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O GALO VOA: A INDEPENDÊNCIA ANGOLANA E AS MUDANÇAS DE

POSICIONAMENTO POLÍTICIO DA UNITA DE JONAS SAVIMBI ENTRE


1972 E 1976.

Tomás Diel Melícias


Mestrando pelo Programa de
Pós-Graduação em História
da PUCRS
tomasdm10@hotmail.com

Resumo: Esta pesquisa está inserida, contextualmente, no complexo movimento de


construção política e ideológica vinculada às criações nacionais na África lusófona
durante a metade final do século XX. Durante 27 anos (1975 – 2002), Angola esteve
envolta em uma sangrenta guerra civil travada entre seus três polos partidários (MPLA –
Movimento Popular de Libertação de Angola –, a FNLA – Frente Nacional de Libertação
de Angola – e a UNITA – União Nacional para a Independência Total de Angola). Este
trabalho de pesquisa tem como objetivo analisar a maleabilidade do posicionamento
político e ideológico presente nas justificativas nacionalistas de Jonas Malheiro Savimbi
(fundador e líder da UNITA entre os anos de 1966 e 2002).

Palavras-chave: Nacionalismo; Angola; UNITA; Jonas Savimbi.

1. Introdução

Em Quimbundo, uma das línguas mais faladas em Angola, existe uma palavra
chamada “cazucuta”. Esse vocábulo pode possuir dois principais significados: o primeiro,
nome dado a uma dança típica do país; o segundo, expressão que significa confusão ou
tumulto. Muitos adjetivos poderiam caracterizar, em Angola, os meses que se estenderam
entre a Revolução dos Cravos em Portugal e a consequente independência do jovem país
africano. Confusão, desentendimento, tumulto – ou melhor – cazucuta, possa servir para
representar o zeitgeist angolano do período.
O objetivo deste breve artigo é apresentar pontuações teóricas sobre as mudanças
de posicionamento político nas “diretrizes nacionalistas” propostas pela UNITA de Jonas
Savimbi nos meses entre o fim do regime Salazarista português (25 de abril de 1974) e
alguns meses após a independência de Angola (11 de novembro de 1975). Tais
apontamentos pretendem levantar algumas possibilidades de análise dos movimentos
políticos de Savimbi sob a ótica de diferentes vertentes teóricas de estudos sobre o
nacionalismo. Não pretendo, portanto, indicar uma categorização fechada e definitiva das
colocações e atitudes políticas de Savimbi em relação às teorias nacionalistas. Mas sim,
elencar certos pontos de contato entre suas posturas político-partidárias nacionalistas e
algumas teorias e produções historiográficas que desejam indicar, pontualmente,
características – atos políticos e culturais – que seriam considerados como
“nacionalismo” e “nação”.

2. O Fim do Império Português e a Guerra Colonial

Em 1974, o regime salazarista em Portugal – e em suas colônias “ultramarinas” –


completava mais de quarenta anos de existência1. Antônio de Oliveira Salazar regera, até
19682, como primeiro ministro, um governo extremamente autoritário e nacionalista, suas
políticas imperialistas em relação as possessões territoriais portuguesas pelo mundo
(África e Ásia) eram como um dogma particular ao Estado (ENDERS, 1997). Suas
políticas internas – que não se reduziram as terras de Portugal continental – tinham, como
objetivo maior, legitimar, politicamente, uma “função histórica” de Portugal: colonizar e
civilizar os territórios portugueses pelo “ultramar”. Tais politicas foram sistematizadas
como instrumento de condução governamental portuguesa a partir da criação do “Ato
Colonial” durante o início dos anos de 1930 (ALEXANDRE, 2000).
A partir dos anos que se seguiram ao término da segunda grande guerra mundial
(1945), com a emergência de novas potências mundiais3 e o estado socioeconômico
catastrófico em que boa parte do continente europeu havia sido deixado, novas

