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As aventuras em busca de dinheiro: Uma amplificação simbólica

sobre o conto de Simbá, O Marujo


Ana Mayume Pereira Suzumura (FAMAQUI)
E-mail: mayumesuzumura@gmail.com

Resumo:
O presente artigo tem como objetivo analisar o conto de Simbá, o Marujo e sua busca por enriquecer.
A jornada em busca pelo dinheiro, atualmente, é uma das buscas mais enaltecidas pela sociedade. O
dinheiro carrega muitas projeções e sua análise se torna relevante para compreender o sentido e a análise
do complexo financeiro. Em Simbá, o Marujo pode observar como um homem em busca de enriquecer
encontra a si mesmo e constrói uma personalidade forte, em vez de se tornar refém dela.
Palavras chave: Dinheiro, Simbá, Psicologia, Junguiana.

The adventure of Money Quest: A symbolic amplification in Simbad, the Sailor


Abstract
This article proposes to analyze the tale of Simbad, the Sailor and his quest to get rich. The journey in
search of money is currently one of the most praised quests by society. Money carries many projections
and its analysis becomes relevant to understand the meaning and analysis of the financial complex. In
Simbad, the Sailor, we can observe how a man seeking to enrich finds himself and builds a strong
personality, instead of being held hostage by it.
Key-words: Money, Simbad, Psychology, Jungian.

“É menos triste estar no túmulo do que na indigência”


Salomão segundo Simbá
1. Introdução
O homem moderno não confere muita importância ao mundo interno, separa o material
do seu conteúdo simbólico, perdendo seu valor transcendental e transformador. Como Hillman
diz “a consciência afastou mais ainda o transcendente de nossa vida real. O fosso intransponível
virou um vazio cósmico. Os deuses se retiraram.” (1996, p. 122). Felizmente ou não, o dinheiro
não desvalorizou com o tempo, muito pelo contrário, a busca pelo dinheiro, como símbolo
potencializador de desejos, liberdade e experiências é uma das aventuras mais prestigiadas
atualmente.
Vale lembrar que “o dinheiro é o agente mais ativo no sistema arterial da cultura
ocidental moderna.” (Hollis, 2004, p. 62). A necessidade financeira é tamanha que é esperado
que o jovem encontre sua vocação o mais rápido possível, para que se especialize e encontre
um trabalho que seja razoavelmente prazeroso de manter e que igualmente seja bem
remunerado, caso contrário o valor de sua personalidade será questionada pela sociedade. A
ligação entre o trabalho e o dinheiro é inegável, pode-se observar que é comum que alguém
insatisfeito com seu salário, mesmo satisfeito com seus resultados ou companheiros, irá se
sentir desvalorizado ou desamparado. É no dinheiro que está a questão real. “Continua
verdadeira a velha piada: "Quando um homem diz: 'Não é pelo dinheiro, é pelo princípio - é
pelo dinheiro". O dinheiro é um princípio irredutível.” (Hillman, 1998, p. 36). Sacrifica-se
quase ⅓ da vida adulta em busca de dinheiro, a maioria da população brasileira trabalha em
média 44 horas semanais (IBGE, 2015), ou seja, resta pouco tempo para se dedicar a outras
atividades.
A dificuldade possivelmente está em conscientizar o sagrado que há projetado no
dinheiro. Se cada vez é mais difícil viver num mundo desalmado, pelo menos o dinheiro está
cheio de projeções da alma: seu poder, seu valor, sua flexibilidade, sua possibilidade de
conexão, seus desejos, sua corrupção e principalmente seu confronto ético. Observa-se o
interesse coletivo por histórias de pessoas que enriqueceram, que a busca pelo dinheiro é ainda
um dos poucos mitos que mantém sua força e sua valorização no imaginário popular.
Refletindo sobre o dinheiro, iremos entrar em contato com a história de Simbá, o
Marujo, contado por Sherazarde em Mil e uma Noites. Nosso herói em busca de riquezas e
também para sair do tédio, atravessa os 7 mares e acaba encontrando a si mesmo. Questionado
por Hindbá, um carregador pobre, ele conta seus desafios e como é merecedor de sua fortuna.
Quantos de nós estamos, da mesma forma, nos aventurando “em busca de dinheiro”, enquanto
encontramos um pouco mais sobre nós mesmos, construímos um pouco mais nossa
personalidade?

2. O chamado pelo dinheiro


Diz-se popularmente: O dinheiro que temos nunca é realmente nosso, ele apenas está
em nossa posse pois foi repassado por alguém e também será repassado em algum momento
para o outro. De fato, o dinheiro possui uma tal importância que é normalmente repassado,
independente do que aconteça com seu “possuidor”, seus outros bens podem até serem
descartados, mas não suas economias. O dinheiro está à serviço de quem o possui naquele exato
momento. Percebe-se a efemeridade humana em contraposição ao constante valor do dinheiro.
Tanto é assim que pode-se enterrar um tesouro e resgatá-lo depois de anos, ou alguém sortudo
pode encontrá-lo sem querer, como em inúmeras lendas.
O dinheiro ou tesouro aparece como busca central em inúmeros contos de fadas, mitos
e lendas, entretanto, apesar dos autores junguianos citarem sua relevância em suas análises,
como energia psíquica, a reflexão sobre o assunto em específico normalmente não é
aprofundada. É possível pensar que o dinheiro é a representação de energia psíquica de forma
extrovertida, com a mesma capacidade criativa para transformar a realidade externa.
Simbolicamente, Johnson explica (1989, p. 136):
O dinheiro parece estar associado com recursos: talvez energia física ou psicológica
ou, em um nível mais profundo, força vital. Dinheiro é algo que se investe. Então,
onde estou investindo minha força vital, minha atenção, minha principal energia?
