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CECÍLIA SILVA DE OLIVEIRA

TÉCNICAS DE OVARIOSALPINGOHISTERECTOMIA EM
CADELAS E EM GATAS E COMPLICAÇÕES DO USO
DO LACRE: REVISÃO DE LITERATURA

BELO HORIZONTE
2021
CECÍLIA SILVA DE OLIVEIRA

TÉCNICAS DE OVARIOSALPINGOHISTERECTOMIA EM
CADELAS E EM GATAS E COMPLICAÇÕES DO USO
DO LACRE: REVISÃO DE LITERATURA

Trabalho realizado para o


cumprimento de atividades do curso
de Especialização Lato sensu em
Clínica Cirúrgica em Pequenos
Animais.

BELO HORIZONTE
2022
Sumário
1. Introdução......................................................................................................3
1.1 Objetivo.........................................................................................................3
1.2 Estatísticas de castração no Brasil..............................................................3
1.3 Benefícios da castração...............................................................................3
1.4 Campanhas de castração.............................................................................3
2. Revisão bibliográfica......................................................................................4
2.1 O que é a OSH?...........................................................................................4
2.2 As técnicas (local de acesso, material, instrumental cirúrgico)...................4
Quadro 1. Classificação das técnicas de OSH..................................................4
2.2.1 Técnicas de acesso abertas..................................................................... 4
2.2.1.1 Flanco - Lateral do abdômen.................................................................4
2.2.1.2 Linha mediana........................................................................................6
2.2.2 Técnica de acesso fechada (Videolaparoscopia).....................................7
2.2.3 Técnica de lacre........................................................................................8
3. Conclusão....................................................................................................11
4. Bibliografia...................................................................................................12
3

1. Introdução
1.1 Objetivo
O presente trabalho de conclusão de curso de especialização em Clínica
Cirúrgica de Pequenos Animais, turma 07, pelo Instituto Qualittas de Belo
Horizonte/MG, tem por objetivo a revisão bibliográfica dos métodos de
ovariosalpingohisterectomia em cadelas, com foco na discussão de possíveis
complicações pós-cirúrgicas a curto e longo prazo quando utilizadas
abraçadeiras de náilon.
1.2 Estatísticas de castração no Brasil
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019
existiam no Brasil 33,7 milhões de domicílios com pelo menos um cachorro e
14,1 milhões de residências com pelo menos um gato.
Apesar de muitos desses animais serem devidamente cuidados por seus
tutores, com aplicação de vacinas, alimentação adequada e cuidados médicos,
de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que há
cerca de 30 milhões de animais abandonados nas ruas do Brasil. Essa
situação representa um problema de saúde pública, pois estes são suscetíveis
a contraírem doenças graves e de fácil proliferação como raiva, leptospirose,
leishmaniose, dentre outras (NASCIMENTO; MORISCO, 2017).
Assim, percebe-se que a solução mais viável e humanizada para
amenizar a superpopulação de animais de rua é através da castração cirúrgica.
O método apresenta-se como alternativa eficaz no controle populacional e
propicia a redução da natalidade sem agredir os direitos e bem-estar dos
animais (AMANKU; DIAS; FERREIRA, 2009).
1.3 Benefícios da castração
A castração em fêmeas pode trazer diversos benefícios à saúde do
animal. Nas cadelas, esse procedimento reduz consideravelmente o risco de
neoplasias de mama - 99% dos animais castrados antes do primeiro cio não
desenvolvem câncer de mama. Em gatas, reduz-se os riscos de tumores
mamários entre 40% e 60%. Aproximadamente 50% dos tumores mamários em
cadelas (TMC) são malignos. A maioria afeta esses animais com idades
compreendidas entre os 8 e os 10 anos, no entanto, podem surgir tumores
malignos com menos de 5 anos. Quando essas fêmeas são castradas, reduz-
se significativamente o risco de desenvolverem tumores de mama: castração
antes do 1º cio: risco de 0,05%; castração entre 1º e 2º cio: risco de 8%; e,
castração após 2º cio: risco de 26%. No entanto, quando a castração é
efetuada após o desenvolvimento de um tumor mamário não apresenta
benefícios, a não ser diminuir o risco de doenças do foro ginecológico
(QUEIROGA; LOPES, 2002).
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1.4 Campanhas de castração


