da autoridade
juris­dicional competente para o “ato de fala” de criação do Direito num determi-
nado caso concreto. Toda vez que o juiz entende-se autorizado a atuar de maneira
incisiva, autoritária e arbitrária, ainda que o faça com a melhor das intenções e
para satisfazer seu sentimento pessoal de “justiça”, estará valendo-se do Poder
que lhe é próprio fora dos quadrantes limitativos-autorizativos preestabelecidos
no plano constitucional que foi — como procurei assinalar — pródigo ao prescre-
ver o ambiente democrático e republicano em que optamos por viver.
Deixando de lado os vários aspectos teóricos em torno do garantismo pro-
cessual, em linhas gerais pode-se entendê-lo como o movimento dogmático vol-
tado a estudar e propor que a utilização e o manejo do processo civil, pelo juiz
e pelo jurisdicionado, o seja na perspectiva das garantias prescritas no modelo
semântico constitucional de processo jurisdicional, sem que por razões outras
que não as expressamente previstas na Constituição possa a jurisdição (=Poder)
subjugar, tergiversar ou se apartar do rigoroso cumprimento do devido processo
legal (=Garantia).

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226 Glauco Gumerato Ramos

É verdade que boa parte dos códigos de processo civil dos países latino-­
americanos foram legislativamente elaborados na perspectiva (ultra)publicista
que caracteriza o ativismo judicial, que continua a orientar o plano pragmático
do processo jurisdicional. Contudo, o fato é que as Constituições do período pós-­
Segunda Guerra têm primado pela elaboração de uma ordem constitucional que
viabiliza a contenção do Poder estatal, inclusive no que diz respeito ao processo
jurisdicional de criação do Direito. A previsão do enunciado prescritivo contido no
inciso LIV do art. 5º da Constituição brasileira é uma demonstração dessa opção
política do poder constituinte originário: “ninguém será privado da liberdade ou
de seus bens sem o devido processo legal”. E ainda que se tenha feito através de
representantes, não nos esqueçamos de que o poder constituinte originário emana
do povo.
Quanto mais o processo civil for pensado-reformulado-operado-concre-
tizado nas diretrizes dogmáticas do garantismo processual, mais se viabilizará o
(re)equilíbrio entre os modelos semântico e pragmático de processo jurisdicional.
Mais se estará aproximando o prescrito na Constituição (=democrática e republi-
cana) com o praticado no processo de criação do Direito pelo Poder Judiciário.

6 Fechamento
O processo civil com viés autoritário e arbitrário do modelo pragmático que
praticamos não gera a solução dos problemas sociais, além de ser antidemocrático,
antirrepublicano e de representar um hipertrofismo do Poder Judiciário contrário
— ao também constitucional — princípio da Separação dos Poderes.
Nós, os processualistas, precisamos abdicar de nossa soberba e aceitar, uma
vez por todas, que nem o processo, nem o juiz, tampouco o Poder Judiciário, podem
viabilizar uma pragmática apartada das prescrições constitucionais. Até porque não
seremos nós, tampouco o será a autoridade judicial, que redimiremos os “males” da
vida em sociedade.
Por certo, há muito que fazer por intermédio do jurídico e do processo de
criação do Direito. Mas que se o faça conforme as diretrizes do modelo semântico
projetado desde a Constituição. A vida na democracia-republicana impõe que o
Poder seja exercido dentro das garantias constitucionais.
Do contrário, continuaremos subservientes ao arbítrio e/ou ao sentimento
coletivo que muitas vezes ignora os limites que nos impusemos através de nossas
Constituições. Daí, o devido processo legal, tal como a própria “justiça”, passará do

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Aspectos semânticos de uma contradição pragmática... 227

mundo terreno ao etéreo como algo que permanecerá guardado dentro de cada
um de nós como sentimento pessoal irrealizável.

Jundiaí, abril de 2012.

Resumen: El texto dibuja el fenómeno jurídico-procesal desde la mirada


de la filosofía del lenguaje, correlacionando e intentando demonstrar que
el modelo semántico de proceso habido en la Constitución es distinto del
modelo pragmático que se desarrolla en la praxis procesal. A la postre afirma
que esa distinción es contraria a los supuestos jurídicos del garantismo
procesal. Basado en lo anterior se concluye que tal realidad afecta la garantía
constitucional de la amplia defensa.

Palabras-clave: Derecho procesal. Garantismo procesal. Constitución. Filosofía


del lenguaje. Praxis forense. Amplia defensa. Modelo semántico y pragmático
de proceso. Apartamiento funcional entre ambos.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

RAMOS, Glauco Gumerato. Aspectos semânticos de uma contradição pragmática. O


garantismo processual sob o enfoque da filosofia da linguagem. Revista Brasileira de Direito
Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 21, n. 82, p. 217-227, abr./jun. 2013.

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Juiz contraditor?1

Lúcio Delfino
Advogado. Diretor da Revista Brasileira de Direito Processual –
RBDPro. Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. Membro do Instituto Panamericano de Direito Processual.
Membro do Instituto Iberoamericano de Direito Processual. Membro
do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Membro da Academia
Brasileira de Direito Processual Civil. Membro do Instituto
dos Advogados Brasileiros. Membro do Instituto dos
Advogados de Minas Gerais.

Fernando F. Rossi
Advogado. Diretor da Revista Brasileira de Direito Processual –
RBDPro. Mestre em Direito. Membro do Instituto Iberoamericano
de Direito Processual. Membro do Instituto Brasileiro de Direito
Processual. Presidente da Primeira Seção do Instituto
dos Advogados de Minas Gerais.

Resumo: O presente ensaio distingue os fenômenos do contraditório e da cola­


boração. Aponta, ademais, o risco de trabalhá-los como se idênticos fossem,
numa perspectiva que não apenas maximizaria demasiado os poderes do juiz,
mas que também limitaria a ingerência das partes no âmbito processual.

Palavras-chave: Colaboração. Estado Democrático de Direito. Contraditório.


Juiz contraditor.

Sumário: 1 Delimitação do estudo – 2 O contraditório em seu sentido dinâ-


mico – 3 A estruturação do contraditório e a impossibilidade de um juiz con-
traditor – 4 Considerações finais – Referências

1  Delimitação do estudo
A proposta deste ensaio se limita a: (i) apontar os significados assumidos
pelo contraditório no paradigma do Estado Democrático de Direito; (ii) esclarecer

1
Palestra proferida em 09 de maio de 2013, por Lúcio Delfino, no I Congresso Internacional de
Processo Civil de Presidente Prudente, na cidade de Presidente Prudente, SP, cuja coordenação cien-
tífica coube aos professores Sergio Almeida Ribeiro e Alexandre Freire.

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230 Lúcio Delfino, Fernando F. Rossi

que apesar da renovação vivenciada, tanto as partes como o juiz possuem papéis
bem definidos naquilo que diz respeito a esse direito fundamental; (iii) afastar a
ideia de que o juiz é paritário no diálogo processual com as partes; (iv) refutar a
impressão segundo a qual o contraditório implica deveres não só para o juiz mas
também para as próprias partes; e, por fim, (v) assinalar que a cooperação deve ser
trabalhada em sintonia com o caráter litigioso que distingue o objeto do processo,
em respeito à liberdade das partes e sem desprezar que cada qual delas têm por
alvo desideratos próprios e contrastantes entre si.

2  O contraditório em seu sentido dinâmico


É lugar comum em doutrina a reverência dedicada hoje ao princípio do con-
traditório. Por vezes, é situado em condição de superioridade qualitativa se compa­
rado a outros direitos constitucionais,2 ou ainda se lhe insere em lugar central no
que tange aos contornos do próprio processo,3 sempre lhe confiando novos hori-
zontes de significado, que renovam a sua importância e finalidade.4

2
Essa é, por exemplo, a opinião de Leonardo Greco: “Hoje, o contraditório ganhou uma proteção
humanitária muito grande, sendo, provavelmente, o princípio mais importante do processo. Ele é
um mega-princípio que, na verdade, abrange vários outros e, nos dias atuais, não satisfaz apenas
com uma audiência formal das partes, que é a comunicação às partes dos atos do processo, mas
deve ser efetivamente um instrumento de participação eficaz das partes no processo de forma-
ção intelectual das decisões” (GRECO. Instituições de processo civil, v. 1, p. 540-541).
3
Assim pensa Fazzalari: “[...] o processo é um procedimento do qual participam (são habilitados
a participar) aqueles em cuja esfera jurídica o ato final é destinado a desenvolver efeitos: em
contraditório, e de modo que o autor do ato não possa obliterar as suas atividades” (FAZZALARI.
Instituições de direito processual, p. 118-119). Também segue entendimento similar Hermes Zaneti
Júnior: “Logo, se o processo é specie e o procedimento é genus, se o processo é a espécie de
procedimento adjetivada do contraditório (autiatur et altera pars) e da racionalidade prática pro-
cedimental (com a formação da decisão no iter discursivo), consequentemente não há dúvida de
que o contraditório é o ‘valor-fonte’ do processo (qualquer processo), em particular do processo
judicial. Significa dizer que a estrutura dialética é a ratio distinguendi entre o processo e o proce-
dimento, e que sem contraditório não há processo [...]” (ZANETI JÚNIOR. Processo constitucional:
o modelo constitucional do processo civil brasileiro, p. 194). Em igual sentido, a lição de Aroldo
Plínio Gonçalves: “Pelo critério lógico, as características do procedimento e do processo não devem
ser investigadas em razão de elementos finalísticos, mas devem ser buscadas dentro do próprio
sistema jurídico que os disciplina. E o sistema normativo revela que, antes que distinção, há entre
eles uma relação de inclusão, porque o processo é uma espécie do gênero procedimento, e, se
pode ser dele separado é por uma diferença específica, uma propriedade que possui e que o torna,
então distinto, na mesma escala em que pode haver distinção entre gênero e espécie. A diferença
específica entre o procedimento em geral, que pode ou não se desenvolver como processo, e o
procedimento que é processo, é a presença neste do elemento que o especifica: o contraditório.
O processo é um procedimento, mas não qualquer procedimento; é o procedimento de que par-
ticipam aqueles que são interessados no ato final, de caráter imperativo, por ele preparado, mas
não apenas participam; participam de uma forma especial, em contraditório entre eles, porque

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Juiz contraditor? 231

E, salvo engano, o pano de fundo dessa valorização experimentada relaciona-se


umbilicalmente com a legitimação do poder. Um tema sensível que fere sobretudo o
Judiciário, por se tratar de um órgão estatal, que a despeito de exercer importante
função pública e cujas decisões afetam toda a coletividade — considerada indivi-
dual, coletiva ou difusamente —, tem por regentes pessoas não eleitas pelo povo.4
A atividade jurisdicional, em suma, não se ajusta ao regime da democracia
representativa e, por isso, muitos veem nela um déficit democrático,5 pois não com-
preendem como uma minoria de juízes, não eleita democraticamente pelo povo,
possui autoridade para se sobrepor aos demais órgãos do poder, a exemplo do
que ocorre quando, no exercício do controle de constitucionalidade, o Judiciário
invalida leis e/ou atos normativos oriundos da atuação de representantes demo-
craticamente eleitos. Como resume, de maneira lapidar, Roberto Gargarella ao
indagar: “Como é possível que um minúsculo grupo de juízes, não eleitos direta-
mente pela cidadania (como o são os funcionários políticos) e que não estejam
sujeitos a periódicas avaliações populares (e, portanto, gozam de estabilidade em

seus interesses em relação ao ato final são opostos” (GONÇALVES. Técnica processual e teoria do
processo, p. 68). Cite-se ainda a pena de Daniel Mitidiero: “O processo, que é necessariamente um
procedimento em contraditório adequado aos fins do Estado Constitucional, reclama para sua
caracterização a estruturação de um formalismo que proponha um debate leal entre todas as
pessoas que nele tomam parte” (MITIDIERO. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais,
lógicos e éticos, p. 134).
4
Sobre a evolução dos significados do princípio do contraditório, consultar os seguintes trabalhos:
DELFINO. O processo democrático e a ilegitimidade de algumas decisões judiciais. In: DELFINO.
Direito processual civil: artigos e pareceres, p. 29-80; GONÇALVES. Técnica processual e teoria do
processo; MADEIRA. Processo de conhecimento & cognição: uma inserção no Estado Democrático
de Direito; MITIDIERO. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos; NUNES.
O princípio do contraditório: uma garantia de influência e de não surpresa. In: DIDIER JR.; JORDÃO
(Coord.). Teoria do processo: panorama mundial, p. 151-172; OLIVEIRA. Garantia do contraditório;
PINTO. A causa petendi e o contraditório; THEODORO JÚNIOR; NUNES. Uma dimensão que urge
reconhecer ao contraditório no direito brasileiro: sua aplicação como garantia de influência, de
não surpresa e de aproveitamento da atividade processual. Revista de Processo; ZANETI JÚNIOR.
Processo constitucional: o modelo constitucional do processo civil brasileiro.
5
Não é adequado resolver o problema segundo uma cômoda posição formalista, que atribui legiti-
midade à atividade jurisdicional porque a Constituição prevê a nomeação de juízes mediante con-
curso de provas e títulos (argumento normativo, formal, procedimental). Ainda que tal resposta
não possa ser desprezada, é ela simplista e tangencial, pois negligencia o cerne da questão e, de
tal modo, não colabora o suficiente para seu desenlace. Ou seja, afirmar que a Constituição é que
determina a maneira pela qual os juízes são nomeados não esclarece, na essência, as razões pelas
quais o poder jurisdicional, apesar de emanado do povo, não é exercido por intermédio de repre-
sentantes eleitos (CF, parágrafo único do art. 1º, primeira parte). Tampouco responde como as deci-
sões judiciais, proferidas por juízes não eleitos, detêm autoridade para invalidar atos legislativos e
administrativos oriundos da atuação de representantes democraticamente eleitos pelo povo.

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232 Lúcio Delfino, Fernando F. Rossi

seus cargos, livres do escrutínio popular), possam prevalecer, em última instância,


sobre a vontade popular?”6
E é justamente o princípio do contraditório, encarado segundo matizes reno­
vados, que serve de alicerce à construção de um raciocínio bastante elaborado,
cuja tônica, ao mesmo tempo que afasta o argumento da ausência de legitimi-
dade, possibilita ao Judiciário assumir-se como o mais democrático dos órgãos
de poder. Um modo de pensar, portanto, capaz de atribuir o adjetivo aparente à
tensão que alguns apregoam existir entre democracia e jurisdição.
Mas, afinal, que raciocínio é esse?
Trata-se de encarar o processo como ambiente democrático, considerar que
os resultados dele oriundos não decorrem do labor solitário do julgador (solipsismo
judicial),7 sendo também fruto do empenho dos demais sujeitos processuais (par-
tes, por intermédio de seus advogados), que participam da construção do provi-
mento jurisdicional do qual eles próprios serão os destinatários. Ainda segundo
essa visão, é dever do juiz assegurar às partes a sua participação efetiva na criação
da norma jurídica pacificadora (=expressão do poder estatal), circunstância à qual
instala a jurisdição, com suficiente perfeição, no coração do parágrafo único do
art. 1º (segunda parte) da Constituição da República Federativa do Brasil, que
prevê a democracia participativa também como meio de legitimação democrá-
tica do poder estatal — “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição”.8 No Estado

6
GARGARELLA. La justicia frente al gobierno, p. 9. Não escapa de Luiz Guilherme Marinoni esta
questão: “O debate em torno da legitimidade da jurisdição constitucional, ou melhor, a respeito
da legitimidade do controle da constitucionalidade da lei, funda-se basicamente no problema da
legitimidade do juiz para controlar a decisão da maioria parlamentar. Isso porque a lei encontra
respaldo na vontade popular que elegeu o seu elaborador — isto é, na técnica representativa.
Por outro lado, os juízes, como é sabido, não são eleitos pelo povo, embora somente possam ser
investidos no poder jurisdicional através do procedimento traçado na Constituição, que prevê
a necessidade de concurso público para o ingresso na magistratura de 1º grau de jurisdição —
de lado outros critérios e requisitos para o ingresso, por exemplo, no Supremo Tribunal Federal”
(MARINONI. Teoria geral do processo, p. 431).
7
A expressão solipsismo judicial traduz-se num espaço subjetivo o qual se encontra blindado ao
exercício pleno do contraditório, dele se originando decisões judiciais decorrentes do labor soli­
tário do juiz, ao arrepio da necessária colaboração das partes. O juiz solipsista é aquele que se basta em
si, egoísta, encapsulado, que atua solitariamente, pois compromissado apenas com a sua própria
subjetividade. Para um aprofundamento acerca dos significados dessa expressão, veri­ficar: DIAS;
FIORATTO. A conexão entre os princípios do contraditório e da fundamentação das decisões na
construção do Estado democrático de direito. Revista Eletrônica de Direito Processual; MADEIRA.
Processo de conhecimento & cognição: uma inserção no Estado Democrático de Direito; STRECK. O
que é isto: decido conforme minha consciência?.
8
Cleber Lúcio de Almeida apresenta visão bastante similar a que ora se defende: “O Estado
Democrático de Direito tem como característica essencial a criação das normas jurídicas gerais

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Juiz contraditor? 233

Democrático de Direito o contraditório é, nada menos, que a ponte de ouro entre


jurisdição e democracia.9
Vê-se daí que essa infusão de seiva democrática no âmbito da atividade
judi­cial só se apresenta possível caso se encare o contraditório conforme feições
que superem aquela de cunho meramente formal. É concebê-lo segundo seu sen-
tido dinâmico, como se costuma ler em doutrina, e não mais aceitá-lo como mera
garantia, endereçada aos litigantes, de informação acerca dos atos processuais
que se sucedem no curso procedimental; tampouco traduzi-lo em simples direito
de resistir a esses mesmos atos, mediante impugnações, produção de provas e
contraprovas e requerimentos a serem registrados no caderno processual. Deve-se,
insista-se na ideia, concebê-lo para além de suas feições formais a fim de asse-
gurar às partes um ativismo de atuação que lhes permita influir nos conteúdos
(fáticos e jurídicos)10 das decisões judiciais — as partes não apenas participam do
processo, mas animam seu resultado.11

e abstratas pelos seus destinatários (construção participada da ordem jurídica). Nesse sentido,
esta­belece o art. 1º, parágrafo único, da Constituição da República que todo poder emana do
povo. Contudo, no verdadeiro Estado Democrático de Direito, não é suficiente a construção par-
ticipada da ordem jurídica. Nele, o processo judicial, como instrumento de atuação de uma das
funções do Estado, deve estar em sintonia com os princípios adotados constitucionalmente, dos
quais decorre o direito fundamental de participação na tomada de decisões. Por essa razão, tam-
bém a norma jurídica concreta — a norma regente do caso submetido ao Poder Judiciário ou o
direito no caso concreto — deve ser construída com a participação dos destinatários dos seus
efeitos (construção participada da decisão judicial ou do direito no caso concreto). A participação
das partes na formação do direito no caso concreto opera em favor da consolidação do Estado
Democrático de Direito, uma vez que ser senhor do próprio destino é participar não só da cria-
ção, mas também da aplicação das normas jurídicas gerais e abstratas a casos concretos”. Mais à
frente, leciona: “Participar da formação da decisão judicial é, também, participar da compreensão
do significado das normas jurídicas gerais e abstratas (interpretação). Essa participação legitima
a atribuição de significado à norma constante da decisão e a torna mais objetiva, uma vez que
construída a partir de diversos pontos de vista” (ALMEIDA. A legitimação das decisões judiciais no
Estado democrático de direito).
9
DELFINO. O processo democrático e a ilegitimidade de algumas decisões judiciais. In: DELFINO.
Direito processual civil: artigos e pareceres, p. 29-80. Aceitar o contraditório como direito de
influên­cia implica obrigatoriamente rever o conceito de jurisdição para atribuir-lhe novos contor-
nos, afeiçoados ao marco do Estado Democrático de Direito. Nesse rumo, leciona André Cordeiro
Leal, em sua tese de doutoramento: “[...] no Estado Democrático de Direito, em sua visão procedi-
mental, não mais se poderia afirmar a jurisdição como atividade do juiz no desenvolvimento do
poder do Estado em dizer o direito ou em aplicá-lo ao caso concreto, mas, sim, como o resultado
necessário da atividade discursiva dos sujeitos do processo a partir de argumentos internos ao
ordenamento” (LEAL. Instrumentalidade do processo em crise, p. 34).
10
Caso grave de lesão ao contraditório ocorre quando juiz conhece de controvérsia não suscitada
na petição inicial — e, portanto, não impugnada pelo demandado —, decidindo a lide segundo
molde jurídico (enquadramento jurídico) diverso daquele segundo o qual foi proposta. Assim agindo
ulcera também de morte o denominado princípio da congruência, que vincula a decisão judi-
cial à causa de pedir e ao pedido. Sob essa perspectiva, merecem revisão os brocardos da mihi
factum, dabo tibi ius e iura novit curia. Atualmente não há como aceitar que a colaboração das

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234 Lúcio Delfino, Fernando F. Rossi