Recursos também significam talento, força de vontade e inteligência. Pode-se usar o
dinheiro para fazer com que as coisas sejam feitas: então, uma capacidade para as
coisas práticas, para conseguir a realização de alguma coisa. O dinheiro é algo que
ganhamos pelos nossos esforços. Representa o valor acumulado de nosso trabalho,
disciplina e habilidade.
Segundo Lockhart (1998, p.1): o “dinheiro gerava mundos imaginários”, e segundo
Hillman (1998, p. 33): “O dinheiro é, portanto, um depositário de fantasias míticas. É um
tesouro que cria e guarda imagens. O dinheiro é imaginativo, como tenho dito. Assim, dinheiro
na mão desperta possibilidades imaginativas: fazer aquilo, ir lá, ter isso.” Ou seja, a capacidade
de receber projeções é algo inerente ao dinheiro, “Porque o dinheiro é tão sem rosto, tão neutro,
tendemos a fazer projeções sobre ele mais facilmente.” (Guggembuhl-Craig, 1998, p. 79).
Atualmente o dinheiro e a busca de acúmulos financeiros é o objetivo de quase todo
mundo que vive em uma sociedade capitalista. Seja de forma indireta, com o dinheiro sendo
apenas um meio para as conquistas ou de forma direta, com pessoas que são focadas em ganhar
e guardar dinheiro. Essa busca parece ser um dos mitos mais importantes da atualidade, apesar
de muitos esbarrarem e tropeçarem nessa constatação por confrontos éticos. Atualmente em
quase todas jornadas para dentro da totalidade envolvem dinheiro, e ele é limitador ou
possibilitador delas. Com esse potencial, o dinheiro pode ser um talismã do Eu, que guia
segundo o propósito do telos. Diz Lockhart (1998, p. 12):
Nossa relação com o dinheiro deve carregar evidências do nosso telos, dinheiro
funciona como um talismã quando nos gira, nos força, nos move para dentro da
confrontação com o nosso telos. Nosso telos, nosso final, nosso propósito é para
determinar nosso valor. Quando nos perguntam "O que você vale?", não vem também
a imagem do dinheiro conectada com todas as outras considerações? .
Ou seja, a relação pessoal com o dinheiro revela também a relação com o Self, o
próprio valor e capacidade de lidar com o outro e reconhecer seu valor, seja com autonomia ou
confiança ou com desconfiança e dependência. Por esse motivo, esse tema escancara
principalmente a postura ética. O que é feito com o dinheiro possuído é a causa de muitos
conflitos internos. Ainda segundo Lockhart (1998, p. 16):
É esta relação ética que nos conecta juntos como uma comunidade. Isto é o que nós
prometemos a nós mesmos, um ao outro, e aqueles que buscam nossa ajuda. O que
nós fazemos com os frutos do nosso trabalho da alma - aquele duro pagamento em
dinheiro - tem muito a nos dizer sobre nossa relação com o Eu, nossa relação com o
telos, nossa relação com as "necessidades da alma". Este dinheiro vem para nós
marcado, marcado com as lutas da alma do "outro". Não vem limpo, mas
ensanguentado nas enormes batalhas da alma dos outros. "Dinheiro é um outro tipo
de sangue" e quando circula através das nossas mãos vem talvez com mais do que
nós nos importamos em saber.
O dinheiro se encontra na dualidade entre ter/ganhar e não ter/perder e quando o
complexo monetário está inconsciente, o indivíduo fica à mercê desse pêndulo polarizado, sem
conseguir lidar ou agir de forma saudável. Observar o complexo monetário é compreender
quais aspectos e valores estão ligados à pobreza e a riqueza. Como um receptáculo de
projeções, o dinheiro de uma forma simbólica, é como veículo para ir em busca de uma
totalidade. O dinheiro, como símbolo, esconde o segredo do indivíduo, diz a respeito de suas
próprias polaridades, encarar tanto a pobreza, e descobrir o que resta de si, e encarar a riqueza
e compreender no que investir. Isso significa aprender com a busca pelo dinheiro e não estar
refém dela.
Refletir sobre dinheiro é fazer uma busca em si mesmo, ou seja, é também uma busca
sagrada. Esse mito está presente em quase todos, seja no trabalho, ao pagar impostos e contas,
ao dar afeto em forma de presentes ou de investir tempo em algo. Sendo assim, a busca pela
compreensão do dinheiro é algo necessário e profundo. Para finalizar cabe a citação de Hillman
que mostra a riqueza interior quando olhamos nossas projeções ao dinheiro:
A questão do dinheiro não pode ser administrada com mais facilidade do que o sexo
ou o mar. Ela se ramifica nas várias direções de nossos complexos. O fato de não
podermos acomodar a questão do dinheiro em análise mostra o dinheiro como um
modo importante da imaginação manter nossas almas fantasiando. Assim, para
concluir minha participação neste painel, "Alma e dinheiro", sim, alma e dinheiro não
podemos ter um sem o outro. Para encontrar a alma do hom em e da mulher modernos
comece procurando naqueles fatos embaraçosos e irredutíveis do complexo
monetário.

3. Método
Em busca de materiais para ampliar sobre a busca do dinheiro como motivos do qual o
indivíduo se aventura em busca de si mesmo, foi escolhid o Simbá, o Marujo. Aqui o
protagonista tem sua história contada por Sherazarde, no livro Mil e Uma Noites. Na história
Simbá é confrontado com um carregador pobre, Hindbá, que questiona sua fortuna. O marujo
explica o que fez para merecer sua fortuna. Em suas aventuras em busca de dinheiro e sair do
tédio, Simbá atravessa os sete mares.
Muitas outras análises podem ser feitas a partir desse material, porém o foco na questão
financeira se dá pelo fato que a fortuna do marujo é o motivo para o encontro de Simbá e
Hindbá, homens que representam consecutivamente, a riqueza e a pobreza. Assim como o
Marujo, muitas pessoas vivem em busca de dinheiro, e assim como o carregador, muitas
pessoas sentem-se desmerecidas pela falta de dinheiro. A questão levantada aqui é exatamente
esse diálogo entre compreender como tornar-se independente do complexo financeiro, usando-
o como guia e não de forma negativa.