Campanhas de castração ocorrem em diversas regiões do país ao longo
dos anos, promovidas por instituições não governamentais, prefeituras e até
mesmo faculdades de medicina veterinária. Essas campanhas visam a
esterilização de cães e gatos a fim de auxiliar no controle populacional e,
consequentemente, evitar problemas provenientes da superpopulação destes
animais (AMAKU; DIAS; FERREIRA, 2009).
Como a maioria desses procedimentos é feita sem fins lucrativos, em
grande número de animais diariamente, além de relativamente menor tempo do
que procedimentos particulares, essas castrações necessitam ser mais
precisas e objetivas, visando usar materiais com valores menores e que sejam
de rápido manejo. Um destes tipos de materiais é o lacre, conhecido também
como abraçadeiras de náilon (BARROS; SANCHES; PACHALY, 2009).

2. Revisão bibliográfica
2.1 O que é a OSH?
A Ovariosalpingohisterectomia (OSH) é o procedimento que restringe a
capacidade reprodutiva de fêmeas. Baseia-se em uma cirurgia que consiste na
retirada do útero, ovários e cornos uterinos (BALTHAZAR DA SILVEIRA et al.,
2013). Esse procedimento é realizado para controle populacional, prevenção e
tratamento de infecções uterinas hormônio-dependentes como a piometra
(acúmulo de pus dentro do útero), mucometra (acúmulo de líquido estéril no
interior do útero), hemometra (retenção de sangue dentro do útero) e a fim de
evitar tumores de mama (PRETZER, 2008).

2.2 As técnicas (local de acesso, material, instrumental cirúrgico)


As técnicas de OSH podem ser classificadas de acordo com três
características: a técnica de acesso, o local desse acesso, e o material para
sutura do ovário de acordo com o quadro 1.

Quadro 1. Classificação das técnicas de OSH

2.2.1 Técnicas de acesso abertas

2.2.1.1 Flanco - Lateral do abdômen


Segundo Levy e Miller (2004), esta técnica é mais indicada em casos de
animais que tem aumento excessivo das glândulas mamárias. O acesso pelo
flanco é uma técnica comumente utilizada em gatas por suas diferenças
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anatômicas em relação as cadelas. Gatas possuem uma musculatura delgada


e flexível, o que facilita a dissecação causando o mínimo de hemorragias.
Esses autores consideram ainda que esta modalidade diminui casos de
herniação e propicia um melhor acompanhamento a distância da sutura. O
oposto ocorre em cadelas, que possuem musculatura relativamente espessa e
rígida, com alta probabilidade de hemorragias, de acordo com estudos de
Krzacynski (1974). Em estudos de Minguez et al. (2005), as desvantagens
dessa técnica cirúrgica abrangem os seguintes pacientes: obesos; com idade
mais avançada; muito jovens, com idade inferior a 12 meses; com algumas
formas de distensão uterina, proveniente de gestação ou piometra.
Geralmente, essas desvantagens são devido à dificuldade de exposição do
útero distendido.
Janssens e Janssens (1991), dizem que alguns autores não orientam o
acesso pelo flanco em animais de exposição, pois é possível ocorrer cicatrizes
visíveis ou mudanças na cor do pelo quando voltar a crescer.
A abordagem pelo lado direito é a preferida por alguns cirurgiões por
oferecer ágil identificação e acesso ao ovário direito, situado mais
cranialmente. O acesso pelo lado esquerdo é dificultado pelo omento que
recobre as vísceras, dificultando sua localização (DORN, 1975). Os animais
podem ser contidos na mesa em decúbito lateral com suas extremidades
estendidas ou mais relaxadas, soltas ou não, de acordo com a figura 1
(KRZACYNSKI, 1974).
Figura 1– Abordagem cirúrgica pelo flanco esquerdo

Fonte: Minguez et al. (2005).