E11ainda mais, como é até intuitivo — importante sublinhar —, o contraditório


também assume outra função: controlar a atividade jurisdicional e os resultados

partes se restrinja ao material fático; deve igualmente ser observada no que concerne às matérias
jurídicas. A decisão não pode, pois, surpreender as partes, nem fática, nem juridicamente. E mais
uma observação: a vedação de decisões-surpresas naquilo que toca às matérias jurídicas deve ser
trabalhada em atenção ao compromisso que possui o magistrado com a ordem jurídica. Daí se
afirmar, sempre, que o contraditório impõe ao magistrado o dever de aperfeiçoar o contraditório,
algo que deve ser realçado quando o que está em jogo é o debate do enquadramento jurídico
dos fatos. Afinal, o Código de Processo Civil prevê a possibilidade de manejo da ação rescisória
quando a sentença (ou acórdão) violar literal disposição de lei (CPC, art. 485, V). Isso apenas signi-
fica que o juiz não está autorizado a aplicar ao caso concreto solução decorrente de norma legal
que não se ajusta à realidade fática; é que, se assim proceder, seja por qual motivo for, violará o
ordenamento jurídico, maculando sua decisão com vício gravíssimo passível de rescisão.
11
Esclarece Enrico Redenti que as partes têm o legítimo interesse de obter uma decisão e de influen-
ciar, com aporte ou com a oferta de contribuições, tanto temáticas quanto informativas, demons-
trativas, críticas ou polêmicas, a formação de seu conteúdo; o contraste dialético ou dialógico que
deriva do contraditório fornece ao juiz, imparcial e prudente, os elementos necessários e suficien-
tes (do ponto de vista da lei) sobre o tema e sobre o modo de decidir, com resultantes de relativa
justiça (REDENTI. Diritto processuale civile, v. 2, p. 25-26). Nesse mesmo sentido, Daniel Mitidiero:
“[...] exigir-se que o pronunciamento jurisprudencial tenha apoio tão-somente em elementos
sobre os quais as partes tenham tido a oportunidade de se manifestar significa evitar a decisão-­
surpresa no processo. Nesse sentido, têm as partes de se pronunciar, previamente à tomada de
decisão, tanto a respeito do que se convencionou chamar questões de fato, questões de direito e
questões mistas, como no que atine à eventual visão jurídica do órgão jurisdicional diversa daquela
aportada por essas ao processo. Fora daí há evidente violação à cooperação e ao diálogo no
processo, com afronta inequívoca ao dever judicial de consulta, e ao contraditório” (MITIDIERO.
Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos, p. 136-137). Em linha seme-
lhante, Dierle José Coelho Nunes: “Neste Estado democrático os cidadãos não podem mais se
enxergar como sujeitos espectadores e inertes nos assuntos que lhes tragam interesse, e sim
serem participantes ativos e que influenciem no procedimento formativo dos provimentos (atos
administrativos, das leis e das decisões judiciais), e este é o cerne da garantia do contraditório.
Dentro desse enfoque se verifica que há muito a doutrina percebeu que o contraditório não pode
mais ser analisado tão somente como mera garantia formal de bilateralidade da audiência, mas,
sim, como uma possibilidade de influência (Einwirkungsmöglichkeit) sobre o desenvolvimento do
processo e sobre a formação de decisões racionais, com inexistentes ou reduzidas possibilidades
de surpresa. Tal concepção significa que não se pode mais na atualidade, acreditar que o contra-
ditório se circunscreva ao dizer e contradizer formal entre as partes, sem que isso gere uma efe-
tiva ressonância (contribuição) para a fundamentação do provimento, ou seja, afastando a idéia
de que a participação das partes no processo pode ser meramente fictícia e mesmo desnecessá-
ria no plano substancial” [NUNES. O princípio do contraditório: uma garantia de influência e de
não surpresa. In: DIDIER JR.; JORDÃO (Coord.). Teoria do processo: panorama mundial, p. 151-172].
Assim pensa, por igual, o festejado processualista mineiro, Ronaldo Brêtas: “A nosso ver, esse con-
siderado trinômio estrutural do contraditório — informação-reação-diálogo — que se instala na
dinâmica do procedimento acarreta a correlação do princípio do contraditório com o princípio da
fundamentação das decisões jurisdicionais. Por consequência, no Estado Democrático de Direito,
é esta forma de estruturação procedimental que legitima o conteúdo das decisões jurisdicionais
proferidas ao seu final, fruto da comparticipação dos sujeitos do processo (juiz e partes contradi-
toras), gerando a implementação técnica de direitos e garantias fundamentais ostentados pelas
partes” (DIAS. Processo constitucional e Estado Democrático de Direito, p. 104).

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Juiz contraditor? 235

dela oriundos e, deste modo, colaborar para o desígnio, igualmente democrático


e legitimador, de obstar arbítrios provenientes do órgão jurisdicional.12 Afinal, se o
diálogo travado processualmente é pelo juiz considerado na formulação dos pro-
vimentos jurisdicionais, é evidente que o contraditório presta-se ao controle do
poder estatal jurisdicional, legitimando-o mediante uma atuação balizada pelo
devido processo legal, em deferência às expectativas alimentadas pelas partes ao
longo do procedimento.13
Combate-se, com uma tal perspectiva, as incertezas, cerca-se a discriciona-
riedade judicial, afronta-se a ausência de transparência e de previsibilidade, afas-
tam-se às chamadas decisões-surpresas que só se coadunam com o arbítrio e, por
12
Segundo Fredie Didier Jr., “falar em processo democrático é falar em processo equilibrado e dia-
lógico. Um processo em que as partes possam controlar-se, os sujeitos processuais tenham pode­
res e formas de controle previamente estabelecidos. Não adianta atribuir poder, se não houver
mecanismos de controle desse poder” (DIDIER JR. Curso de direito processual civil, v. 1, p. 62).
13
Vale sublinhar que essas funções de suplementação dos poderes das partes e de controle da
atuação do Judiciário estão em consonância com o paradigma do Estado Democrático de Direito,
mais especificamente com o movimento denominado constitucionalismo, sobretudo em seus
moldes contemporâneos. É nessa perspectiva a lição de Lenio Streck: “[...] o constitucionalismo
pode ser concebido como um movimento teórico jurídico-político em que se busca limitar o
exercício do poder a partir da concepção de mecanismos aptos a gerar e garantir o exercício
da cidadania” [FERRAJOLI. Constitucionalismo principialista e constitucionalismo garantista. In:
FERRAJOLI; STRECK; TRINDADE (Coord.). Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: um
debate com Luigi Ferrajoli, p. 64]. Também é essa a perspectiva defendida por Gustavo Calvinho:
“Bajo estas circunstancias, la democracia — siempre en sentido amplio y apuntalada a su vez por
los limites y controles al poder que agrega el Estado de derecho — aporta valores que pueden
afirmarse desde la seguridade que brinda una Constituición receptora del derecho internacional
de los derechos humanos. En consecuencia, queda el sistema orientado hacia el ser humano,
hallando su procección la vida, la libertad, la dignidade, la igualdad, la seguridade, la paz, el diálogo,
el respeto a la ley y los restantes derechos inherentes a la naturaleza humana” (CALVINHO. La ine-
ludible vinculación de la imparcialidad del juzgador a un concepto de proceso alineado con los
derechos fundamentales. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, p. 129-130). Na mesma
toada, mas com enfoque no devido processo legal, leciona Calmon de Passos: “Devido processo
constitucional jurisdicional, cumpre esclarecer, para evitar sofismas e distorções maliciosas, não
é sinônimo de formalismo, nem culto da forma pela forma, do rito pelo rito, sim um complexo de
garantias mínimas contra o subjetivismo e o arbítrio dos que têm poder de decidir. Exige-se, sem
que seja admissível qualquer exceção, a prévia instituição e definição da competência daquele a
quem se atribua o poder de decidir o caso concreto (juiz natural), a bilateralidade da audiência
(ninguém pode sofrer restrição em seu patrimônio ou em sua liberdade sem previamente ser
ouvido e ter direito de oferecer suas razões, a publicidade (eliminação de todo procedimento
secreto e da inacessibilidade ao público interessado de todos os atos praticados no processo), a
fundamentação das decisões (para se permitir a avaliação objetiva e crítica da atua­ção do decisor)
e o controle dessa decisão (possibilitando-se, sempre, a correção da ilegalidade praticada pelo
decisor e sua responsabilização pelos erros inescusáveis que cometer). Dispensar ou restringir
qualquer dessas garantias não é simplificar, deformizar, agilizar o procedimento privilegiando
a efetividade da tutela, sim favorecer o arbítrio em benefício do desafogo de juízos e tribunais.
Favorece o poder, não os cidadãos, dilata-se o espaço dos governantes e restringe-se o dos gover-
nados. E isso se me afigura a mais escancarada anti-democracia que se pode imaginar” (PASSOS.
Direito, poder, justiça e processo: julgando os que nos julgam, p. 69-70).

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conseguinte, dizimam o ideal democrático.14 Lado outro, suplementa-se o papel


das partes e dos seus advogados no processo, fortifica-se a igualdade processual,
além de valorizar a linguagem e discursividade, em resgate a algumas ideias caras
defendidas na Grécia antiga pelos mestres sofistas.15

3  A estruturação do contraditório e a impossibilidade de um juiz


contraditor
Assevera Daniel Mitidiero, na defesa de um “modelo cooperativo de processo
civil”, que “o contraditório acaba assumindo [...] um local de destaque na constru-
ção do formalismo processual, sendo instrumento ótimo para a viabilização do
diálogo e da cooperação no processo, que implica, de seu turno, necessariamente,
a previsão de deveres de conduta tanto para as partes como para o órgão juris­
dicional (deveres de esclarecimento, consulta, prevenção e auxílio). O juiz tem o
seu papel redimensionado, assumindo uma dupla posição: mostra-se paritário
na condução do processo, no diálogo processual, sendo, contudo, assimétrico no
quando da decisão da causa”.16 Em outro trabalho de sua lavra, agora escrito em
coautoria com Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, o posicionamento é reafirmado:
“[...] o juiz ocupa um duplo papel no processo: é paritário no diálogo e assimétrico
na decisão. Vale dizer: ao longo do processo, o juiz faz observar e ele mesmo observa
— isto é, submete-se — ao contraditório; quando decide, contudo, impõe a sua
decisão, cuja imperatividade vincula as partes”.17
Pergunta-se: o que exatamente significa a alusão de que o juiz é paritário no diá-
logo processual,18 ou de que ele também não só faz observar, mas igualmente observa

14
Segundo pontua Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, “deve ser energicamente descartada qualquer
doutrina que sugira aos órgãos estatais (juízes e tribunais) o exercício da função jurisdicional sob cri-
térios outros dissociados da constitucionalidade da jurisdição, ao revés, marcados de forma incons-
titucional e antidemocrática pela arbitrariedade, pela discricionariedade, pelo subjetivismo, pelo
messianismo, pelas individualidades carismáticas ou pela patologia que denominamos complexo
de Magnaud” (DIAS. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional, p. 134).
15
Aqui a referência aos sofistas é feita de maneira elogiosa, em atenção ao legado positivo deixado
por esses grandes mestres do embate discursivo. Bem diferentemente, portanto, da imagem que
lhes era atribuída por Sócrates, Platão e Aristóteles, hoje muito questionada, que os viam como
demagogos e falsos filósofos. Para um maior aprofundamento no tema: GUTHRIE. Os sofistas.
16
MITIDIERO. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos, p. 102.
17
OLIVEIRA; MITIDIERO. O direito fundamental ao contraditório e sua centralidade no processo cole-
tivo. In: ASSIS et al. (Coord.). Processo coletivo e outros temas de direito processual, p. 131.
18
Daniel Mitidiero, ao que tudo indica, usa a expressão diálogo processual com o propósito de se
referir exclusivamente ao diálogo travado entre partes e juiz. Não estaria, assim, referindo-se ao
contraditório em si mesmo, isto é, ao debate entre as partes, com a intenção de nele (=contradi-
tório, debate entre as partes) incluir também a participação do juiz. O diálogo processual (=coo-
peração) seria para o mestre gaúcho um modo de distribuir poderes na comunidade de trabalho

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Juiz contraditor? 237

o contraditório? Qual o sentido da afirmação de que o contraditório traduz-se em


instrumento para a viabilização do diálogo e da cooperação no processo? Estaria aí nes-
sas lições a matéria-prima para se gestar a figura de um juiz contraditor?
Muito já se dedicou à tratativa dos juízes ditador, diretor, espectador e admi-
nistrador, mas ninguém patrocinou, ao menos abertamente,19 a legitimidade de

entre “partes ß à juiz” e “juiz ß à partes”, e não entre parte ß à parte ß à juiz ß à parte.
Ainda que tenha sido realmente essa a intenção do ilustre processualista — com a qual se con-
corda em sua plenitude —, crê-se, por razões adiante desenvolvidas, que: (i) não existe paridade
no diálogo processual entre juiz e partes; (ii) o contraditório não implica deveres das partes para
com o juiz.
19
É bem verdade que ninguém defende abertamente a possibilidade de um juiz contraditor. Não
obstante, hoje em doutrina é prevalente o entendimento de que se deve incentivar um prota-
gonismo judicial em matéria probatória a fim de tornar mais efetivo e justo o processo, além de
assegurar a igualdade entre as partes. O próprio ordenamento processual, aliás, segue esse rumo
(CPC, art. 130). Para os que assim pensam não haveria aí um risco à imparcialidade do julgador,
desde que se respeitem alguns limites, entre eles o próprio contraditório (MATTOS. Da iniciativa
probatória do juiz no processo civil, p. 103-104; BRAGA. Iniciativa probatória do juiz no processo civil,
p. 81-82; BEDAQUE. Poderes instrutórios do juiz, p. 158-159). Entretanto, há nesse raciocínio uma
armadilha muitas vezes não percebida: é que ao introduzir provas ao processo, o juiz, muito sutilmente,
deixa de lado a sua condição de terceiro (impartialidad) e passa a operar, ainda que inconscien-
temente, como verdadeira parte, ou como auxiliar de uma delas. E assim procedendo, atuando
como deveria laborar a parte beneficiada pela prova, vulnera o contraditório, desequilibra o de-
bate, tudo em prejuízo da contraparte, que agora terá que se voltar também contra o próprio
magistrado. Portanto, a própria legislação brasileira — em artigo de lei concebido anteriormente
à Constituição Federal de 1988 —, e também a doutrina, admite uma espécie de juiz contraditor:
aquele que determina, de ofício, a produção de provas. Sobre o assunto, especificamente acerca da
perda da qualidade de terceiro imparcial do juiz que no processo introduz oficiosamente meios
de prova e da lesão ao contraditório que isso acarreta, adverte Girolamo Monteleone: “Nadie
quiere un juez passivo e inerte, impotente espectador de las astucias de las partes y de suas
defensores, pero sí se quiere evitar que el processo este permanentemente sustraído a la disponi-
bilidade de los titulares de los interesses en juego para ser encomendado a un órgano autoritário
e incontrolado, que produce resultados como los arriba ilustrados. Nadie quiera la injusticia y
la ineficácia de la jurisdicción, pero precisamente, para evitar que ello ocurra, se requiere alejar
diligentemente toda, aunque lejana, confusión de pepeles en el processo; es decir, que el juez y
las partes permanezcan siempre en su sitio. En efecto, como ha perfectamente escrito tambíen
Montero Aroca, atribuir al juez el poder de introducir de oficio médios de prueba en sentido
estricto (no solo simples médios instructorios recognocitivos) significa exatamente atribuirle
también el ropaje y los poderes de la parte. Si no hay duda de que el processo se resuelve en el
contradictorio entre los contendientes y que éstos tienen el derecho y la carga de oferecer al juez
las pruebas de los hechos alegados en sostén de suas demandas, excepciones y defensas con
la finalidade de que éste pueda rectamente decidir, no hay igualmente duda que encomendar
también a él el impulso pobatorio lo ponga en el mismo plano de la parte vulnerando el princi-
pio del contradictorio y el derecho de defensa. La parte, en efecto, actúa y se defende en juicio
frente al adversário, no del juez, por lo que cuando entra en el ruedo, introduciendo a su discre-
ción pruebas sobre hechos deducidos en litis, altera profundamente el contradictorio y perde
su calidad más essencial y genética de terceiro imparcial. De tal modo, no solo se corrompen
irremediablemente la jurisdicción y el processo, sino que se abre el caminho a la arbitrariedade y
a la injusticia” [MONTELEONE. El actual debate sobre las orientaciones publicísticas del processo

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um juiz contraditor. E advirta-se desde já: a expressão é naturalmente nada mais


que um recurso retórico,20 por aproximar ideias contrárias e apelar para o exagero
como estratégia destinada a enfatizar os balizamentos do contraditório e apontar
cada qual das funções das partes e do juiz naquilo que respeita a esse direito fun-
damental. Ou sob outra perspectiva: Alvaro de Oliveira e Mitidiero nem de longe
defendem um juiz contraditor e o pensamento deles deve, isso sim, ser conhecido
e apreendido, pois se afina ao paradigma do Estado Democrático de Direito por
propor uma oxigenação democrática necessária no âmbito do processo judicial.21

civil. In: MONTERO AROCA (Coord.). Proceso civil y ideologia: un prefacio, una sentencia, dos cartas
y quince ensayos, p. 173-197]. Em termos diversos, porém pontuando sua contrariedade com os
chamados poderes instrutórios do juiz, leciona Pontes de Miranda: “Dar ao juiz o direito de orde-
nar produção de testemunhas que as partes não ofereceram, ou mandar que se exibam docu-
mentos, que se acham em poder da parte, e não foram mencionados pela parte adversa, ou pela
própria parte possuidora, como probatórios de algum fato do processo, ou deliberar que uma
das partes preste depoimento pessoal, é quebrar toda a longa escadaria, que se subiu, através de
cento e cinquenta anos de civilização liberal” (PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de
Processo Civil, t. II, p. 514). Numa perspectiva diversa, vale aqui a lembrança do primoroso estudo,
elaborado por Dierle Nunes, em que resgata os traços do movimento da socialização processual,
ocorrido no segundo pós-guerra, especialmente nos países do Leste Europeu e sob a inspiração
do sistema processual soviético (URSS). De suas conclusões sobressai uma espécie perigosíssima
de juiz contraditor, que tudo podia e tudo devia fazer àquele tempo em nome dos ideais estatais.
Leciona o mestre mineiro, com apoio na doutrina de Comoglio: “A adoção de poderes oficiosos
do julgador ganhou uma dimensão que nem mesmo Menger imaginara, uma vez que, além do
modelo convencional de ativismo judicial, permitiu-se àquele a não-vinculação às alegações e
provas deduzidas pelas partes, estando autorizado a suscitar de ofício aspectos fáticos e ques-
tões relevantes para a decisão, podendo, inclusive, decidir ultra petita e atribuir formas de tutela
não requeridas que considerasse mais apropriadas ao caso em discussão” (NUNES. Processo juris-
dicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais, p. 110-111).
20
Aqui a expressão juiz contraditor é utilizada figurativamente; uma imagem cujo propósito é servir
de expediente para convencer. O ideal, por conseguinte, seria que permanecesse no plano da ima-
ginação. Mas isso não ocorre, infelizmente. O fantasioso, vez ou outra, materializa-se, tornando-se
uma palpável (e incoerente) realidade: o juiz contraditor não é mero personagem de quadrinhos.
Em nota de rodapé anterior já se aludiu ao art. 130 do Código de Processo Civil que, ao atribuir
poderes instrutórios ao juiz, transforma-o num contraditor, em desprestígio a alguns direitos
fundamentais processuais integrantes do devido processo legal (contraditório, juiz natural, igual-
dade). Mas há outros exemplos dessa anomalia. A pretexto de limitar e corrigir contratações de
natureza privada, envolvendo honorários entre advogados e seus clientes, alguns juízes traba-
lhistas do Rio Grande do Sul têm condicionado a homologação de acordos judiciais à renúncia
da cobrança de honorários por parte dos advogados. Há casos em que os juízes fazem inserir,
por sua própria iniciativa, nos termos de conciliação e em decisões judiciais, a “cláusula” de que
os honorários contratuais não serão endevidos (OAB-RS reage contra intromissão de juízes em
honorários. Consultor Jurídico. Disponível em: <www.conjur.com.br>. Acesso em: 24 ago. 2012).
Sem contar os variados desvios ao ordenamento jurídico que daí se infere (problemas relaciona-
dos à competência, à lesão ao direito de ação e ao princípio do juiz natural), o exemplo ilustra a
presença entre nós de juízes que agem como se partes fossem, pequenos déspotas que marcam,
com a sua própria vontade e subjetivismo, acordos cuja característica mais relevante haveria de
ser a liberdade das partes.
21
Entretanto, não se crê acertada a afirmação feita pelos mestres no sentido de que o juiz encontra-se
em posição de paridade com as partes no diálogo processual.

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Juiz contraditor? 239

Mas por que é inconcebível um juiz contraditor? O tema não é de todo novo
e já fora objeto dos estudos de Elio Fazzalari,22 Aroldo Plínio Gonçalves23 e, mais
recentemente, resgatado por Flaviane de Magalhães Barros Pellegrini24 e Kelen
Cristina Fonseca de Sousa.25 A indagação que se coloca é: em seu papel de garan-
tir às partes oportunidades no exercício do contraditório, assegurar o direito delas
de igual participação, oportunizar o debate sobre todas as questões surgidas ao
longo do feito, enfim, essa participação ativa do juiz no iter processual o transforma
também em um contraditor?
A resposta só poderia ser negativa. No debate processual o juiz não se situa
em posição paritária com as partes simplesmente porque não é destinatário dos
atos decisórios. Não é contraditor e sim um estranho no que tange aos interesses
em contenda, não sendo parte interessada naquilo que se discute no processo;
é o autor do provimento, não o seu alvo.26 É terceiro imparcial, não parte parcial.
O contraditório é exercido unicamente pelos contraditores (leia-se partes e seus
advogados), aqueles que se digladiam ao longo do processo, defendem suas razões
fáticas e jurídicas, produzem provas e contraprovas e que são titulares de posi-
ções jurídicas ativas e passivas perante o órgão jurisdicional, envolvidos na causa
por seus próprios, parciais e pessoais interesses.
A expressão juiz contraditor denota então — reafirme-se em outros termos
— um oximoro: aproxima conceitos que não combinam, com significados opos-
tos e que verdadeiramente se repelem; onde se situa um, o outro não se ajus-
ta.27 Afinal, é incoerente pensar naquele que representa o Estado e cuja função

22
FAZZALARI. Instituições de direito processual.
23
GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo.
24
PELLEGRINI. O paradigma do Estado Democrático de Direito e as teorias do processo. Revista
Eletrônica da Faculdade Mineira de Direito.
25
SOUSA. O princípio do contraditório: uma reconstrução sob a ótica do paradigma do Estado Demo­
crático de Direito. Não publicada.
26
Nessa linha, o discurso de Fazzalari: FAZZALARI. Instituições de direito processual, p. 121-124.
Aroldo Plínio Gonçalves, por sua vez, adverte que o juiz colabora, enquanto sujeito do processo,
do diálogo que deve resultar a decisão para o caso concreto, mas isso “não o transforma em con-
traditor, ele não participa ‘em contraditório com as partes’, entre ele e as partes não há interesses
em disputa, ele não é ‘interessado’, ou um ‘contra-interessado’ no provimento. O contraditório
se passa entre as partes porque importa no jogo de seus interesses em direções contrárias, em
divergência de pretensões sobre o futuro provimento que o iter procedimental prepara, em opo-
sição. [...] O contraditório realizado entre as partes não exclui que o juiz participe atentamente
do processo, mas, ao contrário, o exige, porquanto, sendo o contraditório um princípio jurídico,
é necessário que o juiz a ele se atenha, adote as providências necessárias para garanti-lo, deter-
mine as medidas adequadas para assegurá-lo, para fazê-lo observar, para observá-lo, ele mesmo”
(GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 121-123).
27
Alguns exemplos de oximoros: melodia calada, instante eterno, luz escura, visão cega, triste glória,
vida morta, fogo gelado...