A pesquisa foi feita de forma qualitativa, que segundo Penna (2007, p. 128)
“caracteriza-se como uma abordagem interpretativa e compreensiva dos fenômenos, que busca
seus significados e finalidades.”. A análise do material busca uma amplificação simbólica sobre
o complexo financeiro e sua perturbação no indivíduo. O uso do conto Simbá, o Marujo se
torna relevante levando em consideração que “O inconsciente, embora não seja passível de
observação direta, pode ser investigado e conhecido indiretamente, por meio de suas
manifestações simbólicas arquetípicas.” (Penna, 2004, p. 83). Sendo assim, os contos são
formas de encontrar sentido e significado de forma indireta. Lembrando que todo material
simbólico jamais pode ser totalmente conscientizado, essa amplificação simbólica se propõe a
ser um singelo convite para encarar a busca pelo dinheiro e trazer a ele um pouco mais de
consciência e cuidado.
4. Análise de Simbá, o marujo
A história de Simbá, contada por Sherazarde, serve para transformar Hindbá, de um
pobre carregador em um homem grato e “rico”, seja pela obtenção dos saberes transmitidos
por Simbá ou pelas 100 moedas que o marujo dá a ele ao fim de cada dia. A história é contada
em sete dias e dividida pelas sete viagens do marujo. Ele é o observador principal do que iremos
ouvir e nós assumimos a posição de Hindbá ao ouvir o relato do Marujo.
Hindbá, um carregador, ao descansar numa rua desconhecida, descobre que estava em
frente a casa do Marujo que atravessou “todos os mares iluminados pelo Sol” (Galland, 2017,
p. 243). Como era uma bela casa, Hindbá questiona a Deus, qual diferença entre ele e Simbá,
sendo que ele trabalha duro e ainda tem uma vida sofrida enquanto Simbá está gozando de uma
vida confortável. Simbá acidentalmente ouve o carregador pela janela e o convida para um
festim. O Marujo pede que depois de contar sua história, que o carregador julgue se suas
riquezas são mesmo merecidas. Mas antes de começar seu relato, Simbá ordena que trouxessem
o fardo de Hindbá para ser cuidado.
Primeiro precisamos observar que se trata de uma dúvida espiritual feita a partir do
complexo financeiro. Hindbá se sente injustiçado por Deus por não ser tão próspero como
Simbá. O carregador dúvida de si mesmo e do seu valor, já que ele não sabe porque Simbá
merece sua vida confortável e ele não. O Marujo passa a ser um veículo para que Hindbá
entenda um pouco mais do complexo monetário, um porta voz de Deus, que é questionado
inúmeras vezes por Simbá quando este estava em situações complicadas. A história de Simbá
é guiada pelo prazer em obter riquezas, mas principalmente trabalha ativamente com a relação
entre ele e seu telos, sua noção de sagrado.
O interesse de Simbá de contar sua história talvez venha do fato que ele entende o papel
transformador e vinculador (já que em muitas viagens sua história foi importante para gerar
conexão com as pessoas que encontrou), e também por se compadecer das dores de Hindbá.
Segundo Estés (2018, p.29), “Nas histórias estão incrustadas instruções que nos orientam a
respeito das complexidades da vida. As histórias nos permitem entender a necessidade de
reerguer um arquétipo submerso e meios para realizar essa tarefa”.
Se pensarmos no conto como uma estrutura psíquica, podemos traçar o paralelo entre o
ego que precisa acolher e integrar sua sombra, que está ligada ao material, que desmerece suas
conquistas. Em algumas versões Hindbá é chamado de Simbá o material, em contraponto com
Simbá, o Marujo. Simbá com sua generosidade mostra como a riqueza pode ser transmitida aos
que precisam, tendo como recompensa um novo companheiro e aliado. Quanto ao dinheiro
como investimento, Simbá ao dar 100 moedas ao fim de todos os dias à Hindbá, mostra como
está comprometido com seu novo relacionamento.
Os dois personagens principais da história oferecem muitas possibilidades
interpretativas, Hindbá trabalha como um carregador, ou seja, ele leva pertences de outros de
um lugar para outro, simbolicamente ele ganha a vida movimentando algo que não é seu, em
contraponto com Simbá que é um marujo e comerciante, se apodera de algo e depois faz uma
troca. O carregador é alguém que não pode se apropriar do que está levando, não usa, às vezes
nem mesmo vê o que está carregando e entrega para outra pessoa. São funções diferentes,
Hindbá não investe o que carrega em si mesmo, ele não vê o potencial do que está carregando
e talvez por esse motivo seja pobre psiquicamente. Sua vontade de enriquecer vem de seu
questionamento a Deus, que é respondida ao se confrontar com Simbá, que o leva a aventuras
para os mares desconhecidos da psique.
Além dessas considerações, é dado uma importância em especial à carga ou ao fardo
de Hindbá, ele ao ser chamado para encontrar Simbá recusa dizendo que não pode deixar seu
fardo na rua, e depois é dito que foi ordenado pelo Marujo que seu fardo seja trazido até sua
casa para ficar em segurança. Podemos pensar que o fardo que Hindbá carrega foi usado como
uma maneira para não se confrontar com a dúvida que ele mesmo levantou, e ao mesmo tempo
que esse fardo foi cuidado enquanto ouve as aventuras pelos sete mares. Ele pode então relaxar
e vivenciar de forma imaginativa o potencial de si mesmo.