1
O regime Salazarista se instalara em Portugal no ano de 1933 (MAXWELL, 2006).
2
Após um acidente que o levara a falecer, Salazar teve suas funções de primeiro ministro passadas
para Marcelo Caetano ainda no final dos anos da década de 1960 (MAXWELL, 2006).
3
Estado Unidos e a União Soviética formaram a bipolaridade política e ideológica que permeara
o planeta entre o final da Segunda Guerra Mundial e o início da década de 1990 (SILVA, 2013).
conjunturas políticas globais estabeleceram-se rapidamente. Aquelas que tocaram o
regime Salazarista com maior força foram as relativas aos crescentes sentimentos
nacionalistas provindos de diversas “colônias” europeias pelo mundo e pela própria
vontade de separação entre a metrópole e suas periferias (SILVA, 2013). O mal-estar
social presente em solo europeu depois de 1945 originara, entre os países afetados pelo
terrível desenrolar do conflito, um sentimento de questionamento quanto a real
necessidade da pesada manutenção financeira do sistema colonial. Governos e sociedades
da Europa ocidental passaram, gradativamente, a vislumbrar suas colônias não mais como
heranças gloriosas de seus antepassados oitocentistas, mas como um fardo econômico e
social insuportável (M’BOKOLO, 2011).
Diferente de outros países da Europa ocidental, o desgaste financeiro que a guerra
trouxera a países como a França e a Inglaterra não tocara os cofres públicos de Lisboa
com a mesma intensidade. Em contrapartida, Portugal mantivera-se análogo aos
sentimentos de descolonização manifestados por outros antigos países imperialistas. O
regime salazarista apoiara-se de tal maneira na mística colonialista para validar sua
agenda política que, de tão arraigado em sua índole política, o cultivo de quaisquer ideias
que promovessem o fim do sistema colonial português traria a ruína do próprio regime.
É muito possível que, devido a essas conjunturas históricas diferenciadas – ou seja, pelo
fato de não ter participado diretamente do conflito mundial e por sua política nacionalista
– Portugal tenha tido ainda mais motivos para manter sua mentalidade nacional
colonialista e de manutenção do território ultramarino (MAXWELL, 2006).
Em 1951, Salazar e seu conselho promoveram uma revisão constitucional de
determinadas legislações coloniais vigentes, especialmente, aquelas que estiveram
presente no Ato Colonial. Promovido nos anos de 1930 pelo Ato Colonial, o conceito de
“império” fora eliminado, o nível institucional das colônias fora, então, passado ao de
“províncias ultramarinas”. Essa manobra política portuguesa tivera em vista a sua adesão
às Nações Unidas; a ideia de “nação pluricontinental” serviria com um subterfúgio às
pressões internacionais sobre suas colônias. Ainda assim, os estatutos assimilacionistas
proclamados em 1920 continuaram a ter vigência sobre os povos angolanos. Conhecidos
como “estatutos dos indígenas”, termo que designava os nativos das colônias africanas,
estas leis impossibilitavam a inserção da maioria gritante das populações coloniais
africanas à sociedade do moribundo “império” português (ALEXANDRE, 2000).
O acesso à educação de uma parcela mínima da população nativa de Angola criara
uma situação semelhante a outras regiões coloniais do continente, o surgimento de um
estrato social nativo “pensante”, intelectualizado e extremamente desconfortável com a
situação do status quo colonial. Devido a inexistência de órgãos de ensino superior para
nativos nas colônias, inúmeros assimilados migraram à metrópole portuguesa em busca
de melhores condições de ensino. A maioria desses indivíduos foram filhos de famílias
abastadas e que possuíram condições financeiras de arcar com seus estudos no exterior.
Involuntariamente, esses intelectuais emigrados da colônia deram origem a uma