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é solucionar o conflito, defendendo, ele próprio, teses, formulando argumentos


e produzindo provas, avançando rumo a uma participação de matriz exagerada-
mente inquisitorial (e inconstitucional). Para dizer o óbvio: o juiz não é paritário
no diálogo processual com as partes porque, se caso o fosse, a posição de terceiro e
a imparcialidade psicológica que o distinguem restariam prejudicadas,28 em aten-
tado mortal ao princípio do juiz natural,29 que também integra os contornos do
devido processo legal.

28
Alvarado Velloso apresenta a distinção entre impartialidad e imparcialidad. Segundo leciona, “la
idea de imparcialidad indica que el tercero que actúa en calidad de autoridad para procesar y
sentenciar el litigio debe ostentar claramente ese carácter: para ello, no ha de estar colocado
en la posición de parte (impartialidad) ya que nadie puede ser actor o acusador y juez al mismo
tiempo; debe carecer de todo interés subjetivo en la solución del litigio (imparcialidad) y debe
poder actuar sin subordinación jerárquica respecto de las dos partes (independencia)” (VELLOSO.
El garantismo procesal, p. 20-21). Também sobre a temática, Gustavo Calvinho: “Retomando el
examen conceptual, juntamente con la independencia de los poderes institucionales y no insti-
tucionales debe buscarse la imparcialidad intrajuicio, lo que significa — desde lo objetivo — que
el órgano que va a juzgar no se encuentre comprometido por sus tareas y funciones ni con las
partes — impartialidad — ni con los intereses de las partes — imparcialidad. De esta forma se
va a lograr entonces el famoso triángulo de virtudes del órgano jurisdiccional que son impartia-
lidad, imparcialidad e independencia. La autoridad impartial es aquella que no se involucra en el
debate rompiendo el equilibrio y sustituyendo o ayudando a los contendientes en sus activida-
des específicas, como pretender, ofrecer prueba y producirla. Este elemento, por consiguiente, se
relaciona con la actividad de procesar y el respeto a los roles de los litigantes y a las reglas prees-
tablecidas de debate. La independencia, en cambio, marca el respeto por la libertad de decisión,
sólo limitada en cuanto a la obediencia al ordenamiento jurídico, sin que se acepten presiones,
órdenes o sometimiento a otros poderes institucionales o no institucionales — como grupos
económicos o medios masivos de comunicación — sean o no sujetos del proceso. Un correcto
sistema de designación y remoción de los jueces y ciertas garantías de intangibilidad de remune-
raciones, permanencia e inamovilidad en sus funciones ayudan en este aspecto” (CALVINHO. La
ineludible vinculación de la imparcialidad del juzgador a un concepto de proceso alineado con
los derechos fundamentales. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro).
29
Como forma de impor freios à atividade estatal jurisdicional e evitar possíveis arbítrios, instituiu-se,
também como cláusula pétrea, o direito fundamental de proibição do juízo ou tribunal de exceção
(ou, simplesmente, princípio do juiz natural). Representa, destarte, mais uma engrenagem que
compõe o complexo mecanismo de legitimação e controle da atividade jurisdicional e do seu
resultado — legitimação pelo devido processo legal. De uma maneira singela, o princípio traduz a
ideia de que o órgão jurisdicional, devidamente investido no cargo, e as regras de competência,
às quais se encontra vinculado, hão de preexistir aos fatos envolvidos no julgamento, jamais,
então, concebidos a partir deles. Afiançam-se, com isso, as diretrizes da imparcialidade e da inde-
pendência do órgão judiciário, além de robustecer a garantida de igualdade entre as partes. Ao
afirmar que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (CRFB,
art. 5º, LIII), o constituinte estabeleceu uma condição prévia para validar a atuação do Estado-juiz.
A atividade jurisdicional, assim, se legitimará não pela presença de qualquer autoridade, mas
apenas pela da autoridade jurisdicional, preconcebida conforme os ditames constitucionais, e
cuja competência já se encontre antecipadamente estabelecida no ordenamento jurídico. Enfim,
a jurisdição se legitima desde que presidida por um juiz constitucional, isto é, aquele que, além

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Juiz contraditor? 241

Pense-se, ademais, que o contraditório é um direito fundamental e, como


tal, sua observância (=dever de respeito, de atenção) cumpre ao Estado, especi-
ficamente ao Juiz que o representa no âmbito do processo judicial.30 E uma vez
destinado (i) a conferir às partes efetivas possibilidades de participação no debate
travado processualmente e (ii) de influência na construção das decisões públicas
dali emergidas, além (iii) de protegê-las contra excessos eventualmente praticados
pelo órgão jurisdicional, não há mesmo racionalidade em enxergar o contraditó-
rio como algo que cumpre também ao juiz exercitar como se contraditor fosse.
Sobretudo na ótica do seu papel protetivo, traduz-se em direito-poder nas mãos
das partes,31 cuja finalidade — como já esclarecido alhures — é justamente demar-
car e controlar a atividade jurisdicional. Num método de trabalho iluminado pelo
devido processo não há, por conseguinte, espaço para o emparelhamento de posi-
ções entre juiz e partes (leia-se: “contraditor-decisor” e contraditores-destinatários),
pois isso significaria o esvaziamento de direitos fundamentais processuais essen-
ciais à legitimação da atividade jurisdicional, entre eles o próprio contraditório.


de prévia e legitimamente investido no poder jurisdicional, é o autorizado, mediante regras de
competência antecipadamente positivadas em abstrato, a atuar em dada circunstância e num
específico caso concreto. Também se constata a mesma intenção do constituinte quando afirma
que não haverá juízo ou tribunal de exceção (CRFB, art. 5º, XXXVII): tal dispositivo reforça a veda-
ção da admissão de órgãos jurisdicionais criados ex post facto, cuja essência se prende à preocu-
pação implícita de assegurar não só a independência e a imparcialidade do juiz, mas também a
própria igualdade das partes no curso do procedimento judicial. Há de se lembrar, sempre, que
num Estado Democrático de Direito, no qual o exercício do poder não se resume a uma atividade
solitária do juiz — já que oriunda da participação de todos os atores processuais (partes e juiz)
—, seria mesmo inconcebível admitir-se a criação de órgão jurisdicional — ou mesmo de regras
de competência — depois de ocorrido o fato a ser julgado, sobretudo pela alta dose de autori-
tarismo que essa circunstância representaria, sabe se lá viciada por quais interesses escusos e
inescrupulosos do Estado ou mesmo de grupos de interesses a ele vinculados.
30
Não se ignora a possibilidade de os direitos fundamentais protegerem eventualmente o próprio
Estado. Afinal, não obstante em sua origem terem por titularidade as pessoas naturais, limitando
a atuação do Estado em prol do indivíduo, com a evolução dos tempos as Constituições asse-
guraram direitos fundamentais também às pessoas jurídicas e, depois, às pessoas estatais. Isso,
entretanto, não autoriza a ilação de que todo e qualquer direito fundamental tem como titulares
pessoas naturais, jurídicas e estatais, uma vez que alguns deles encontram-se restritos a deter-
minadas classes. No que diz respeito ao contraditório, sua titularidade atinge todo aquele que se
encontra na situação de parte, indistintamente, seja indivíduo, pessoa jurídica ou ente estatal.
Nem é necessário dizer que o juiz não se situa no âmbito processual como parte, mas, sim, como
autoridade jurisdicional, representante do Estado, equidistante dos litigantes e sem qualquer inte-
resse pessoal no litígio.
31
Para José Carlos Barbosa Moreira o conteúdo da garantia do contraditório traduz-se em fonte dos
poderes das partes no âmbito do procedimento [MOREIRA apud RICCI. Princípio do contraditó-
rio e questões que o juiz pode propor de ofício. In: FUX; NERY JR.; WAMBIER (Coord.). Processo e
Constituição: estudos em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira, p. 495-499].

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Noutro giro, o contraditório não torna os sujeitos processuais paritários no


diálogo processual, como se estivessem em posições equivalentes, de equilíbrio,
em harmonia ou simetria, porque decorre de um preceito normativo cuja eficácia é
relacional (CF/88, art. 5º, LV - “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo,
e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes”) e, como tal, precisamente por engendrar uma
relação jurídica,32 enlaça o direito das partes com o dever do juiz (bilateralidade

32
Fredie Didier Jr. e Pedro Henrique Pedrosa Nogueira, em sua original obra Teoria dos fatos jurí-
dicos processuais, analisam pormenorizadamente o fato jurídico processual. Elucidam que a nor-
ma, enquanto proposição, prevê hipoteticamente fatos de possível ocorrência no mundo — fatos
ou conjuntos de fatos previstos abstratamente, cuja denominação corrente é “suporte fático”.
Quando aquilo que está previsto na norma se concretiza, dá-se a incidência, e o fato passa a ser
considerado jurídico. É então a partir da ideia de fato jurídico como produto da incidência da nor-
ma sobre seu suporte fático que se separa mundo dos fatos e mundo jurídico — o mundo jurídico
traduz-se no conjunto delimitado pelos fatos que adquiriram, em razão da incidência, relevância
para o direito. Essas as suas palavras: “pela juridicização do fático, o direito adjetiva os fatos para
serem considerados jurídicos e assim tecerem o mundo jurídico”. Dessa premissa, por conse-
guinte, decorre a divisão do mundo jurídico em três planos distintos: existência (entram todos os
fatos jurídicos, sem exceção), validade (restrito aos fatos jurídicos caracterizados pela relevância
da vontade no suporte fático; os atos jurídicos lato sensu); e eficácia (incluem-se os fatos jurídicos
aptos a produzirem seus efeitos típicos) (DIDIER JR.; NOGUEIRA. Teoria dos fatos jurídicos proces-
suais, p. 26-27). No que tange propriamente ao plano da eficácia, Didier e Nogueira pontuam que
as situações jurídicas são um tipo de eficácia jurídica, vale dizer, são categorias eficaciais, que não
obstante pressuporem um fato jurídico, já estavam previstas em abstrato no consequente, ou no
preceito, da norma. E, para os mestres, as situações jurídicas, encaradas lato sensu, “abarcam todo
o tipo de eficácia jurídica, inclusive a relação jurídica, que é a mais importante das categorias
eficaciais”. As relações jurídicas seriam, pois, espécie de situação jurídica, normalmente produzi-
das pelos fatos jurídicos, e que para existirem pressupõem: (i) a vinculação de, pelo menos, dois
sujeitos (princípio da intersubjetividade); (ii) um objeto (princípio da essencialidade do objeto);
(iii) com correspectividade de direitos, deveres e demais categorias coextensivas (pretensão,
obrigação etc.) (princípio da correspectividade de direitos e deveres) (DIDIER JR.; NOGUEIRA.
Teoria dos fatos jurídicos processuais, p. 119-120). Ainda mais precisamente, lecionam: “O traço
característico da relação jurídica está na circunstância de que ela vincula, pelo menos, dois su-
jeitos de direito a respeito de um objeto, tendo como conteúdo mínimo um direito (prestacional
ou potestativo) e a sua correlata situação jurídica passiva (dever ou estado de sujeição), além
de suas respectivas extensões, como as pretensões, ações, obrigações, e situação de acionado”
(DIDIER JR.; NOGUEIRA. Teoria dos fatos jurídicos processuais, p. 128). Segundo se pensa, é esse
o caso do preceito constitucional que dispõe sobre o contraditório: ele estabelece uma relação
jurídica. Reza o art. 5º, LV, da Constituição que “aos litigantes, em processo judicial ou adminis-
trativo [...] são assegurados o contraditório e a ampla defesa [...]”. Ora, o contraditório é previsto
como eficácia jurídica da incidência do suporte fático do aludido enunciado normativo. Basta,
portanto, ser litigante, em processo judicial ou administrativo (incidência do suporte fático), para
que o contraditório seja assegurado (eficácia jurídica). É o contraditório uma situação jurídica
relacional, a envolver, de um lado, o Estado-juiz, a quem cumpre o dever de assegurar aos litigan-
tes o contraditório, e, de outro, os litigantes (demandante e demandado), que detêm o direito de
exercer o contraditório. Em tal perspectiva, não há como vislumbrar paridade entre juiz e partes
no diálogo processual decorrente do contraditório — o diálogo processual que caracteriza o

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Juiz contraditor? 243

e imperatividade).33 Detém, sobretudo, como se diz, caráter deontológico, gera


sujeições por prescrever algo de forma obrigatória.34 Especificamente, impõe uma
conduta de observância ao Estado-juiz em favor do direito de os litigantes exercerem
sua ampla defesa em seu significado dinâmico,35 estabelece entre eles, obrigado e
destinatários, uma relação de imperatividade, envolve direito e deveres. Essa relação
imperativa, que faz parte da disciplina daquilo que se denomina processo, não é
paritária, mas assimétrica, ou seja, desigual, por implicar subordinação ou sujeição:
de um lado encontra-se o Estado-juiz, terceiro imparcial com deveres a cumprir
para assegurar o contraditório em toda a sua amplitude; de outro, as partes, que
têm a faculdade de exigir e fiscalizar justamente os tais deveres decorrentes da
norma constitucional.36

contraditório é algo que diz respeito exclusivamente às partes (e seus advogados). Tampouco é
apropriado afirmar que o contraditório implica deveres de conduta (de esclarecimento, consulta,
prevenção e auxílio) também para as partes — os deveres de conduta oriundos do contraditório
são unicamente do juiz para com as partes. Ou em outros termos: o contraditório pode ser enca-
rado como a eficácia jurídica (de cunho relacional) proveniente da incidência do suporte fático
do art. 5º, LV, da Constituição, isto é, uma situação jurídica de perspectiva dupla (relação jurídica
processual), porque engendra deveres para o Estado-juiz (situação jurídica passiva) e direitos para
as partes (situação jurídica ativa).
33
GUSMÃO. Introdução à ciência do direito, p. 69.
34
Afirmar que os princípios constitucionais — em especial o contraditório — detém caráter deon-
tológico não quer significar desprezo ao seu caráter axiológico. Nessa linha, elucida André do Vale
Rufino, em apego aos ensinamentos de Habermas: “Pode-se dizer então que as normas apresen-
tam uma dupla face: por um lado, determinam o que é devido (elemento normativo, diretivo,
imperativo, isto é, deontológico); por outro, contêm um juízo de valor ou critério de valor (de
justificação ou de crítica) sobre o que é devido (elemento valorativo ou axiológico). Os elementos
deontológico e axiológico representam, por assim dizer, as duas faces de uma mesma norma”
(RUFINO. Estrutura das normas de direitos fundamentais: repensando a distinção entre regras, prin-
cípios e valores, p. 160).
35
Equivocam-se aqueles que pensam que o direito fundamental à ampla defesa é algo inerente
apenas àqueles que se encontram no polo passivo da relação jurídica processual. Bem diferen-
temente, trata-se de um direito fundamental conexo ao contraditório, cujos destinatários são
demandante e demandado, voltado a permitir que ambos exercitem amplamente suas posições
jurídicas ao longo do processo, desenvolvam e debatam as suas teses, produzam provas e con-
traprovas etc. Aliás, a literalidade do art. 5º, LV, da Constituição, não deixa dúvidas quanto aos
destinatários da ampla defesa e também do contraditório: “aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com
os meios e recursos a ela inerentes”.
36
Daniel Mitidiero não nega essa imperatividade decorrente do princípio do contraditório. Em artigo
escrito para responder algumas críticas formuladas por Lenio Streck, esclarece o processualista
quais as consequências do não atendimento aos deveres de colaboração: “[...] inconstitucionali-
dade por afronta ao direito fundamental ao processo justo (art. 5º, LIV, CF/1988), possibilidade de
responsabilização judicial (art. 133, CPC) e, especificamente no caso de dever de auxílio, possi-
bilidade de multa punitiva à parte que, indiretamente, frustra a possibilidade de colaboração do
juiz para com a parte contrária (art. 14, CPC)”. E continua: “O juiz que se omite no cumprimento
de seus deveres de cooperação viola o direito ao processo justo. Os deveres de esclarecimento,

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Sublinhe-se, por fim, que o entendimento ora esposado distancia-se daquela


visão, defendida por autores como Vittorio Denti, para quem o debate travado
processualmente entre as partes e a cooperação que envolve juiz e partes seriam
ambas expressões do contraditório.37 Também não se aceita que a melhor linha
de raciocínio seja aquela defendida por Edoardo Ricci, que não enxerga a colabo-
ração entre juiz e partes como decorrentes do contraditório.38 Defende-se, isso
sim, o posicionamento que encara os chamados “deveres de colaboração”39 como
oriundos do contraditório, provenientes da sua observância pelo Estado-juiz, cuja
implementação se destina a permitir um julgamento mais acertado em atenção
às questões fáticas e jurídicas debatidas ao longo do processo.40 Essa perspectiva,

de diálogo e de prevenção, como se resolvem em deveres que o juiz pode cumprir independen-
temente de qualquer conduta a ser adotada pela parte contrária perante a qual tem o dever de
colaborar, podem gerar responsabilização do juiz por ausência (art. 133, CPC). Já o dever de auxílio,
que muitas vezes depende de determinado comportamento da parte contrária para que o juiz
possa colaborar com a outra, dá lugar à possibilidade de o órgão jurisdicional sancioná-la por
descumprimento de seu dever de obediência ao juízo (art. 14, CPC)” (MITIDIERO. Colaboração no
processo civil como prêt-à-porter?: um convite ao diálogo para Lenio Streck. Revista de Processo,
p. 55-69). Parece claro que a maioria dessas consequências decorrem justamente da normativi-
dade que caracteriza o contraditório, sobretudo de sua face deontológica, que une partes e juiz
numa relação que envolve direitos e deveres. E, frente a esses deveres destinados a concretizar
um direito (fundamental) daqueles que litigam no âmbito judicial, crê-se realmente que não é
adequado defender uma atuação paritária no diálogo processual entre partes e juiz. Eles, partes e
juiz, não atuam nessa engrenagem em igualdade, mas, sim, em posição de subordinação, de sujeição.
37
MOREIRA apud RICCI. Princípio do contraditório e questões que o juiz pode propor de ofício. In:
FUX; NERY JR.; WAMBIER (Coord.). Processo e Constituição: estudos em homenagem ao Professor
José Carlos Barbosa Moreira, p. 495-499.
38
Essas as palavras exatas de Edoardo Ricci quanto ao ponto: “À luz dessas premissas, o problema da defi-
nição do contraditório como garantia fundamental pode ser abordado com clareza. Evidentemente,
tal garantia concerne aos poderes das partes no processo. Mas, por outro lado, diria respeito à sua
cooperação com o juiz, na busca da solução mais justa e, ainda, à cooperação do juiz com as partes
por razão de solidariedade? Acreditamos que não. A busca de decisão mais justa mediante debate
das partes e a solicitação do juiz como cooperação não dizem respeito ao contraditório como garan-
tia, mas à sua utilização em razão de outras finalidades” [RICCI. Princípio do contraditório e questões
que o juiz pode propor de ofício. In: FUX; NERY JR.; WAMBIER (Coord.). Processo e Constituição: estudos
em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira, p. 495-499].
39
Fala-se muito hoje em “princípio” da colaboração (ou da cooperação), tanto na doutrina nacional
como na estrangeira. Crê-se, todavia, acertada a crítica de Lenio Streck no sentido de que não há
propriamente um “princípio” da cooperação”. O que existem, acredita-se, são deveres do magis-
trado para com as partes decorrentes da norma legal que prevê o contraditório. Sobre o embate
doutrinário sobre ser ou não a cooperação um princípio, é válido consultar: STRECK. Verdade e
consenso, p. 485; MITIDIERO. Colaboração no processo civil como prêt-à-porter?: um convite ao
diálogo para Lenio Streck. Revista de Processo.
40
Apesar de o contraditório ser um direito fundamental processual, cujo exercício cabe às par-
tes, decorrem dele deveres dirigidos ao juiz. O juiz não exerce o contraditório, mas está obriga-
do a assegurar o seu exercício pelas partes e também prima pelo seu aprimoramento. É nessa
perspectiva que se pode concluir que a ideia de colaboração do juiz para com as partes advém

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Juiz contraditor? 245

por certo, não significa ampliar os contornos do contraditório para admitir em seu
núcleo conceitual a participação paritária do juiz, mas apenas aceitar que seus
reflexos implicam deveres correlatos ao Estado-juiz necessários à sua adequada
concretização.

