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Águas Claras e os Lobos

Em uma tarde de terça-feira, 19 de julho de 1887, Francisco Luiz Nogueira Lobo e seus filhos
estavam no porto de Imbetiba, cidade de Macaé, embarcando no navio a vapor Barão de São
Diogo em viagem rumo à corte imperial, cidade do Rio de Janeiro. Francisco viajava ao Rio
para ser padrinho no batizado de sua sobrinha Clarice.

Essa viagem começa três dias antes na fazenda Águas Claras, localizada na Bicuda Grande,
região serrana de Macaé, onde a família residia. Francisco Lobo era um conhecido fazendeiro
de café da freguesia de Nossa Senhora das Neves, pai de três filhos e, no momento desta viagem,
estava viúvo há dois anos de sua esposa Carolina Nogueira Lobo. Adelaide, sua filha mais
velha, estava a poucos dias de seu 16º aniversário, sua irmã Leonor havia recém completado 10
anos e o caçula da família era Francisco Luiz Nogueira Lobo Junior, Chico, já que Horácio, seu
irmão mais novo, havia morrido ainda pequeno.

O português Francisco chegou a Macaé ainda jovem, no final da década de 1860, e se


associou ao seu tio Manoel José Nogueira para a administração da fazenda Águas Claras, que
este adquirira em 1869 como um dos seus investimentos em produção de café. Manoel José
Nogueira, também português da cidade do Porto, chegou ao Brasil em 1841 e era um renomado
produtor de café no distrito de Neves e comerciante na cidade, membro bastante atuante da
sociedade macaense, provedor da Irmandade do Santíssimo Sacramento, vice-presidente da
Sociedade Portuguesa de Beneficência Trinta e um de Outubro e um dos protetores da
Irmandade de Sant'Anna, a qual também teve como provedora D. Luiza de Jesus Nogueira, sua
esposa.

No final da década de 1840, Manoel José foi um dos arrematantes responsáveis pela
construção do Canal Macaé-Campos, segundo maior canal artificial navegável do mundo. Ele
também contribuiu financeiramente e coordenou a campanha em Macaé para a captação dos
recursos à Comissão dos Voluntários da Pátria, na ocasião da Guerra do Paraguai. Entretanto,
o seu feito de maior orgulho estava relacionado à causa nobre que mobilizou a cidade toda para
a construção do Hospital São João Batista de Macaé (Casa de Caridade), na qual ele foi o maior
doador privado, atrás apenas do célebre Antônio Joaquim de Andrade Cusculeiro (depois
Casculeiro), generoso português que deixou em testamento a quantia inicial que resultou,
muitos anos após a sua morte, na mobilização coletiva de construção do hospital. O jovem

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Francisco Nogueira também se fez presente nesta causa com uma singela contribuição de 18
mil réis.

Casa de Caridade

Acontece que esse Francisco Luiz Nogueira, ainda sem o Lobo no sobrenome, veio a se casar
com sua prima Carolina de Jesus Nogueira, filha de seu tio Manoel José Nogueira e D. Luiza.
Para evitar que sua esposa tivesse o constrangimento de não assumir um novo nome quando
casada, já que os nomes de família eram iguais, Francisco decidiu incorporar o apelido pelo
qual era conhecido, Lobo (por ter excesso de pelos no corpo), ao seu sobrenome e ao de
Carolina. Assim o Lobo surgia como um novo sobrenome, originado do casamento entre dois
Nogueiras.

A fazenda Águas Claras, grafada na época como "Agoas Claras", era composta em parte
pelas terras localizadas nos fundos da antiga sesmaria de Estácio Dutra Machado e outra menor
parte por terras da antiga sesmaria de José Francisco Caldas, ambas instituídas por Carta Régia
de 18 de Novembro de 1764, poucos anos após a expulsão dos jesuítas do Brasil e extinção do
regime de capitanias hereditárias e logo após a transferência da sede do governo-geral da
colônia de Salvador para o Rio de Janeiro. Esta Carta Régia estabelece que a sesmaria de
Machado seria de 1500 braças (meia légua ou 3.3 km) no Rio Macaé, no córrego então chamado
Carreira d'Anta, distrito de Campos nessa época, e também determina para Caldas 3000 braças
na mesma paragem. Estes sertões, ainda praticamente intocados, se tornaram depois parte da
freguesia de Nossa Senhora das Neves e Santa Rita, elevada em 1795 a partir de aldeamento
criado no século XVII, quando o missionário Antônio Vaz Pereira subiu os vales dos Rios
Macaé, São Pedro e Macabu para catequizar os índios Saracurus e Guarulhos. Alguns mapas
das primeiras décadas da criação da freguesia se referem a Neves também como Aldeia dos
Guarulhos, pela referência aos trabalhos ali realizados de catequização jesuítica dos nativos.

Este mesmo córrego da Anta, em cujo vale foram demarcadas no século XVIII as referidas
sesmarias, corria com suas águas - obviamente cristalinas - no interior das terras da
fazenda Águas Claras, afluindo ao Rio Macaé, perto dali. A fazenda de Francisco Lobo possuía
meia légua de testada e fundos com o Morro das Pindobas, Serra da Bicuda e com o lugar
chamado Duas Barras e incluía uma confortável casa de vivenda onde habitava a família,
rodeada com cerca-viva. A fazenda possuía 70 mil pés de café, terreiro de secagem, um
pequeno engenho e senzala, que abrigava a mão de obra cativa que ainda era empregada para
o trato da cultura e para serviços domésticos.

Apesar da recente perda da mãe e irmão, as crianças da família Lobo tinham uma vida
tranquila na fazenda, contudo, as privações naturais da rotina em ambiente rústico e rural
tornavam essa viagem inédita à corte muito empolgante para eles. A própria ida à cidade de
Macaé já era uma experiência muito rara e incrível aos pequenos Lobos e, por isso, também já
causava grande excitação, mas todos estavam cientes da inevitável carga de cansaço que estaria
associada a essa grande viagem, que durou mais de um mês até o retorno à Bicuda Grande.

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O plano de viagem começava com um longo trajeto percorrido da Bicuda Grande à cidade,
com a escolha da alternativa por terra, seguindo parte de um caminho muito antigo que ligava
a vila de Cantagalo à de Macaé e tinha a freguesia de Neves em sua rota. Essa escolha foi feita
porque infelizmente, naquele ano de 1887, o trem ainda não era uma opção, já que a Estrada
de Ferro Macahé a Glycerio (Linha Central de Macahé) foi inaugurada somente pouco depois,
em 1891, encurtando significativamente os tempos de viagem às localidades serranas de Macaé
e ligando os 43 km entre as suas duas extremidades em apenas uma hora e meia de duração.
Foi pensada também na opção de navegar no Rio Macaé por uma prancha, como as que eram
muito usadas para escoar a produção de café até a cidade, mas essa era uma viagem perigosa
em que os naufrágios não eram raros, situação particularmente perigosa para as crianças e para
a criada Christina da Silva, que também acompanhou a família Lobo nesta viagem para ajudar
nas tarefas domésticas. Francisco optou pela melhor estrada que existia na época, que passava
em Rio das Ostras, local onde pernoitariam para aliviar o cansaço dos 65 km que os separavam
de Macaé.

Mapa da região de Macaé

Na aurora daquele dia 15 de julho a família Lobo já estava atravessando a ponte sobre o rio
Macaé na localidade de Bom Successo, pouco acima da barra do córrego d'Anta. Horas depois
cruzaram a Serra da Bertha (onde fica a atual Fazenda União) e logo após atravessaram as
águas do rio Dourado. Apesar do desmatamento causado pela cultura do café, a região ainda
preservava alguns núcleos de mata, principalmente nos cumes das serras, com belíssimas
espécies nativas, ainda que muito cobiçadas pelas serrarias e largamente usadas nas
construções das fazendas, mas que os viajantes ainda podiam contemplar ao longo dessa
estrada: ipê, sapucaia, pau-ferro, angelim, jacarandá, tapinhoã, angico, cedro, massaranduba,
jataí entre outras. Ao final da tarde alcançaram, cansados, o pequeno povoado de Rio das
Ostras e pousaram em uma humilde estalagem local.