vanguarda pensamento e de formação identitária nacional própria e distante da condição
de seus “compatriotas” na África (MBOKOLO, 2011). Esses assimilados acabaram
situando-se, em âmbito político, entre duas civilizações completamente diferentes, quase
que como num limbo social e cultural.
Pelos anos iniciais da década de 1950, inúmeros movimentos e partidos políticos
formados por grupos de “nativos assimilados” surgiram em Angola e no estrangeiro.
Vigorosamente perseguidos pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE)
salazarista, esses incipientes grupos tiveram, como objetivo principal, o fim do domínio
do governo de Lisboa sobre os povos nativos de Angola. Tiveram forte apoio de forças
portuguesas contrárias ao regime salazarista e sua organização fora, em um primeiro
momento, muito frágil e permeada por embates e desavenças ideológicas. Esses
movimentos possuíram pouquíssimos recursos financeiros, e suas lideranças tiveram que,
enfaticamente, lutar por relevância política em um território dividido por inúmeras etnias
e conjuntos demográficos difusos. Tais grupos, em 1961, deram início a Guerra Colonial
angolana, conflito que duraria até 1974 e envolveria três movimentos revolucionários
angolanos contra as forças militares coloniais de Lisboa (MAXWELL, 2006).
O conflito colonial em Angola fora mantido, até o ano de 1966, por dois
movimentos distintos: o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e a Frente
Nacional de Libertação de Angola (FNLA). Respectivamente, o primeiro nascera a partir
das pretensões políticas de grupos de assimilados residentes em Luanda e arredores por
volta do ano de 1954. Estes indivíduos possuíam ideais marxistas e liberais, e eram
motivados em sua luta pelas latentes desigualdades sociais vividas entre brancos e negros
nas cidades costeiras de Angola. Agostinho Neto – líder fundador do MPLA – promovera
um pensar político modernista4, de viés pan-angolano e antitribalista. Assim como outros
líderes revolucionários africanos, estudara na metrópole e carregara, consigo, novas
ideologias políticas para sua terra de nascença. Nomeadamente, o MPLA recebera
assistência internacional dos países (ditos) do “bloco soviético” (PÉLISSIER;
WHEELER, 2009).
O segundo, inicialmente, chamara-se União das Populações do Norte de Angola
(UPNA), depois, passara a ser a União dos Povos de Angola (UPA), para, finalmente,
tornar-se o FNLA em 1963. Fundada por Holden Roberto, o FNLA, como força
revolucionária, tivera um arcabouço ideológico diferente do MPLA. A frente de Roberto
era, essencialmente, voltada às vontades étnicas e tribais5 dos Bakongo, população do
norte-noroeste de Angola. Seus contatos eram, majoritariamente, com órgãos do serviço
secreto internacional dos Estados Unidos (PÉLISSIER; WHEELER, 2009).
Em 1966, um novo ator político interno juntara-se à luta contra o colonialismo
português em Angola. Fundada a partir da dissidência de Jonas Savimbi da FNLA, a
União Nacional para a Independência Total de Angola viria a ser a terceira componente
do conflito colonial angolano. Na data de sua fundação, a UNITA era um incipiente
partido revolucionário de viés ideológico maoísta, contrário a presença de brancos –
portugueses – em Angola, e que visava a consolidação governamental “pan-angolana” de
um futuro estado angolano. Mal equipado e sem grandes aliados internacionais além de
China e Zâmbia, a UNITA esteve, no início dos anos de 1970, perto de ser aniquilada.
Fora então, que Savimbi, honrando seu apelido de “manobrador”, dera início às primeiras
modulações ideológicas de seu partido. A aliança com comerciantes portugueses e, em
seguida, com quadros do exército português em 1972 foram o primeiro indício do caráter
mais pragmático que ideológico de Jonas Savimbi (FERNANDO, 2012).