4  Considerações finais
De tudo o que foi aqui trabalhado, arremate-se com as seguintes conclusões:
1 Na atualidade não mais se concebe o contraditório mediante feições
mera­mente formais. Para além do binômio informação-reação, hoje surge como
um direito de influência na construção do provimento jurisdicional, pautado num
viés exegético mais consentâneo aos ideários constitucionais, em especial à con-
cepção de democracia.
2 Esse vigor democrático que se imputa atualmente ao contraditório, de
outro lado, eleva sobremaneira a sua importância de controlar a atividade juris-
dicional e o seu resultado. Afinal, a imperatividade proveniente da norma funda-
mental obriga o juiz a curvar-se diante dela, a respeitar seu conteúdo substancial,
a observá-la em atenção principalmente aos seus novos matizes. Isso somente
quer significar mais segurança jurídica, transparência e previsibilidade, vale dizer,
representa uma garantia no sentido de que se encontra vedada a produção de
decisões judiciais em desatenção à dialética processual, decorrente do labor soli-
tário do julgador (=solipsismo judicial).
3 O juiz tem o dever de assegurar o contraditório e de provocar o seu ama-
durecimento. Isso, contudo, não o torna um contraditor porque não é destinatário
dos atos decisórios. É terceiro imparcial e não parte parcial. Enfim, o contraditório é
um tributo à liberdade das partes no processo — exercitada segundo os limites da
lei, naturalmente —, um coringa que lhes avaliza a autoridade do seu discurso, do
seu labor argumentativo e probatório em prol de seus interesses pessoais, a garan-
tia de que a decisão judicial seguirá um rumo previsível, alheio à surpresa, estranho
a raciocínios solipsistas. É um direito em favor dos litigantes contra o arbítrio estatal

do contraditório, não significando isso, todavia, a legitimação de um juiz contraditor, que atue
no âmbito processual em paridade com as partes. Salvo engano, Dierle Nunes encampa enten­
dimento semelhante: “No entanto, na ótica democrática, o contraditório vem reassumir o seu
papel de fomentador e garantidor da comparticipação e do debate, ao ser encarado em perspec-
tiva normativa”. E conclui: “Seria, assim, resgatado o seu papel fundamental no dimensionamento
processual, de forma a assegurar a influência dos argumentos suscitados por todos os sujeitos
processuais e garantir que, nas decisões, não aparecessem fundamentos que não tivessem sido
submetidos ao espaço público processual” (NUNES. Processo jurisdicional democrático: uma análise
crítica das reformas processuais, p. 258).

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por assegurar que o poder jurisdicional exerce-se segundo ditames democráticos


e, portanto, baliza-se pelo debate, pelo labor discursivo e probatório das partes.
4 O contraditório traduz-se em direito fundamental e, deste modo, sua
obser­vância (=dever de cumprimento, de respeito) cumpre ao juiz, que repre-
senta o Estado no âmbito do processo judicial. Atribuir ao julgador a qualidade
de contraditor significaria o esvaziamento da importância desse direito funda-
mental, especialmente naquilo que diz respeito à sua esfera protetiva, destinada
a resguardar as partes contra os efeitos deletérios oriundos de eventuais arbítrios
judiciais.
5 Também o ordenamento jurídico alienígena, normalmente citado para
sustentar a nova feição dinâmica conferida ao contraditório, não autoriza — e
nem poderia ser diferente — uma exegese inclusiva, que coloque o juiz na posição
de contraditor. O que está positivado ali — nas legislações francesa, portuguesa
e alemã — é uma estrutura de colaboração envolvendo os sujeitos processuais,
todos concorrendo “para obter, com brevidade e eficácia a justa composição do
litígio” (Código de Processo Civil português, art. 266). Estrutura-se, portanto, uma
comunidade de trabalho41 cuja finalidade é regulamentar o diálogo entre juiz e
partes, algo bem diferente que inserir todos num mesmo patamar, como se o
primeiro exercesse juntamente com as últimas o contraditório, debatendo teses,
argumentando e rebatendo argumentos, produzindo provas e contraprovas etc.
6 Juiz e partes não são paritários no diálogo processual. Não é adequado
afirmar que o juiz participa do contraditório ou o exerce, pois o que lhe cumpre é
tão somente assegurá-lo e aprimorá-lo o mais amplamente possível. Por decorrer
de um preceito normativo cuja eficácia é relacional, o contraditório impõe ao juiz
uma conduta (=deveres) em favor das partes: o papel do magistrado é atuar a fim
de possibilitar aos antagonistas o exercício pleno e dinâmico de sua ampla defe-
sa. O que daí se origina é, pois, uma relação jurídica, por enlaçar os deveres do juiz
aos direitos das partes, de perceptível imperatividade, encontrando-se as últimas em
posição privilegiada com relação ao primeiro. No diálogo processual a posição de
protagonistas cabe aos litigantes com exclusividade; o juiz não age em paridade
com eles, mas, sim, em prol do aperfeiçoamento do contraditório, em posição de
sujeição em relação às partes.

41
A expressão comunidade de trabalho denota que o processo é método civilizado destinado a
resol­ver conflitos de interesses, que se presta, sobretudo, a legitimar (e controlar) a jurisdição e os
seus resultados. Contudo, rotular o processo de comunidade de trabalho ou de método civilizado
de diálogo não significa desconsiderar que em seu bojo o que há é verdadeiramente um litígio
entre dois antagonistas, que buscam a vitória mediante o alcance de objetivos diversos, parciais
e singulares.

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Juiz contraditor? 247

7 De forma mais técnica: reza o art. 5º, LV, da Constituição que “aos litigantes,
em processo judicial ou administrativo [...] são assegurados o contraditório e a
ampla defesa [...]”. O contraditório corresponde à eficácia jurídica decorrente da
incidência do suporte fático do aludido enunciado normativo. Basta, portanto,
ser litigante, em processo judicial ou administrativo (incidência do suporte fático),
para que o contraditório seja assegurado (eficácia jurídica). É o contraditório uma
situação jurídica relacional, a envolver: de um lado, o Estado-juiz, a quem cumpre
o dever de assegurar aos litigantes o contraditório; de outro, os litigantes (deman-
dante e demandado), que detêm o direito de exercer o contraditório. Daí é que se
conclui: (i) não há como vislumbrar paridade entre juiz e partes no diálogo proces-
sual decorrente do contraditório — o diálogo processual que caracteriza o con-
traditório é algo que diz respeito exclusivamente às partes (e seus advogados); (ii)
tampouco é apropriado afirmar que o contraditório implica deveres de conduta
(de esclarecimento, consulta, prevenção e auxílio) também para as partes — os
deveres de conduta oriundos do contraditório são unicamente do juiz para com
as partes. Em síntese: o contraditório pode ser encarado como a eficácia jurídica
(de cunho relacional) proveniente da incidência do suporte fático do art. 5º, LV,
da Constituição, isto é, uma situação jurídica de perspectiva dupla (relação jurídica
processual), porque engendra deveres para o Estado-juiz (situação jurídica passiva)
e direitos para as partes (situação jurídica ativa).
8 Não se nega a relevância da colaboração do juiz para com as partes no âm-
bito processual. Muito pelo contrário. Afinal, tal desiderato (colaboração, coope-
ração, comparticipação) sintoniza-se aos anseios democráticos, fomenta soluções
de conflitos mediante transações, além de favorecer decisões mais amoldadas aos
aspectos fáticos e jurídicos desenhados pelo litígio. É sobretudo uma vacina pode-
rosíssima contra as chamadas decisões-surpresa. O problema denunciado aqui se
liga, isso sim, à dinâmica dessa colaboração. Até onde pode avançar o juiz, em seu
diálogo com as partes, alicerçado em seu dever de cooperar? Qual o limite a ser
respeitado por ele a fim de que não se torne também um contraditor? Acredita-se
que as intervenções do juiz devem se pautar pela prudência. Cumpre-lhe influir
nos arrazoados apresentados para indicar ali pontos que se lhe apresentem obs-
curos, ou lhe pareçam equivocados, vale dizer, é sua função provocar o debate
entre os contraditores a fim de sanar dúvidas existentes, forçar a exploração pe-
las partes de aspectos fáticos e jurídicos ainda não adequadamente aclarados
ou amadurecidos (dever de esclarecimento).42 Compete-lhe, por igual, prevenir as

SOUSA. Estudos sobre o novo processo civil, p. 65.


42

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248 Lúcio Delfino, Fernando F. Rossi

partes do perigo de frustração de seus pedidos pelo uso inadequado do processo


(dever de prevenção).43 Também é dever do órgão jurisdicional consultar as partes
antes de decidir sobre qualquer questão, ainda que de ordem pública, assegu-
rando a influência de suas manifestações na formação dos provimentos (dever de
consulta).44 E, por fim, é seu papel auxiliar as partes na superação de dificuldades
que as impeçam de exercer direitos e faculdades ou de cumprir ônus ou deveres
processuais (dever de auxílio).45 Afora isso, é enorme o risco que se corre de trans-
mudar o juiz em um contraditor, com prejuízo às próprias bases fundadoras do
Estado Democrático de Direito.
9 A palavra colaboração (ou cooperação) detém poder icônico: denota um
agir conjunto, participação, comparticipação,46 apoio, conectando-se, por isso
mesmo, e de modo bastante acentuado, com a democracia. Cai por terra, todavia,
os aspectos positivos dessa simbologia se o seu uso servir apenas de maquiagem
para escamotear uma ideologia arbitrária, alimentada pela sanha socializadora
do processo,47 a fim de maximizar ainda mais os poderes do juiz em prejuízo, sem

43
SOUSA. Estudos sobre o novo processo civil, p. 65-66.
44
SOUSA. Estudos sobre o novo processo civil, p. 66-67.
45
SOUSA. Estudos sobre o novo processo civil, p. 67.
46
A expressão comparticipação é muito cara a Dierle Nunes: “O resgate do papel da participação no es-
paço público processual de todos os envolvidos (cidadãos ativos), na perspectiva policêntrica e com-
participativa, permitirá o redimensionamento constitucional da atividade processual e do processo,
de modo a guindá-lo a seu real papel de garantidor de um debate público e dos direitos funda-
mentais, de uma estrutura dialógica de formação de provimentos constitucionalmente adequados”
(NUNES. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais, p. 260).
47
Um exemplo que bem retrata a filosofia do socialismo processual é aquilo que alguns chamam de
“princípio da parcialidade positiva do juiz”, com adeptos no Brasil, inclusive. Em palestra ganhadora
do Prêmio “Humberto Briseño Sierra”, apresentada em 19 de outubro de 2012, no XII Congresso
Nacional de Direito Processual Garantista, realizado na cidade argentina de Azul, Eduardo José
da Fonseca Costa, com o seu brilho característico, elucidou, em perspectiva crítica, as caracterís-
ticas de um bom juiz segundo um conceito socialista — o chamado “juiz Hobin-Hood”: “Para un
concepto socialista, un buen juez es un Hobin-Hood, ejecutor de las ideas de los grandes iconos
del “romanticismo social”. A favor del “eslabón más débil” de la relación procesal — una iniciativa
conocida como “parcialidad positiva” (?!) — el juez puede hacer más flexible el procedimiento
estándar legal (aunque aquí, por regla general, sea realizado un procedimiento sumario y oral),
invertir la carga de la prueba, relativizar pro misero el rigorismo de la cosa juzgada (lo que explica
la propagación contra legem de la cosa juzgada secundum eventum probationis en Brasil, especial-
mente en las lides sobre seguridad y asistencia social), interferir en la formación del objeto litigioso,
satisfacer las carencias en materia de prueba (esto no insulta a la “imparcialidad”?) y conceder
medidas autosatisfactivas ex officio [activismo autoritario “socioequilibrante”, que los críticos ven
como praxis gauchiste]”. Mais à frente, concluiu o mestre: “[...] el activismo autoritario engagée del
procesualismo socialista predica la “parcialidad positiva” como criterio de legitimidad de la activi-
dad jurisdiccional (que no es más que una degradación de la imparcialidad). Dentro de la trilogía
estructural del proceso, el objetivo socialista de desestructuración es el concepto de jurisdicción
(y el principio constitucional que lo protege — la imparcialidad)” (COSTA. Los critérios de la legiti-
mación jurisdiccional según los activismos socialista, facista y gerencial).

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dúvida, à própria liberdade das partes e aos seus direitos mais elementares.48 Sob
o signo da colaboração, segundo tal ângulo, vivenciaria um regime procedimen-
tal (e não processual) marcado pela indiferença em relação à participação dos
litigantes, tudo legitimado pela busca da verdade.49 Para ser ainda mais claro: o

48
Ao denunciar uma crise de identidade vivenciada pelo processo civil brasileiro, Glauco Gumerato
Ramos, com a inteligência que lhe é característica, apresenta contundente crítica ao protagonis-
mo judiciário: “Mas um fator preponderante continua a lhe marcar o perfil e isso a despeito do
ambiente democrático e republicano estabelecido pela Constituição de 1988: continua sendo um
CPC ‘do juiz’, um CPC autoritário, um CPC viabilizador das mais perversas arbitrariedades. Ou seja:
mudou-se muito, mas nada — ou muito pouco — mudou. Na essência, os matizes metodológicos
do nosso CPC continuam a movimentar uma engrenagem na qual o processo civil se desenvolve
como categoria jurídica a serviço da jurisdição (=Poder), e não como estrutura democrática e repu-
blicana viabilizadora da dialética que caracteriza o devido processo legal (=Garantia). E a prova de
que pouco mudou está no fato de que atualmente tramita na Câmara dos Deputados um antepro-
jeto de novo CPC. Eis aí o ‘processo civil gattopardista’ a que me refiro no título acima. Queremos
mudar novamente, mas pouco será mudado! A atuação do prático diante do Poder Judiciário ‘civil’
nos mostra isso, apesar de a dogmática (doutrina) continuar a nos seduzir com um discurso legi-
timador desse ‘poderoso juiz’ que tudo pode em nome da ‘verdade’, da ‘justiça’ e da concretização
de um ‘processo justo’. O processo civil dos livros (law in books) é romântico; o processo civil da
prática (law in action) é assustador, ao menos na perspectiva dos artífices da postulação (advoca-
cia, MP, defensoria pública). Estes são testemunhas do ultraje que a garantia do devido processo
legal sofre no dia a dia do foro cível — além do penal, é claro! — nas mãos desse ‘juiz redentor’
dos males da sociedade, tão decantado em verso e prosa nas lições da grande maioria dos nossos
processualistas e que tanta influência exerce sobre nossa jurisprudência. Ignoramos que de nossa
Constituição da República transborda um modelo semântico-processual garantista e nos deixa-
mos levar por um arbitrário e equivocado modelo pragmático-processual de viés ativista, onde
avulta a figura de um juiz comprometido com a própria ‘justiça subjetiva’ que melhor lhe ocorrer
diante do caso concreto. Não é incomum que na cena processual nos deparemos com justiceiros
— e não com juízes — agigantados sob o sacrossanto manto da toga” (RAMOS. O processo civil
gattopardista dos Juizados Especiais. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, p. 37-42).
49
Sobre o problema da verdade, esclarece Andrea A. Meroi, com amparo em Luigi Ferrajoli: “La
verdad procesal en cuanto a los hechos (quaestio facti) consiste en la confirmación de la aserción a
su respecto y se resuelve mayormente por vía inductiva conforme a los datos probatórios. La idea
según la cual es posible alcanzar y afirmar una verdade objetiva, certa, absoluta es ‘en rea­lidade
una ingenuidade epistemológica que las doctrinas jurídicas ilustradas del juicio como aplicación
mecânica de la ley comparten com el realismo gnosiológico vulgar’ (Luigi Ferrajoli). Y si aune n el
campo de las llamadas ‘ciencias duras’ se afirma hoy que a lo máximo que podemos aspirar es a
una verdade aproximativa, cuánto más cabrá decir respecto de la verdade procesal, condicionada
adicionalmente por sérios limites: a) la verdade procesal de la quaestio facti es apenas probabilís-
tica [...]; b) el conocimiento judicial de esa verdade sobre las aserciones fácticas es ineludiblemen-
te subjetivo [...]; c) el conocimiento judicial de la quaestio facti es un ‘discurso institucionalizado’,
sometido a un ‘método legal de comprobación procesal’, que hace de la verdad sobre los juicios
de hechos una verdade inevitabelemente aproximativa [...]” (MEROI. Resignificación del ‘contra-
dictorio’ en el debido proceso probatório. In: CONTROVERSIA procesal, p. 80-83). Na mesma
vereda, ensina Adolfo Alvarado Velloso que a verdade não é um problema primordial do Direito;
primordial é a sua missão básica e elemental de alcançar e manter a paz dos homens que convi-
vem em um tempo e lugar determinado. Complementa o mestre argentino: “Si la verdade fuere
realmente un problema jurídico primordial y su búsqueda la exclusiva o principal determinante

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modelo colaborativo de processo não pode ser organizado à distância da realidade,


sem considerar que no processo há verdadeiro embate (luta, confronto, enfren-
tamento), razão pela qual as partes e seus advogados valem-se — e assim deve
ser — de todos os meios legais a seu alcance para atingir um fim parcial.50 Não
é crível, enfim, atribuir aos contraditores o dever de perseguirem uma “verdade
superior”,51 mesmo que contrária àquilo que acreditam e postulam em juízo, sob
pena de privá-los de sua necessária liberdade de litigar, transformando-os, eles
mesmos e seus advogados, em meros instrumentos a serviço do juiz na busca da
tão almejada “justiça”.52

de toda y de cualquiera actuación de los jueces, poderían coexistir con él los institutos del sobre-
seimiento, de la absolución por la duda, de cualquier tipo de caducidade (de la instancia, de la
producción de la prueba, etc), de las cargas probatórias, de la congruência procesal como clara
regla de juzgamiento, de la prescripción liberatória, de la cosa jusgada, de la imposibilidad de
decuzir excepciones relacionadas con la causa obligacional en la ejecución de títulos cambiários,
etc., etc? La respuesta negativa es de toda obviedade...?” [VELLOSO. La imparcialidade judicial y
el sistema inquisitivo de juzgamiento. In: MONTERO AROCA (Coord.). Proceso civil y ideologia: un
prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos, p. 217-247]. Para situar a crítica em termos
nacionais, pense-se apenas no instituto da revelia, que autoriza o juiz a admitir como verdadeiros
os fatos afirmados pelo demandante em caso de ausência de defesa (CPC, art. 319).
50
A essência litigiosa, atribuível ao fenômeno que se desenvolve processualmente, não escapou à
percepção de Daniel Mitidiero. Tanto assim que, juntamente com Luiz Guilherme Marinoni, criti-
cou o projeto do novo CPC apresentado ao Senado, que, em seu art. 5º, previa que “as partes têm
direito de participar ativamente do processo, cooperando entre si e com o juiz e fornecendo-lhe
subsídios para que profira decisões, realize atos executivos ou determine a prática de medidas de
urgência”. Assinalou, enfim, que é “a própria estrutura adversarial ínsita ao processo contencioso
que repele a ideia de colaboração entre as partes” (MARINONI; MITIDIERO. O projeto do CPC, p. 73).
51
Confira-se, em rota oposta, o que pensa o mestre paulista, Cassio Scarpinella Bueno: “Certo que
as partes, como sujeitos parciais da relação processual, e o juiz, na qualidade de sujeito imparcial,
não têm interesses iguais refletidos no contraditório. Este, o juiz, não pode, por definição, ter
inte­resse nenhum naquilo que julga, sob pena de ruptura com um dos sustentáculos da juris-
dição, que é a imparcialidade; aquelas, as partes, têm interesses seus deduzidos em juízo, e que
são, por definição, também colidentes. Isso, contudo, não significa que não exista outro tipo de
interesse, que é comum a todos os sujeitos processuais, que é o de resolver a questão pendente de
apreciação pelo Poder Judiciário da melhor forma possível, imunizando-a de ulteriores discussões”
(BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus Curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático, p. 55).
Inquestionável que partes e juiz, respectivamente sujeitos parciais e imparcial, têm interesses
diversos em juízo. Cada qual das partes busca fazer valer aquilo no que acredita, suas razões de
fato e de direito; o juiz, de sua vez, não alimenta interesse algum no objeto do litígio, pois o que
lhe cabe é resolver o conflito em conformidade com o ordenamento jurídico. Entretanto, crê-se,
com a devida vênia, inexistir esse outro interesse ao qual se refere Cassio Scarpinella, que seria
comum a todos os sujeitos processuais, como se as partes desejassem, de maneira uníssona e
conjunta, realmente resolver “a questão pendente de apreciação pelo Poder Judiciário da melhor
forma possível”. Não há, de regra, um tal espírito filantrópico que contagie as partes no âmbito
processual; o que quer cada uma delas, sem dúvida, é mesmo resolver a questão da melhor forma
possível, desde que isso signifique favorecê-la em prejuízo do adversário — cada parte quer a
sardinha para o seu próprio prato.
52
Essa a linha do pensamento de Juan Monteiro Aroca: “[...] Las ‘reglas del juego’, de cualquier juego,
incluso el del processo, deben ser observadas por los jugadores, naturalmente, pero a estos no

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Juiz contraditor? 251

Resumen: El presente artículo distingue los fenómenos de lo contradictorio


y de la colaboración. Apunta, además, el riesgo de trabajarlos como si fuesen
idénticos, con una perspectiva que no solo maximizaría demasiado los
poderes del juez, sino que también limitaría la injerencia de las partes en el
ámbito procesal.

Palabras-clave: Colaboración. Estado Democrático del Derecho. Contradictorio.


Juez contradictor.