Cidade de Macahé

No dia seguinte, a segunda parte do percurso foi mais amena, pois atravessando os Campos
do Iriry, refrescados pelo vento nordeste com seu cheiro gostoso de maresia, avançaram rápido
na planície de restingas e chegaram à Lagoa de Imboassica. Sabiam que dali não faltava muito
para chegar à casa dos Nogueiras, na cidade de Macaé. A avó das crianças, D. Luíza de Jesus
Nogueira, já havia morrido nove anos antes e o seu marido, Manoel José Nogueira, morreu
poucos meses após a trágica queda de cavalo que tirou a vida do seu filho Manoel José Nogueira
Junior, em junho de 1880. Mas Luiz José Nogueira, outro filho deste casal, conservava a casa

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dos Nogueiras na cidade para uso quando vinha de sua propriedade Fazendinha, no Morro
Grande, onde morava com sua esposa D. Maria Augusta Caldas Nogueira.

Aliás, os tios Luiz José e Augusta já os aguardavam na casa localizada na Praça Municipal
(atual Washington Luiz), esquina com a rua Direita, pois eles também viajariam à corte com a
família Lobo, com o propósito de buscar novo auxílio médico para o problema de sangramento
uterino que D. Augusta já suportava há anos. Apesar do cansaço da viagem, Adelaide, Leonor
e Chico, acompanhados pela criada Christina, resolveram andar a pequena distância da casa
até a rua da Praia para observar, de cima da grande ponte de madeira que conduzia à freguesia
do Barreto e aos caminhos de Campos, o animado movimento de pranchas e canoas no trapiche
do rio Macaé, o vai e vem das embarcações com as mercadorias vindas das localidades do
interior e de fora, relaxando com o fluxo quase hipnotizante das águas em direção ao mar e
alimentando a imaginação ao pensar na emocionante travessia marítima que aconteceria
naquela semana.

Na manhã seguinte, domingo, 17 de julho, os Nogueiras e os Lobos foram à missa na Capela


do Santíssimo Sacramento, no Largo da Alegria (hoje praça Veríssimo de Melo), e aproveitaram
para pedir proteção para a viagem de vapor que fariam em breve. Após a igreja eles foram
convidados para um almoço na casa de Isabel Adelaide Nogueira, irmã de Luiz José, além de
cunhada e prima de Francisco Lobo. Isabel era viúva do major José Domingues de Oliveira
Maia e casou-se em segundas núpcias com Hygino de Bastos Melo, com quem tinha uma
filhinha de três anos de mesmo nome da mãe. Os primos que eram frutos do primeiro
casamento, Alberto, Augusto e Carolina, já adolescentes, contavam para a jovem Adelaide as
novidades da cidade de Macaé, enquanto os pequenos Leonor e Chico ficaram entretidos
escutando, enquanto lhes foi permitido, as conversas dos adultos, pois a família Nogueira
valorizava muito esses encontros em volta da mesa para comer e conversar. Foi servido no
almoço daquele dia cardápio que incluiu a regional mão de vaca, fricandó e angu de
quitandeira, finalizando com algumas variedades de compotas de frutas como sobremesa.

Isabel também convidou para o almoço o seu cunhado José Joaquim Ferreira Guedes, filho
do coronel Aniceto Joaquim Ferreira Guedes e marido de sua falecida irmã Anna Nogueira
Guedes, assim como também estava presente seu irmão Torquato José Nogueira. Após a farta
refeição os homens se reuniram na sala para fumar, tomar um vinho do Porto e continuar a
contar suas histórias sobre o assunto daquela semana: a viagem de vapor a corte. Alguns dos
presentes eram passageiros frequentes das modernas conexões marítimas e férreas que cada
vez mais interligavam os lugares do Brasil e do mundo e Torquato, em particular, era também
um entusiasta das novas tecnologias. Ele contava como eram admiráveis as vantagens que as
máquinas a vapor, sejam das ferrovias ou das embarcações, traziam para o mundo moderno e
para Macaé. Há algum tempo já era realidade na região o progresso trazido por instalações
avançadas de processamento agrícola a vapor, como por exemplo o inovador engenho de
açúcar implantado no final da década de 1860 na fazenda Atalaia pelo Barão de Mauá e, na
década seguinte, a avançada façanha agroindustrial representada pelo Engenho Central de
Quissamã.

Sem discordar do enorme benefício associado a essas fantásticas máquinas a vapor, Luiz
José apenas argumentou seu receio, que o acompanharia nesta viagem, da insignificância do
mais poderoso navio a vapor diante da imensidão do mar e seus riscos mortais. Por mais
velozes, fortes e confortáveis que fossem os vapores, nada impedia que continuassem a ocorrer
os temidos naufrágios. Ele lembrou aos presentes alguns casos marcantes:

— Vocês devem lembrar do naufrágio do vapor Hermes, não? Em 28 de novembro de 1861 esse
vapor, propriedade da Companhia União Campista e Fidelista, voltava de viagem do Rio de
Janeiro e fez escala em Macaé para deixar alguns passageiros. Às quatro da manhã, pouco
depois de sair da enseada da Concha e prosseguir viagem para Campos, o comandante Ornellas

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percebeu um leve impacto da embarcação no que parecia ser uma pedra, desconhecida naquela
localidade. Ele tentou prosseguir viagem, mas foi percebida a entrada de água pela proa,
levando-o a tomar a decisão de tentar levar o vapor em direção à praia do Barreto, duas milhas
dali. O problema foi que a água continuou a subir e, ameaçando alcançar as caldeiras em alta
temperatura, trazia outro risco que era o de colapso e explosão por choque térmico do aço com
a água gelada do mar, motivando uma segunda decisão do capitão de parar a máquina e
despressurizar o vapor, deixando a embarcação à deriva e continuando a submergir. — Você
entendem? As caldeiras a vapor se tornam uma bomba quando em contato com a água, como
podem construir uma geringonça dessas para funcionar no mar?

O saldo desta tragédia foi de 37 mortos por afogamento, entre passageiros e escravos,
enquanto 54 foram resgatados com vida por outras embarcações. A maior notoriedade deste
acidente ficou por conta da morte do jornalista carioca Manoel Antônio de Almeida, famoso
autor do romance Memórias de um sargento de milícias, que viajava para cobrir a inauguração
do Canal Macaé a Campos. Após o ocorrido o ministro da Marinha mandou fazer um
reconhecimento cartográfico da região de Macaé e o então desconhecido rochedo foi sinalizado
e batizado como Pedra do Hermes.

— Concordo, esse aspecto é realmente preocupante, reconheceu Torquato. E lembrou da


coincidência de uma viagem feita há 26 anos, apenas seis meses antes desse naufrágio, pelo seu
pai Manoel José Nogueira e o major José Domingues de Oliveira Maia, nesta época ainda não
casado com Isabel. Tratava-se do mesmo vapor Hermes conduzido pelo mesmo Ornellas, do
Rio a Macaé, mas tudo correu tão bem que eles até publicaram nota de agradecimento
no Correio Mercantil. — Quem diria que aquele vapor tão bem conduzido pelo comandante
Ornellas afundaria no litoral macaense apenas seis meses depois?

Luiz José prosseguiu com sua argumentação lembrando-os do evento ocorrido seis anos
antes, com o vapor Imbetiba da Companhia Macahé e Campos, o mesmo que em 1877 trouxera
suas majestades imperiais para a inauguração do Engenho Central de Quissamã. Era
madrugada de 11 de setembro de 1881, o vapor Imbetiba viajava a Macaé e passava pela praia
de Massambaba, no seu extremo esquerdo onde hoje é a conhecida Praia Grande de Arraial do
Cabo, se aproximando do momento de contornar o estreito do Pontal do Atalaia. O vapor
colidiu com um banco de areia e naufragou, tendo sido apresentada como desculpa a forte
cerração, mesmo que seja difícil imaginar que diferença isso faria em uma noite escura,
contando o vapor apenas com um primitivo farolete para tentar evitar colisão com um
obstáculo submerso. Felizmente, o poderoso vapor de 180 pés pôde ser todo evacuado com
certa facilidade, já que os passageiros puderam chegar à praia caminhando pelo banco de areia,
sem perda de vidas e com boa parte da carga salva. O Imbetiba, contudo, teve perda total,
mesmo com a tentativa de reboque pelo vapor Barão de S. Diogo (o mesmo que transportaria
a família Nogueira ao Rio naquela semana). Ainda hoje, sob determinadas condições de
corrente e maré, é possível ver os restos do Imbetiba na água transparente da Praia Grande.