4
Os movimentos nacionalistas chamados de “modernistas” tiveram seu surgimento durante os
anos que permearam as ondas de descolonização nos continentes asiático e africano. As teorias
nacionalistas tidas como modernistas foram compostas por inúmeras vertentes teóricas internas,
e atingiram seu ápice de formulação teórica durante a década de 1960. Em linhas gerais, o
modernismo pregava a formação das nações como “produto de um constructo histórico”, portanto,
fruto de uma criação intencional (ÖZKIRIMLI, 2000).
5
O etnosimbolismo surgira, como teoria nacionalista, a partir de estudos que confrontaram a ideia
modernista de surgimento nacional “criado” ou “inventado”. Teóricos do etnosimbolismo
argumentaram, a partir dos anos de 1980, que muitos dos teóricos do pensamento modernista de
nação ignoraram a importância dos “laços e sentimentos étnicos” dos povos para a formação
nacional. Para os etnosimbolistas, os mitos, símbolos e valores culturais de um povo são aspectos
chaves para compreensão de sua formação e existência como “nação” (ÖZKIRIMLI, 2000).
3. UNITA e a Cazucuta em Angola

O desgaste das campanhas coloniais militares chegara ao seu ápice em abril de


1974. Os militares portugueses estavam cansados de lutar em uma guerra a qual parecia
somente suprir os desejos gananciosos de meia dúzia de políticos em Lisboa. A economia
portuguesa ia mal, o pesado direcionamento financeiro para a aquisição de equipamento
militar para os territórios ultramarinos impedia, substancialmente, o investimento em
outras áreas chave do estado. Largas fatias da população metropolitana e ultramarina
estavam fartas com a situação corrente do moribundo “império”. Finalmente, na
passagem dia 24 para o 25 de Abril, um golpe de estado6 acometera o governo lisboeta.
Liderados, brevemente, pelo General Spínola, o Movimento das Forças Armadas (MFA)
tomara o poder do governo português e dera fim a gestão de Marcello Caetano sobre o
Estado Novo (CHABAL, 2002).
Após a demissão de Spínola, seu cargo fora preenchido por um homem mais
radical em seus métodos para com as colônias, o general Costa Gomes. Acertados os
cessar-fogo, fora marcado, com os três partidos, a assinatura do Acordo de Alvor em
janeiro de 1975. Os principais pontos presentes no acordo eram a criação de um Conselho
de Defesa Nacional único entre os três partidos, assim como um exército nacional
unificado. Com a independência marcada para novembro de 1975, o governo angolano
permaneceria, até tal data, sob uma junta administrativa de transição. Duas semanas após
a assinatura do acordo, os três partidos voltaram a entrar em confronto direto
(PÉLISSIER; WHEELER, 2009, p. 359).
Aliados por potências internacionais, MPLA e FNLA deram os primeiros tiros do
conflito civil angolano em meados da metade de fevereiro de 1975. A largada para o
conflito civil entre os partidos se dera graças ao recebimento de apoio financeiro
internacional e na forma de armas, munição e suprimentos de países aliados aos blocos
da União Soviética (MPLA) e dos Estados Unidos (FNLA). Novamente perdido no meio
das relações internacionais, Savimbi decidira que era preciso tomar as medidas cabíveis

6
Revolução dos Cravos de 25 de Abril de 1974 marcara o fim da ditadura do Estado Novo em
Portugal e nas Colônias (MAXWELL, 2006).
e possíveis para garantir, novamente, a sobrevivência de seu partido (FERNANDO, 2012
p. 158).
Apesar dos dirigentes da UNITA se declararem marxistas e defensores do
socialismo científico, em abril de 1975, Savimbi declarara que seu partido seria
“orientado europeísticamente”. Tais declarações a um jornal português7, assim como o
histórico de acordos com setores militares e civis portugueses, deram a Savimbi certa
credibilidade política entre os habitantes brancos de Angola (FERNANDO, 2012, p. 163).
É necessário, portanto, que se entenda Jonas Savimbi como um homem de múltiplas
imagens, assim como aquilo que fora parte de sua política e aquilo que pertencera ao
universo de atitudes políticas pragmáticas do líder angolano. Portanto, imediatamente
após o Acordo de Alvor em janeiro de 1975 – e que combinara a transição governamental
de Angola para sua independência em novembro do mesmo ano – qual era a percepção
de Savimbi sobre uma “nação” angolana?

“Interessa desde já dizer que toda a tendência de decalque, em,


das teorias politicas consagradas nos países industrializados,
sobretudo na Europa, peca, porque a clivagem política não é aqui
a mesma que a do Velho Mundo. ” (SAVIMBI, 1979, pg. 79)