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se les puede pedir que todos ellos, los de un equipo y los de otro, colaboren en la búsqueda de
cuál es el mejor de ellos, ayudando al árbitro a descobrir a quién debe declarar ganhador, pues
si las cosas fueran así no tendría sentido jugar el partido. El ‘juego’ se basa en que cada equipo
luche por alcanzar la victoria utilizando todas las armas a su alcance, naturalmente respetando
las reglas, y con un árbitro imparcial” (MONTERO AROCA. El processo civil llamado ‘social’ como
instrumento de ‘justicia’ autoritária. In: MONTERO AROCA (Coord.). Proceso civil y ideologia: un pre-
facio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos, p. 129-165). Em linha de entendimento idêntica,
Adolfo Alvarado Velloso elucida o risco de se defender a ideia de um processo como método se-
gundo o qual os advogados e partes colaboram solidária e ativamente na busca da verdade e na
formação de uma decisão justa. Elucida que um tal modo de pensar despreza a realidade social
do litígio, que nada mais é que uma guerra. Sem armas, é verdade; mas mesmo assim uma guerra
e não um passeio alegre e despreocupado das partes de mãos dadas e caminhando pelo parque.
E arremata: “Cuando un acreedor presenta al juez su demanda, no lo hace en acto de alocada
aventura sino meditadamente, lleno de incertidumbres, temores, gastos y expectativas, luego
de haber hecho lo imposible para lograr un acuerdo con el deudor. De tal modo, sólo porque no
tiene otro camino para recorrer, elige la última alternativa que le oferece la civilidade: el processo.
Cómo pretender ahora que estos dos antagonistas — que ya se odian por haber hablado y dis-
cutido hasta el cansancio del tema que los aqueja — salgan a buscar como buenos amigos, del
brazo y solidariamente, la verdad de lo acontecido y una decisión justa? Justa para quien? Para el
desesperado y cuasi exámine acreedor o para el deudor impenitente?” (VELLOSO. La imparciali-
dade judicial y el sistema inquisitivo de juzgamiento. In: MONTERO AROCA (Coord.). Proceso civil
y ideologia: un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos, p. 114). Daniel Mitidiero, por
sua vez, é esclarecedor acerca do risco de se banalizar a colaboração: “Estamos de pleno acordo
com a necessidade de controlarmos a utilização indevida e desordenada de normas jurídicas que,
por vezes, ocorre na prática judicial do nosso país. É preciso, contudo, separar o joio do trigo. A
colaboração é um projeto autêntico do processo justo no Estado Constitucional — para usarmos
uma expressão em homenagem a Lenio Streck. Banalizá-la, tratando-a sem maiores cuidados,
constitui empresa no mínimo temerária. Cumpre evitá-la — a bem da necessidade de moldarmos
o processo civil a partir dos fundamentos do Estado Constitucional a fim de torná-lo tão demo-
crático quanto o acesso à moda com o advento do prêt-à-porter” (MITIDIERO. Colaboração no
processo civil como prêt-à-porter?: um convite ao diálogo para Lenio Streck. Revista de Processo).

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

DELFINO, Lúcio; ROSSI, Fernando F. Juiz contraditor?. Revista Brasileira de Direito Processual
– RBDPro, Belo Horizonte, ano 21, n. 82, p. 229-254, abr./jun. 2013.

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Acerca de la reforma al art. 274 y el ejercicio
del derecho de defensa, desde la óptica del
defensor penal1

Hernán Federico Soto


Advogado. Mediador. Professor da pós-graduação em Direito
Processual na Universidad Nacional de Lomas de Zamora. Professor
de Direito Processual e Meios Alternativos de Resolução de Conflitos
pela Universidad Abierta Interamericana. Mestrando em Direito
Processual pela Universidad Nacional de Rosario (UNR).

María Juliana Ruani


Advogada. Mediadora. Professora em Ciências Jurídicas na Facultad
de Derecho y Ciencias Sociales del Rosario. Mestranda em Direito
Processual pela Universidad Nacional de Rosario (UNR).

Es que creo que nuestra historia [...] puede en buena medida ser
interpretada como una oscilación entre pautas de convivencia
de creciente amplitud, tolerancia y zonas de libertad, y formas
opresivas de mantenimiento de lo existente, cuando no directa-
mente regresivas [...].
(Jorge E. Vázquez Rossi)

Sumario: I Introducción – II.I Breve estado del arte – La audiencia imputativa –


II.II La imputación – II.III La calidad de imputado – III La audiencia imputativa o
de imputación de cargos en el derecho colombiano – IV.I Opiniones contrarias
a la reforma – IV.II Tesis a favor de la reforma – V La naturaleza procesal – Acto
de comunicación o de contradicción – VI La imputación, la congruencia y el
derecho de defensa – VII Conclusiones – VIII Colofón – Referencias

I Introducción
Con motivo de llevarse a cabo el Primer Congreso Provincial de Derecho Pro­
cesal Penal, en la ciudad de Rosario, en el que se tratará el análisis de la Ley 12.734
y leyes complementarias, nos hemos propuesto realizar la presente ponencia con

1
Ponencia presentada al I Congreso Provincial de Derecho Procesal Penal, en Rosario, 8 y 9 de noviem-
bre de 2012. Tercer Panel – tema: “La investigación penal preparatoria y el derecho de defensa”.

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256 Hernán Federico Soto, María Juliana Ruani

el fin de efectuar algunas consideraciones acerca de la reforma efectuada a la


audiencia imputativa que prevé el nuevo código procesal penal por Ley 13.231.
A pocos días de cumplirse 5 años de la sanción de la mencionada norma,
no está de más recordar que se pretendió con ella un quiebre de paradigma,
receptando — o tratando de receptar — institutos procesales acorde al sistema
acusatorio del proceso penal (nuevo — aunque no tanto — paradigma) tratando
de aggiornar nuestro obsoleto sistema penal judicial a estos nuevos-viejos aires
de Garantismo procesal, que no es otra cosa que el sistema que se adapta plena-
mente a nuestra manda constitucional.2
Esta ponencia será realizada desde la óptica de la Defensa del imputado (no
ya del Fiscal), tratando de delimitar los “pro” y los “contras” de la reforma mencio-
nada, teniendo como eje central la búsqueda de respuesta sobre su naturaleza
procesal, lo que conllevará a las conclusiones que de su análisis se extraiga por
decantación natural.
Tampoco queremos olvidar que el presente Congreso homenajea a dos
personalidades que mucho aportaron al derecho procesal penal garantista, como
son los Dres. Jorge Vázquez Rossi y Dr. Ramón Teodoro Ríos.
Y como creemos que el mejor homenaje que puede hacerse a estos dos
doctrinarios y docentes es la reflexión — aunque peque de inopinada — propi-
ciada por sus trabajos, desde ya adelantamos la discrepancia con la opinión del
último de los citados, publicada en Zeus (nro. 11705) del 03.10.2011 bajo el título
“La legislatura de la provincia y una modificación al Código Procesal Penal”.3
Concretamente nos referimos a la modificación introducida por la Ley
13.231 al art. 274 del texto original de la 12.734, (artículo que es reformado sin
haberse puesto en ejecución su primigenia redacción) en particular cuando intro-
duce la participación del juez o tribunal de la Investigación Penal Preparatoria en
la audiencia imputativa prevista por el mencionado artículo.-

2
Constitución de la Nación Argentina: Artículo 18. Ningún habitante de la Nación puede ser penado
sin juicio previo fundado en ley anterior al hecho del proceso, ni juzgado por comisiones espe-
ciales, o sacado de los jueces designados por la ley antes del hecho de la causa. Nadie puede ser
obligado a declarar contra sí mismo; ni arrestado sino en virtud de orden escrita de autoridad
competente. Es inviolable la defensa en juicio de la persona y de los derechos.
Constitución de la Nación Argentina: Artículo 19. Las acciones privadas de los hombres que de
ningún modo ofendan al orden y a la moral pública, ni perjudiquen a un tercero, están sólo reser-
vadas a Dios, y exentas de la autoridad de los magistrados. Ningún habitante de la Nación será
obligado a hacer lo que no manda la ley, ni privado de lo que ella no prohíbe.
Constitución de la Nación Argentina: Artículo 28. Los principios, garantías y derechos reconoci-
dos en los anteriores artículos, no podrán ser alterados por las leyes que reglamenten su ejercicio.
3
Antes que se convirtiera en ley.

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Acerca de la reforma al art. 274 y el ejercicio del derecho de defensa, desde la óptica del defensor penal 257

El texto sancionado, en la parte pertinente, es el siguiente: “Artículo 274.


Audiencia imputativa. Cuando el fiscal estimara que de los elementos reunidos
en la investigación surge la probabilidad de que el imputado sea acusado como
autor o partícipe de un delito, procederá a solicitar al tribunal de la investigación
penal preparatoria una audiencia donde le brindará la información a que alude el
artículo siguiente, y en su caso, la aplicación de medidas cautelares de conformi-
dad con lo dispuesto por el artículo 223 y normas concordantes.
Recordemos que en el texto original, la mencionada audiencia se desarrollaba
sin la presencia del órgano judicial, esto es, con la presencia del imputado, el defen-
sor (obligatoriamente), el fiscal y eventualmente el querellante, si lo hubiere y el
imputado accedía.
Se trata entonces de elucidar si la obligación de realizar la audiencia impu-
tativa ante el juez, introducida por la reforma, es positiva o negativa. Creemos que
ello depende el punto de vista desde donde se la analice. Por nuestra parte — ade-
lantamos — creemos que es la más adecuada desde el punto de vista garantista,
en el que abreva el sistema acusatorio. Lo que fundamentaremos más adelante.
Avanzado ello, creemos que es necesario un pequeño acápite donde se ana-
lice, liminarmente, el instituto en cuestión:

II.I  Breve estado del arte – La audiencia imputativa


Podemos decir, en palabras del Dr. Falkemberg, que: “Dicha audiencia es el
acto procesal mediante el cual el Sr. Fiscal hace saber que de los elementos reu-
nidos en la investigación surge la probabilidad de que el imputado sea acusado
como autor o partícipe de un delito”.4
Vemos que el autor citado señala ya como primordial el requisito de la pro-
babilidad de autoría o participación por parte del encausado, a diferencia de la
vieja indagatoria donde solo se requería el grado de “sospecha”.

El art. 275 establece las formalidades de dicha audiencia, la cual en lo


sustancial debe contener el hecho atribuido y su calificación jurídica, las
pruebas fundantes de la intimación y la mención de los derechos que el
código le acuerda al imputado.
“Esta audiencia es la equivalente a la tradicional Declaración indagatoria.”
A diferencia de lo que ocurría en el viejo sistema ahora se impone la obli-
gación al fiscal de brindar no solo el hecho atribuido, sino también la cali-
ficación jurídica del mismo y las pruebas fundantes de la intimación.

4
FALKENBERG, Nicolás, La inmediata aplicación de los principios normados en el nuevo esquema pro-
cesal penal santafesino. Disponible en: <http://www.terragnijurista.com.ar/doctrina/esquema_
stafe.htm>. Última entrada 29.10.2012.

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258 Hernán Federico Soto, María Juliana Ruani

La innovación realizada por la norma es trascendental, teniendo en cuenta


que la presencia del imputado en dicha audiencia permite ejercer su de-
fensa material, tal como ocurría en la vieja declaración indagatoria.
Conocer la calificación jurídica del hecho imputado garantiza la defensa
del imputado quien sabrá que y como declarar según cual fuere el objeto
de la investigación. Asimismo la circunstancia que deba hacerse conocer
las pruebas que obran en poder de la investigación garantiza de manera
eficaz la defensa del imputado, a diferencia de lo que ocurría en el viejo
sistema en el cual el imputado declaraba a ciegas, desconociendo en
absoluto las pruebas de cargo que se imputaban como así también la
calificación legal del hecho investigado.5

Brevemente, podemos adelantar que es positiva la reforma cuando establece


como requisito contener no solo el hecho atribuido sino también su calificación
jurídica (por supuesto que provisional) y las pruebas fundantes de la intimación, lo
que muchas veces no se cumple en el fuero federal, que también contiene esta
previsión, cuando simplemente se enumera la prueba y no el mérito que de ella se
hace para arribar al grado de la probabilidad necesario.
Por ello, más que etapa de “descubrimiento de la prueba” de la I.P.P., debe
realizarse efectivo el derecho de conocer que es lo que surge de la prueba misma
(con disculpas del pleonasmo, intencional para hacer más comprensible lo escrito),
ya que ello no puede quedar encubierto u oculto en la mente de Fiscal, so pena de
afectar su criterio objetivo y de afectar el derecho de controlar la prueba y ofrecer
la de descargo (art. 8 C.P.P.S.F.).
Si bien no está pensada como la oportunidad en que el imputado ejerza
su descargo por antonomasia, el hecho de brindarle esa posibilidad implica que
deba conocer fehacientemente de qué debe defenderse (si elige hacerlo), por lo
tanto, la imputación, desde nuestro punto de vista, debe así formularse.
Demás está decir que, aunque sea provisoria y susceptible de cambios, la
inti­mación primigenia es de fundamental importancia, tanto para dilucidar la po-
sibilidad de una medida de coerción personal como para dar el primer fundamento
del requisito de congruencia en el proceso penal. Y tan cierto es esto que la ley
obliga a realizar una nueva audiencia de intimación “Cuando se modificaran los
hechos intimados, su calificación legal […]” (art. 281 CPP).

Sumado a lo expuesto precedentemente el art. 276 del nuevo código im-


pone la obligatoriedad de la presencia del defensor del imputado para
que la audiencia imputativa resulte válida.

5
Ídem ant.

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Acerca de la reforma al art. 274 y el ejercicio del derecho de defensa, desde la óptica del defensor penal 259

Ello innova en relación al viejo sistema de declaración indagatoria en


el cual el defensor podía o no estar presente, lo cual no modificaba la
validez del acto.
En esta audiencia el imputado puede peticionar “ser oído” y también puede
ser interrogado por el fiscal, siempre que preste conformidad para ello.6

II.II  La imputación
Imputar proviene del latín imputare, que significa atribuir a otro una culpa,
delito o acción. En este sentido señala el Dr. Seguí que: “Francesco Carnelutti, en
el epígrafe de este capítulo, señala un aspecto importante de la imputación penal,
dado que como él bien dice no puede haber imputado sin imputación. De ello
puede colegirse que si el rol de imputado otorga determinadas garantías consa-
gradas en la Carta Magna, la imputación será violatoria de la Constitución cuando
la incorrección del acto que la contiene impida al justiciable ejercer todos y cada
uno de los derechos que la ley suprema del Estado le otorga”.7
Julio Maier lo hace suyo cuando señala que imputar un hecho significa recri-
minarlo con todas sus circunstancias y elementos, tanto materiales como normati-
vos, físicos o psíquicos.8
A su turno, García Rada, al tratar de explicar el contenido de la imputación,
expresa lo siguiente: “[...] imputar es atribuir a una persona la comisión de un hecho
que la ley penal califica de delito. La imputación está contenida en la denuncia que
presenta el Ministerio Público”.9
Desde el punto de vista funcional, la imputación es el procedimiento por
medio del cual se concreta la función de acusación, y, a partir de ella, materializa
formalmente la acción penal.
Como dice Falkemberg, aspecto esencial es la asignación del carácter adver-
sarial que se materializa aquí con la obligatoriedad de la presencia del defensor,
so pena de nulidad. Aquí mismo, también, la acusación debe suministrar todos los
elementos probatorios e informaciones de que tenga noticia, incluidos los que le
sean favorables al procesado, pero que — adicionalmente — la defensa también
podrá pedir el descubrimiento de elementos probatorios.

6
FALKENBERG, Nicolás, op. cit.
7
SEGUÍ, Ernesto, Imputación, congruencia y nulidad en el proceso penal, Nova Tesis, Bs. As. 2010, p. 15
8
MAIER, Julio, Derecho Procesal Penal argentino, Ed. Hammurabi, Bs. As. 1989, T. I, Volumen B, ps. 336
y sgtes.
9
GARCÍA RADA, Domingo, Manual de derecho Procesal Penal, Sesator, 7ª ed., Lima, 1982, p. 104.

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260 Hernán Federico Soto, María Juliana Ruani

En el sistema adversarial la actuación está orientada por la idea del debate,


de contradicción, de lucha de partes contrarias, con intereses adversos. Es
un diálogo abierto entre los intervinientes del proceso, sujeto a acciones
y reacciones, quienes armados de la razón luchan por el predominio de
su tesis. Se caracteriza por ser bilateral y lo rige el principio de contradic-
ción. Tiene como aspecto esencial una cuestión litigiosa entre partes que
sostienen posiciones contrapuestas con sendos argumentos afirmativos
y negativos y recíprocamente, buscando cada una la imposición de sus
postulaciones, pero de modo pacífico y civilizado, por medio de la razón
y no de fuerza. La contradicción es una de las características humanas del
proceso penal moderno.10

Con razón se ha expresado que “Este principio fundamental de civilidad es el


fruto de una opción garantista a favor de la tutela de la inmunidad de los inocen-
tes, incluso al precio de la impunidad de algún culpable. ‘Al cuerpo social le basta
que los culpables sean generalmente castigados’ escribe Lauzé di Peret, pero es
su mayor interés que todos los inocentes sin excepción estén protegidos”.11
La imputación es la base esencial para el ejercicio del derecho de defensa. Sin
una adecuada descripción de los hechos y sus circunstancias de modo, tiempo y
lugar, no es posible suponer que existen las condiciones necesarias para que la
persona quien se le somete a proceso como presunta responsable, pueda defen-
derse adecuadamente, con la evidente infracción a la defensa en juicio. De todo
lo expuesto se tiene que es claro que los elementos esenciales para atribuir a una
persona la comisión de un delito deben estar contemplados en la imputación
para legitimar de esta forma el ejercicio del poder represivo del Estado.

II.III  La calidad de imputado12


En palabras del Dr. Oroño: “se reconoce al sujeto la condición de imputado
desde el inicio mismo del proceso, en tanto exista cualquier indicación o acto en
su contra. El tenor de las fórmulas plasmadas en los diversos digestos procesales,
torna imperativo precisar a que tipo de ‘indicaciones’ o actos aluden las mismas.

10
JAUCHEN, Eduardo, Tratado de derecho Procesal Penal, Rubinzal-Culzoni, Santa Fe, 2012, T. I.
11
Extraído de Jauchen, op. cit.
12
Código Procesal de Santa Fe — Ley 12.734: “Artículo 100. Calidad de imputado. Los derechos que
este Código acuerda al imputado, podrá hacerlos valer la persona que fuera detenida o indicada
como autor o partícipe de un hecho delictuoso, en cualquier acto inicial del procedimiento diri-
gido en su contra y en función de la etapa en que se encuentre, hasta la terminación del proceso.
Si estuviera privado de su libertad podrá formular sus instancias ante el funcionario encargado de
la custodia, quien la comunicará inmediatamente al Tribunal interviniente”.

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Acerca de la reforma al art. 274 y el ejercicio del derecho de defensa, desde la óptica del defensor penal 261

Por indicación cabe entender toda alusión o referencia a un sujeto identificado o


identificable que lo vincule como autor o partícipe del hecho presuntamente de-
lictivo. Quedan fuera de este concepto las alusiones o referencias a otros sujetos
que no tengan — aun potencialmente — los grados de responsabilidad señala-
dos previamente, por ejemplo, indicaciones alusivas a testigos, auxiliares de la
justicia, autoridades que previenen a la jurisdicción, entre otros”.13
Vélez Mariconde, es concluyente en cuanto expresa que aun antes del inicio
del proceso propiamente dicho se acuerda la calidad de imputado a la persona
contra la cual se cumpla cualquier acto imputativo inicial de procedimiento; incluye
a los actos preprocesales.
Con el reconocimiento de este carácter al imputado desde el comienzo mis-
mo de la investigación, o aún antes en palabras del insigne procesalista recién
citado, surge su “derecho de contradicción”, es decir el poder de resistir y controlar
la acusación.14
Así surge del art. 14 inc. 3º letra a) del Pacto Internacional de Derechos Civiles
y Políticos que dispone: “Toda persona acusada de un delito tendrá derecho [...] a
ser informada sin demora, en un idioma que comprenda y en forma detallada, de
la naturaleza y causa de la acusación”. El Pacto, claramente expresa: “toda persona
acusada de un delito”, no dice “todo detenido”, ni “todo arrestado”.
Eduardo Jauchen manifiesta “En primer término, el derecho de defensa invo-
lucra la facultad de intervenir en el proceso, en todas sus etapas y actos procesales,
desde el más prematuro inicio, esto es, cuando por cualquier medio se anoticie de
que ha sido sindicado como responsable de un delito y hasta su total terminación,
o sea, cuando haya cesado el cumplimiento de la pena o medida de seguridad”.15
Es importante determinar desde cuándo se adquiere dicha calidad, dado
que a partir de ese momento se hace titular de una amplia gama de derechos
y garantías — constitucionales y supra-constitucionales — que no pueden ser
violados, desconocidos o conculcados.
Para Jauchen, “Mediante de la determinación de la calidad de imputado, se
establece un haz de derechos y garantías judiciales, de los que todas persona,
por revestir dicha calidad, es titular, más allá de su recepción positiva en los di-
gestos del rito. Se detallan entre tantos otros: garantía de acceso a la jurisdicción;
el debido proceso legal; garantía contra la irracionabilidad de actos u omisiones

13
OROÑO, Néstor A., Imputado: ¿A partir de que momento? Derecho al sobreseimiento. Disponible en:
<http://www.pensamientopenal.com.ar/articulos/imputado-partir-que-momento-derecho-al-­
sobreseimiento>, Edición 146 – 01.08.12.
14
Derecho que le fue negado durante mucho tiempo, cuando se lo consideraba como objeto de la
persecución penal en el sistema inquisitivo.
15
JAUCHEN, Eduardo, Derechos del imputado, Rubinzal-Culzoni, Santa Fe, 2005, p. 153.

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262 Hernán Federico Soto, María Juliana Ruani

de funcionarios a cargo de los poderes del Estado; inviolabilidad del domicilio, de


la correspondencia, y de los papeles privados; principio de legalidad en materia
penal, irretroactividad de la ley penal, retroactividad de la ley penal más benigna;
información sobre el hecho imputado; estado de inocencia; non bis in idem [...]”.16
Por tanto, se puede concluir que desde el mismo momento en el cual se
cumple un acto imputativo contra una persona, tiene derecho a su defensa que
incluye el derecho de contradicción.