Dito isso, podemos observar a história dentro da história: as sete viagens de Simbá. O
Marujo inicialmente é um jovem que havia gastado sua herança em "extravagâncias" e que
busca a viagem para garantir a si mesmo uma velhice estável, já que considera que o restante
de suas economias não duraria muito tempo. Ele refletiu que “deve ser a última e mais
deplorável de todas as misérias ser pobre na velhice” (Galland, 2017, p. 246). O dilema inicial
do Marujo é prático e objetivo, a pobreza na velhice significa ter pouco conforto em um
momento da vida onde sua energia está menos disponível. Simbá gasta a economia que havia
recebido de sua família com superficialidades, o que pode nos dar a ideia que ele não soube
valorizar o que recebeu a fim de investir em si mesmo. No entanto, nesse momento, Simbá
toma consciência de sua vida sem sentido e de que precisa construir algo para si, e também de
responsabilidade pelo seu futuro. Ele junta o que sobrou de sua herança para poder enriquecer,
assim como devemos usar o que aprendemos, “herdamos”, da nossa própria história e
ancestralidade para nos nutrir e encontrar sentido ou conferirmos conforto na vida.
Aconselhado por pessoas confiáveis, ele usa o que havia restado e sai em busca de obter
lucros em viagens marítimas. O lugar onde ele escolhe para se aventurar em busca de dinheiro
é o mar, símbolo de um lugar desconhecido, ou o inconsciente, assim como quando estamos
“pobres”, é no inconsciente que podemos encontrar sustento. Simbá embarca em um navio
fretado, se sente um pouco enjoado, mas logo se acostuma com o ritmo. Nessa primeira viagem
o Marujo acaba sendo jogado ao mar por uma baleia confundida com uma ilha, perdendo toda
sua mercadoria. A baleia, segundo Chevalier e Gheerbrant (2018, p. 117), é um símbolo de
apoio do mundo que “contém em si a polivalência do desconhecido e do interior invisível; é o
centro de todos os opostos que podem vir a existir", assim como é um animal associado à
iniciação e psicopompo. Simbá perde tudo e se vê com risco de morte, porém não desiste e não
se afoga nas águas do inconsciente, ele se mantém firme até encontrar outra ilha. Onde ele é
resgatado acidentalmente e integrado a um reino. O que vincula Simbá ao rei local é sua trágica
história que recebe a empatia do monarca. Por não se acomodar, Simbá consegue recuperar
seus pertences. Em gratidão ao rei local ele dá presentes e recebe em troca outros mais valiosos.
Quando retorna para sua casa, ele é acolhido pela sua família e toma posse de terras e uma
grande casa. O primeiro movimento de Simbá em busca de dinheiro foi a estabilidade, que foi
cumprida ao ser acolhido pela família e ao comprar terras e uma grande casa. Nessa viagem
Simbá é iniciado em sua busca, do qual criará gosto e aprenderá muito com ela.
Já o motivo da segunda viagem foi o tédio e também o fato que ainda gostaria de viajar
pelos mares, ou seja, aqui temos a curiosidade de conhecer mundos desconhecidos, visto que
já havia o suficiente para se assegurar. É interessante refletir que os bens materiais não foram
suficientes para ele, Simbá ainda tinha muito que alcançar em termos psíquicos, físicos e
emocionais, ele ainda buscava um desafio. Dessa vez ele busca pessoas com quem ele confia,
mas acabou dormindo enquanto descansavam em uma ilha, sendo esquecido pelos tripulantes.
Podemos pensar que agora ele foi pego pelo cansaço, mas também pelo mundo dos sonhos.
Dessa vez ele reclama de si mesmo e cogita tirar sua vida, mas se resignou à vontade de Deus
e persiste mais um pouco. Ele usa de veículo uma ave mitológica, um pássaro roca para sair da
ilha, mas acaba em um covil de serpentes. Podemos pensar no seu voo como algo que não deu
muito certo, talvez simbolicamente ele “sonhou alto demais”, de qualquer forma, sua atitude
arriscada era a única forma de sair da ilha inabitada, apesar de tê-lo colocado em um outro
perigo tão igual, a diferença é que nesse covil havia também muitos diamantes.
Simbolicamente, podemos pensar em nossos abismos onde existem inúmeras serpentes, porém
muitos diamantes e que precisamos ter a sabedoria como Simbá de sairmos dessa situação. A
imagem da serpente nos revela aspectos internos profundos, e a relação entre a vida e a morte,
assim como a transformação, segundo Chevalier e Gheerbrant (2018, p. 814), “a serpente é um
vertebrado que encarna a psique inferior, o psiquismo obscuro, o que é raro e incompreensível,
misterioso. E, no entanto, não há nada mais comum, nada mais simples do que uma serpente”.
No conto ela representa um perigo, um ser rastejante do abismo que guarda diamantes. Que
são simbolicamente o oposto do animal, ainda segundo Chevalier e Gheerbrant (2018, p. 338),
ele representa “suas excepcionais qualidades físicas, de dureza, limpidez, luminosidade, fazem
do diamante um símbolo de perfeição”. Para conseguir sair de lá, Simbá observou que
comerciantes jogavam pedaços de carne para águias, que ao levar alimento para seu ninho,
estava grudada com esses diamantes, então ele junta o máximo de diamantes e se amarra em
um pedaço grande de carne e alça voo novamente. Aqui as águias representam o aspecto solar
usado por Simbá para escapar dessa situação, a ave é conhecida por sua capacidade de
observação, por voar perto do sol. Assim que chega em um ninho, ele é resgatado por um desses
comerciantes, conta sua história que o surpreende e divide o que havia conseguido do abismo.
O que ele faz com o que conquista no final dessa viagem é guardado, mas também doado para
os pobres, ou seja, sua riqueza começa a propagar para sua cidade, o seu coletivo próximo.
Aqui temos a criatividade de Simbá, e sua capacidade de observação para sair de tal d esafio
em vez de apenas desistir. Lembrando que na sua primeira viagem, Simbá contou com a sorte
de estar no lugar certo e na hora certa, mas aqui ele conta com sua inteligência.