Savimbi deixa claro, nesse trecho de seu livro Angola: a resistência em busca de
uma nova nação, que suas pretensões de criar um estado nacional angolano sob os moldes
dos países europeus poderia ser um grande erro. Sem as devidas “modificações”, as
fórmulas do “velho mundo” não poderiam se adequar à realidade africana8. Este é um
aspecto opinativo comum a outros líderes africanos durante o período de descolonização
de grandes porções do continente durante os anos de 1960 e 1970. Como trazer em união
comunidades étnicas distintas – não somente etnias autóctones de Angola, mas a
problemática racial entre brancos e negros também – dentro de uma mesma égide
governamental e nacional?
O estado pelos moldes cívicos é um produto de ideologias ocidentais e europeias,
notadamente, desenvolvidas após a Revolução Francesa. O estado, nessa ótica, é uma

7
Diário de Notícias do dia 16 de abril de 1975 (FERNANDO, 2012, p. 161).
8
“Os países [africanos] compartilham tradições políticas pré-coloniais e coloniais... Eles têm
um duplo patrimônio de valores políticos. ” (KI-ZERBO; MAZRUI; WONDJI, 2010, pg. 568).
concepção racional de delimitação territorial e legislativa cujo controle reside na mão de
instituições legais e centralizadas na entidade do “governo” (SMITH, 1991, pg. 23).

“Em África, as adesões a partidos políticos fazem-se de uma


maneira diferente. Operam-se, geralmente, por afinidades tribais,
de família, regionais, religiosas. Poucas vezes é pela tomada de
posição clara em relação a problemas materiais da sociedade. ”
(SAVIMBI, 1979, pg. 80)

Segundo Smith (1991, pg. 23), a concepção política de Savimbi de Angola após o
início de 1975 representaria o que poderia ser chamado de modelo não ocidental de
nação9, ou, simplesmente, de “concepção ‘étnica’ de nação”. Nele, haveria uma ênfase
em prezar, primeiramente, por uma noção de “comunidade de nascimento e de cultura
nativa”, e não pelos meios e mecanismo legais e cívicos colocados como sustentáculos
das nações “ocidentais” (SMITH, 1991, pg. 25). Contudo, Savimbi deixa claro que havia
uma necessidade de construir-se uma nação angolana; ou seja, a espontaneidade da
existência de uma Angola não era posta como algo natural para Savimbi. Tal colocação
remete a indagações teóricas sobre o âmbito modernista de Savimbi perante a jovem
Angola a tornar-se independente, e, portanto, multiétnica (ÖZKIRIMLI, 2000).

“ Para a UNITA, a unidade nacional constrói-se. Essa unidade


nacional não está ainda construída, porque o colonialismo, por
razões próprias, empregou-se a fundo na divisão que lhe permitia
reinar melhor. ” (SAVIMBI, 1979, pg. 90)

Savimbi encontrara uma maneira de incluir os colonos brancos, especialmente aqueles


nascidos em Angola, em seus discursos.

“A UNITA foi o único movimento que tomou posições claras,


límpidas, em relação à nacionalidade angolana. Foi ela que
manteve (como mantém) a sua posição de que nas circunstâncias
de nosso país, angolanos podem ser os pretos, os mestiços e os
brancos.” (SAVIMBI, 1979, pg. 64)

9
“... a luta de libertação estava ligada, através da mediação da memória histórica, a um passado
mobilizador, a conferir-lhe a sua legitimidade. “ (KI-ZERBO; MAZRUI; WONDJI, 2010, pg.
573).
A necessidade da continuidade dos brancos em angola tornara-se evidente para
Savimbi, tanto pelo apoio que era recebido por parte dos colonos, como pela própria
necessidade de mão-de-obra administrativa e industrial bem preparada (formada, quase
que totalmente, por brancos portugueses). Savimbi iniciara sua aproximação com
comerciantes brancos ainda no início dos anos de 1970. Após os anos da “Operação
Madeira”10, Savimbi jamais desfizera-se de seus preciosos contatos brancos
(FERNANDO, 2012). Aos poucos, o ódio racial nutrido pelo líder da UNITA durante o
início de sua caminhada política em 1966 fora desfazendo-se até transmutar-se em um
discurso de unidade nacional em 1975. Savimbi tentara, mas, para sua infelicidade
política, os colonos portugueses decidiram por um basta na sua permanência em solo
africano. Os quase 330 mil portugueses que se encontravam em Angola durante o ano de
1974 minguaram para pouco mais de 30 mil em meados de março de 1976 (PÉLISSIER;
WHEELER, 2009, p. 360).
Essa unidade nacional possuiria características muito próprias às vontades
políticas expressas por Jonas Savimbi. A união total do “povo angolano” em uma única
forma de representação nacional – aos moldes de um viés stalinista e soviético
(KEDOURIE, 1970, pg. 555) – não seria uma manobra interessante, tanto em âmbito de
representação ideológica contra o MPLA (apoiado pela União Soviética), como contra
aquilo que Savimbi chamara de “imperialismo soviético” em terras angolanas
(SAVIMBI, 1979, p. 9). Ou seja, uma transfiguração do jugo colonial português para uma
nova dominação política e de unificação cultural angolana através de ideologias
stalinistas massificadoras (KEDOURIE, 1970, pg. 559) das etnias do país.