III  La audiencia imputativa o de imputación de cargos en el derecho


colombiano
Sistema Colombiano: La Ley 906 de 2004 en su artículo 286 define la for-
mulación de imputación como: “[...] el acto a través del cual la Fiscalía General de
la Nación comunica a una persona su calidad de imputado, en audiencia que se
lleva a cabo ante el juez de control de garantías”.
Por su parte, la Corte Constitucional colombiana ha dicho que la imputación
implica el inicio de la actuación procesal penal; con ella la Fiscalía, a través de una
formulación oral, comunica a una persona su calidad de imputado, momento en
el cual el fiscal debe proceder a: “(i) la individualización concreta del imputado
que incluye nombres, datos de identificación y domicilio para citaciones, y (ii) la
relación clara y sucinta de los hechos jurídicamente relevantes, por lo que el imputado
tendrá conocimiento de unos hechos que le permitirán diseñar su defensa con
la asesoría de su defensor, que puede incluir allanarse a la imputación o celebrar
preacuerdo con la Fiscalía para obtener rebaja de pena”.17
La naturaleza jurídica de la formulación de imputación permite que a través
de la comunicación de un cargo se otorgue al ciudadano la oportunidad de defen-
derse y de contradecirlo, o si es el caso, de aceptarlo y recibir los beneficios que la
ley confiere.
En Colombia se exige también desde un principio cierto sustento probato-
rio. Lo mínimo para poder convocar a una persona como imputado es que existan
motivos suficientes que indiquen su posible participación en el hecho y que tal
inferencia esté originada y sustentada en elementos serios y objetivos que en rea-
lidad existan en la investigación, incorporados en debida forma con anterioridad

16
JAUCHEN, Eduardo, Comentarios sobre el Código Procesal Penal de Santa Fe, RCE, p. 116.
17
VANEGAS VILLA, Piedad Lucía, Las audiencias preliminares en el sistema penal acusatorio, Fiscalía
General de la Nación, Escuela de Estudios e Investigaciones Criminalísticas y Ciencias Forenses,
Bogotá, 2007, p. 51 a 55.

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Acerca de la reforma al art. 274 y el ejercicio del derecho de defensa, desde la óptica del defensor penal 263

a la decisión de formular un cargo. De no contarse con este fundamento, es


improcedente el llamamiento a una audiencia de formulación de imputación.
Si bien para la formulación de la imputación desde el punto de vista sus-
tancial es suficiente la inferencia razonable descrita, es preciso iterar que para esa
oportunidad, desde la perspectiva de la planeación de la investigación, debe
tenerse en cuenta que el aludido acto procesal determina la iniciación de tér-
minos perentorios para formular acusación y para la realización del juicio oral.
Esto lleva a razonar que desde aquel inicial momento debe contarse ya, en alto
porcentaje, con la evidencia necesaria para soportar las respectivas pretensiones
en las correspondientes oportunidades.18

IV.I  Opiniones contrarias a la reforma


Con reserva y cautela, fundamentalmente porque el instituto fue modificado
sin antes haberse puesto a prueba, el Dr. Teodoro R. Ríos19 opina que:

[...] pese a lo positivo que resulta unificar en una misma audiencia la inti-
mación de los hechos y la resolución sobre la eventual cautela personal
(prisión preventiva), la primicia debe ser estudiada con cautela [...]
¿Qué es, entonces, lo que me parece objetable en la innovación legislativa?
En un sistema adversarial creo importante el encuentro o contacto expe-
dito entre los contradictores procesales: el fiscal acompañando general-
mente a la víctima, el eventual querellante y el perseguido penalmente
respaldado por su abogado defensor. En este contexto, el equilibrio de
fuerzas entre los participantes está asegurado y autoriza el desarrollo
normal y civilizado de la reunión; pero si los particulares excedieran o
abusaran de su derecho de audiencia o el fiscal fuera más allá de su legí-
tima autoridad, la controversia o discrepancia habilita para ocurrir ante el
juez de la investigación penal preparatoria, quien de inmediato resolverá
la cuestión (art. 284 del Código Procesal Penal, Ley 12.734).
Con la nueva redacción propugnada ya no hay encuentro directo entre
los protagonistas: el fiscal deberá pedir al juez que convoque a una audien-
cia pese a que no existe motivo de controversia entre las partes; ello con
todas las dilaciones que motiva el implicar a un nuevo órgano en la pro-
gramación del convergente episodio. En la severidad ritual de un acto
presidido por un magistrado imparcial, las partes se encapsularán en sus
roles, asumiendo actuaciones estereotipadas y ese formalismo restará
espontaneidad y sustancia al intercambio de ideas liso y llano entre la
acusación y la defensa.

Ídem ant., p. 56.


18

Iteramos, el artículo fue escrito antes de la sanción de la Ley 13.231.


19

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264 Hernán Federico Soto, María Juliana Ruani

La propuesta de un principio de oportunidad o de la suspensión del juicio a


prueba, la reparación como fórmula de solución del conflicto, o las condi-
ciones de un procedimiento abreviado, se expresarían mucho más libre-
mente en un diálogo informal entre fiscal, imputado y defensor, que en
un espacio presidido por el tribunal, donde los jueces tratarán de culmi-
nar cuanto antes la diligencia en la que resultan -ahora ellos- distinguidos
convidados de piedra.
Además, si los contradictores se animan a hablar no obstante la presencia
del juez ¿Qué hará éste mientras las partes intentan conciliar intereses?
¿Oficiará de mediador? ¿O se retirará de la audiencia que preside?
Podría responderse que aparte del camino institucionalizado por el códi-
go (la audiencia imputativa) el defensor puede entrevistarse con el fiscal
“extraoficialmente”, “por fuera de los pasos regulados en el procedimiento”.
Pero ello nos parece una hipocresía ¿Por qué no puede la audiencia impu-
tativa canalizar el contacto entre los interesados, además de servir al cono-
cimiento exhaustivo del hecho materia de la imputación?
Por ello no me parece feliz y al menos pienso que peca por prematura la
reforma, al no haberse aguardado el lapso suficiente para verificar cómo
iba a funcionar el sistema originariamente legislado [...]20

A su turno, se ha mencionado también que la reforma significaría una sobre-


carga de trabajo para los Jueces de la IPP, cuya actuación se avizora por demás de
atareada; también, que contraría la regla de la oralidad, al tratarse de un acto escri-
turario por expresa manda del art. 275 del nuevo CPP.
En una postura aún más radical, Corvalán considera que la audiencia imputativa
carece de mayor sentido, ya que lo que importa es la información de la imputación,
la prueba que piensa llevar el Fiscal a juicio y los derechos que le corresponden al
imputado, entre los que se encuentra el pedir una audiencia para declarar.21

IV.II  Tesis a favor de la reforma


Ya en palabras del Dr. Falkenberg, podemos colegir que:

Sin dudas el nuevo sistema se encuentra en la antítesis de la tradicional


declaración indagatoria en la cual el juez instructor dirigía la declaración
y al imputado solo se le permitía declarar o abstenerse de hacerlo, más no
impedir que se le formulen preguntas.
Lo que pareciera constituir una excesiva rigurosidad garantista a favor
del imputado (que quizás lo sea) no ha de ser tomado en tal forma, ya

20
RÍOS, Ramón Teodoro, op. cit.
21
CORVALÁN, Víctor, en un trabajo extraído de la página del Colegio de Abogados de Rosario, al
tiempo de publicarse en ella el texto de la Ley 12.734.

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Acerca de la reforma al art. 274 y el ejercicio del derecho de defensa, desde la óptica del defensor penal 265

que en realidad la mecánica de la audiencia obliga a los fiscales a realizar


imputaciones sumamente claras y precisas, debiendo explotar al máximo
su capacidad de síntesis y evitar omitir situaciones que integran el
hecho investigado, puesto que una eventual negativa del imputado al
interrogatorio podría frustrar la investigación si se tiene en cuenta que
solo podría disponerse nueva audiencia imputativa si se modificaran los
hechos intimados.
Lo cierto es que el nuevo sistema de imputación de hechos delictivos, ex-
trema la garantía de defensa en juicio del imputado, lo que exige mayor
labor intelectual de parte de la fiscalía, porque cualquier omisión puede
ser aprovechada por la defensa en perjuicio de la investigación.22

En el mensaje de elevación a la Legislatura del proyecto de reforma de no-


viembre 2011, en sus considerandos y con la finalidad de simplificar y favorecer
cuestiones operativas en la implementación de la reforma del sistema procesal
penal en la provincia se modifica la competencia de los tribunales de la investi-
gación penal preparatoria, habilitándolos a intervenir en la audiencia imputativa
por entender que “[...] Resulta a todas luces propicia la intervención de un tercero
imparcial, impartial e independiente en el control de la efectiva vigencia de los
derechos del imputado durante la formalización de la investigación”.
Párrafo aparte realza las ventajas de unificar en una audiencia varios actos y
peticiones: “Unir en una misma audiencia la formalización de cargos y la sustan-
ciación de eventuales medidas cautelares simplifica los procedimientos y logra
particular economía procesal, extremos que se encuentran en consonancia con
los principios rectores del nuevo sistema”.
Como hemos adelantado en el acápite II, creemos que la reforma efectuada
por la Ley provincial 13.231, al incorporar al juez o tribunal a la audiencia impu-
tativa, es positiva, en cuanto coloca a ese tercero imparcial, imparcial e indepen-
diente que dirige el debate, posicionando a las partes en pie de igualdad una ante
la otra, posibilitando la comunicación — léase debate — entre ellas y, además
quien, en última instancia, va a ser el encargado de velar por el cumplimiento
efectivo de las garantías y derechos de las partes y sobre todo del imputado.
Es en esta audiencia donde se va a lograr el primer acercamiento de los
intervinientes y, por qué no, también se logrará economía procesal, sea porque
por el mismo debate se logra alguna negociación (propuesta de un principio de

FALKENBERG, Nicolás, op. cit.


22

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oportunidad, de la suspensión del juicio a prueba, la reparación como fórmula de


solución del conflicto, o las condiciones de un procedimiento abreviado), tam-
bién por la declaración del imputado — si lo aceptara — y por la posibilidad de
sustanciarse medidas cautelares, si correspondieran.

V  La naturaleza procesal – Acto de comunicación o de contradicción


Como pregona “el profesor Alvarado Velloso, que el proceso ‘no es otra cosa
que una serie lógica y consecuencial de instancias bilaterales conectadas entre sí
por la autoridad (juez o árbitro)’”.23
O como sostiene Vázquez Rossi que “de una manera general, podemos acep-
tar que ‘proceso’ es un método racional de debate, en condiciones igualitarias,
ante un tercero imparcial e independiente, que resuelve el conflicto sobre la base
de acreditaciones y argumentaciones y de acuerdo a las pautas del ordenamiento
normativo”.24 Entonces El Proceso “[...] es método de discusión, [...] un medio de
debate dialogal y argumentativo que se realiza entre dos sujetos naturalmente
desiguales situados en posiciones antagónicas respecto de un mismo bien de la
vida y que se igualan jurídicamente a los fines de la discusión merced a la actua-
ción del director del debate, que como tal luce y debe lucir siempre tres calidades
esenciales: imparcialidad, impartialidad e independencia, todo lo cual asegura la
permanente bilateralidad de la audiencia”.25
Bajo esta tesitura parece insoslayable colegir que la audiencia imputativa
debe darse dentro del marco de la efectiva contradicción. Como dice uno de los
homenajeados, muy probablemente no exista controversia alguna; pero la ley
otorga la posibilidad de que si exista, por lo cual no parece un recaudo menor que
la misma sea ventilada ante el decisor.
Si bien se considera que el “proceso penal” propiamente dicho comienza con
el auto de elevación a juicio, con anterioridad a ello hay una etapa previa que es
la Investigación Penal Preparatoria, entonces y aunque no se lo considere proceso
propiamente dicho, no podemos olvidarnos de respetar las garantías constitucio-
nales (el debido proceso) que se condicen con los principios procesales pregona-
dos por esta reforma.

23
PRUNOTTO, Mariana y RODRIGO, Fernando, La acción, la pretensión y la demanda en el derecho
procesal penal, La Fe del Hombre en sí mismo o la lucha por la libertad a través del proceso: El Mundo
Procesal rinde Homenaje al Maestro Adolfo Alvarado Velloso:, San Marcos, Perú, 2008, p. 358.
24
Ídem ant.
25
ALVARADO VELLOSO, Adolfo, El garantismo procesal, Revista Jurídica La Ley, 2010, p. 3. Disponible
en: <http://www.academiadederecho.org>. Última entrada 31/10/12.

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Discrepamos con la opinión del Dr. Ríos cuando expresa que la paridad de
fuerzas está asegurada con la presencia del Defensor. Si tomáramos el mismo
argumento supra señalado de la sobrecarga de trabajo de los Jueces, de la misma
manera podemos ponderar tal peso sobre los Defensores Públicos, cuya primera
aproximación al conflicto muy probablemente sea en esta audiencia,26 si que el
principio de objetividad aparezca, prima facie, como suficiente resguardo.
Asimismo, en caso de duda, entendemos que nada mejor que el decisor
para asegurar el mentado equilibrio, reestableciéndolo in situ y en el momento
cuando pueda verse afectado.
Obiter dictum, cabe preguntarse también si el inculpado, en lugar de verse
cohibido ante la investidura del magistrado, puede encontrarse más tranquilo con
su presencia, que dirigirá el debate (de haberlo) contra quién es su contraparte,
pretende contra él y lo acusa — nada menos — que de un delito penal.
Teniendo en consideración lo mencionado precedentemente y a tenor de
las pautas que a continuación se enumerarán estimamos que la “audiencia impu-
tativa” es un Acto de Contradicción (o cuanto menos es posible que se transforme
en tal) y no otra mera comunicación:
- El grado requerido de convencimiento para realizarla, que implica una valo­
ración que puede ser puesta en duda por parte del Defensor.
- La posibilidad de la presencia del querellante, que no se debe al principio
objetivo y por tanto es el contrincante por antonomasia del imputado.
- La posibilidad del querellante de sugerir preguntas, hacer observaciones
y dejar su constancia en el acta respectiva.
- La obligación del “descubrimiento de la prueba”, entre las cuales pueden
encontrarse actos irreproductibles (art. 282 nuevo CPP).
- que tiene éste último de aportar su descargo, ejerciendo de pleno su de-
recho a ser oído. (art. 277 nuevo CPP).
- La posibilidad de proponer prueba, cuya admisibilidad puede ser objeto
de controversia.
- La obligación de encontrarse presente el defensor, lo que además de pre-
ponderar el derecho de defensa también posibilita la negociación entre
las partes en perfecto pie de igualdad.
- El pedido y sustanciación de medidas cautelares, con el fin de lograr eco-
nomía procesal, incluidos en la reforma.
- La decisión — política, pero decisión al fin — de incluir al Juez en la im-
putativa, lo que se traduce en que los legisladores consideraron al acto
como de contradicción.

Art. 276 Ley 12.734.


26

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Desde la óptica contraria, de considerarse un simple acto de bilateralización,27


no sería necesaria la presencia de las partes, ni la audiencia misma; antes bien
bastaría con una simple notificación — como dice Corvalán — por escrito del
detalle de la/las imputaciones que sobre el imputado pesan y a lo sumo una sim-
ple enumeración de las pruebas fundantes de la intimación. Ahora bien, aparece
dificultoso entonces realizar cualquier cuestionamiento a la intimación bajo este
sistema, con el consecuente demérito al derecho de defensa.
O peor aún, con la sola presencia del Fiscal seguiría siendo una vieja declara-
ción indagatoria — encubierta — en la que cambiaría el funcionario — el juez por
el fiscal — pero no la lógica del sistema, que seguiría siendo la misma y contraria
a los principios rectores garantistas que guían a este sistema, por más que sea
requerida la presencia del defensor en la misma.-

VI  La imputación, la congruencia y el derecho de defensa


Seguimos con una sentencia:28 Si hay contradicción, debe haber pleno dere-
cho de defensa.
Más arriba recordábamos que la imputación es la base esencial para el ejer-
cicio del derecho de defensa, por lo cual es preciso que la misma contemple y
cumpla todos los requisitos de validez.
Seguí nos proporciona los mismos, aclarando el concepto tantas veces uti-
lizado y pocas veces analizado de “imputación circunstanciada”. Dice el autor que
la imputación debe ser clara,29 precisa,30 circunstanciada y específica,31 integral,32

27
Como parece entenderlo Corvalán en el trabajo citado.
28
Entendida la palabra sentido amplio, claro está.
29
Una imputación es clara cuando el imputado puede comprender cabalmente cual es la acción
que se le atribuye y el resultado que se le recrimina. Para que el justiciable pueda tener esta
comprensión cabal es necesario formularle una imputación suficientemente asertiva, exenta de
ambigüedades, que le impidan saber por qué razón se lo investiga y somete a un proceso penal;
en donde estriba la ilicitud que se reprocha y cuál es el rol protagónico (principal o accesorio) que
se le atribuye.
30
Una imputación es precisa cuando delimita con exactitud tanto los aspectos objetivos como sub-
jetivos de la atribución delictiva.
31
Como modo concreto de exteriorización personal se realiza en un determinado tiempo y lugar y
contiene la impronta de la personalidad del agente. Por ello, no puede imputarse una conducta
sin las circunstancias referenciadas que delimitan el actuar del justiciable. El requisito de que
la imputación sea circunstanciada y específica abarca -asimismo- la descripción y atribución de
las circunstancias preexistentes, concomitantes y sobrevinientes de los demás protagonistas del
hecho penal.
32
Para que la imputación penal sea integral debe contener todos los elementos materiales que
caracterizan al hecho; detallar acabadamente la conducta humana desplegada en sus aspectos

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oportuna,33 conductual34 y típica.35 Concuerda con ello Vélez Mariconde, que


expresa que el requerimiento fiscal debe expresar “las circunstancias de lugar,
tiempo y modo en que tal conducta se exteriorizó” siendo a la par “precisa y clara,
de modo que no pueda provocar una confusión acerca de la pretensión que se
hace valer; y cuando se refiere a varios hechos, debe ser también específica. Cada
uno de ellos debe ser tratado separadamente”.36
Sin una ajustada delimitación de los hechos y sus circunstancias de modo,
tiempo y lugar, no es admisible considerar que existen las condiciones necesarias
para que la persona sometida a proceso, pueda ejercer su apropiadamente; lo
contrario va en desmedro de su garantía constitucional.37
Manifiesta Maier al respecto: “El defecto de la acusación... conduce a la inefi­
cacia del acto, pues lesiona el derecho del imputado a una defensa eficiente,
garan­tizado constitucionalmente; precisamente por ello la ineficacia es absoluta,
en el sentido de que una acusación defectuosa, no puede ser el presupuesto vá-
lido de juicio y la sentencia, a su vez defectuosos, cuando siguen a una acusación
ineficaz. Los códigos modernos... establecen con claridad la ineficacia absoluta
de las acusaciones defectuosas, declarable de oficio por el Tribunal en cualquier
estado y grado del procedimiento (no subsanable) porque implica violación de
normas constitucionales”.38

físicos y síquicos y puntualizar todas las circunstancias normativas que agravan, atenúan o exi-
men de pena.
33
El tema referido a la oportunidad en que debe formularse la imputación del hecho se encuentra
íntimamente relacionado con el tema de la intervención del imputado en el proceso y con el
derecho de defensa en juicio, dado que una imputación tardía impediría:
1. La posibilidad de efectuar un efectivo contradictorio a partir del conocimiento cabal de la con-
ducta recriminada.
2. El contralor de la prueba de cargo por parte del Defensor Penal.
3. El derecho de ofrecer prueba de descargo.
34
Sancinetti dice que “la razón de una imputación está siempre en aquello dominable por el sujeto
a quien se le formula la imputación”. Autor citado, Subjetivismo e imputación objetiva en derecho
penal, Ed. Ad-Hoc, Bs. As., 1997, p. 29.
35
Esta garantía que nace del principio de reserva y del de tipicidad impide que una imputación
sea constitucionalmente válida cuando solo hace mención a determinadas conductas sin referir
puntualmente al tipo penal.
36
VÉLEZ MARICONDE, Alfredo, Derecho Procesal Penal, Lerner, Córdoba 1969, T. II, p. 218.
37
Las garantías son remedios jurisdiccionales por los cuales la persona que está afectada en su
derecho puede exigir la tutela efectiva del mismo. Cuando ello no acontece el proclamado y se-
dicente “derecho” se convierte en una abstracción metafísica desprovista de contenido jurídico y
fiel arquetipo de hipocresía estatal. Ya en 1789 los franceses en su “Declaración de los Derechos del
Hombre y del Ciudadano” señalaron que “Toda sociedad en la cual la garantía de los derechos no
esté asegurada no tiene Constitución.” (art. 16).
38
MAIER, Julio, Derecho Procesal Penal argentino, Ed. Hammurabi, Bs. As. 1989, T. I, Volumen B, p. 319.

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Cuando se habla de defensa muchas veces se evoca los derechos que


componen su ejercicio,39 relegando un poco una de las manifestaciones más
trascendentales de la misma: el derecho a elaborar una estrategia defensiva,
cuestión que resulta fundamental para la mejor defensa de los derechos de su
cliente. Así, puede echar mano a diversas técnicas, como ser la defensa directa,
se exponen argumentos de descargo; la defensa indirecta, donde el abogado
cuestiona las pruebas del contendiente para menospreciar su valor y poner en
evidencia la precariedad de la acusación; la actividad de excepcionar o efectuar
planteos nulidiscentes, donde la estrategia se centra en las deficiencias de orden
procesal; y aún el mismo silencio, resguardado por la presunción de inocencia.
Se advierte que “cada abogado es dueño y señor de su estrategia defensiva,
por lo que le está permitido sin ambages, optar por la confutación de la hipótesis
acusatoria o hacer exposición de una contrahipótesis”.40
Desde otro escorzo, se concluye así que la imputación válida es además la
forma de legitimar el poder represivo del Estado y frenar su pulsión coercitiva cuando
va en mengua de los derechos del justiciable. Si se concede al Estado el poder
de investigar los hechos presuntamente delictivos, necesario para mantener la
paz social (para lo cual se lo legitima para el uso de la fuerza) parece lógico que
ello debe hacerse dentro de ciertos límites, respetando la teleología de la Ley
Fundamental, que otorga a los justiciables la garantía de la inviolabilidad de la
defensa en juicio. Estas son garantías fundamentales del debido proceso y cuya
existencia y respeto, permiten estimar legítimo un fallo condenatorio.
Uno de los homenajeados ha criticado que “El retroceso de la defensa que
se advierte dentro del proceso penal inquisitivo, y las relaciones de este sistema
con la regulación política monárquica, explican que, en gran medida, el desarrollo
de un concepto político, ligado al valor de la seguridad jurídica, se configure en
el marco de las luchas ideológicas del pensamiento de la ilustración en contra del
absolutismo”.41
Cuando los representantes estatales estén dispuestos a sacrificar ese dere-
cho, ello constituirá un grave desequilibrio de fuerzas y un claro reflejo del respeto

39
Ley 12.734. Art. 8 Inviolabilidad de la defensa. La defensa en juicio deberá comprender para las
partes, entre otros, los siguientes derechos: ser oídas, contar con asesoramiento y representación
técnica, ofrecer prueba, controlar su producción, alegar sobre su mérito e impugnar resoluciones
jurisdiccionales, en los casos y por los medios que este Código autoriza.
40
Corte Constitucional de Colombia, 10.02.09, expediente D-7318, Demanda de inconstituciona-
lidad contra el artículo 371 (parcial) de la Ley 906 de 2004, “por la cual se expide el Código de
Procedimiento Penal”.
41
VÁZQUEZ ROSSI, Jorge, La defensa penal, Ed. Rubinzal-Culzoni, 3ª ed., Santa Fe, 1996, p. 78.