Na terceira viagem Simbá conta que ainda estava na “flor da idade”, ainda tinha muita
energia e que isso o motivou a sair de casa novamente, ou seja, era necessário investir sua
energia psíquica em algum lugar. Dessa vez é seu navio que é roubado por numerosos anões
que os deixam em uma ilha onde há um gigante que come humanos. Temos outro oposto, dessa
vez não são animais e sim humanoides, segundo Chevalier e Gheerbrant (2018, p. 49) os anões
“personificam as manifestações incontroladas do inconsciente”, ainda segundo o autor, esses
seres pequenos quando de forma negativa, representam a ardilosidade e a malícia. Já o gigante
são: “seres ctonianos que simbolizam a predominância das forças saídas da terra por seu
gigantismo material e indigência espiritual. São a banalidade magnificada” (Chevalier e
Gheerbrant, 2018, p. 470). Simbá se encontra assaltado por sua própria malícia, e prestes a ser
devorado por sua pobreza espiritual, mas consegue ser deixado por último por estar magro. O
que o salva é ser considerado pouco apetitoso, a magreza muitas vezes está associada a uma
capacidade de resistir aos instintos, e aspecto que irá aparecer em outra aventura. Depois de
dias, ele traça um plano que consistia em furar os olhos do gigante e se arriscar no mar com
uma jangada. Ele decide não matar o gigante, mesmo estando em um número razoável de
pessoas, por considerar arriscado demais, cegar o gigante significaria ganhar tempo para fugir.
Parece que Simbá compreende que esse tipo de aspecto interno não é simples de se matar, e
que cegá-lo, irá pelo menos ajudar a se defender. Assim o faz, mas acaba em uma outra ilha
onde há uma serpente gigante que devora o resto da tripulação. Novamente temos a imagem
da serpente, porém dessa vez ela é gigante, diferente das outras que estavam num abismo
guardando diamantes, esta é impossível de ignorar, e seu confronto com ela é direto.
Inicialmente Simbá decide se jogar ao mar, mas ele se submete à vontade de Deus e tem a ideia
de se enrolar em troncos e espinhos a fim de evitar ser comido por ela, mais uma vez ele se
torna um alimento pouco atrativo para ser engolido. Se pensarmos nos aspectos sobre a serpente
já mencionados, estamos diante de uma transformação de Simbá, ao entrar em contato com o
animal gigante, representante da vida e da morte, pelo seu poder de trocar de pele. O Marujo,
perdendo as esperanças de escapar de sua trágica situação, decide se jogar ao mar para se
suicidar, e nesse momento ele avista um navio, e disse: “Deus se compadeceu do meu
desespero” (Galland, 2017, p. 266). O navio a sua frente era liderado pelo mesmo capitão que
o esqueceu na segunda viagem, e ele recupera a mercadoria e ainda consegue fazer lucro com
isso. Nessa viagem seu embate religioso é um pouco maior do que nas anteriores.
Já na quarta viagem temos um Simbá que está apaixonado pela arte de comerciar, aqui
o desejo de enriquecer se torna um meio para a prática que ele criou gosto e se aperfeiçoou.
Seu desafio, porém, é bem maior, primeiro ele naufraga em uma ilha onde havia vários
canibais. Estes davam ervas para perturbar o juízo deles e arroz para engordá-los. Simbá
desconfia e evita se alimentar, seus colegas são devorados um a um e como o Marujo está
magro, os canibais perdem interesse nele e por isso o deixam livre para andar pela aldeia, o que
permite sua fuga. Se pensarmos no canibalismo, segundo Barcellos (2021, p. 94): “é um desejo
profundo de absorção da bravura do inimigo, a assimilação de elementos de força e inteligência
por via oral. (...) Pois comer, como vimos, é de fato sempre assimilação, transferência de
valores. Comer é sempre absorver.”. A magreza aparece novamente, além da amplificação
feita, podemos refletir sobre o fato que esse estado não está associado à força física da qual os
canibais gostariam de assimilar. Dessa vez o jejum é escolhido, a magreza não é acidental,
mostra seu controle de si, para não aceitar assimilar os valores daquele povo, e manter sua
integridade. Segundo Woodman (1980, p.71): “se o jejum for reconhecido como um rito de
purificação e reforçado com alimento espiritual, o corpo e o espírito se unirão num novo nível
de integração interior.”. A negação do alimento dado pelos canibais à Simbá está ligada a uma
esperança de sair dessa situação, apesar de não ser claramente ou conscientemente um rito.
O grande desafio dessa viagem, no entanto, é exposto depois. Simbá, ao fugir, é
integrado em um outro reino, por sua história entreter o rei local. O Marujo acaba se casando
com uma nobre, bela e rica, por desejo do monarca de que ele nunca mais voltasse ao seu país
de origem. Simbá pode ter se afeiçoado com o local e com o prestígio que havia atingido, mas
logo isso deixa de ser suficiente. Disse ele: “não estava muito contente com meu novo estado.
Planejava fugir na primeira oportunidade e voltar a Bagdá, cuja lembrança me perseguia, apesar
das vantajosas condições que vivia” (Galland, 2017, p. 272). Simbá ter se casado com alguém
de notoriedade pela sociedade local, parece estar ligado a sua necessidade de se vincular a um
feminino que foi escolhido por um coletivo, mas que não era conectado com o próprio Marujo.
De qualquer forma, nesse reino era tradição que quando alguém casado morresse, seu cônjuge
fosse enterrado junto, apenas com um pote de água e sete pãezinhos e assim acontece com
Simbá. Sua escolha de não se impor e ser um consigo mesmo, o fez cair em uma tradição que
não concordava. Dentro da tumba, Simbá lamentava seu fim, não culpava Deus, mas sim sua
avareza, pois em vez de gozar os frutos do seu trabalho resolveu sair de casa. Contudo, segundo
Marujo: “em lugar de chamar em meu auxílio a morte, por mais desgraçada que fosse minha
situação, o amor à vida fez-se sentir em mim, e levou-me a prolongar meus dias” (Galland,
2017, p. 275). Com isso, ele começou a matar e roubar os mantimentos dos outros cônjuges
que eram deixados na tumba. Isso durou muitos dias até que ouviu assobios e passos, que era
de um animal que entrava na caverna para comer cadáveres, e seguindo o som, ele encontrou
uma saída dessa situação. Finalmente a salvo, o Marujo recolhe várias jóias e ricos tecidos que
eram deixados junto aos mortos para negociar. Ele é resgatado e com o lucro dessa viagem,
Simbá ajudou a manutenção de várias mesquitas e deu esmola a fim de agradecer a Deus pela
sorte que tivera. Assim, Simbá saiu dos mortos ainda mais rico, como quem vai até o mundo
avernal e aprende a valorizar a vida e a vida e a “herança” daqueles que já se foram.