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Vapor Imbetiba, em Arraial do Cabo

Gostando de ouvir a conversa que girava em torno do progresso e das imponentes máquinas
a vapor que agitavam aquela época, Isabel resolveu contribuir com algumas lembranças do seu
finado marido. Isabel era apenas uma jovem quando se casou com o experiente major José
Domingues, 48 anos, amigo de seu pai e comerciante conhecido de Macaé, que começou a vida
como fazendeiro em Neves, de onde surgiu a relação com Manoel Nogueira. Ele foi cavaleiro
da Imperial Ordem da Rosa, conhecia a Europa, frequentemente viajava à corte a negócios e
havia sido vereador e até presidente da câmara de Macaé, o que lhe deu a chance de proferir,
em 1859, o discurso de instalação da Vila de Barra de São João, antiga Freguesia da Barra de
São João Baptista e anteriormente Sagrada Família de Ipuca, configurando a primeira perda
territorial do município de Macaé. Para ajudar a ilustrar a narrativa de um
outro evento interessante que seu marido havia participado, Isabel foi buscar em uma arca um
recorte amarelado do jornal Monitor Macahense que registrava um fato muito significativo
para a cidade de Macaé.

O artigo contava que a estação telegráfica de Macaé foi inaugurada em 29 de julho de 1869,
exatos 56 anos após a fundação da cidade, com a finalização da linha de interligação até Cabo
Frio e, por consequência, abrindo comunicação direta e instantânea de Macaé com a capital do
Império. Não havia, naquela época, nada mais revolucionário do que a comunicação
telegráfica, um avanço ainda mais extraordinário do que a frenética velocidade trazida pelas
máquinas a vapor, pois representou a abertura da era das telecomunicações, mudou a forma
de se fazer negócios, de se fazer imprensa, até de se fazer guerra. O Imperador D. Pedro II,
grande patrocinador das tecnologias, inaugurou a primeira linha telegráfica do Brasil em 1852,
ligando a Quinta Imperial ao Quartel General do Exército, apenas oito anos após a incrível
invenção de Samuel Morse. E, em 1872, três anos após essa referida chegada das linhas à
Macaé, o progresso foi ainda mais distante: a partir de concessão do Imperador ao Barão de
Mauá do direito de exploração das comunicações telegráficas entre o Brasil e a Europa por vinte
anos, foi alcançada a façanha do lançamento de 1150 milhas náuticas de cabo submarino entre
Recife e Portugal, interligando-o ao existente sistema costeiro de comunicações do Brasil.

Continuando a leitura do artigo sobre o feito macaense, Isabel cita que o major José
Domingues abriu a cerimônia com a leitura do telegrama em resposta às felicitações dirigidas
à S. M. o Imperador e passou a palavra ao alferes Antero Dias Lopes, que recitou essa curiosa
poesia que retrata bem as duas espantosas e novas forças daquele tempo, o vapor e a
eletricidade:

PÚBLICA
O vapor tragando milhas,
Veio a indústria animar,
Disputa à milhões de Alcides
Toda a força muscular;
E vai com braços de bronze,
Quebrando as fúrias do mar

Quem pode desse Ashaverus


Que o nosso século criou,
Abater-lhe a força hercúlea
Que as extensões devorou?
— Somente a eletricidade,
Que a sua glória roubou,

Ei-la fendendo os espaços.


Com a rapidez do clarão;
Num momento corta os ares,
Percorre toda a extensão,
Levando aos confins do mundo
A palavra em transmissão,

O pensamento caminha
Por cima de terra e mar,
Já não há distância alguma
Que ela deixe de tragar;
É sua missão aos povos
Ao mesmo tempo falar

Na vanguarda do progresso
A eletricidade ficou,
Venceu o wagon ousado
Que disputá-la tentou,
E sorriu-se do desleixo
Da geração que passou...

Hoje a presente saúda,


Cheia de grata emoção;
Fraternizam-se os homens,
Surgiu nova geração,
Ante o fluido expansivo
Que bradou — Civilização!

O registro do evento ainda destacou os discursos proferidos, a execução do hino nacional e


de diversas músicas, mas lamentou que nessa festa o "belo sexo se fez representar por um
número pequeno de suas flores".
— Azar o deles! — sentenciou a bela Isabel, que sequer havia sido convidada para a cerimônia.

Ironicamente, apesar da chegada da modernidade do telégrafo a Macaé em 1869, a cidade só


veio a ter luz elétrica em suas residências em 1917, antes disso os inovadores telegramas tinham
que ser lidos com a ajuda de candeeiros a querosene.

PÚBLICA
Vapor Barão de São Diogo

Na tarde do dia 19 a família embarcou em um bonde da Companhia Ferro-Carril Macahé e


Imbetiba com destino ao embarque no navio que os levaria ao Rio de Janeiro. Essa companhia
possuía dois bondes puxados por burros que percorriam os quase 2 km de trilhos que
separavam a cidade do isolado porto da Imbetiba, além de possuir ramificação que chegava
também à Estação da Parada, última estação da Estrada de Ferro Macahé a Campos antes do
ponto final no porto da Imbetiba e a mais próxima da cidade, onde os moradores de Macaé
tinham melhor comodidade para embarcar ou desembarcar. O trajeto de bonde feito pela
família começava exatamente na Praça Municipal, onde ficava a casa dos Nogueiras, seguia
pela rua Direita e virava na rua do Sacramento, passando ao lado da capela do Santíssimo
(futura Matriz de São João Batista), cortando o Largo da Alegria, prosseguindo nessa longa reta
até a Imbetiba, terminando na ponte de embarque da Companhia Macahé e Campos no canto
direito da enseada, exatamente onde ficava também a estação final da ferrovia da mesma
companhia e um hotel.

Era um bonde confortável que comportava 28 passageiros e que rebocava vagões para alojar
a bagagem e grande quantidade de mercadorias que eram regularmente despachadas nos
vapores. No bonde, os Lobos perceberam ao seu lado pessoas que apenas se dirigiam a
Imbetiba para se despedirem de parentes que viajavam e outras que pareciam ter pago os 200
réis da passagem apenas para usufruir do percurso agradável e, junto ao mar da Imbetiba,
admirar a partida dos colossos a vapor, que eram uma atração à parte. Nessa época a Imbetiba
já se tornava o local seguro de Macaé onde as pessoas buscavam de banhos de mar, tanto os
recreativos quanto os receitados para os acometidos de doenças como o beri-beri, creditando a
essa imersão na água do mar um efeito curativo. Já existia ali também o hotel de Imbetiba,
junto à estação de trem, que dava apoio a um turismo que começava a crescer e à logística dos
usuários do movimentado transporte ferroviário e de navegação, que ainda contava com a
demanda de um comércio agrícola de porte significativo.

Hotel Imbetiba - séc. XX

Quando o bonde se aproximou da costa os olhares foram imediatamente atraídos para a Ilha
do Papagaio, que se destacava em posição central, mas à esquerda, ao final da praia
praticamente deserta, a visão alcançava o penedo em cuja ponta se localizavam as ruínas do
antigo Forte de Santo Antônio do Monte Frio, do século XVII, voltadas para a enseada da
Concha e junto ao local onde, alguns anos depois, seria construído o Forte Marechal
Hermes. Aproximando-se do canto direito da praia havia a ponte de atracação dos vapores,
protegida por um quebra-mar de 150 metros, e a estação da estrada de ferro, onde o movimento
de pessoas e mercadorias estava muito intenso, típico burburinho que ocorria durante as horas
entre a chegada do trem de Campos e a partida do vapor para a corte. Após o desembarque do
bonde, Francisco e José Luiz acompanharam os carregadores de suas bagagens e
providenciaram os devidos despachos e apresentação de tíquetes de passagem.