A tricotomia deve ser feita cranial a última costela até a tuberosidade


ilíaca em direção craniocaudal (figura 1). Tanto na cadela quanto na gata, a
incisão deve ser feita transversalmente começando da última costela até a
crista ilíaca. A extensão da incisão geralmente deve ser de 3 cm
aproximadamente nas cadelas e de 2 cm nas gatas, podendo diferir em alguns
casos de acordo com o tamanho do paciente ou com a fase do ciclo estral do
animal (MINGUEZ; MARTINEZ-DAVE; CUESTA, 2005).
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Minguez et al. (2005) e Useche (2006) citam a incisão do tecido


subcutâneo, utilizando uma pinça hemostática para dissecar as camadas dos
músculos oblíquo abdominal externo, oblíquo abdominal interno e transverso
do abdome. Quando o acesso é feito pelo lado direito, se observa as alças
intestinais na porção do intestino delgado. Localizado dorsalmente, se observa
a gordura que se situa ao redor do ovário direito e os ligamentos largo e
redondo. Já na abordagem esquerda é possível encontrar na região ventral, o
cólon descendente e a gordura que recobre o ovário esquerdo. Devem ser
identificados os ovários e o útero. O ovário deve ser exteriorizado com auxílio
do dedo ou de uma pinça. Logo após a exteriorização, é realizada uma ligadura
do pedículo ovariano. Essa ligadura pode ser realizada com fio cirúrgico ou
abraçadeira de nylon (lacre). O corno do útero também é exteriorizado,
podendo observar a bifurcação dos cornos esquerdo e direito (USECHE, 2006).
Com os pedículos ligados e os ovários retirados, faz-se a ligação do corpo do
útero. Então sutura-se a parede abdominal, com fio absorvível. Em gatas, se
pode suturar as três camadas musculares num único plano com um ou dois
pontos simples ou no padrão Sultan. Logo após, faz-se a sutura da pele com fio
de náilon ou pode ser feita a sutura intradérmica com um fio absorvível. Desta
forma, ocorre a cicatrização da pele sem ser necessária a remoção da sutura,
posteriormente (MC GRATH; DAVIS, 2004).

Como vantagens da técnica são relatadas facilidade na identificação do


ovário direito, menor índice de hérnia, uma redução de evisceração, melhor
visualização da ferida cirúrgica, e um menor estresse de manipulação com
cicatrização satisfatória. Como desvantagens deste tipo de acesso se relata
contraindicação nos casos de distensão uterina e obesidade. Além de não ser
recomendada para animais em estro, nem mesmo com o útero muito
distendido por conta de cesarianas ou infecções (DE BARROS, 2010).

2.2.1.2 Linha mediana

A OSH feita pela linha mediana ventral ainda é a mais utilizada em gatas
e cadelas. O acesso geralmente é feito da cartilagem xifoide até o púbis
(FOSSUM, 2014).
Figura 2 – OSH feita pela linha mediana ventral (seta azul- cicatriz umbilical, seta amarela púbis)

Fonte: Fossum (2014).