Já na quinta viagem Simbá diz que os prazeres das viagens foram suficientes para
apagar da memória as dores e os males que passou. Como está mais maduro, ele contrata sua
própria tripulação, o que nos dá a ideia de que ele está mais consciente e ao mesmo tempo
confiante de suas qualidades. Porém isso não evita que seus colegas abram um ovo de pássaro
roca numa ilha para se alimentar, apesar de Simbá advertir que isso não era uma boa ideia.
Segundo Chevalier e Gheerbrant (2018, p. 783), esse pássaro: “´é tão grande e tão poderoso
que agarra um elefante e o leva pelo ar até bem alto, sem a ajuda de outro pássaro”. Os
companheiros de Simbá são ignorantes do perigo e desrespeitosos com a ave mitológica. Assim
que os pássaros percebem o que aconteceu, atacam e afundam o navio. Simbá, sozinho acabou
chegando em uma ilha onde encontra um ancião que parecia pedir ajuda para atravessar um
rio. Ele o colocou nas suas costas, mas logo que atravessaram o rio, o ancião se recusou a sair
e o apertou ainda mais. Simbá se tornou seu escravo e por dias fazia o que o velho mandava, o
desespero só foi amenizado porque encontrou uma cabaça onde começou a fazer uma espécie
de licor com frutos locais, do qual bebia. Segundo Chevalier e Gheerbrant (2018, p.364): “o
homem recorre à embriaguez física como meio de acesso à espiritualidade, libertando-se do
condicionamento do mundo exterior, da vida controlada pela consciência”. O ancião ficou
muito interessado na bebida, por perceber que o Marujo estava com uma disposição diferente,
e logo pediu um pouco. O ancião do mar logo se viu embebedado, o que permitiu que Simbá
se desgrudasse dele e o matasse. Talvez o Marujo estivesse preso em seus próprios aspectos
antigos, velhos, que não eram mais necessários para ele e disso precisava se confrontar e se
libertar. Logo que escapa, ele consegue encontrar outros mercadores que recomendam que ele
vá colher coco, porém Simbá em vez de fazê-lo de forma convencional, percebe que ao irritar
os macacos que viviam na floresta, estes lançavam cocos para agredi-los. Macacos são animais
símbolo de criatividade e agilidade, e parece que Simbá encontrou acesso a isso após se livrar
do ancião do mar. Assim, Simbá consegue novamente enriquecer, apesar de ter perdido tudo
no último naufrágio, e retorna para casa.
Na sexta viagem o que o impeliu a viajar: “foi sua estrela” (Galland, 2017, p. 246),
apesar de seus familiares terem o aconselhado a ficar em casa, e por ele também estar com uma
idade mais avançada. Durante a viagem, o capitão de seu navio se perde e se encontra no lugar
mais perigoso do mar, que os levam a uma ilha onde não era possível retornar ao mar. Estavam
presos cercados por montanhas, e onde os rios, em vez de desembocarem ao mar, rumavam
para seu interior, como um redemoinho. Assim que seus companheiros falecem, ele resolve
adentrar num rio que ficava numa gruta que era cheia de pedras preciosas. Apesar de parecer
arriscado, preferiu tentar do que ter a morte dos seus colegas, disse ele se seu plano desse certo:
“não só evitarei o triste destino de meus companheiros, como possivelmente encontrarei nova
oportunidade para enriquecer.” (Galland, 2017 p. 288). Simbá encheu um saco com essas
pedras e colocou sua jangada no curso desse rio misterioso. Como a viagem durou dias e nada
podia-se ver dentro da gruta pela escuridão, ele acabou adormecendo. Ao acordar, ele encontra
pessoas que o ajudam. Simbá ao vê-los recita os seguintes versos: “Invoca a Onipotência, e ela
te socorrerá. Não te preocupes. Cerra os olhos, e, enquanto estiveres dormindo, Deus
transformará a má sorte em boa.” (Galland, 2017 p. 289). Essas pessoas ficaram surpresas pela
história de Simbá e pediram a ele que contasse para o rei da Índia. Depois do rei ouvir sua
história, ele ordena que o nome do Marujo seja gravado em ouro para que não fosse esquecido.
Simbá fica emocionado com o acolhimento e oferece seus pertences ao rei, mas ele nega
dizendo “Cuidarei de não vos invejar, e de vos tirar nada que foi dado por Deus.” e disse que
iria aumentar suas riquezas. Logo pediu para o rei que permitisse seu retorno a Bagdá, e o rei
de forma generosa aceitou e também deu-lhe um presente valioso. Além disso, pediu que
entregasse ao Califa, o líder religioso, uma carta e um presente. Assim, ao retornar Simbá teve
como tarefa entregar a carta e estreitar o relacionamento desse rei da Índia com o Califa. Simbá
foi recebido pelo líder religioso com honra e contou tudo sobre o reino em que estava. Nessa
viagem fica mais claro o papel espiritual que sua busca tomou, apesar de enriquecer como
consequência, sua função transcendente é a mais importante no momento.
Na última viagem Simbá é chamado pelo Califa, para que entregasse sua resposta ao
rei da Índia e por esse motivo ele sai de viagem. Ou seja, já não mais o faz por escolha própria
e sim por respeito ao símbolo do Self. Sua viagem de ida foi tranquila e pacífica, porém em seu
retorno, encontrou outro desafio, corsários invadiram seu navio e mataram seus colegas que
reagiram, como Simbá sabia que não conseguiria se defender, sua vida foi poupada. Ele é
vendido como escravo, e seu dono pede que ele mate elefantes para depois coletar seu marfim.