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Antes de entrar no navio, Francisco levou os filhos para caminhar na praia da Imbetiba e
passou pelo local exato onde tempos depois seria instalado o prédio da Alfândega de
Macaé. Naquele ano de 1887 já existia uma campanha para alfandegamento do porto, mais do
que justificada pelo intenso fluxo de mercadorias e embarcações que fazia deste o sexto porto
mais movimentado do Império. Contudo, a sua instalação se arrastou e somente veio a
acontecer na república, ao final de 1896, quando o imponente prédio de cantaria lavrada com
dois pavimentos foi solenemente inaugurado na praia da Imbetiba, com presença do Presidente
do Estado e discurso do promotor dr. Manoel Veríssimo de Melo. A solenidade incluiu uma
passeata pelas ruas da cidade pela banda musical da Lira dos Conspiradores e um baile
realizado no prédio da Câmara, mas tamanho entusiasmo não podia prever que, já na
inauguração da alfândega, estava iniciada a decadência do porto de Macaé, por
concorrência com o transporte ferroviário.

Em 1886, a Estrada de Ferro Leopoldina adquire da Estrada de Ferro Cantagalo o ramal Rio
Bonito-Macaé e, no ano seguinte, fez sua primeira proposta de compra da Companhia Macaé e
Campos, que foi recusada. Mas em 1889 entra em operação o ramal Rio Bonito-Macaé e essa
nova interligação ferroviária representa a grande ameaça do tráfego mútuo com o transporte
aquaviário. Já com controle inglês, a Leopoldina Railway prosseguiu suas investidas na malha
ferroviária fluminense e adquiriu, em maio de 1898, a Estrada de Ferro Central de Macaé, que
ligava a cidade ao distrito de Glicério e, ao final do mesmo ano, concretiza o seu antigo desejo:
a Companhia Macahé e Campos passa integralmente ao seu domínio. Com isso ela passa a
deter a interligação por trilhos de Niterói a Campos e se inicia uma feroz concorrência ao porto
de Macaé, com a redução drástica das tarifas dos seus transportes ferroviários e aplicação de
uma competição desigual com o modal de navegação a vapor, que também lhe pertencia, mas
não era sua prioridade. Com tarifas menores e de forma mais segura, o trem cumpria os 181
km de Niterói a Macaé em menos de 6 horas, aproximadamente a metade do tempo que
levavam os vapores do Rio à Imbetiba, de modo que os comerciantes de Campos e Macaé
começam a preferir o transporte ferroviário ao marítimo, levando o porto da Imbetiba à
inevitável agonia. Em 05 de março de 1904 é declarada extinta a Alfândega Federal de Macaé
e seus 23 funcionários são transferidos, incluindo o seu inspetor Luiz Augusto Werner,
catarinense que chegou à Macaé como escriturário e conseguiu promoção à chefia da
repartição, que recebe designação para a delegacia Fiscal de São Paulo.

Depois desse rápido passeio nas areias da praia da Imbetiba e antes de embarcar, o garoto
Chico pediu ao pai para ir à estação de trem para ver o comboio que chegou de Campos. Ainda
era intenso o movimento de escravos carregando diversas mercadorias, sacas de açúcar de
Campos, feijão, arroz, pipas de aguardentes, latas de goiabadas e o principal produto, o café do
Brasil. Animais vivos também eram transportados pelo trem e vapor como mercadoria para
suprir o matadouro da corte. Por ser dia de saída de vapor o trem saiu de Campos mais tarde,
ao meio-dia e meia, e chegou à Imbetiba pontualmente às 15:55, tendo apenas o tempo
necessário para passageiros e mercadorias passarem do trem ao vapor. O menino se encantou
com a poderosa locomotiva Baldwin ainda resfolegante, com sua caldeira a liberar ruidosas
descargas de vapor, sua fornalha rubra a produzir a característica fumaça e a fuligem em brasa
que ainda caía no solo. Ao mesmo tempo assustador e admirável, até para adultos, ainda mais
para um menino. O Brasil importava muitos exemplares daquele modelo de locomotiva,
construída na Filadélfia na fábrica de Mathias W. Baldwin, um antigo ourives e relojoeiro que
se apaixonou pelo transporte a vapor e incomodou, com suas máquinas formidáveis, os
pioneiros industriais ingleses.

Essa intensa movimentação de escravos carregando sacas de café, observada pela família
naquele final de tarde no porto da Imbetiba, já vinha diminuindo, ano após ano, mesmo antes
daquela data que marcava os últimos meses da terrível escravidão no Brasil. Em parte, pela
perda gradual de produtividade das lavouras fluminenses, cujas terras estavam sendo
exauridas com suas técnicas arcaicas, mas também pelas sucessivas leis de restrição à

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escravidão e iniciativas de migração para a mão de obra livre. Primeiro, como consequência
da Bill Aberdeen inglesa, a lei Euzébio de Queiroz de 1850 proibiu o tráfico de escravos, mais
por medo das represálias da Inglaterra e das revoltas que poderiam acontecer pelo
desequilíbrio da proporção de pessoas livres e cativas do que por sincera decência
humanitária. Para compensar a reação raivosa das elites brasileiras, dias depois foi aprovada
a Lei de Terras, que beneficiou muitos fazendeiros com regularização de suas propriedades e
amenizou a tensão inicial. Com o fim da guerra do Paraguai a pauta abolicionista voltou a ser
discutida e, com a lei do Ventre Livre de 1871, novas restrições foram impostas aos senhores de
escravos, mais um passo para a inevitável abolição. Poucos dias antes desta lei, é enviada uma
representação ao corpo legislativo do Império subscrita pelos principais fazendeiros de Macaé,
inclusive Euzébio de Queirós Mattoso Ribeiro (filho do autor da lei anterior), demostrando
insatisfação com os rumos do abolicionismo e propondo postergação da abolição para a virada
do século e indenização do valor dos escravos. Ironicamente, o mesmo vapor Barão de São
Diogo que era carregado por braços negros com toneladas de café e açúcar naquele final de
tarde de terça-feira, havia chegado à Macaé no domingo trazendo 92 imigrantes da corte.

A família, ao caminhar em direção ao vapor, foi calorosamente recepcionada ainda na ponte


de embarque pelo comandante do vapor, o 1º tenente Antonio da Silveira Maciel
Junior. Antonio era veterano da guerra do Paraguai e já era muito experiente na marinha
mercante, mas se orgulhava mesmo é de se apresentar como veterano condecorado com a
medalha da campanha do Paraguai. Percebendo que aquela viagem era uma novidade para
aquelas crianças e o olhar curioso que Chico lançava para cada detalhe do vapor, o comandante
Antonio prometeu ao menino que depois o levaria pessoalmente a um tour para mostrar o
navio.

Francisco havia comprado passagens de primeira classe para toda a família, que franqueava
aos passageiros levar uma bagagem de até 30 kg e se acomodar em um dos confortáveis
camarotes com beliche que o vapor dispunha. Ele optou por uma condição oferecida
pela Companhia Macahé e Campos que considerava que viagens à corte em primeira classe
com retorno em até 30 dias pagavam 42$000 réis pela ida e volta, enquanto a passagem
individual custava 23$300 réis. Isso foi uma pequena restrição que acabou determinando a
duração da estadia deles na corte, mas sem comprometer o propósito de viagem da família
Lobo. Os Nogueiras, por sua vez, tinham planos de ficar um pouco mais no Rio de Janeiro.

Após os reconhecimentos dos seus camarotes e a devida acomodação, Francisco, Luiz José e
o menino foram para o salão dos cavalheiros, enquanto D. Luiza Nogueira, a criada Christina e
as meninas foram para o salão das senhoras, de acordo com a prática de separação usual nas
embarcações daquela época. O ruído estridente do apito a vapor alcançou longa distância e
anunciou o momento da partida, enquanto parentes emocionados acenavam da ponte,
desejando uma viagem segura para aqueles que partiam. Pontualmente às 18 horas os cabos
que prendiam o vapor à ponte foram soltos dos cabeços e, com as caldeiras já aquecidas, o
comandante Antônio põe o Barão de São Diogo em marcha, dando início à viagem. Naquele
crepúsculo de inverno, à medida que o vapor deixava a enseada da Imbetiba, imagens da Ilha
do Papagaio se movimentavam vagarosamente no enquadramento das janelas de bombordo
como numa tela de cinema, assim como se via pelo bordo oposto a ponta da Imbetiba, as pedras
Toupeiras e, já aceso, o pequeno farolete náutico que foi instalado poucos anos antes
pela Macahé e Campos para dar maior segurança à navegação na Imbetiba e que era usado
apenas nas ocasiões de partida ou chegada de algum dos vapores da Companhia, mas que era
um verdadeiro nanico quando comparado ao imenso farol de 47 metros de altura que foi
inaugurado em 1882, para a rota de Campos, na localidade do Cabo de São Tomé.