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de los demás derechos del sistema, que se acercará peligrosamente a la tiranía. De


manera que lo relativo a este derecho y su respeto, no puede ser tratado a la ligera
y merece una seria consideración que tome en cuenta los principios y valores cons-
titucionalmente consagrados y su prelación.
Por lo que esta materia no puede pretenderse, al socaire de la eficiencia del
sistema, de la mayúscula carga de trabajo, (cuestión ajena al tratamiento jurídico,
dado que desde la juricidad no se le puede aportar solución), de la adecuada comuni-
cación entre las partes, que se intime penalmente a una persona sin que se respeten
y se cumplan las reglas del juego.
Nuestro cimero tribunal provincial ha patentizado lo dicho en el señero fallo
Aliendro: “No es ocioso destacar que la inviolabilidad de la defensa [...] impide
que se condene por un “universo” del que fuera objeto la imputación formulada
[...] pretender que la defensa técnica hipotéticamente contemple toda la gama de
cuestiones que aun los magistrados no lograron esclarecer sin serias contradiccio-
nes, resulta una lesión irreparable al ejercicio de esta que supone una exigencia
de heroicidad y un esfuerzo exacerbado e ilógico que atenta contra su normal
desarrollo”.42
Hace más de 25 años ya lo avisaba el genial Clariá Olmedo: “Con el término
‘intervención’, la ley no limita la garantía de defensa en la mera participación física
o formal del imputado en los actos procesales mediante su presencia o actos de
notificación. Su finalidad es la de que el imputado, mediante actos de presencia,
de notificación o de imputación, conozca el cargo que se le hace y tenga la posi-
bilidad de ser oído y de probar y alegar en su derecho; y esto no se logra si no
preexiste a la actividad defensiva una imputación, concreta, clara, circunstanciada
y específica, referida a cada uno de los hechos atribuidos, es decir, si la requisitoria
fiscal no llena esas condiciones. Y ello porque, dentro de nuestro juicio oral, la
contradicción tiene un sentido profundo de garantía real de verdad referida a los
hechos y pruebas, y la intervención e interrogación al imputado dejó de ser el
velado instrumento coactivo para reducirse a lo que quiere la Constitución que
sea: el primer medio de defensa (art. 18 C.N.). Si la requisitoria Fiscal carece de
una relación circunstanciada de los hechos, el Tribunal [...] no tiene posibilidad de
establecer si existe o no la concordancia necesaria entre los hechos que sustentan
la acusación y los que fundan la sentencia, por lo que en tal caso ésta resulta tam-
bién absolutamente nula”.43

C.S.J.S.F. in re “Aliendro, José Julio s/ violación y corrupción calificada”, Acuerdo del 29/12/92
42

CLARIÁ OLMEDO, Jorge, Derecho Procesal Penal, Ed. Lerner, Córdoba 1984, T. II, ps. 315/316.
43

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A su turno, tampoco hay que olvidar que el objeto mismo del proceso penal
está constituido por los hechos que el órgano acusador vierte en la imputación,
por lo que no se puede concebir lógicamente un objeto procesal ambiguo, ya
que de lo contrario las partes no estarán contendiendo sobre una misma cosa,
sino por cosas distintas; o sea, el proceso no será convergente. Sigue diciendo el
fallo Aliendro al respecto: “El principio de congruencia es el que exige que haya
correlación entre el hecho contenido en la imputación y respecto del cual se re-
cibe declaración indagatoria, pretendiéndose con la observancia de tal principio
que el pronunciamiento jurisdiccional que se emita y los actos de defensa que se
ejerzan, no versen sobre circunstancias fácticas distintas a las del caso concreto”.44
Lo dicho en los párrafos anteriores de este apartado no tiene otra función
que cimentar el carácter principalísimo de la actuación que la Defensa tiene — o
cuanto menos puede llegar a tener — dentro de la audiencia imputativa.
En efecto, solo la defensa puede hacer patente los errores, inexactitudes o
defectos de la imputación de cargos, sin que sea contrargumento el hecho de que
la actuación sea provisional y que la acusación propiamente dicha se realiza en
un momento posterior, dado que la Defensa puede ejercer su ministerio desde el
mismo comienzo de la investigación penal.
Sabido es que la defensa penal es una actividad procesal que tiene por ob-
jeto hacer efectivo los derechos y garantías del imputado y que eventualmente
pueden ser vulnerados por cualquiera de los sujetos procesales que intervengan
durante todo el proceso, sea investigación, juicio o ejecución penal, sin olvidar
que se trata de uno de los poderes, junto con el de jurisdicción y de acción, para
la válida realización penal.
Dice Vázquez Rossi: “El proceso no constituye al derecho de defensa, sino
que debe regular las oportunidades debidas de manifestación; un procedimiento,
de cualquier género, que se hiciese al margen o en violación de la garantía de
defensa, devendría insalvablemente nulo, carecería de efectos jurídicos válidos
y debería ser jurisdiccionalmente revisado [...]. La reglamentación procesal del
derecho de defensa, al igual que la de otras garantías constitucionales, no puede
hacerse de tal manera que el mismo se trabe o diluya o aparezca como un recono-
cimiento puramente formal, sin verdadera incidencia operativa. Por el contrario,
una regulación procesal imbuida del espíritu constitucional, arbitrará un sistema
íntegramente garantizado en el que de manera armónica actuarán las facultades
de las partes en defensa de sus respectivos intereses”.45

44
Cám. Penal Rosario (S.F.), Sala 3ª, 27.06.07 in re “F., A. P. s/Homicidio agravado por el uso de arma
de fuego”, <zeus.com.ar>, Sección Colección Zeus – Jurisprudencia, documento nº 008192.
45
VÁZQUEZ ROSSI, Jorge, La defensa penal, cit., p. 79

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Además, vale recordar el carácter escriturario del acto, por lo que se avizora
que el legislador quiso darle visos de semi permanencia — o de dificultosa varia-
bilidad — en respeto al principio de congruencia dentro del proceso penal.46 Por
ello el principio de congruencia es un límite a la actividad requirente del actor
penal y a la actividad jurisdiccional del Magistrado.
Dentro del proceso penal si bien el contradictorio sobre la plataforma fác-
tica se realiza en plenitud en el juicio no deja por ello de ser debatido en la etapa
de investigación, aunque en forma más acotada. “No se trata de ser ‘partidarios’ de
los principios acusatorios en el proceso, dispositivo en los recursos y de correlación
o congruencia entre las pretensiones mantenidas por el acusador y el contenido
de la resolución jurisdiccional, nada más que por un puro amor a la simetría o
una teórica inclinación estética al equilibrio de las proporciones. Lo que está en
juego detrás de estas discrepancias es nada menos que el principio de la impar-
cialidad del juzgador, ínsito en el concepto de jurisdicción, implícito ya en nuestra
Constitución Nacional y expresamente incorporado por el Pacto de San José de
Costa Rica (art. 8.1) en la última reforma”.47 El efectivo derecho de contradicción debe
garantizarse desde un comienzo, en forma real y práctica.
Entonces, se puede concluir que dentro de la lógica adversarial aparece
como más adecuado que las objeciones del defensor puedan plantearse ante
el tercero que dirime la verdadera pretensión (resistencia o contrapretensión),
que ante el mismo funcionario que — supuestamente — cometió el yerro y que,
como si fuera poco, en ese acto es su contraparte. Toda colisión, enfrentamiento o
contienda requiere un campo de batalla común donde medir las armas argumen-
tativas y debe ser decidido por el órgano imparcial, por lo que en base a la regla
de la celeridad y concentración nos parece adecuado que se haga en el momento.
Ello conllevará a una real tutela judicial efectiva, entendiéndose ésta cuando
la actividad jurisdiccional concretamente impide la lesión de un derecho ame-
nazado o restablece el pleno ejercicio del conculcado, con suficiente virtualidad
jurídica para que los derechos del justiciable sean efectivamente protegidos, ga-
rantizados y satisfechos.

46
La congruencia — hija preclara de la garantía constitucional de defensa en juicio — es el princi-
pio de raigambre constitucional que ordena que el hecho imputado sea idéntico a todo lo largo
del iter procesal, incluida la sentencia judicial. Como bien señala Ramón T. Ríos, “En el proceso
penal la congruencia exige que el núcleo fáctico sometido al juzgamiento sea esencialmente el
mismo a lo largo de todo el proceso, desde su intimación en la indagatoria, su descripción en el
procesamiento, su formulación en la requisitoria de elevación a juicio y su análisis en la sentencia.”
En Proceso Penal, Principio dispositivo, congruencia y recursos, J.A. 1984, IV, p. 793 y sgtes.
47
Cám. Penal Rosario (S.F.), Sala 2ª, 03.11.03. in re “S., J. A. s/ Homicidio culposo”, <zeus.com.ar>,
Sección Colección Zeus – Jurisprudencia, documento nº 005036.

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El Defensor cumple una misión unilateral. Para ser fiel a su posición de guardián
de los derechos e intereses del imputado, sólo puede actuar a favor de éste por
fuerza de una situación jurídica que se inspira también en el interés público. Por
eso el defensor que por cualquier pretexto olvide o perjudique la defensa de su
patrocinado, es tan culpable como el que la sostenga con medios fraudulentos.
Por el contrario, los Fiscales del Ministerio Público de la Acusación serán quienes
dirijan la investigación, además de ser quiénes sustentan la acción penal entre
otras funciones propias, y si bien se rige en un comienzo por el principio de obje-
tividad, ello no quiere decir que dejan de ser partes.
Quimérico resulta concebir un funcionario que no tiene el deber de ser impar-
cial pero que tiene que ser enteramente objetivo, que ante la evidencia de un hecho
criminoso pueda conservar sin mácula la mentada objetividad. Por ello es loable
que el contradictorio se abra desde un primer momento, porque de lo contrario
resultará tardío e ineficaz.
Podemos citar a Vélez Mariconde sobre el particular: “En virtud de un dogma
universal, por lo tanto, el proceso constituye, además de un medio que la sociedad
necesita para hacer valer su derecho o potestad, una garantía individual. Durante
todo el desarrollo de la actividad procesal, el imputado debe tener oportunidad para
expedirse libremente, alegar y probar su inocencia o cualquier circunstancia capaz de
aminorar su responsabilidad. El derecho de defensa es un elemento esencial del
proceso. Toda violación de las normas procesales que aseguran la intervención,
asistencia y representación del imputado, es absolutamente nula sólo por impero
de la Constitución”.48
Además, de lo contrario, se estaría cambiando el funcionario pero no la lógica
del sistema: el Juez de Instrucción ahora sería el Fiscal, siendo posible revisar su
actividad recién en una audiencia posterior, y por tanto se contrarían las reglas del
art. 3 CPP (T.O. Ley 12.734) de concentración, inmediatez, simplificación y celeridad.
Por último, podemos destacar que la tesitura adoptada comulga con mayor
precisión con el art. 8, I. b), de la Convención Americana Sobre Derechos Humanos
Pacto San José de Costa Rica, cuando establece que “Toda persona tiene derecho
a ser oída, con las debidas garantías y dentro de un plazo razonable por un juez
o tribunal competente, independiente e imparcial, establecido con anterioridad
por la ley, en la sustanciación de cualquier acusación penal formulada contra ella
o para la determinación de sus derechos y obligaciones de orden civil, laboral,
fiscal o de cualquier otro carácter”.

48
VÉLEZ MARICONDE, Alfredo, Derecho Procesal Penal, Lerner, Córdoba 1969. T. II, ps. 401/402.

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VII Conclusiones
Por lo dicho, pensamos que la audiencia imputativa debe considerarse
como un acto de contradicción y no de comunicación o bilateralización, conforme
se dijo en el apartado V. de este trabajo.
De así considerarse, creemos que la presencia del Juez en la misma hace
a la efectividad del contradictorio, de la regla de la congruencia y la garantía de
la defensa en juicio, dado que — a nuestro criterio — todo acto contradictorio
debe hacerse bajo el resguardo de lo que otras legislaciones denomina “Juez de
Garantías”.
Ello además conjuga mejor con:
- La legislación supranacional contenida en el Pacto de San José de Costa
Rica recién citado;
- La lógica adversarial que impone la controversialidad desde el mismo co-
mienzo del proceso penal;
- La validez misma del acto, al encontrarse reunidos quienes ejercen los
poderes de acción, defensa y jurisdicción;
- La regla de la inmediación, al tomar el Juez contacto con las partes;
- La de concentración y la celeridad, al convertir en inane el art. 284 que
prevé el control del Juez en una audiencia posterior para nuestro tema;
- Para la garantía de la inviolabilidad Defensa en Juicio, que al evitar que
una eventual contienda procesal se realice frente a la contraparte, como
si se tratara de un procedimiento de negociación.
En suma, consideramos positiva la reforma porque la presencia del Juez en
la misma, como supervisor del cumplimiento de los derechos del imputado

VIII Colofón
No podemos finalizar sin dedicar un apartado a los homenajeados en este
Congreso, cuya dedicación en pro del garantismo penal ha abrevado en los más
ínclitos ideales reconocidos por nuestra Constitución; propiciando el cambio de
paradigma que — lamentablemente — aún está en proceso en nuestra provincia.
Por ello, celebramos la fecunda y racional apertura de sus trabajos, que deno-
tan no ya una elección vocacional sino una postura de vida.

Referencias
ALVARADO VELLOSO, Adolfo, El garantismo procesal, Revista Jurídica La Ley, 2010, pág. 3. Disponible
en: <http://www.academiadederecho.org>. Última entrada 31.10.12.

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276 Hernán Federico Soto, María Juliana Ruani

CAROCCA PEREZ, Alex, Manual del nuevo sistema procesal penal, Ed. Lexisnexis, 3ª ed., Santiago de
Chile, 2005.
CLARIÁ OLMEDO, Jorge, Derecho Procesal Penal, Ed. Lerner, Córdoba 1984, T. II.
CORVALÁN, Víctor, en un trabajo extraído de la página del Colegio de Abogados de Rosario, al tiempo
de publicarse en ella el texto de la Ley 12.734.
FALKENBERG, Nicolás, La inmediata aplicación de los principios normados en el nuevo esquema procesal
penal santafesino. Disponible en: <http://www.terragnijurista.com.ar/doctrina/esquema_stafe.htm>.
Última entrada 29.10.2012.
GARCÍA RADA, Domingo, Manual de derecho Procesal Penal, Sesator, 7ª ed., Lima, 1982.
JAUCHEN, Eduardo, Comentarios sobre el Código Procesal Penal de Santa Fe, RCE.
JAUCHEN, Eduardo, Derechos del imputado, Rubinzal-Culzoni, Santa Fe, 2005;
MAIER, Julio, Derecho Procesal Penal Argentino, Ed. Hammurabi, Bs. As. 1989, T. I, Volumen B.
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sobreseimiento>, Edición 146 – 01.08.12.
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procesal penal, La Fe del Hombre en sí mismo o la lucha por la libertad a través del proceso: El Mundo
Procesal rinde Homenaje al Maestro Adolfo Alvarado Velloso:, San Marcos, Perú, 2008.
RÍOS, Ramón Teodoro, La legislatura de la provincia y una modificación al Código Procesal Penal, Boletín
Zeus, Nº 11705 el 03.10.2011; Proceso Penal, Principio dispositivo, congruencia y recursos, J.A. 1984,
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SANCINETTI, Marcelo, Subjetivismo e imputación objetiva en derecho penal, Ed. Ad-Hoc, Bs. As., 1997.
SEGUÍ, Ernesto Domingo, Imputación, congruencia y nulidad en el proceso penal, Nova Tésis, Bs. As., 2010.
VANEGAS VILLA, Piedad Lucía, Las Audiencias Preliminares en el Sistema Penal Acusatorio, Fiscalía General
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VÁZQUEZ ROSSI, Jorge, La defensa penal, Ed. Rubinzal-Culzoni, 3ª ed., Santa Fe, 1996.
VÉLEZ MARICONDE, Alfredo, Derecho Procesal Penal, Lerner, Córdoba 1969, T. II.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

FEDERICO SOTO, Hernán; JULIANA RUANI, María. Acerca de la reforma al art. 274 y el ejercicio
del derecho de defensa, desde la óptica del defensor penal. Revista Brasileira de Direito
Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 21, n. 82, p. 255-276, abr./jun. 2013.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 82, p. 255-276, abr./jun. 2013

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NOTAS E COMENTÁRIOS

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Homenagem aos 30 anos de docência do
Professor Doutor Araken de Assis
I Seminário de Direito Processual de Canela

Discurso de abertura elaborado por Mariângela Guerreiro Milhoranza

Prezadas autoridades antes nominadas, prezados palestrantes aqui presen-


tes, prezados alunos, senhoras e senhores e, em especial, ilustre professor home-
nageado Araken de Assis,

Bom dia!
É com imensa alegria que, nesta manhã, estamos aqui reunidos com o intuito
de homenagear o Professor Dr. Araken de Assis.
Desde que ingressei na PUCRS, na qualidade de discente, tive a honra de
conhecer o professor Araken de Assis. Desde então, o professor Araken propiciou
a seus alunos vários ensinamentos de vida.
Por exemplo, foi o professor Araken de Assis quem me ensinou que a humil­
dade é o primeiro pré-requisito da sabedoria, pois o homem verdadeiramente
sábio é um homem em construção, em eterna mutação, aprendendo algo novo a
cada dia. Logo, nenhum de nós está pronto ou acabado... É depois de formados,
ao longo da vida profissional, que se dá a maior parte da nossa aquisição e produ-
ção de conhecimento.
Aquisição e produção de conhecimento foi a primeira preocupação dos
ensinamentos do professor Araken para com seus alunos. Mas, além do ensino
técnico de primeira grandeza, o professor Araken também trouxe ensinamentos
de vida e, em especial, ensinamentos para quem quer ser um bom professor.
Nesse sentido, foi o professor Araken de Assis quem ensinou que:
- Primeiro, as aulas devem ser preparadas e estudadas com antecedência;
- Segundo, a pontualidade e a assiduidade são características fundamen-
tais em um grande professor;
- Terceiro, todos os alunos são especiais e todos devem ser chamados pelo
seu primeiro nome, mesmo que a turma seja grande...
Por fim, ensinou que, mesmo quando a vida for dura, cheia de cobranças,
há um ensinamento a ser retirado de cada situação, pois “só se atiram pedras em

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280 Mariângela Guerreiro Milhoranza

árvores que produzem frutos”. Portanto, são inúmeros os ensinamentos de vida


que somente alguém tão iluminado quanto Araken de Assis poderia nos passar.
Nesse viés, mesmo que já tenha usado alhures esta metáfora, hoje devo
empregá-la novamente. Assim, peço vênia para comparar a personalidade de
Araken de Assis à pintura de um quadro. Vamos, então, juntos, pintar um quadro
denominado “Araken de Assis”.
Nas artes plásticas, inicia-se a pintura pela base. A base tem que ser sólida,
consistente, forte, de modo a aguentar as matizes que serão colocadas logo a seguir.
Assim é Araken de Assis: sólido, consistente, forte tanto em sabedoria como em bon-
dade, afinal, sabedoria e bondade são as matizes da pintura generosa.
Araken de Assis é matizado, é colorido e a tonalidade de sua personalidade
é uma mescla de cores: um verdadeiro caleidoscópio de tonalidades.
Às vezes, a personalidade de Araken de Assis tem tons esverdeados: traz
esperança às pessoas que a ele recorrem.
Por outras, a personalidade de Araken de Assis tem matizes azuladas, mos-
trando que, além das dificuldades, existe o céu anil.
E, ainda, em outras oportunidades, a personalidade de Araken de Assis tem
nuanças amareladas, douradas, próprias daquelas pessoas abençoadas que espa-
lham luz e abrilhantam os ambientes onde se encontram. Enfim, a personalidade
de Araken de Assis é como as cores do arco-íris: a combinação de inúmeros tons
em toque de mágica. Não qualquer mágica, mas uma mágica especial: uma mágica
de solidariedade, uma mágica de bondade que prima pelos ideais de ética em
respeito aos valores arraigados na Constituição Federal brasileira.
Para finalizar, trago uma frase de Mário Quintana para quem “o segredo é
não correr atrás das borboletas, e sim cuidar do jardim, para que elas venham até
você”. E foi isso o que o senhor fez, Professor Araken de Assis. O senhor, com seus
ensinamentos, plantou as sementinhas de um lindo jardim e nós, seus alunos e
leitores, tal como as borboletas, voamos até esse jardim do conhecimento jurídico
criado pelo senhor com sabedoria, ética e profissionalismo.
Por tudo o que foi dito, em meu nome e em nome da Universidade de Caxias
do Sul, parabenizo o Professor Dr. Araken de Assis pelos seus 30 anos de docência.
Muito obrigada.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

MILHORANZA, Mariângela Guerreiro. Homenagem aos 30 anos de docência do Professor


Doutor Araken de Assis. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte,
ano 21, n. 82, p. 279-280, abr./jun. 2013. Discurso de abertura do I Seminário de Direito
Processual de Canela.

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RESENHAS

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ROQUE, Andre Vasconcelos. Class actions:
ações coletivas nos Estados Unidos: o que
podemos aprender com eles?. Salvador:
JusPodivm, 2013.