Por dias ele matou os elefantes, até que um dia foi rodeado pelos animais, que o prenderam,
mas para a surpresa do Marujo, os elefantes o levaram até o cemitério deles, onde havia vários
dentes de marfins disponíveis. Todos os outros animais que Simbá interagiu eram sinônimo de
perigo ou de auxílio indireto, dessa vez, os elefantes conscientemente oferecem uma forma de
conciliação. O elefante representa inteligência, memória, além de estabilidade, segundo
Chevalier e Gheerbrant (2018, p. 259): “a potência do elefante dá àqueles que a invocam tudo
que possam desejar”. Podemos observar que o valor de Simbá é reconhecido por esses animais,
que não o matam, pelo contrário, encontram uma forma de selar a paz com ele. Simbá contou
ao seu amo, que ficou feliz e deu-lhe a liberdade, além de oferecer-lhe riquezas, mas o Marujo
recusou e só pediu para voltar ao seu país. Seu dono ficou alegre, pois seus escravos eram
sempre mortos por elefantes, mas agora poderia trazer riqueza para sua cidade e preservar a
vida desses. Ao retornar para casa, foi direto conversar com o Califa que escreveu em ouro
suas histórias para serem conservadas como tesouro. Sua história passa a ser um tesouro por si
só, e não apenas suas conquistas materiais. Ao fim ele começa gozar de uma vida tranquila e
próspera. Simbá disse: “entreguei-me inteiramente à minha família, aos parentes e aos amigos”
(Galland, 2017, p. 301).
De forma breve podemos observar o que é relatado sobre Hindbá durante a contação.
Logo após ouvir a primeira viagem ele conta à mulher e aos filhos sobre seu encontro que
ficaram alegres e “não deixaram de agradecer a Deus o bem que a providência lhes fazia por
intermédio de Simbá” (Galland, 2017, p. 252) e já no fim da segunda viagem ele “já havia
quase se esquecido de sua miséria” (Galland, 2017, p. 258). O carregador começa como alguém
ingrato ou desiludido com a vida, passa a esquecer de suas misérias e no fim deixa de ser
carregador, para ficar integrado aos amigos de Simbá, para que possa sempre vir aos seus
banquetes. Ele ao abandonar a vida de carregador a pedido do Marujo está livre de levar fardos
de outras pessoas. Hindbá diz: “É preciso confessar, senhor, que conhecestes espantosos
perigos e que minhas dores não se comparam às vossas. Se me afligem enquanto as sofro,
consolo-me pelo proveito que delas tiro.” (Galland, 2017, p. 302).
Temos o dinheiro como guia de Simbá na busca do ego para encontrar a si mesmo.
Inicialmente o Marujo busca apenas consolo para sua vida na velhice. A iniciação no nosso
mundo financeiro também é assim, trabalhamos e economizamos para viver uma vida
tranquila, mas principalmente para nos assegurar financeiramente quando não pudermos mais
trabalhar ou ter energia para explorar o mundo externo. Simbá assim o faz, encontrando uma
baleia que o arremessa direto ao mar desconhecido, mas com sorte de principiante e coragem
consegue chegar ao seu objetivo. Quando a vida se torna mais estável financeiramente e
perdemos a preocupação pela vida, um tédio é invadido dentro de nós e precisamos buscar por
mais experiências, podemos ter de encarar um abismo rico de diamantes, mas também com
serpentes e escapar com a ajuda de uma heroica águia. Depois ainda percebemos que a vida
adulta é cheia de energia, e precisamos gastá-la e investi-la em algo, normalmente escolhemos
alguma atividade lucrativa, onde encontramos valor e ao mesmo tempo nos ajude a crescer
psiquicamente e talvez, assim como Simbá, enfrentamos anões e gigantes internos, aspectos
pouco trabalhados e instintivos dentro de nós. E quando criamos um certo tipo de prazer no
que fazemos, apesar dos sacrifícios e das dores do caminho, começamos a explorar nossas
qualidades adquiridas com a prática e encarar aspectos nossos que são antropofágicos, que
querem nos consumir, assim como também entrar e sair de uma tumba coletiva, onde são
jogados aspectos que precisam morrer dentro de nós, mas não antes de resgatar de lá seus
tesouros. Talvez antes de terminarmos nossa trajetória precisamos iniciar nossa despedida deste
trabalho, se aventurar mais uma última vez, guiados por uma vontade sem sentido e entrar
dentro de uma gruta cheia de riqueza, percebendo que Deus ajuda a quem adormece e a Ele
entrega seu destino. E por fim, nossa última viagem não parece ser exatamente sobre nós, ou
sobre as aventuras que queremos viver e sim para algo maior, algo mais interno, já que nossa
prática se tornou boa o bastante, podemos emprestá-la para alguém que necessita, fazendo com
que consigamos entrar em paz com animais internos que poderão agir em nosso auxílio.
A cada passo que Simbá dá em busca do dinheiro, mais ele consegue acumular em
termos monetários e mais ele se distancia da necessidade financeira e aprende a fazer isso por
gosto próprio e ajudando os outros. Além disso, ao fim podemos observar que é a sua história,
suas experiências que são verdadeiramente um tesouro. Uma história guiada pelo seu telos, seu
chamado e principalmente sua relação com o Self, ou Deus. Simbá reflete ao fim de sua última
viagem: “não tinha de temer tormentas, nem corsários, nem serpentes, nem os demais perigos”.
5. Considerações finais
A relação de Simbá, o marujo, nos mostra como podemos usar o dinheiro para criar
laços de comprometimento e confiança com os outros e também como usar sua busca para
conhecer e confiar no Self. Além disso, sua relação com dinheiro, vinda de grandes sacrifícios
e provações nos mostra como é importante simbolizar sobre o dinheiro, criar sentido sobre ele.