Enquanto o velho comandante aponta a embarcação em direção à ponta dos Búzios,


sabiamente evitando as bem conhecidas e perigosas lajes do Moleque e da Mula, os passageiros
puderam se despedir de Macaé com a tão familiar e confortante imagem do último clarão do

PÚBLICA
sol se escondendo atrás do Pico do Frade. Gradualmente as atenções deixam de ter o foco nas
paisagens externas e os salões começam a ser tomados por animadas conversas, jogos, leituras
e todo o tipo de atividades necessárias para ocupar as longas horas da jornada. Um dos
passageiros sentados no salão era Augusto Nogueira de Carvalho, ironicamente, o empreiteiro
contratado para a construção que estava em curso do trecho de 36 km do prolongamento do
ramal do Rio Bonito a Macaé, empreendimento ferroviário que significou o começo do fim da
era dos vapores na Imbetiba, culminando com a chegada do primeiro trem a Macaé (e no
mesmo dia a Campo em 04 de novembro de 1888. Durante esse período de obras do ramal ele
era um dos passageiros mais frequentes nas viagens entre Macaé e Rio, mas também era
viajante frequente um senhor que estava sentado ao lado de Chico, cuja fisionomia ficou na
lembrança do menino no momento em que estava admirando o trem, ou seja, ele sabia que esse
moço viajou na ferrovia. Com a típica curiosidade infantil ele indagou de onde o senhor
vinha. — De São Fidélis, perto de Campos dos Goytacazes, conhece?

Logo depois o senhor, que se apresentou como Joaquim Carlos Carneiro, contou-lhe um
pouco sobre como era a viagem de trem nessa ferrovia inaugurada em 13 de junho de 1875 com
a presença do Imperador D. Pedro II, que chegou a Macaé na corveta Trajano, com a qual
compunha uma flotilha os vapores Bezerra de Menezes, Goitacaz e Imbetiba, transportando
toda a comitiva que incluía a imperatriz, o conde d'Eu e a princesa Isabel, dentre outras figuras
ilustres do Império. A chegada do trem a Campos foi aguardada por mais de 6.000
expectadores. A ferrovia atravessa planícies quase selvagens, ricas plantações de cana-de-
açúcar e tem pontes para cruzar os rios Ururaí, Macabu e o próprio Macaé, já perto da cidade,
que são verdadeiras obras de arte. Todo esse empreendimento foi construído para interligar o
importante núcleo comercial da cidade de Campos com o conveniente e seguro porto de
Macaé. Para que o menino tivesse uma noção de como era Campos, ele fez uma comparação:
— Olha só, enquanto a cidade de Macaé tem cerca de 800 casas, apenas 24 delas sobrados, e
uma população livre de 3.600 pessoas, a cidade de Campos é cerca de quatro vezes maior, tem
perto de 15 mil pessoas livres, além quase 7 mil escravos e muitos edifícios, indústrias, escolas,
a propósito, três anos atrás foi inaugurado o Lyceo de Campos, grande escola que é equivalente
às melhores escolas da corte e matricula meninos de toda a nossa região. Situada à margem do
rio Paraíba, Campos tem belas avenidas e já tem até iluminação pública por eletricidade desde
1883, sabia? Eu pude presenciar esse evento, que atraiu até a visita até do Imperador D. Pedro
II para o dia da inauguração. Embora o Rio de Janeiro já tenha sido a primeira cidade do Brasil
a substituir a iluminação com lampiões a gás corrente pela sensacional lâmpada elétrica de
Thomas Edison desde 1878, a inauguração da iluminação de Campos era diferente porque seria
o primeiro sistema de iluminação pública da América do Sul alimentado por geradores a vapor
e essa novidade tecnológica o nosso Imperador, amante do progresso, não perderia por
nada. Ao meio-dia de 24 de junho Sua Majestade chega de São Fidélis no vapor Agente,
participa de várias cerimônias que não o interessavam muito e, no aguardado horário das 19
horas, D. Pedro II já visitava a estação elétrica recém construída. Uma grande caldeira de 16
pés de comprimento já alimentava o motor de 50 cavalos, responsável por girar a 750 RPM a
moderna máquina dínamo-elétrica, capaz de gerar energia de 78.000 velas e transmiti-la em
um circuito de até 50 km. Quando o Imperador solenemente acionou a chave elétrica,
imediatamente acenderam-se os postes que clarearam a margem do Rio Paraíba na rua Beira-
Rio e mais algumas outras ruas da região próxima, provocando gritos entusiasmados de 20 mil
pessoas que foram à cidade para prestigiar a ocasião histórica, acompanhada por festa com
queima de fogos de uma hora de duração e apresentação de bandas de música percorrendo as
ruas da cidade para saudar o progresso campista.

A conversa foi interrompida pela voz grave do comandante que chamou: — Garoto, vamos lá
que vou te mostrar este navio! Prontamente Chico pediu licença e foi às pressas chamar as suas
irmãs para esse passeio. Da experiência dos seus 71 anos de vida, o velho comandante Antonio
começou contando às crianças que passou a vida na marinha mercante e na juventude navegou
muito em rotas para a Bahia, Alagoas, Ceará, Pernambuco, além de algumas viagens para a

PÚBLICA
Europa. Com a eclosão da Guerra do Paraguai ele foi convocado a servir ao comando do
paquete a vapor Alice, que deu apoio de suprimento à frota de encouraçados que combatia as
defesas de Solano Lopez. Foi nesta atuação, durante a célebre operação militar da Passagem
do Humaitá, que ele teve o seu vapor alvejado pela bateria inimiga do Timbó e isso lhe rendeu
condecorações e o reconhecimento como 1º tenente honorário, título que adotou desde
então. Apesar da idade, após a guerra ele precisou se sustentar conduzindo o seu companheiro
de batalha Alice por alguns anos na rota da corte a Santos, até que a Companhia Macahé e
Campos o contratou para a equipe que comandava os quatro vapores de sua frota, este Barão
de São Diogo, o Parahyba (que substituiu a perda do Imbetiba), o Goytacaz e o Bezerra de
Menezes. Para aquele velho viúvo, que ainda precisava deste modesto ordenado para
sobreviver, o fim de carreira a bordo do Barão de São Diogo já era uma suave aposentadoria,
para alguém que passou mais dias de sua vida no mar do que em terra.

A Companhia Estrada de Ferro Macahé e Campos foi criada a partir de uma concessão de
50 anos para construção de uma linha férrea entre as cidades de Campos e Macaé, com o
complemento do direito de exclusividade na exploração de uma linha de navegação entre o
porto da Imbetiba e o Rio de Janeiro, tudo isso visando o escoamento da grande produção
agrícola da região de Campos. Antes dela, como exemplo, em apenas um dia bastante
movimentado de 1840 o porto da corte recebeu 26 embarcações de pequeno porte vindas de
Campos, todas sumacas à vela de capacidade até 100 toneladas que levaram de 3 a 5 dias de
viagem, trazendo principalmente caixas de açúcar, mas algumas com pipas de aguardente e
madeira de jacarandá. As capacidades somadas destas 26 sumacas totalizavam 1900
toneladas, o que era equivalente ao que os quatro vapores da Macahé e Campos transportavam
juntos. A Companhia tinha sua sede na corte e teve como um dos fundadores e primeiro
presidente o médico e político cearense Dr. Adolpho Bezerra de Menezes, um dos maiores
expoentes do movimento espírita de todos os tempos. Apesar do intenso tráfego de
mercadorias e passageiros em seus trens e vapores, a Macahé e Campos travou permanente
batalha para fechar suas contas e honrar suas dívidas, alegadamente agravadas pela dificuldade
de aprovação do projeto de construção da ferrovia, quando o governo provincial não concordou
com o traçado originalmente apresentado e obrigou a companhia a construir a linha de 96 km
de um projeto muito mais dispendioso que o planejado. Mas isso não era preocupação para o
comandante nem para as crianças naquele momento.