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Em cadelas, é recomendada a incisão caudal ao umbigo


(aproximadamente de 1 a 2 dedos abaixo da cicatriz umbilical conforme
indicado na figura 2). Em gatas, o corpo uterino se localiza mais caudal ficando
um pouco mais difícil de exteriorizar; portanto, a incisão deve ser feita no terço
médio do abdome caudal. O recomendado é que a abertura seja feita de 4 a 8
cm na pele e no tecido subcutâneo para visualização da linha alba. Após
segurar a linha alba, faz-se uma incisão para abertura da cavidade do abdome.
Com auxílio de uma tesoura de Mayo, é feito o aumento da incisão abdominal.
Com o gancho de ovariectomia voltado para a parede abdominal, desliza-se 2
a 3 cm caudalmente ao rim. Este gancho deve ser rotacionado em direção ao
centro da cavidade para apreensão de um dos cornos uterinos para ser
exteriorizado. Então deve-se fazer tração e identificar o ligamento suspensor do
ovário (na palpação é como uma linha fibrosa com tensão na extremidade
proximal do pedículo). Para rompimento deste ligamento, o cirurgião deve
utilizar o dedo indicador para tracionar caudolateralmente. Logo após, um
orifício no ligamento largo caudal ao pedículo do ovário deve ser feito. Duas
pinças hemostáticas são colocadas no pedículo na região proximal (profundo) e
outra pinça no ligamento próprio do ovário. O fio de sutura deve ser
posicionado abaixo à pinça do pedículo do ovário. Uma pinça hemostática é
colocada no ligamento suspensor próximo ao ovário. Então é feita uma
transecção no pedículo do ovário entre a pinça e o ovário. Após isso, pode-se
remover a pinça do pedículo do ovário. Para retirada do ovário coloca-se uma
ou mais ligaduras ao redor do ligamento próprio na ponta do corno uterino e
faz-se a transecção do ovário para avaliar se ele foi retirado por completo.
Deve ser feita a mesma coisa do outro lado (FOSSUM, 2014).

Ainda segundo Fossum (2014), para a retirada do corpo uterino é feita


uma janela no ligamento largo adjacente ligando também a artéria à veia
uterina. Fazendo tração no útero uma sutura em forma de oito é feita no corpo
do útero na região cranial a cérvix. Uma pinça hemostática é colocada
cranialmente a estas suturas e a transecção é realizada. O coto uterino é
recolocado na cavidade do abdome antes de soltar a pinça hemostática. Em
seguida, a parede abdominal é suturada em três camadas (fáscia/linha alba,
tecido subcutâneo e pele).

Como vantagens da técnica pela linha mediana podem ser


consideradas: menor tempo cirúrgico, menos gastos com anestésicos,
indicação para cesarianas, indicação para cadelas adultas, cicatrização
satisfatória. Já as desvantagens foram às seguintes: possibilidade da
síndrome do ovário remanescente, hemorragias, traumas de ureter, formação
de fístulas, formação de granulomas do coto uterino, não recomendação em
animais em estro. No pós-cirúrgico é uma técnica tranquila para o animal,
desde que haja suporte de analgesia correto (DE BARROS, 2010).
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2.2.2 Técnica de acesso fechada (Videolaparoscopia)


