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HISTÓRIAS FLUMINENSES

CONTRIBUIÇÃO DO
MORGADO DE MARAPICÚ
EM IGUASSÚ
AO CONVENTO DE SANTA TERESA
NO RIO DE JANEIRO
GUILHERME PERES

Manuel Inácio de Andrade Souto Maior Pinto Coelho, Marquês de Itanhaém, herdeiro
do morgado de Marapicú (nasceu em Nova Iguaçu, 5 de maio de 1782 — faleceu 17
de agosto de 1867)
Foi um militar, proprietário rural e político brasileiro.
Nasceu na fazenda de Marapicú, pertencente ao seu pai, o brigadeiro do exército
português Inácio de Andrade Souto Maior. Durante sua carreira militar, foi nomeado
general e conquistou várias medalhas e comendas, entre elas a grã-cruz da Legião
de Honra.

Forasteiros portugueses menos afortunados que chegaram ao Rio


de Janeiro no período colonial procuraram uma atividade comercial como
meio de sobrevivência, mesmo em zona de fronteira agrícola. Através dos
relatos dos viajantes vamos encontrá-los donos de pequenas vendas à
beira dos caminhos, onde pousos de tropeiros erguiam núcleos de
povoamento, ou como pequenos lavradores nos mais variados tipos de
produção quase sempre em trabalho com a família, com pouco ou
nenhum escravo. Também vamos encontrar portugueses ou filhos destes,
financeiramente abastados para os padrões da época, que adquiriam
vastas extensões de terras e farta mão de obra escrava nesse território.
Áreas onde se fazia presente a economia açucareira, mostravam-se
particularmente atraentes para um tipo de investimento que
proporcionasse um retorno de capital rápido e com bom lucro.
Nascido no Rio de Janeiro, Manoel Pereira Ramos de Lemos e Faria
era filho de Tomé Álvares do Couto Moreira e de D. Micaela Pereira de
Faria e Lemos. Vereador e capitão-mor de um dos Distritos do Rio de
Janeiro adquiriu na Baixada Fluminense, em região denominada
Marapicu, vastíssimas terras desmembradas da matriz de Santo Antônio
de Jacutinga com engenhos e cerca de duzentos escravos, respeitável
plantel para os padrões da região cujas fazendas não ultrapassavam
quarenta cativos.
Esse domínio abrangia também os engenhos de Cabuçu, Itaúna,
Paués e pantanais do Rio Guandu, sendo “Fundador e padroeiro da
Freguesia de N. Sra. da Conceição de Marapicu; das capelas de N. Sra. de
Guadalupe na mesma freguesia e de N. Sra. da Ajuda em Itaúna”. As
terras que formavam o morgado de Marapicu abrangem hoje os
municípios de Nova Iguaçu, Queimados, Engenheiro Pedreira, parte de
Japeri e Paracambi, estendendo-se até as fraldas da Serra do Mar
acompanhando o Rio Guandu.
Saneou e lavrou para tornar mais produtiva a parte da fazenda
inundada em épocas de chuvas, disciplinando as águas através de valas
e construindo “um canal que ligou o Rio Guandu ao Itaguaí”, diz o Prof.
Ruy Afrânio: “fazendo com que este, passando a receber as águas
desviadas daquele que, agora, sem a violência da corredeira, tornou-se
navegável por pequenos barcos até Sepetiba, ao passo que desapareciam
também as inundações que roubavam grandes áreas da agricultura”.
Monsenhor Pizarro, em suas “Memórias Históricas”, escrevendo
sobre os engenhos de Marapicu no final do século XVIII relata que: “com
a cana doce se cultiva também a mandioca, o milho, legumes, arroz e o
café, cujos efeitos são conduzidos à Cidade, ou por caminho de terra até
os portos das Freguesias de Meriti, Jacutinga e Irajá, ou levados em
canoas pelo Rio Guandu até a barra do Rio Itaguaí, onde as lanchas os
recebem, para transportá-los desde Angra dos Reis da Ilha Grande, donde
vem procurar a barra da Cidade”.
A grandiosidade dessa propriedade foi o resultado da soma de
inúmeras sesmarias compradas ou recebidas por vários sucessores ao
longo do século XVII, e culminando nas mãos de Martim Corrêa Vasques
que comprou uma boa parte delas, abrangendo hoje as terras de Nova
Iguaçu, Queimados e Japerí, correndo pela Serra do Mar “até as
cabeceiras da dos padres da Companhia de Jesus” (fazenda de Santa
Cruz)
Manoel Pereira Ramos casou-se com D. Helena d’Andrade Souto
Maior Coutinho, filha de D. Helena d’Andrade Souto Maior e Clemente
Pereira de Azeredo Coutinho, “senhor dos engenhos de Itaúna e
Guaxindiba”, no dia 16 de agosto de 1721 na Freguesia da Sé, no Rio de
Janeiro. Desse consórcio nasceram onze filhos, sendo o primeiro, João
Pereira Ramos de Azeredo Coutinho, “nessa cidade, sendo esse o único
nascido fora das terras de Marapicu”, sabendo-se que a cada término dos
estudos preparatórios de seus filhos homens, no Rio de Janeiro, após
serem internados no colégio dos jesuítas, seu pai os enviava para
Coimbra.
Ignácio d’Andrada Souto Maior Rendon, nascido e batizado em
Marapicu em 10 de agosto de 1733, seguiu o mesmo destino dos irmãos,
entretanto, teve interrompidos seus estudos em Portugal ao viajar de
volta ao Brasil em 1754, para substituir o pai com idade avançada. Casado
com D. Antonia Joaquina Luiza Ataíde Portugal, foi nomeado capitão do
regimento de cavalaria do Rio de Janeiro no governo Gomes Freire,
prestou relevantes serviços à Capitania com as patentes de mestre-de-
campo e coronel.
Após o falecimento do capitão-mor, D. Helena juntamente com seus
filhos, instituíram em 6 de janeiro de 1772 o morgado(*) de Marapicu,
confirmado pelo alvará régio de 4 de fevereiro de 1774
Citando Varnhagen: Maia Forte escreve que entre outras tarefas o
coronel Ignácio participou de diversas ações pacificadoras aos gentios,
“nas Freguesias de Paraíba Nova, Sacra Família e Pati do Alferes; a
abertura de estradas, ao enxugo de pântanos insalubres, ao aterro de
grandes extensões para proteção à lavoura”. Abrindo caminho no meio
do sertão entre as capitanias do Rio de Janeiro e São Paulo “para a
necessária e útil comunicação, foi Inácio d’Andrada encarregado de todas
as providências indispensáveis a execução desse projeto.” Logo que
essa estrada entrou nos limites do Rio de Janeiro, “ficou a seu cargo o
conserto e conservação, como de outras que depois se abriram nos
distritos de sua inspeção.”
Em suas viagens pelo interior da província inspecionando os
caminhos ou em contato com os índios, esse ilustre varão se fazia
acompanhar por seu filho, Manoel Inácio de Andrade Souto Maior Pinto
Coelho, “que mais tarde já marquês de Itanhaem, foi tutor do príncipe D.
Pedro e das princesas, em substituição a José Bonifácio”.
Ostentando o grau de comendador da Ordem de Cristo e fidalgo
cavalheiro da Casa Real, a morte foi encontrá-lo em avançada idade. Em
cinco de julho de 1815, Ignácio d’Andrada Souto Maior Rendon era
sepultado em sua igreja de Marapicu, sendo reformado com as honras de
brigadeiro.