— Vejam bem, assim como o Goytacaz, este vapor foi encomendado ao renomado estaleiro C.
Mitchell & Co. de New Castle, na Inglaterra, mas as caldeiras e motores que vamos ver foram
fabricados pelas oficinas de Easton & Anderson, em Londres. Ele foi lançado à água em julho
de 1879 e em outubro foi entregue novinho em folha à Macahé e Campos no Rio de
Janeiro. Ele tem 188 pés de comprimento, 24 de boca e 12 de pontal, capacidade de carga de
500 toneladas e consegue manter a marcha regular de 10 milhas por hora propelido por
moderno sistema de hélice, não é como aquelas banheiras antiquadas movidas a rodas de pás
que costumamos ver por aí. Tenho comigo uma equipagem (o que chamamos hoje de
tripulação) de 25 pessoas para tocar todas as tarefas e atender a todos os 34 passageiros que
temos hoje a bordo, mas esse navio tem capacidade para levar para até 40 passageiros de ré e
100 passageiros de proa.

O prosseguimento da volta pelo navio incluiu tantas subidas, descidas e explicações de


detalhes náuticos que cansou o velho marinheiro, levando-o a sábia decisão de devolver as
crianças à criada Christina e retornar à tranquilidade da cabine de comando. Afinal, o cansaço
já chamava todos para se recolherem aos camarotes e recuperar as energias para o dia seguinte.

São Sebastião do Rio de Janeiro

PÚBLICA
Pouco antes das 04 da manhã, o vapor adentra a barra do Rio de Janeiro e, por não ter ainda
raiado o dia, os viajantes perdem a oportunidade da visão privilegiada da entrada da baía de
Guanabara. O comandante atraca, ainda no escuro, no cais do Largo do Paço, completando
uma ótima viagem de 10 horas de duração, favorecido pelo constante vento nordeste em popa
durante todo o trecho de Macaé à ponta do Cabo Frio. Essa era uma duração de viagem muito
boa, como comparação, o pequeno iate Brazil, de apenas 32 toneladas, cumpria naquela época
essa mesma rota também trazendo café de Macaé (não da ponte da Imbetiba, que era exclusiva
da Macahé e Campos) em uma viagem de mais de 24 horas. No movimentado porto via-se
todos os tipos de escunas, corvetas, paquetes, brigues, patachos, vapores e as bandeiras de
diversos países, ocupando as águas deste principal entreposto marítimo do Império. que
contava com um belo prédio de Alfândega, próximo à igreja da Candelária.

Após desembarcar do vapor foi logo contratada uma condução para levá-los à casa que os
hospedaria nessa temporada no Rio de Janeiro, de propriedade de José Luiz Nogueira e sua
esposa Adelina Maia. Irmão de Luiz José, o macaense José Luiz tinha duas filhas pequenas,
Maria Cecília e Noêmia, trabalhava no Rio como guarda-livros e morava no Engenho de
Dentro. Antes de partir para a casa, uma primeira providência da família foi atravessar o belo
Largo do Paço, cujo nome oficial era Praça D. Pedro II e após a república passou a ser chamada
de Praça XV, em direção à lindíssima Igreja do Santíssimo Sacramento da Antiga Sé, conhecida
como Matriz do Sacramento, para agradecer a viagem bem-sucedida. Ao sair para a rua,
Francisco pagou 40 réis a um moleque para ter o jornal do dia, que continuava a dar destaque
ao assunto do momento, a apuração das eleições senatoriais. O resultado final já apurado no
Rio de Janeiro era liderado pelo campista Thomaz Coelho, conselheiro conservador que pouco
depois fundou o Colégio Militar, seguido pelo também conservador e escravista Andrade
Figueira, pelo escritor e imortal da ABL Pereira da Silva e pelo futuro presidente Marechal
Deodoro.

Militar conservador e amigo do Imperador, Deodoro seria manipulado dois anos depois, na
manhã de 15 de novembro de 1889, com um boato falso, plantado por lideranças de aspiração
republicana, de que ele seria preso a mando do primeiro-ministro liberal Visconde de Ouro
Preto. Deodoro resolve deixar a sua casa e atravessar o Campo da Aclamação (hoje Campo de
Santana) em direção ao Quartel General do Exército para decretar a demissão do ministro,
enquanto D. Pedro II, que se encontrava em Petrópolis, já tinha concordado com a troca de
ministério e nenhuma ameaça verdadeira à monarquia tinha se concretizado, tanto que
Deodoro teria até gritado vivas ao Imperador diante da tropa em formação. Então Quintino
Bocaiuva agiu rápido e fez chegar a Deodoro uma notícia, desta vez verdadeira, de que D. Pedro
II escolheria o liberal Gaspar Silveira Martins como substituto. Cientes das motivações
particulares do velho militar, que já havia disputado o amor de uma mulher com Gaspar, os
republicanos acharam finalmente a motivação necessária para ter o apoio de Deodoro ao golpe
militar que forçou a mudança de regime no país. Diante da recusa do Imperador em reagir
militarmente para resistir ao golpe, foi instaurada a república no Brasil, que muito tempo ainda
levaria para acontecer se dependesse dos caminhos políticos, considerando a baixa adesão à
causa comprovada através do voto.

Durante as semanas passadas na corte, quando Francisco não estava ocupado com negócios,
todos aproveitaram o tempo para passear juntos. Foram à Praça da Aclamação, anteriormente
e posteriormente chamada de Campo de Sant'Anna, onde o projeto paisagístico do Dr. Glaziou
a equiparou aos melhores parques do mundo, com rio com águas correntes alimentando grande
lago de mais de 24 mil m², pontes, bosque com as mais variadas espécies de todos os
lugares. Aproveitaram para visitar os belos prédios do Senado Imperial e da Casa da Moeda,
bem em frente à praça, e a estação central da Estrada de Ferro D. Pedro II, principal ferrovia
do Brasil. O Imperador usava muito a rede ferroviária para seus percursos aos diversos cantos
do Império, viajando em seu vagão imperial especial e embarcando em sua estação particular

PÚBLICA
que existia na Quinta Imperial. Aliás, monarquistas que eram, Francisco e Luiz José até
gostariam de ir ao paço imperial da Boa Vista na cerimônia de cumprimentos ao Imperador, o
famoso beija-mão, mas a princesa Isabel estava como regente no lugar de seu pai, que estava
em viagem pela Europa, em trânsito de Madri para Paris.

Nessa caminhada pelas ruas do centro passaram na Praça da Constituição, antigo Largo do
Rocio e atual Praça Tiradentes, conheceram o prédio do Imperial Theatro São Pedro de
Alcântara (futuramente Teatro João Caetano) e atrás dele, na rua Luís de Camões puderam
ver a magnífica obra do novo prédio do Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, que
estava para se mudar da sua antiga sede na rua dos Beneditinos. A pedra fundamental foi
lançada pelo Imperador em 1880, na data exata do terceiro centenário de Camões, e neste
momento em que os Lobos passaram por lá faltavam apenas três meses para a inauguração,
que seria presenciada pela princesa Isabel e Conde d'Eu. Com fachada em estilo neomanuelino
inspirada no Mosteiros dos Jerônimos de Lisboa e interior magnificamente ornamentado, o
prédio já abrigaria, logo no início, 200.000 volumes.

Outro excelente parque visitado foi o Passeio Público, dos tempos do Brasil colônia,
encomendado em 1783 pelo Vice-Rei Luiz de Vasconcellos ao Mestre Valentim com inspiração
nos jardins do Palácio de Queluz. A reforma de 1864 deste parque foi um dos primeiros
trabalhos do francês Glaziou no Brasil, com o qual conquistou a confiança de D. Pedro II e o
direito de habitar por 27 anos em um chalé que existia à direita da entrada do Passeio. A
reforma de Glaziou preservou características como o medalhão de bronze sobre o portão de
ferro da entrada que exibe as efígies de D. Maria I de Portugal e seu marido D. Pedro III e a
Fonte dos Amores, posicionada entre as duas pirâmides de granito, que segundo lenda carioca
teria sido inspirada no amor do Vice-rei por uma morena humilde e comprometida que morava
com sua avó em uma casinha ali perto. O Passeio era um dos melhores lugares da cidade para
apreciar o mar da baía de Guanabara, tinha à esquerda da entrada um botequim para venda de
bebidas e refrescos e à noite uma banda de música tocava para atrair ainda mais os visitantes.