Na técnica da videolaparoscopia citada por Ferreira et al. (2011) é
realizado um corte longitudinal de 1,5 cm de comprimento, à distância de 5 cm
acima da cicatriz do umbigo, e dentro deste orifício feito é colocado o trocarte
(dispositivo composto de um furador, uma cânula e um selo), o qual viabiliza a
passagem do endoscópio. A seguir é feita uma segunda incisão, de
aproximadamente 0,8 cm de comprimento, para a passagem de um outro
trocarte 3 cm ao lado e 1 cm caudal da primeira incisão localizado na área do
abdômen do lado direito. Então o corpo uterino é localizado e com auxílio de
uma pinça de Kelly é preso junto à parede do abdômen ventral caudal com um
ponto transcutâneo com fio de polipropileno agulhado sendo a agulha medindo
7,5 cm. Em seguida, a hemostasia é feita com um eletro coagulador bipolar em
três localizações em uma mesma distância (0,8 cm), nos vasos e no corpo
uterino na região da cérvix. Após a eletro cauterização, estes são segmentados
com uma tesoura Metzenbaum entre a 2ª e 3ª cauterização, conservando as
duas cauterizações no coto uterino. Com uma pinça Kelly, os ovários são
suspensos na parede do abdômen de seus respectivos lados, os pedículos são
afixados com um ponto transcutâneo com fio de polipropileno agulhado. As
artérias e veias dos ovários são cauterizados em três pontos e seccionados
próximo aos mesmos. Assim, o útero com os ovários é retirado da cavidade
através da segunda incisão. Por fim é realizada uma inspeção para verificar se
há hemorragias e o pneumoperitônio (colocação de ar na cavidade abdominal)
é desfeito. As incisões de pele são suturadas em camada dupla com o uso de
fio sintético não absorvível.
A videolaparoscopia tem como vantagens ser minimamente invasiva,
precisar de um menor período de recuperação, causar menos desconforto para
o paciente, diminuir a necessidade de uso de fármacos, o período em que o
animal precisa ficar hospitalizado é menor, traz a possibilidade de realizar a
intervenção durante o diagnóstico, tem menor possibilidade de hemorragias,
reduz o íleo adinâmico, diminui a formação de aderências, além de preservar
mais o sistema imune e acarretar menor resposta endócrino-metabólica. E
como desvantagens pode-se considerar um custo maior do procedimento
cirúrgico e a necessidade de uma curva de aprendizado mais longa, ou seja, de
profissionais que dominem perfeitamente a técnica (DE BARROS, 2010).
2.2.3 Técnica de lacre
Em estudo realizado por Barros, Sanches e Pachaly (2009), para
realização de OSH pela técnica de lacre é feita a incisão de 3 a 5 cm retro
umbilical na linha alba, e se abre as camadas subcutânea e muscular do
abdômen, fazendo assim a inspeção da cavidade. Após a abertura da
cavidade, deve ser deslocado o omento maior cranialmente; identificado o
corno uterino (com a mão do cirurgião ou com ganchos) e feito tração, expondo
os ovários. Deve ser feita a ruptura do mesovário, do ligamento próprio e do
suspensor do ovário. A ligadura do pedículo ovariano é realizada com auxílio
de uma abraçadeira de náilon (figura 3), fazendo um laço ao redor do pedículo
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ovariano. A abraçadeira é deslizada até próximo à base deste, e fechada com o


sistema de trava, fazendo tensão suficiente para que seja feita uma hemostasia
apropriada. O restante da abraçadeira (a parte que sobra) é cortada com uma
tesoura. Com auxílio de uma pinça o pedículo é preso na região proximal do
ovário, e a incisão é feita a aproximadamente 0,5 cm da abraçadeira. Estes
passos são feitos no outro lado também. Já na região do corpo do útero, junto
com os vasos sanguíneos, deve ser usada uma abraçadeira de tamanho
apropriado para a estrutura. Faz-se uma ruptura do ligamento largo, antes da
junção com a cérvix; uma pinça hemostática é colocada a 1,0 cm de distância,
acima da ligadura, então se realiza a ressecção (aproximadamente 0,5 cm da
ligadura). O omento e as demais estruturas são recolocados em suas devidas
localizações dentro da cavidade. Por fim, como na técnica tradicional, é feita a
sutura do peritônio e da linha mediana ventral com fio não absorvível (náilon),
com sutura festonada seguida do fechamento do subcutâneo com sutura
simples contínua também utilizando náilon (3-0). Na pele faz-se com o mesmo
tipo de fio, pontos simples separados.
Figura 3 - Desenhos esquemáticos da abraçadeira de náilon 6.6 (poliamida) com as bordas destravadas em A e com
o laço formado em B.