O CONVENTO

Ao passarmos hoje pelo Largo da Carioca no Rio de Janeiro,


vemos os majestosos arcos da Lapa que serviram de sustentação da
canalização das águas, para abastecer os diversos chafarizes que se
espalhavam pela cidade do Rio de Janeiro. Subindo a ladeira de Santa
Teresa, deparamos com uma igreja e um
convento que complementam a paisagem
arquitetônica de um Rio outrora colonial.
Trata-se da igreja e do convento de
Santa Teresa, sede do primeiro Carmelo
Descalço Feminino no Brasil, que apesar
das reformas por que passou, “ainda estão
presentes as características do projeto
original no volume e na fachada, com a torre sineira entre os corpos da
igreja e do convento. Sua portaria, com portada conjugada à janela,
apresenta no seu interior azulejos portugueses do século XVIII”.
Antecipando-se à capela-mor onde se destaca o cruzeiro, dois
altares laterais “ainda apresentam elementos rococós. As janelas que
correspondiam ao coro baixo da igreja, encimadas por três janelas do
corpo superior, possibilitando uma intensa iluminação no interior, foram
demolidas em 1929”.

HISTÓRIA

A história desse convento inicia-se com o pedido de duas irmãs


também unidas pela fé: Francisca e Jacinta. Filhas de José Rodrigues
Aires e de dona Maria de Lemos Pereira, moradores no engenho de
Marapicu. Certo dia: “ao voltarem para casa vindas de um Ofício Divino,
viram na Rua Matacavalos, hoje do Riachuelo, uma chácara denominada
“da Bica”, que tinha no centro do terreno uma casinha em ruínas, quando
resolveram pedir ao seu tio materno Manoel Pereira Ramos, senhor de
engenho de Marapicu,” que a comprasse para nela se instalarem e
cumprirem os seus destinos de monja.
O terreno foi comprado de Domingos Rodrigues Távora em março de
1742 “pela importância de dois contos e cem mil reis”, dando início à
construção de uma ermida, tendo juntado um aposento para recolhimento
das moças. “Ali as jovens sobrinhas passaram a ser Jacinta de São José
e Francisca de Jesus Maria,” agregando a si “doze companheiras, com as
quais entraram fervorosamente em exercício da santa religião”.