Completando a visita aos principais parques do Rio de Janeiro, em outra ocasião a família
tomou um bonde que os conduziu para área afastada da cidade para visitar o Jardim Botânico,
parque criado por D. João VI aos pés do morro do Corcovado, com suas altíssimas palmeiras e
imensa variedade botânica trazida de várias colônias do reino português. Isso aconteceu
intencionalmente no dia 25 de julho, que era a data tão aguardada em que Adelaide completava
16 anos de vida e esse passeio foi complementado com um roteiro pelo elegante bairro de
Botafogo, também através de bonde da Companhia Botanical Garden Rail Road. O almoço de
comemoração aconteceu no restaurante do Royal Hotel D'Angleterre, na belíssima praia de
Botafogo, que atraía os hóspedes pela possibilidade de desfrutar um ótimo de banho de mar
naquele que era um dos balneários mais concorridos da capital.

Uma das atividades mais aguardadas foi a ida ao teatro, aproveitando que o Município
Neutro do Rio de Janeiro contava com 14 deles, 10 na corte e 4 nos subúrbios. Escolheram
assistir a peça Hamlet no Imperial Theatro D. Pedro II, na rua da Guarda-Velha, perto do
Largo da Carioca, o maior teatro do Brasil e comparável aos melhores da Europa. Esse teatro
comportava 2000 espectadores, a sua plateia tinha 426 cadeiras de primeira classe e 380 de
segunda e tinha 42 camarotes de primeira ordem e 46 de segunda. O teatro foi projetado com
boa ventilação e por isso era usado até para receber bailes no escaldante carnaval carioca. Um
evento muito interessante aconteceu neste teatro um ano antes, envolvendo o famoso maestro
italiano Arturo Toscanini: uma companhia em tour na América do Sul com a ópera Aida, de
Verdi, ficou subitamente sem regente e, após tentativas frustradas, os músicos sugeriram
apelar ao assistente de coro de 19 anos que se sabia ter a impressionante capacidade de
memorizar toda a obra de duas horas e meia de duração. Então a plateia presente no Imperial
Theatro D. Pedro II se impressionou quando o jovem Toscanini regeu pela primeira vez na
vida, totalmente sem partitura.

PÚBLICA
O turfe, um dos esportes preferidos nessa época anterior à invenção do futebol, também foi
objeto de atenção dos macaenses. Fascinava aos homens as corridas de cavalos que eram
realizadas em alguns pontos da cidade, destacadamente as organizadas pelo Jockey Club ainda
no Prado Fluminense (somente depois houve a mudança para o Jardim Botânico), bairro de
São Francisco Xavier, com seu cobiçado Grande Prêmio Cruzeiro do Sul que acabara de
acontecer naquele mês de julho. Então os Nogueiras resolveram assistir a um páreo dos puros-
sangues na pista do Prado Itamaraty, pertencente à entidade dissidente Derby Club, fundada
pelo Dr. Paulo de Frontin em área adquirida da Baronesa de Itamaraty vizinha ao Palácio
Leopoldina, edificação que foi moradia do Duque de Saxe-Gota e sua esposa princesa
Leopoldina e que depois de demolido se tornou o local de construção do CEFET-RJ. 60 anos
depois, o local do Prado Itamaraty deu espaço para a construção de um ícone de outro esporte,
o Estádio do Maracanã.

Nos dias em que a rotina de compromissos e interesses era focada no centro comercial da
corte, a agitação das ruas e do comércio eram motivo de extremo interesse para todos, o roteiro
incluía passagem pelas lojas elegantes da rua da Quitanda para renovar o guarda-roupas com
meias inglesas, camisas de bretanha, lenços de linho adamascado, ceroulas de brim. Havia
também a rua do Ourives com suas papelarias sortidas de envelopes e materiais importados, a
rua Sete de Setembro com as casas de louças, porcelanas e cristais e a rua do Ouvidor repleta
de luxuosos armazéns de fazendas, modas, lingerie e confecções. Caminhando na rua do
Ouvidor, Francisco entrou na Livraria Laemmert e comprou a Chico de presente uma edição
traduzida para o português das Fábulas de La Fontaine. O Rio de Janeiro daquela época ainda
colhia os benefícios que começaram com a transferência da capital da colônia, se intensificaram
com a vinda da família real portuguesa e sua corte e foram gradualmente incrementados com
o progresso ao longo do reinado de D. Pedro II, portanto essa era uma cidade realmente
cosmopolita e conectada com tudo que acontecia no planeta.

No dia 28 de julho de 1887, a família Nogueira se dirigiu para a Matriz de Nossa Senhora da
Glória para o batismo da pequena Clarice, na mesma igreja em que José Luis e Adelina se
casaram e que as filhas mais velhas, Maria e Noêmia, também foram batizadas. A igreja foi
inaugurada 15 anos antes, no Largo do Machado, quando a freguesia da Glória já tinha bastante
destaque, no mesmo local em que havia uma capela que foi frequentada pela rainha Carlota
Joaquina, que residia próximo.

Quem celebrou a cerimônia foi o pernambucano monsenhor Manuel da Costa Honorato,


antigo capelão militar condecorado com a medalha da campanha do Paraguai. Francisco Lobo
orgulhosamente assumiu seu papel de padrinho e cumpriu o principal propósito da viagem
familiar à corte.

PÚBLICA
Retorno a Macaé

Após um mês intenso de novidades na corte, chegou o dia do retorno da família Lobo, desta
vez no vapor Parahyba, comandado pelo 1º tenente Jorge Saturnino de Menezes. Às 16 horas
o vapor deixa o cais do Largo do Paço e o visual da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro
ao entardecer era impressionante, ao passar ao lado do Forte da Laje, os passageiros tinham
como paisagem a Fortaleza de Santa Cruz sobre águas esverdeadas da barra do Rio de Janeiro
e do outro lado o Forte de São João e o Pão de Açúcar como a imagem mais marcante desses
momentos de despedida. Com a sorte de uma viagem muito serena, o Parahyba atracou na
Imbetiba pouco antes do amanhecer do dia 20 de agosto, trazendo saudosos de sua casa
Francisco e seus três filhos, agradecidos por terem completado essa viagem em segurança e por
todas as boas experiências que trouxeram na lembrança.

O casal Luiz José Nogueira e Maria Augusta Caldas Nogueira planejou uma estadia mais
longa na corte para tentar tratar da enfermidade da esposa e para dar suporte à filha Alzira,
que ainda ficou por mais algum tempo no Rio. Assim, quase quatro meses após o início da
viagem, às 16 horas do dia 11 de novembro o casal embarca no vapor Goytacaz de volta à
Macaé. Apesar da natural apreensão de Luiz José com a viagem náutica, a condução do
comandante Antônio Rodrigues da Costa foi uma das mais tranquilas, com tempo bom, apenas
oito passageiros no vapor, essa volta não poderia ter sido melhor.

Apenas 11 dias após essa viagem do Goytacaz que levou de volta o casal Nogueira, esse mesmo
vapor repete a sua rotina cíclica e deixa mais uma vez o cais do Rio rumo à Imbetiba. Desta vez
era comandado por Nelson Rodrigues da Cunha e tinha Manoel Joaquim Soares como
mestre. Às 23:15 deste dia 22 de novembro de 1887 o Goytacaz colide com uma laje na Ilha
dos Franceses, Arraial do Cabo, coincidentemente a uns 700m do local da praia da
Massambaba onde sete anos antes foi a pique o vapor Imbetiba, da mesma Macahé e
Campos. O Goytacaz era um vapor de fabricação inglesa de 1874 feito em estrutura de ferro,
com 180 pés de comprimento e máquina de 650 cavalos, com capacidade para 5.000 sacas de
café, aproximadamente o mesmo porte do Barão de São Diogo, e trazia naquela noite a
bordo 31 passageiros, 25 tripulantes e 10 soldados da Força Pública que estavam sendo
enviados para reforçar a segurança na cidade de Campos, que passava por distúrbios de
violência.

