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Sim, há. O que mais intriga os cientistas em nossos dias é justamente esse terceiro tipo,
exclusivo dos seres humanos: as lágrimas que são vertidas quando choramos para
expressar algum sentimento. Ao contrário das basais e das reflexas, que têm um
propósito bem definido, tais lágrimas não trazem nenhum benefício especial para a
córnea ou para a superfície ocular. “Por que, então, o olho, motivado por uma emoção
qualquer, produz uma secreção?”, pergunta o oftalmologista espanhol Juan Murube Del
Castillo, da Universidade de Alcalá, em Madri. A hipótese mais plausível, segundo ele,
é que o choro tenha surgido antes da linguagem falada, como uma expressão mímica
para comunicar dor.
O uso das lágrimas para a comunicação aparece nos primórdios da infância. O bebê
chora para chamar a atenção dos pais e mostrar a eles suas necessidades físicas. “Trata-
se de um artifício típico da espécie humana, cujos filhotes, dependentes, exigem atenção
e cuidados durante um bom tempo. Por isso, o choro precisa ser agudo e intenso para
funcionar como um bom sinalizador”, diz o etólogo César Ades, da Universidade de
São Paulo. O choro também permite que sejam criados laços de apego entre o bebê e
seus protetores. Conforme cresce, a criança percebe que, com as lágrimas, pode
controlar determinadas situações – ter os pais mais próximos, por exemplo, ou ganhar
uma atenção especial.
Mas o choro dos bebês não encontra receptividade em todas as culturas. Entre os tiv,
tribo africana do norte da Nigéria, pais e babás desencorajam o choro das crianças rindo
delas, tapando suas bocas e apertando suas narinas. Numa tribo na Terra do Fogo, sul da
Argentina, os adultos gritam nos ouvidos dos bebês quando os pequenos ameaçam
chorar. Para essas crianças, as lágrimas adquirem um sentido totalmente distinto do
nosso. “As emoções estão intimamente relacionadas a um contexto cultural”, diz o
antropólogo Guillermo Ruben, da Universidade Estadual de Campinas, em São Paulo.
“O ser humano é culturalmente treinado para deixar que os sentimentos aflorem, diante
dos outros, em momentos considerados apropriados para isso.” Chorar em velórios, por
exemplo, não só é aceitável como também desejável.
Com o refinamento das maneiras – o chamado “pudor” –, atos rotineiros passaram para
a discrição do âmbito privado. As lágrimas, então, ficaram restritas à intimidade de cada
um. Esse autocontrole coletivo talvez tenha alcançado maior êxito no século XIX, na
era vitoriana. Nada de verter lágrimas publicamente. Até os gestos ficam mais contidos.
“Veja o caso das carpideiras, as choradeiras profissionais”, diz Elias. “Elas atuavam
quase como substitutas das elites aristocráticas, para quem não era de bom tom chorar
em público, mesmo que no enterro de um filho.”
“Em 1972, Edmund Muskie, um dos candidatos à presidência dos Estados Unidos,
derramou algumas lágrimas”, diz Tom Lutz. “Naquela época, isso foi considerado sinal
de fraqueza e ele acabou renunciando à corrida presidencial mais cedo.” Vinte anos
mais tarde, o presidente Bill Clinton chorava publicamente nos momentos apropriados e
havia um senso geral, especialmente entre as eleitoras, de que isso era algo bom. “Como
o significado social das lágrimas muda ao longo do tempo, elas passaram de
politicamente desastrosas para vantajosas”, afirma.
De acordo com Tom Lutz, a maioria das pesquisas atuais sugere que, ao contrário do
que se pensa, o pranto não acontece num momento de clímax emocional para desafogar
a tensão. As lágrimas aparecem, na verdade, quando o organismo está se restabelecendo
da profusão de emoções. Trata-se de uma reação pós-crise, de um mecanismo natural de
cura. “Um bom choro vale mais que doses de tranqüilizantes”, diz Guillermo Ruben.
Portanto, luz verde para as lágrimas. Da próxima vez que sentir emoções fortes, abra as
comportas sem culpa.
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