MUDANÇA

O governador Gomes Freire, talvez orgulhoso de sua obra,


compreendendo o conjunto arquitetônico que compunha os Arcos do
aqueduto sobre os quais passavam as águas que iam abastecer o
chafariz do largo da Carioca, "resolveu dar todo o seu prestimoso apoio
ao trabalho de duas jovens que tinham posto inteiramente as suas vidas
ao serviço da religião que professavam”. Fazendo-se acompanhar do
bispo D. Antônio do Desterro “apareceu uma tarde na capela do Caminho
da Bica e emocionou-se ante a pobreza de tudo quanto via, desde a
singeleza dos objetos do culto, às vestes humildes das religiosas”,
prometendo construir um recolhimento junto à capela do Desterro.
Iniciada a construção em 1750 durante a gestão deste então
governador, o Convento de Santa Teresa no Rio de Janeiro foi erguido em
um morro chamado do Desterro, ao lado dessa ermida edificada antes de
1628, devendo, com a mudança, sua primeira administração à Ordem das
Carmelitas Descalças. Segundo Monsenhor Pizarro, no interior da pedra
fundamental desse edifício, foi introduzido um pergaminho com a
seguinte inscrição:
“Reinando em Portugal o mui poderoso, pio magnânimo e
fidelíssimo rei D. João V.º ilustríssimo e excelentíssimo senhor Gomes
Freire de Andrada, do Conselho de S. Majestade... Governador e capitão-
general das capitanias do Rio de Janeiro e Minas, fez edificar este
convento debaixo da invocação e título de N. Sra. do Desterro, para
religiosas, que hão de professar a regra de Santa Teresa, presidindo na
Igreja de Deus o santíssimo padre Benedito 14.º nosso senhor, sendo
bispo desta diocese o excelentíssimo e reverendíssimo senhor D. Fr.
Antônio do Desterro, da Ordem de São Bento. Rio de Janeiro, 24 de julho
de 1750”
Após a conclusão dos primeiros alojamentos, graças à contribuição
das famílias de Marapicú “passaram as recolhidas a ocupá-los,
observando clausura rigorosa como princípio de noviciado... incumbindo-
se Jacinta de São José, à regência interina da casa claustral,” até o final
de sua vida “quando entregou sua alma ao criador em 2 de outubro de
1768.” Em seguida, para dirigir essa entidade, foi nomeada Maria da
Encarnação também procedente da casa de Marapicú, com o título de
priora.
No final do século XVIII, monsenhor Pizarro descreve o convento
como sendo um local “mui agradável, por se desfrutarem dali as vistas do
mar, desde a barra até o interior da enseada. O edifício, fabricado com
prospecto regular, é majestoso, contém acomodações mui suficientes, e
dentro dos seus muros um terreno sofrível, que as próprias habitantes
fazem cultivar para o seu recreio.”
Nomeado por D. João V, rei de Portugal, Gomes Freire de Andrade
foi um dos governadores mais atuantes no Rio de Janeiro durante o
período colonial. Realizando obras que perpetuaram sua memória
durante o período de seu Governo: construiu os arcos de alvenaria para
canalização das águas do morro de Santa Teresa para o centro da cidade;
o chafariz do Largo da Carioca; o primitivo chafariz da Praça do Carmo,
hoje Praça 15 de Novembro, que antecedeu o atual construído por
Valentim da Fonseca no governo de D. Luiz de Vasconcelos, e o Convento
de Santa Teresa.
Falecido em 1763 com o título de conde de Bobadela, “seu corpo foi
transportado para a igreja do Convento de Santa Teresa e ali sepultado
em frente ao altar-mor, sem inscrição alguma, como era do seu desejo”.
No mesmo ano, Jacinta de São José “deixou o mundo na graça de Deus”
indo repousar também “no chão da mesma igreja”.
A contribuição da grande casa de Marapicu sediada na Baixada
Fluminense, com seus engenhos de açúcar e farinha tocados pelo braço
escravo, concorreu decisivamente para o aprimoramento de nossa
cultura nas últimas décadas do século XVIII através da religiosidade.
Colaborou com seu poder econômico e dedicação para a edificação na
cidade do Rio de Janeiro de um belo convento que hoje encanta a todos
que o visitam.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Pizarro e Araujo, José de Souza Azevedo – “Memórias Históricas do Rio de
Janeiro”, – Imp. Nacional, 1945, RJ
Pizarro e Araujo, José de Souza Azevedo – “Visitas Pastorais”
Sec. Mun. Cultura de Nilópolis – 2000 - RJ
Lamego, Alberto Ribeiro – “O Homem e a Guanabara” - IBGE 1964, RJ.
Pereira, Waldick – “Cana Café & Laranja” Fundação Getulio Vargas
SEEC – 1977 RJ.
Peixoto, Ruy Afrânio – “Imagens Iguaçuanas” – Tip. Colégio Afrânio
Peixoto, Nova Iguaçu - 1968. RJ
Caetano da Silva, Antônio José – “Chorographia Fluminense” – Revista
IHGB Tomo LXVII – 1906 – Imp. Nac. RJ

(*) Morgado – “Bens vinculados em certos sucessores de uma família, a


quem vão passando sem se poderem vender, nem dividir;
ex.: empenhou o morgado, instituiu o morgado, terras do
morgado”. (Dicionário da Língua Portuguesa, Antônio de
Morais Silva, Lisboa - 1813)

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