Todos acordaram com o choque e correram ao convés, mas na escuridão da noite não era
possível enxergar bem o que aconteceu. O comandante ordenou que a baleeira e dois botes
fossem arreados com alguns marinheiros, a fim de reconhecer as avarias e o lugar onde
estavam, mas os soldados e alguns dos passageiros covardemente se apressaram a ocupar
lugares dos botes de reconhecimento, sem pensar nas mulheres e crianças que ficaram para
trás. Os marinheiros que os tripulavam afastaram-se do vapor para inspecionar o local e
retornaram para informar que a forte cerração impossibilitava identificar onde estavam. À
meia noite, o vapor submergiu mais rapidamente e não havia lugar nos botes salva-vidas, que
observavam a certa distância o desespero no navio. Às duas da manhã voltou da praia
o primeiro bote em socorro aos náufragos que ainda estavam no Goytacaz, resgatando o
comandante e outras poucas pessoas, que conseguiram se agarrar ao mastro e velame.

PÚBLICA
Essa triste tragédia tirou a vida de 14 pessoas, incluindo o mestre Soares. Os sobreviventes,
levados à atual Praia Grande, caminharam ao longo da noite até o Arraial do Cabo, na praia dos
Anjos, onde receberam uma fraterna assistência da população. O professor Ignacio Giraldo
Mathias Netto, ao receber a notícia do naufrágio deste vapor em que viajava o seu filho Raul
Mathias Netto, deixou desesperadamente o vilarejo de Rio das Ostras, lugar em que exercia o
magistério, rumo a Cabo Frio, onde teve a grata notícia de que seu filho estava entre os
sobreviventes. Ao longo do dia seguinte cargas e cadáveres foram aparecendo na Praia Brava,
demandando um complicado resgate pelo paredão rochoso de difícil acesso.

O naufrágio do Goytacaz fez reverberar duras críticas à opção de navegação noturna pelos
vapores Companhia Macahé e Campos, que era uma conveniência de horários pensada para
os passageiros vindos de Campos no trem, mas o verdadeiro golpe à rota marítima de Macaé
veio pouco depois, quando o ramal ferroviário de Rio Bonito entrou em operação e desbancou
financeiramente a viabilidade dos vapores.

A Macahé e Campos sofreu nova perda em 02 de fevereiro de 1891, desta vez do


vapor Bezerra de Menezes, quando ele saiu pela primeira vez da rota da Imbetiba, fretado à Cia
Terrestre e Marítima do Rio de Janeiro, em viagem para Mangaratiba, Angra dos Reis e
Paraty. Pouco depois de deixar o porto de Angra, às 11 da noite, o Bezerra se chocou nas
lajes Guaximas, bastante visíveis e conhecidas pelos locais, fazendo um rombo na proa, mas
ainda permitindo chegar à praia mais próxima e, felizmente, todos seus 37 passageiros e 21
tripulantes foram resgatados pelo cruzador Liberdade, assim como toda carga.

O vapor Barão de São Diogo foi o último em operação pela Companhia Macahé e Campos e
fez suas últimas viagens neste mesmo ano de 1891, quando a companhia encerrou essa rota
marítima. Dois anos depois, já operado pela empresa Lage & Irmãos (do Comendador que foi
dono do Parque Lage), o Barão de São Diogo participou de um episódio curioso na segunda
Revolta da Armada, quando era prática das forças rebeldes o confisco de embarcações civis
para ajudar no suprimento da esquadra e houve uma tentativa de rapto do Barão de São Diogo,
mas a intensa ação da artilharia dos fortes do exército contra o encouraçado Aquidabã e
demais embarcações revoltadas permitiu que o vapor escapasse dessa tentativa. Ainda em
1893 e o Barão de São Diogo é rebatizado para Itamby e a Lage & Irmãos muda seu nome
para Companhia Nacional de Navegação Costeira, mais conhecida pelo nome
reduzido Costeira, também famosa pelos seus navios com nomes em tupi-guarani que sempre
começavam com Ita. Em 1895 ele foi vendido para a Companhia Maciel, foi renomeado
para Piúma e passou a interligar os portos do Espírito Santo à Capital Federal. Mas no dia 17
de novembro de 1899 ele naufragou em Benevente, atual Anchieta, sem vítimas.

Chegando ao ápice da péssima situação financeira neste ano de 1891, a Companhia Estrada
de Ferro Macahé e Campos foi dissolvida com diversas outras ferrovias falidas na Companhia
Geral de Estradas de Ferro no Brasil, CGEFB, e finalmente incorporada em 1898 na recém-
criada companhia inglesa The Leopoldina Railway Company Limited, com a finalização da
compra das ações. A Leopoldina continuou a operar as linhas ferroviárias de região por muitos
anos, mesmo depois de encampada pelo governo, e fez parte da vida de muitos macaenses, com
suas oficinas ocupando na Imbetiba os mesmos galpões de manutenção que começaram a ser
construídos pela Companhia Macahé e Campos e que, posteriormente, cederam o lugar para
a base da Petrobras.

Depois da viagem

PÚBLICA
No ano seguinte à viagem, os negócios de quase todos os produtores rurais brasileiros foram
bastante afetados pela abolição da escravatura, mas os produtores de café foram tentando
manter a sua produção sob novas formas de força de trabalho, ainda que sofrendo com
a gradual perda de produtividade dos cafezais da região.

No final de 1896 Luiz José e Augusta ainda retornam ao Rio de Janeiro em busca de nova
tentativa de tratamento médico da hemorragia de útero, desta vez com o Dr. Henrique Baptista,
e ficaram eufóricos com o resultado rápido, parecia que desta vez a cura seria
definitiva. Todavia, o sofrimento retornou e somente cessou com o falecimento de Maria
Augusta Caldas Nogueira, em 05 de dezembro de 1903, na propriedade rural da família
conhecida como Fazendinha, no Morro Grande.

O ano de 1904, conforme já relatado aqui, começou marcado pela extinção da Alfândega de
Macaé em março. Mas em 30 de junho, alguns dias antes da mudança para São Paulo do
inspetor chefe da Alfândega, Luiz Augusto Werner, ocorre a celebração do casamento entre o
viúvo Luiz José Nogueira e a bela senhorita Margarida Werner, sobrinha do funcionário federal
que vivia com a família em Macaé. Assim, Margarida permanece em Macaé com Luiz Nogueira
até o dia em que ele falece de febre tifoide, em 1913. Francisco Lobo, que já estava viúvo há
mais tempo, também se uniu em segundas núpcias, em 1899, com Leonor Amélia de Oliveira,
com quem viveu até sua morte, em 1912.

Enquanto isso a sua filha Adelaide se casa, em 1894, com José Boriche de Jesus. A irmã
Leonor também cresce e se casa, em 1897, com o fazendeiro Mathias Coutinho de Lacerda, que
recebe do sogro Francisco Lobo a fazenda Ayris como dote. Dessa união são geradas três filhas,
Carolina (Doca), Ondina e a caçula Maria Leonor Lobo de Lacerda. Em janeiro de 1913, menos
de um ano após a morte de seu pai Francisco Lobo, Leonor morre durante um parto mal-
sucedido. As meninas passam a morar na cidade de Macaé e a estudar no Colégio Mathias
Netto até que, cinco anos depois, quando o pai se casa novamente com Alice Quintino de
Lacerda, também conhecida como Nhazinha, é ela quem passa a criá-las com carinho.

Francisco Luiz Nogueira Lobo Junior assume a administração da fazenda Águas Claras após
a morte de seu pai, é eleito Juiz de Paz no 7º distrito de Cachoeiros (já separado de Neves) e,
em 1912, se casa com uma professorinha bem mais nova que ele chamada Adelina Tavares,
recém-chegada para lecionar na Bicuda Grande, nascida na localidade de Capelinha do
Amparo, mas que estava vindo de Campos com os seus pais adotivos, após a morte de seu pai
Bernardo. Adelina, também conhecida como Santa, era prima da Nhazinha, cujos pais foram
convencidos por Chico Lobo a aprovarem o casamento com o Mathias Lacerda, resolvendo
também a situação de busca por uma boa madrasta para suas sobrinhas.

Chico Lobo e Santa viveram na Bicuda até 1922, quando venderam a fazenda e se mudaram
para a cidade de Macaé, onde criaram uma grande e querida família de oito filhos.

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Chico Lobo, Santa e filhos na Bicuda

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