Simbá em suas histórias aproxima e inspira outras pessoas porque sua riqueza é fruto de
incríveis aventuras e não de ações sem alma. Em todos os lugares que Simbá se relaciona, ele
deixa não somente a si mesmo mais rico, mas os outros também. Ele demonstra generosidade,
e apesar de constantemente se encontrar sem nenhuma posse, ele não perde a coragem e a
capacidade de encontrar um caminho. Ele não se identifica com o que carrega ou com o que
possui, mas sim com suas qualidades.
Simbá consegue encontrar uma forma de se aventurar que é guiado pelo dinheiro, mas
não exatamente pela questão financeira e sim pela aventura em si. Usando o dinheiro como
ferramenta para compreender onde é o nosso lugar e onde está nosso desafio. O dinheiro de
alguma forma, ou sua busca, nos tira do tédio e nos faz vincular ao mundo. É o motivo de
muitos saírem da cama e interagirem com outras pessoas. Segundo Covitz (1998, p.58): “A
necessidade de dinheiro ajuda você a sair da caverna na qual você se encontra preso, com suas
baixas despesas gerais; isto lhe dá incentivo. (...) Dinheiro apenas não vem a você; você tem
que ir atrás do dinheiro, e isto frequentemente requer que você seja geograficamente móvel. O
fato é que se você não pedir pelo dinheiro, você nunca o receberá.”. A aventura de Simbá nos
demonstra exatamente isso, é necessário que se busque por dinheiro ou peça a fim de conseguir
investimento para obter experiencias necessárias para seu desenvolvimento pessoal e encontre
possibilidades de influenciar positivamente o seu coletivo. Ao nos comprometer com a questão
financeira, podemos entrar em contato com a nossa realidade psíquica, com a nossa capacidade
de investir em nós mesmos e buscar entrar em consonância com nosso telos. O desejo de
riqueza em Hindbá foi o que vinculou e ajudou a entrar em contato com o Marujo, aqui a inveja
de Hindbá sobre a riqueza de Simbá o ajudou a expor suas necessidades, sua dificuldade em
tirar prazer na forma como sustentava a si e sua família. Assim como nós também devemos
ouvir e nos comprometer com nossos anseios e desejos e nos confrontar com eles.
O dinheiro como guia da nossa sociedade funciona como veículo para nossa
individuação, para descobrirmos sobre quem somos. Saber qual forma somos levados para
enfrentar as dificuldades do mundo externo e diferenciar sobre a forma como queremos nos
posicionar a respeito disso. Além disso, refletir sobre qual projeção está a nossa busca por
dinheiro, nos ajuda a compreender quais Deuses nos norteiam, já que o dinheiro é politeísta e
os Deuses interagem com o dinheiro, seja desde de dar uma moeda para Caronte no reino de
Hades, dos presentes de Afrodite, nas oferendas para Juno Moneta e nas trocas de Hermes.
Hillman (1998, p.30) nos conta que podemos olhar o dinheiro por várias perspectivas: “Ele
revela os Deuses que dominam minhas fantasias - rigor saturnino, generosidade jupiteriana,
exibição marciana, sensualidade venusiana.”. Em vez de usar o dinheiro de forma egóica para
preencher vazios podemos olhá-lo como norte para questões que devem ser trabalhadas
internamente com o objetivo de nos tornar mais comprometidos com nossas potencialidades e
tornarmos cada vez mais quem verdadeiramente somos.
Desse modo, Simbá nos ensina como buscar o dinheiro por prazer e pelas aventuras, e
não colocá-lo à frente de nossos valores e nossa verdade. Nos mostra como interagir e integrar
aspectos que emergem dessa busca, aprendendo a compreender nosso telos. Hindbá nos ajuda
a compreender que é preciso se responsabilizar pelos nossos desejos e necessidades, em vez de
apenas desejar que nossa realidade seja diferente. O carregador ao investir seu tempo por sete
noites acaba por receber não só cem moedas, mas também conhecimento e experiência que
valem como tesouro.
6. Referências
BARCELLOS, Gustavo. O banquete de psique: imaginação, cultura e psicologia da alimentação. Rio de Janeiro:
Vozes, 2017.
COVIT, Joel. Mito e Dinheiro. In: HILLMAN, James. Soul and Money. Dallas, Texas: Spring Publications,
1998, p.55-73.
ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da Mulher
Selvagem. 1ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2018.
GALLAND, Antoine. As Mil e uma Noites. Rio de Janeiro: Editora LTDA, 2017.
GUGGENBÜHL-CRAIG Adolf. Projeções: Alma e Dinheiro. In: HILLMAN, James. Soul and Money. Dallas,
Texas: Spring Publications, 1998, p.75-81.
HILLMAN, James. Uma Contribuição para Alma e Dinheiro. In: HILLMAN, James. Soul and Money. Dallas,
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HOLLIS, James. Nesta jornada que chamamos vida: vivendo as questões. São Paulo: Paulus, 2004.
IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios 2014-2015. Disponível em: https://brasilemsintese.ibge.gov.br/trabalho/horas-trabalhadas.html
Acesso em: 05/06/2022.
JOHNSON, R. A chave do Reino Interior. São Paulo: Mercury, 1989.
LOCKHART, Russell A. Moeda s e mudanças psicológicas. In: HILLMAN, James. Soul and Money. Dallas,
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PENNA, Eloisa M. D. Pesquisa em Psicologia Analítica: Reflexões sobre o Inconsciente do Pesquisador. Boletim
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PENNA, Eloisa M. D. O Paradigma Junguiano no Contexto da Metodologia Qualitativa de Pesquisa. Psicologia
USP, v.16(3), p. 71-94, 2004.
WOODMAN, Marion. A coruja era filha do padeiro: obesidade, anorexia nervosa e o feminino reprimido. São
Paulo: Cultrix. 1980.

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