Fonte: Miranda et al. (2006)

Na experiência descrita por Trajano et al. (2017), uma cadela


dachshund, 10 anos de idade, há 4 anos esterilizada, atendida no hospital
universitário da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Ela se encontrava
caquética, e muito desidratada, sinalizando dor abdominal, vômito e escore
corporal muito abaixo do ideal. Estava tratando Erliquiose e Babesiose com
doxiciclina e de imidocarb. O tratamento foi suspenso pela ocorrência
persistente de vômito (principalmente após a administração do antibiótico por
via oral). Alguns exames foram solicitados: bioquímico, relação
proteína/creatinina, ultrassom abdominal, raio X simples e com contraste (tanto
da região torácica quanto da região abdominal). Foi levada para laparoscopia
exploratória e puderam ser encontrados lacres de náilon na cavidade. A
princípio não foram observadas alterações significativas nos valores do exame
bioquímico, porém no leucograma, houve um aumento do número de leucócitos
(leucocitose) e o exame de urina, apontava amostra turva e com contagem
bacteriana significativa, indicando uma possível cistite bacteriana. Além disso,
no ultrassom abdominal foram observados jejuno com espessamento da
parede e aumento dos movimentos peristálticos; aumento dos linfonodos
mesentéricos laterais esquerdos; fígado com ecogenicidade mais fraca e
também estava levemente aumentado; rim esquerdo com má definição das
regiões córtico-medular e irregularidade da cápsula renal com nódulos na
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região medular; estômago e bexiga com paredes mais espessas. No


procedimento cirúrgico foram encontrados dois granulomas, um em cada área
dos pedículos ovarianos. Uma abraçadeira de náilon extremamente aderida ao
granuloma do pedículo ovariano direito foi retirada e o foi possível sentir ao
tato, a outra abraçadeira dentro do granuloma do pedículo contralateral. Neste
lado não foi retirado o granuloma por ele estar fortemente ligado ao rim.
Encontrou-se tecido fibroso causando aderência entre estômago, pâncreas,
aorta abdominal, omento, intestino delgado e cólon.
No relato de caso de Magalhães e Lot (2016), na universidade de
Marília, foi atendida uma cadela de seis anos, sem raça definida com uma
fístula contendo material seroso e purulento, na região do flanco do lado direito.
Exames complementares como hemograma e bioquímico não apresentaram
alterações sugerindo ausência de alterações sistêmicas. Clinicamente havia
aumento da temperatura no local da lesão. A cadela já havia sido submetida a
outros tratamentos anteriormente com anti-inflamatório e antibiótico locais e
sistêmicos e também desbridamento e sutura da lesão com consequente
deiscência desta sutura. Quatro anos antes, foi feita no animal a
ovariosalpingohisterectomia. Foi realizada citologia e nela puderam ser
observados neutrófilos degenerados e sinais característicos de destruição
celular. Após esses exames foi feita uma biópsia para detecção de infecções
bacterianas, porém o resultado não foi significativo. Havia infiltrado inflamatório
mostrando granulomas. Diante dos exames e da clínica da paciente, a equipe
veterinária decidiu pela laparotomia exploratória. Durante o procedimento, foi
identificado um corpo estranho, mais especificamente um lacre de náilon solto
na cavidade abdominal. O diagnóstico foi tido como fístula causada pela
presença de abraçadeiras de náilon colocadas na OSH. Foi feita a retirada
destas abraçadeiras, e no pós-operatório, instituído o tratamento suporte com
anti-inflamatório sistêmico e local e analgésicos.
Em outro relato de caso descrito por Moreira et al. (2018), no Hospital
Veterinário “Professor Mário Dias Teixeira” do Instituto da Saúde e Produção
Animal da Universidade Federal da Amazônia (UFRA), entre março de 2011 e
fevereiro de 2013 foi feita a OSH usando abraçadeiras em 45 cadelas, sem
raça definida e sem alterações clinicas com idades entre aproximadamente 3
anos e meio e 8 anos. Foram divididas em 3 grupos. O Grupo 1 (cadelas
avaliadas 30 dias após a cirurgia) Grupo 2 (cadelas avaliadas 60 dias após a
cirurgia) e Grupo 3 (cadelas avaliadas 90 dias após a cirurgia). Essas
avaliações foram feitas por meio de ultrassom abdominal, macro e microscopia.
A ligadura dos complexos arteriovenosos foi feita com abraçadeira de náilon
100 x 2,5 mm, da marca Bemfixa. Os pedículos foram incisados em torno de 3
mm acima das abraçadeiras e o excesso foi seccionado próximo ao sistema de
trava, com alicate de aço inox. A ligadura do corpo uterino também foi realizada
com a abraçadeira. A coleta para exame histopatológico foi feita aos 30, 60 e
90 dias, nos respectivos Grupos 1, 2 e 3. Cinco cadelas de cada grupo foram
escolhidas por sorteio. Os procedimentos consistiam na remoção de um
segmento de pedículo ovariano de cada lado com a abraçadeira. Foram
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colocadas novas abraçadeiras abaixo das existentes, antes da excisão dos