“Utilizado para objectivos exclusivamente tribais, sem óptica


nacional, o tribalismo é sempre um elemento de divisão e de
guerra... Sendo contra o tribalismo, a UNITA é, porém, pelas
tribos, porque conhece a dinâmica dos valores que elas encerram.
” (SAVIMBI, 1979, pg.87)

No entanto, Savimbi tentara deixar claro que suas intenções não eram “anti-
socialistas”, mas, especificamente, anti-soviéticas.

10
Operação militar na qual as tropas da UNITA auxiliaram o exército colonial português na luta
contra o MPLA. Savimbi, durante os contatos com os militares, criara laços com comerciantes de
madeira (portugueses) e salvaguardara o transporte de suas mercadorias (FERNANDO, 2000).
“Mas interessa dizer que, no nosso conceito socialista, a
iniciativa privada deve ser encorajada, nunca eliminada. Porque,
e isto voltado aos valores africanos da nossa negritude, a
propriedade privada – no caso da terra, de algum gado e de uma
casa, por mais pobre que seja – faz parte dos nossos próprios
valores. Mas esses valores nunca permitiram que, ao lado de uma
grande riqueza, indivíduos da mesma comunidade passassem
mal. É o sentido do equilíbrio. ” (SAVIMBI, 1979, pg. 96)

Mesmo assim, os discursos proferidos por Savimbi mantiveram “socialismo” e


“propriedade privada” em proximidade. Os brancos foram – no hiato entre Alvor e a
independência – aliados importantíssimos na luta contra o MPLA, e não mais os
perpetuadores do terrível status quo colonial. Angola, deveria ser, aos olhos de Savimbi,
composta, então, por várias etnias: negros, brancos, mestiços. As alianças com
Washington e Pretória – a partir da metade de 1974 – também foram exemplos das
mudanças mais pragmáticas que ideológicas do alinhamento e posicionamento político
internacional de Savimbi nessa fase política da UNITA (SILVA, 2013).

Referências

ALEXANDRE, V. O império Africano (Séculos XIX-XX). Lisboa: Colibri, 2000.


CHABAL, P. A History of Postcolonial Lusophone Africa. Bloomington: Indiana
University Press, 2002.
FERNANDO, E. Jonas Savimbi: no lado errado da história. Alfragide: Dom Quixote,
2012.
KI-ZERBO, J; MAZRUI, A; WONDJI, C. A construção da nação e a evolução dos
valores políticos. História Geral da África. v.III. Brasília; MEC/UNESCO, 2010.
KEDOURIE, E. Nationalim in Asia and Africa. New York: The New American Library,
1970.
MAXWELL, K. O Império Derrotado: revolução e democracia em Portugal. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006.
M’BOKOLO, E. África Negra: história e civilização (Tomo II). Salvador: Universidade
Federal da Bahia, 2011.
ÖZKIRIMLI, U. Theories of Nationalism. New York: St. Martin’s, 2000.
PÉLISSIER R.; WHEELER D. História de Angola. Lisboa: Tinta da China, 2009.
SAVIMBI, J.M. Angola: a resistência em busca de uma nova nação. Lisboa: Agência
Portuguesa de Revistas, 1979.
SILVA, S. V. Política e poder na África Austral (1974-1989). Lisboa: Escolar, 2013.

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