A boa qualidade da legislação e da doutrina brasileiras acerca do processo


coletivo é reconhecida por todos. Originariamente, a literatura nacional era com-
posta de obras que reproduziam a doutrina italiana, sem análise direta das fontes
norte-americanas. Os trabalhos mais recentes, porém, valem-se das fontes esta-
dunidenses, explicando as class actions nos Estados Unidos, a fim de contribuir
com a melhor compreensão da tutela jurisdicional coletiva no Brasil.
Em 2007, Antonio Gidi publicou livro que examina as class actions norte-­
americanas. Nessa sequência, a editora JusPodivm lança a versão comercial da
dissertação de mestrado de Andre Vasconcelos Roque defendida na Faculdade
de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, sob a orientação do
Professor Doutor Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, que trata das class actions,
seus aspectos fundamentais, seus requisitos gerais de admissibilidade, além das
categorias de ações coletivas e de suas regras de competência, bem como de seus
aspectos procedimentais e, bem ainda, da realidade brasileira da tutela coletiva.
A qualidade do trabalho é revelada pela aprovação com nota máxima por
banca composta pelos professores Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, Kazuo
Watanabe e José Rogério Cruz e Tucci.
O livro é escrito em estilo leve, divertido, informal e, ao mesmo tempo, com
profundidade, precisão e até exaustão. O autor utiliza uma metáfora muito inte-
ressante. O livro foi construído. E, como numa construção, parte dos alicerces (que
são os aspectos fundamentais das class actions), passando às vigas, colunas e lajes
(que são seus requisitos gerais de admissibilidade, as categorias das ações coleti-
vas e suas regras de competência) para, então, erguer suas paredes e adornar suas
portas e janelas (que são os aspectos procedimentais) até chegar ao acabamento
da obra (consistente na apresentação da realidade brasileira da tutela coletiva,
como fruto de toda a análise feita).

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284 Leonardo Carneiro da Cunha

No acabamento, que é sempre um ponto importante e diferencial de qualquer


obra, o autor sistematiza as normas brasileiras a respeito do processo coletivo, tra-
tando dos aspectos estruturais do processo civil e do objeto da tutela jurisdicional
coletiva para, a partir daí, explicar diversos temas, tais como a competência territo-
rial, o controle da representação adequada, a legitimação coletiva, a litispendência,
a conexão, a continência, a coisa julgada e as ações coletivas passivas no Brasil. A
tudo isso acresce, ainda, uma interessante análise sobre o sistema de vinculação e
notificação, sobre a liquidação e execução, bem como sobre os acordos nas ações
coletivas.
Merece especial registro a profundidade com que o tema é tratado. As refe-
rências bibliográficas denotam como Andre dedicou-se à pesquisa realizada, indo
a fundo nos temas tratados e exaurindo vários pontos.
A obra examina, com riqueza de detalhes, as origens e o desenvolvimento
das class actions, discorrendo sobre suas particularidades processuais e proce-
dimentais para, então, desaguar na análise das peculiaridades e vicissitudes da
tutela coletiva no Brasil. De posse desse rico material, o leitor pode compreender
melhor o fenômeno jurídico das demandas coletivas no Brasil, encorpando, ade-
mais, seu conhecimento sobre o regime norte-americano das ações de classe.
O livro é completo. Examina todos os pontos necessários e suficientes para
a compreensão — e o aperfeiçoamento — das ações coletivas. O autor incursiona
sobre as mais variegadas vicissitudes das ações de classe e da tutela jurisdicio-
nal coletiva, com uma análise comparativa entre o modelo norte-americano e o
brasileiro.
Tudo indica que a obra tornar-se-á um clássico da literatura jurídica, sendo
referência no assunto: quem queira estudar, entender e aplicar o processo coletivo
deverá, obrigatoriamente, consultar o trabalho de Andre Vasconcelos Roque.
É muito boa, leve e jocosa, sem ser vulgar ou superficial, a exposição feita
por Andre. Seu trabalho não tem conclusão, tem saideira. Em vez de fazer uma
introdução, ele quebra o gelo. Essa leveza torna a leitura ainda mais agradável e
permite ao leitor, a depender de seu sotaque, realidade ou cultura local, dizer que
o livro é legal, bacana, maneiro, show de bola, supimpa, pai d’égua, arretado ou
que constitui uma barbaridade!
Não há dúvida de que se trata de livro indispensável para o profissional, para
o estudioso e para o estudante. Quem pretenda entender o processo coletivo terá
necessariamente de utilizar, consultar, citar, ler e reler o livro de Andre Vasconcelos
Roque. Não é livro que merece constar da biblioteca de cada um, ocupando ou
preenchendo uma prateleira; é livro que deve estar próximo, ao alcance das mãos.

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Resenha 285

É obra construída com esmero e qualidade, tendo fortes alicerces, excelentes vigas,
portas, janelas e excepcional acabamento. Não é obra para ser apenas contemplada,
mas para ser habitada, ocupada, utilizada com muita frequência.

Leonardo Carneiro da Cunha


Mestre em Direito pela UFPE. Doutor em Direito pela PUC-SP.
Pós-Doutorado pela Universidade de Lisboa. Professor adjunto da
Faculdade de Direito do Recife (UFPE), nos cursos de graduação,
mestrado e doutorado. Professor no curso de mestrado da
Universidade Católica de Pernambuco. Membro do Instituto
Iberoamericano de Direito Processual e do Instituto Brasileiro
de Direito Processual. Procurador do Estado de Pernambuco.
Advogado. E-mail: <ljcarneirodacunha@uol.com.br>.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

ROQUE, Andre Vasconcelos. Class actions: ações coletivas nos Estados Unidos: o que
podemos aprender com eles?. Salvador: JusPodivm, 2013. Resenha de: CUNHA, Leonardo
Carneiro da. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 21, n. 82,
p. 283-285, abr./jun. 2013.

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Índice
página página

Autor MILHORANZA, Mariângela


- Artigo: Guerreiro Ensaio sobre a argumentação
CHAVES, Marianna do direito e a boa-fé processual.............................81
- Artigo: Da convenção de arbitragem – Efeitos
e responsabilidade pelo descumprimento no MILHORANZA, Mariângela Guerreiro
Brasil e em Portugal................................................. 127 - Notas e comentários: Homenagem aos 30
anos de docência do Professor Doutor Araken
COSTA, Eduardo Cunha da de Assis......................................................................... 279
- Artigo: Dos fundamentos axiológicos dos
modelos probatórios (clássico, moderno e MOURÃO, Luiz Eduardo Ribeiro
contemporâneo)....................................................... 153 - Artigo: Uma análise crítica da teoria das
condições da ação.......................................................13
COSTA, Eduardo José da Fonseca
- Conferência: Los criterios de la legitimación RAMOS, Glauco Gumerato
jurisdiccional según los activismos socialista, - Conferência: Aspectos semânticos de uma
facista y gerencial...................................................... 205 contradição pragmática. O garantismo
processual sob o enfoque da filosofia da
CUNHA, Leonardo Carneiro da linguagem................................................................... 217
- Resenha: ROQUE, Andre Vasconcelos. Class
actions: ações coletivas nos Estados Unidos: ROSSI, Fernando F.
o que podemos aprender com eles?. - Conferência: Juiz contraditor?............................... 229
Salvador: JusPodivm, 2013.................................... 285
SILVA, Nelson Finotti
DELFINO, Lúcio - Artigo: Informatização do Poder Judiciário e
- Conferência: Juiz contraditor?............................... 229 acesso à justiça – Perspectivas atuais................ 181
FEDERICO SOTO, Hernán SIMONASSI, Mauro
- Conferência: Acerca de la reforma al art. 274
- Artigo: Um breve panorama sobre as tutelas
y el ejercicio del derecho de defensa, desde
de urgência e de evidência no sistema do
la óptica del defensor penal.................................. 255
novo Código de Processo Civil............................. 105
FEDRIGO, Camila Paese
SOARES, Carlos Henrique
- Artigo: Ensaio sobre a argumentação do
- Artigo: Princípio do contraditório no Superior
direito e a boa-fé processual....................................81
Tribunal de Justiça.......................................................23
GARCIA, Bruna Pinotti
- Artigo: Informatização do Poder Judiciário e Título
acesso à justiça – Perspectivas atuais................ 181
ACERCA de la reforma al art. 274 y el ejercicio
GUEDES, Jefferson Carús del derecho de defensa, desde la óptica del
- Artigo: Direito Processual Social Atual – Entre o defensor penal
Ativismo Judicial e o Garantismo Processual........45 - Conferência de: Hernán Federico Soto,
María Juliana Ruani.................................................. 255
JULIANA RUANI, María
- Conferência: Acerca de la reforma al art. 274 ANÁLISE crítica da teoria das condições da
y el ejercicio del derecho de defensa, desde ação, Uma
la óptica del defensor penal.................................. 255 - Artigo de: Luiz Eduardo Ribeiro Mourão...............13

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288 Índice

página página

ASPECTOS semânticos de uma contradição ROQUE, Andre Vasconcelos. Class actions: ações
pragmática. O garantismo processual sob o coletivas nos Estados Unidos: o que podemos
enfoque da filosofia da linguagem aprender com eles?. Salvador: JusPodivm, 2013
- Conferência de: Glauco Gumerato Ramos......... 217 - Resenha de: Leonardo Carneiro da Cunha........ 285

BREVE panorama sobre as tutelas de urgência Assunto


e de evidência no sistema do novo Código de
Processo Civil, Um
A
- Artigo de: Mauro Simonassi.................................... 105
ACESSO À JUSTIÇA
- Ver: Informatização do Poder Judiciário e
CONVENÇÃO de arbitragem – Efeitos e
acesso à justiça – Perspectivas atuais.
responsabilidade pelo descumprimento
no Brasil e em Portugal, Da Artigo de: Bruna Pinotti Garcia, Nelson
- Artigo de: Marianna Chaves.................................... 127 Finotti Silva.................................................................. 181

CRITERIOS de la legitimación jurisdiccional ACTIVISMOS FACISTA


según los activismos socialista, facista y - Ver: Los Criterios de la legitimación jurisdiccional
gerencial, Los según los activismos socialista, facista y
- Conferência de: Eduardo José da Fonseca gerencial. Conferência de: Eduardo José da
Costa.............................................................................. 205 Fonseca Costa............................................................. 205

DIREITO Processual Social Atual – Entre o ACTIVISMOS GERENCIAL


Ativismo Judicial e o Garantismo Processual - Ver: Los Criterios de la legitimación jurisdiccional
- Artigo de: Jefferson Carús Guedes...........................45 según los activismos socialista, facista y
gerencial. Conferência de: Eduardo José da
ENSAIO sobre a argumentação do direito Fonseca Costa............................................................. 205
e a boa-fé processual
- Artigo de: Mariângela Guerreiro Milhoranza, ACTIVISMOS SOCIALISTA
Camila Paese Fedrigo..................................................81 - Ver: Los Criterios de la legitimación jurisdiccional
según los activismos socialista, facista y
FUNDAMENTOS axiológicos dos modelos gerencial. Conferência de: Eduardo José da
probatórios (clássico, moderno e Fonseca Costa............................................................. 205
contemporâneo), Dos
- Artigo de: Eduardo Cunha da Costa..................... 153
AMPLA DEFESA
- Ver: Aspectos semânticos de uma
HOMENAGEM aos 30 anos de docência do
contradição pragmática. O garantismo
Professor Doutor Araken de Assis
processual sob o enfoque da filosofia da
- Notas e comentários de: Mariângela
linguagem. Conferência de: Glauco
Guerreiro Milhoranza............................................... 279
Gumerato Ramos...................................................... 217
INFORMATIZAÇÃO do Poder Judiciário e
acesso à justiça – Perspectivas atuais ATIVISMO
- Artigo de: Bruna Pinotti Garcia, Nelson - Ver: Direito Processual Social Atual – Entre o
Finotti Silva.................................................................. 181 Ativismo Judicial e o Garantismo Processual.
Artigo de: Jefferson Carús Guedes..........................45
JUIZ contraditor?
- Conferência de: Lúcio Delfino, Fernando F. B
Rossi............................................................................... 229 BRASIL
- Ver: Da convenção de arbitragem – Efeitos e
PRINCÍPIO do contraditório no Superior Tribunal responsabilidade pelo descumprimento no
de Justiça Brasil e em Portugal. Artigo de: Marianna
- Artigo de: Carlos Henrique Soares...........................23 Chaves........................................................................... 127

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Índice 289
página página

C DESCUMPRIMENTO
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA - Ver: Da convenção de arbitragem – Efeitos e
- Ver: Da convenção de arbitragem – Efeitos e responsabilidade pelo descumprimento no
responsabilidade pelo descumprimento no Brasil e em Portugal. Artigo de: Marianna
Brasil e em Portugal. Artigo de: Marianna Chaves........................................................................... 127
Chaves........................................................................... 127
DIREITO
- Ver: Ensaio sobre a argumentação do direito
COLABORAÇÃO
e a boa-fé processual. Artigo de: Mariângela
- Ver: Juiz contraditor?. Conferência de: Guerreiro Milhoranza, Camila Paese Fedrigo........81
Lúcio Delfino, Fernando F. Rossi.......................... 229
DIREITO POSITIVO
COMPROMISSO ARBITRAL - Ver: Ensaio sobre a argumentação do direito
- Ver: Da convenção de arbitragem – Efeitos e e a boa-fé processual. Artigo de: Mariângela
responsabilidade pelo descumprimento no Guerreiro Milhoranza, Camila Paese Fedrigo........81
Brasil e em Portugal. Artigo de: Marianna
Chaves........................................................................... 127 DIREITO PROBATÓRIO
- Ver: Dos Fundamentos axiológicos dos
CONSTITUIÇÃO modelos probatórios (clássico, moderno e
contemporâneo). Artigo de: Eduardo Cunha
- Ver: Aspectos semânticos de uma
da Costa........................................................................ 153
contradição pragmática. O garantismo
processual sob o enfoque da filosofia da DIREITO PROCESSUAL
linguagem. Conferência de: Glauco - Ver: Aspectos semânticos de uma
Gumerato Ramos...................................................... 217 contradição pragmática. O garantismo
processual sob o enfoque da filosofia da
CONTRADITÓRIO linguagem. Conferência de: Glauco
- Ver: Juiz contraditor?. Conferência de: Gumerato Ramos...................................................... 217
Lúcio Delfino, Fernando F. Rossi.......................... 229
- Ver: Princípio do contraditório no Superior DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Tribunal de Justiça. Artigo de: Carlos Henrique - Ver: Ensaio sobre a argumentação do direito
e a boa-fé processual. Artigo de: Mariângela
Soares...............................................................................23
Guerreiro Milhoranza, Camila Paese Fedrigo........81
CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM DIREITO PROCESSUAL SOCIAL
- Ver: Da convenção de arbitragem – Efeitos e - Ver: Direito Processual Social Atual – Entre o
responsabilidade pelo descumprimento no Ativismo Judicial e o Garantismo Processual.
Brasil e em Portugal. Artigo de: Marianna Artigo de: Jefferson Carús Guedes..........................45
Chaves........................................................................... 127
DIREITOS FUNDAMENTAIS
D - Ver: Ensaio sobre a argumentação do direito
DERECHO DE DEFENSE e a boa-fé processual. Artigo de: Mariângela
- Ver: Acerca de la reforma al art. 274 y el Guerreiro Milhoranza, Camila Paese Fedrigo........81
ejercicio del derecho de defensa, desde la
E
óptica del defensor penal. Conferência de:
EFETIVIDADE PROCESSUAL
Hernán Federico Soto, María Juliana Ruani....... 255
- Ver: Informatização do Poder Judiciário e
acesso à justiça – Perspectivas atuais.
DESCOMPASSO Artigo de: Bruna Pinotti Garcia, Nelson
- Ver: Aspectos semânticos de uma Finotti Silva.................................................................. 181
contradição pragmática. O garantismo
processual sob o enfoque da filosofia da ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
linguagem. Conferência de: Glauco - Ver: Juiz contraditor?. Conferência de:
Gumerato Ramos...................................................... 217 Lúcio Delfino, Fernando F. Rossi.......................... 229

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290 Índice

página página

F LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
FILOSOFIA DA LINGUAGEM - Ver: Da convenção de arbitragem – Efeitos e
- Ver: Aspectos semânticos de uma responsabilidade pelo descumprimento no
contradição pragmática. O garantismo Brasil e em Portugal. Artigo de: Marianna
processual sob o enfoque da filosofia da Chaves........................................................................... 127
linguagem. Conferência de: Glauco
Gumerato Ramos...................................................... 217 M
MEDIDAS CAUTELARES
FUNDAMENTOS AXIOLÓGICOS - Ver: Um breve panorama sobre as tutelas de
- Ver: Dos fundamentos axiológicos dos
urgência e de evidência no sistema do novo
modelos probatórios (clássico, moderno e
Código de Processo Civil. Artigo de: Mauro
contemporâneo). Artigo de: Eduardo Cunha
da Costa........................................................................ 153 Simonassi..................................................................... 105

G MODELO SEMÂNTICO E PRAGMÁTICO DE


GARANTISMO PROCESSO
- Ver: Direito Processual Social Atual – Entre o - Ver: Aspectos semânticos de uma
Ativismo Judicial e o Garantismo Processual. contradição pragmática. O garantismo
Artigo de: Jefferson Carús Guedes..........................45 processual sob o enfoque da filosofia da
linguagem. Conferência de: Glauco
GARANTISMO PROCESSUAL Gumerato Ramos...................................................... 217
- Ver: Aspectos semânticos de uma
contradição pragmática. O garantismo MORAL
processual sob o enfoque da filosofia da - Ver: Ensaio sobre a argumentação do direito
linguagem. Conferência de: Glauco e a boa-fé processual. Artigo de: Mariângela
Gumerato Ramos...................................................... 217 Guerreiro Milhoranza, Camila Paese Fedrigo.......81
I
N
IDEOLOGIA
- Ver: Direito Processual Social Atual – Entre o NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Ativismo Judicial e o Garantismo Processual. - Ver: Um breve panorama sobre as tutelas de
Artigo de: Jefferson Carús Guedes..........................45 urgência e de evidência no sistema do novo
Código de Processo Civil. Artigo de: Mauro
INFORMATIZAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO Simonassi..................................................................... 105
- Ver: Informatização do Poder Judiciário e
acesso à justiça – Perspectivas atuais. O
Artigo de: Bruna Pinotti Garcia, Nelson O ACESSO À JUSTIÇA
Finotti Silva.................................................................. 181 - Ver: Um breve panorama sobre as tutelas de
urgência e de evidência no sistema do novo
J Código de Processo Civil. Artigo de: Mauro
JUIZ CONTRADITOR Simonassi..................................................................... 105
- Ver: Juiz contraditor?. Conferência de:
Lúcio Delfino, Fernando F. Rossi.......................... 229 P
PARTE INCONTROVERSA
L
- Ver: Um breve panorama sobre as tutelas de
LEGITIMACIÓN JURISDICCIONAL
- Ver: Los Criterios de la legitimación jurisdiccional urgência e de evidência no sistema do novo
según los activismos socialista, facista y Código de Processo Civil. Artigo de: Mauro
gerencial. Conferência de: Eduardo José da Simonassi..................................................................... 105
Fonseca Costa............................................................. 205
PORTUGAL
LEI PROCESSUAL CIVIL - Ver: Da convenção de arbitragem – Efeitos e
- Ver: Uma análise crítica da teoria das responsabilidade pelo descumprimento no
condições da ação. Artigo de: Luiz Eduardo Brasil e em Portugal. Artigo de: Marianna
Ribeiro Mourão.............................................................13 Chaves........................................................................... 127

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Índice 291
página página

PRAXE FORENSE S
- Ver: Aspectos semânticos de uma SEMINÁRIO DE DIREITO PROCESSUAL DE CANELA
contradição pragmática. O garantismo - Ver: Homenagem aos 30 anos de docência
processual sob o enfoque da filosofia da do Professor Doutor Araken de Assis. Notas
linguagem. Conferência de: Glauco
e comentários de: Mariângela Guerreiro
Gumerato Ramos...................................................... 217
Milhoranza................................................................... 279
PROCEDIMENTO
- Ver: Princípio do contraditório no Superior SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Tribunal de Justiça. Artigo de: Carlos - Ver: Princípio do contraditório no Superior
Henrique Soares...........................................................23 Tribunal de Justiça. Artigo de: Carlos
- Ver: Um breve panorama sobre as tutelas de Henrique Soares...........................................................23
urgência e de evidência no sistema do novo
Código de Processo Civil. Artigo de: Mauro T
Simonassi..................................................................... 105 TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO
- Ver: Ensaio sobre a argumentação do direito
PROCESSO CIVIL
e a boa-fé processual. Artigo de: Mariângela
- Ver: Direito Processual Social Atual – Entre o
Ativismo Judicial e o Garantismo Processual. Guerreiro Milhoranza, Camila Paese Fedrigo.......81
Artigo de: Jefferson Carús Guedes..........................45
TEORIA DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO
PROCESSO - Ver: Uma análise crítica da teoria das
- Ver: Princípio do contraditório no Superior condições da ação. Artigo de: Luiz
Tribunal de Justiça. Artigo de: Carlos Eduardo Ribeiro Mourão...........................................13
Henrique Soares...........................................................23
TUTELA DE EVIDÊNCIA
PROFESSOR DOUTOR ARAKEN DE ASSIS
- Ver: Homenagem aos 30 anos de docência - Ver: Um breve panorama sobre as tutelas de
do Professor Doutor Araken de Assis. Notas urgência e de evidência no sistema do novo
e comentários de: Mariângela Guerreiro Código de Processo Civil. Artigo de: Mauro
Milhoranza................................................................... 279 Simonassi..................................................................... 105

R TUTELA DE URGÊNCIA
REFORMA AL ART. 274 - Ver: Um breve panorama sobre as tutelas de
- Ver: Acerca de la reforma al art. 274 y el urgência e de evidência no sistema do novo
ejercicio del derecho de defensa, desde la
Código de Processo Civil. Artigo de: Mauro
óptica del defensor penal. Conferência de:
Simonassi..................................................................... 105
Hernán Federico Soto, María Juliana Ruani....... 255

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