tecidos para evitar hemorragias. O resultado do exame histológico apontou
tecido de granulação, células inflamatórias polimorfonucleares e
mononucleares, neovascularização e tecido cicatricial. Trinta dias após os
procedimentos, 80% dos pedículos direitos e 60% dos pedículos esquerdos
pareciam estar aderidos ao omento maior e às abraçadeiras, e ao redor das
abraçadeiras tinha material tecidual bem fino. Com 60 dias das cirurgias,
grande parte dos pedículos continham aderências do omento. Em três
pedículos podia-se notar que estavam com material formado por cápsula de
tecido mais grosseiro. Já as abraçadeiras avaliadas 90 dias depois das OHS,
encontraram-se aderidas com omento maior, com cápsula tecidual de aspecto
brancacento indicando tecido cicatricial. No exame histológico trinta dias após,
pôde ser encontrado tecido adiposo sendo reabsorvido, células gigantes,
produção de colágeno, inflamação (presença de macrófagos), trombo com
neovascularização, tecido de granulação, e áreas fibrosadas em tecido
adiposo. Puderam ser observados linfócitos, polimorfonucleares e de algumas
células gigantes do tipo corpo estranho. Aos 60 dias os pedículos de uma
amostra específica apresentavam presença de alguns raros granulomas,
células gigantes, vasos de luz diminuída, fibrose em tecido adiposo e
fibroblastos em tecido conjuntivo. Com 90 dias havia presença de macrófagos
e linfócitos, ausência de tecido de granulação e tecido conjuntivo maduro
organizado com áreas em modelação. No tecido adiposo podia ser observado
presença de macrófagos espumosos.

Alguns estudos sobre as contraindicações da utilização da abraçadeira


de Nylon levaram o estado do Rio Janeiro a definir a seguinte resolução: “Não
são recomendados o uso de materiais cirúrgicos alternativos como
abraçadeiras de nylon de uso comercial”, de acordo com o artigo 20 da
Resolução CRMV-RJ Nº 60, de 11 de janeiro de 2021.

3. Conclusão
Os experimentos citados neste trabalho demonstram que existe grande
probabilidade de complicações pós OSH causadas pela utilização da
abraçadeira. Essas ocorrências podem se apresentar em intervalos de dias a
anos.

Os sintomas podem diferir entre os pacientes e muitas vezes o


veterinário não desconfia ser esta a causa dos casos clínicos que atendem.

Apesar de alguns autores considerarem um método de ligamento


tecidual prático e rápido, os riscos envolvidos no pós-cirúrgico tornam esta
técnica mais tecidualmente reativa em relação ao fio de náilon (que também
pode causar reações cicatriciais exacerbadas).

Conclui-se então, que a utilização dos fios é significativamente menos


reativa para o organismo causando relativamente menor reação inflamatória e
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menos risco de deslocamento de corpo estranho na cavidade abdominal e


possíveis complicações advindas dos processos inflamatórios.

Público-alvo: médicos veterinários, estudantes, proprietários dos animais,


prefeituras.

4. Bibliografia

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