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24/07/2007
Os massacres da serra do rodeador e da pedra bonita  
As comemorações dos 80 anos do escritor nordestino Ariano Suassuna
incluíram a adaptação para a televisão de uma de suas principais obras,
o Romance da Pedra do Reino. Publicado em 1971, o enredo do livro
foi inspirado em dois trágicos episódios ocorridos em Pernambuco: os
massacres da serra do Rodeador e do arraial da Pedra Bonita, ocorridos
em 1820 e 1838, respectivamente.

Ao contrário dos acontecimentos relativos a Canudos, datados da última


década do século XIX, poucos estudos existem sobre aqueles
Contribuição
movimentos místicos e sociais, que despertaram violentas reações por Prof. Célio Ricardo Tasinafo

parte das autoridades da época. Doutorando em História pela


Universidade Estadual de
Apesar disso, não há dúvidas sobre o predomínio de ideais Campinas – UNICAMP.
Mestre, Bacharel e
sebastianistas nos dois casos. Ou seja, em ambos, é possível identificar Licenciado em História pela
Universidade Estadual de
a forte crença de que a situação de miséria, em que viviam muitos Campinas – UNICAMP.
Foi professor de História em
sertanejos, seria totalmente alterada a partir do “retorno glorioso” do escolas de Ensino
monarca português D. Sebastião – desaparecido após suas tropas serem Fundamental, Médio e cursos
pré-vestibulares de São
dizimadas pelos árabes durante a batalha de Alcácer Quibir, ocorrida no Paulo.
Co-autor da obra História
norte da África em 1578. Geral e do Brasil, publicada
pela editora HARBRA.

A Irmandade do Bom Jesus da Pedra


Em 1819, na região da Serra do Rodeador em Pernambuco, o “profeta”
Silvestre José dos Santos, também conhecido como “mestre Quiou”,
fundou a Irmandade do Bom Jesus da Pedra e passou a pregar que todas
as dificuldades e tristezas dos sertanejos teriam fim com o breve retorno
de D. Sebastião.

Apesar de terem restado poucos relatos detalhados a respeito dos rituais


realizados pelos membros da Irmandade, sabemos que Silvestre Santos
era a figura central em todos eles. Declarando possuir poderes
sobrenaturais, o “mestre” incentivava os fiéis a confessarem suas “faltas
e agonias” e estabelecia as penitências correspondentes, as quais, em
geral, correspondiam a quantias em dinheiro.

Em poucos meses, um número significativo de membros da Irmandade


passou a morar em cabanas construídas ao redor da moradia de Quiou,
criando uma comunidade com regras e práticas bastante particulares –
condenavam, por exemplo, o roubo, mas consideravam absurdo
passarem fome; assim, justificavam plenamente o furto de alimentos de
propriedades vizinhas cujos donos não tinham se convertido às
pregações de Silvestre dos Santos.

Considerados hereges pelo clero católico e bandidos pelas autoridades


de Pernambuco, a perseguição aos sebastianistas da serra do Rodeador
foi implacável. Em 1820, o governador, Luís do Rego Barreto, contando
com o financiamento de importantes fazendeiros da região, organizou
uma milícia para destruir a Irmandade a partir da prisão ou mesmo
assassinato de seus membros.
O pequeno povoado foi invadido e as cabanas queimadas. Todos os
homens acabaram fuzilados ou decapitados, enquanto as mulheres e
crianças foram levadas para Recife, onde acabaram abandonados pelas
ruas já que não existiam instalações públicas que pudessem servir de
prisão a elas.

O Reino Encantado de Pedra Bonita


Em 1836, João Antônio dos Santos chegou ao município de São José do
Belmonte, trazendo algumas pequenas pedras brilhantes que seriam
valiosos diamantes. Contava que encontrara o “tesouro” no fundo de um
lago, ao lado do qual estavam duas grandes rochas que, na verdade,
seriam duas torres de uma catedral “encantada” – segundo o que lhe
fora revelado em sonho por
D. Sebastião.

Não levou muito tempo para que um número significativo de sertanejos


adotasse João dos Santos como seu líder e se mudasse para os arredores
das duas rochas a fim de rezar pelo breve desencanto delas e, por
conseguinte, pelo ressurgimento de D. Sebastião que salvaria a todos
das “privações” deste mundo.

As autoridades da região reagiram com desconfiança e temor à


formação do Arraial da Pedra Bonita. Um padre, antigo conhecido de
João dos Santos, foi designado para convencê-lo a desaparecer dali e,
portanto, a pôr um fim a “pregações hereges”.

Todavia, dois anos após o sumiço do “primeiro profeta do encantado”,


seu cunhado, João Ferreira, proclamou-se rei e retomou com mais
veemência suas pregações. O novo líder afirmava ter visto D. Sebastião,
o qual confirmara serem as duas rochas torres de uma catedral
encantada.
Contudo, para desencantá-las não bastavam rezas e penitências – era
preciso que as bases das pedras fossem banhadas com sangue de
homens e mulheres, os quais seriam recompensados por seu sacrifício
com “riquezas e felicidades infinitas” após a instalação do novo reino de
D. Sebastião.

Os sacrifícios foram marcados para o dia 14 de maio de 1838. O pai de


João Ferreira foi o primeiro a oferecer seu sangue, dando início ao
morticínio de mais de 50 pessoas, incluindo crianças. Três dias depois,
após comandar pessoalmente o sacrifício de suas duas esposas, chegou
a vez do rei ter a garganta cortada por seus próprios seguidores. Isso
porque Pedro Antonio, irmão do desaparecido João dos Santos, passou a
afirmar que também sonhara com D. Sebastião, o qual lhe revelara que
só faltava o sangue de Ferreira para as pedras desencantarem.

Pedro Antonio tornou-se, então, o novo rei. Contudo, seu reinado durou
pouco mais de 24 horas. Alarmado pelo grande número de mortes, o
coronel da Guarda Nacional, Manuel Pereira da Silva, invadiu com suas
tropas o Reino Encantado e assassinou a maior parte de seus
moradores, a exemplo do que acontecera na serra do Rodeador dezoito
anos antes.
 
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