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Da revolução à estabilização da democracia:

O movimento das forças armadas e a eclosão da revolução:


A conjuntura política:
Em 1974, o problema da guerra colonial continuava por resolver. Na Guiné, onde o PAIGC
ocupava parte significativa do território e já tinha declarado a independência unilateral, a guerra
estava perdida. Em Anggola e Moçambique, a situação continuava num impasse. Entretanto,
intensificava-se a condenação internacional da política colonial do regime à medida que cresciam
os apoios políticos e militares aos movimentos independentistas.
Perante a recusa de uma solução política pelo governo marcelista, os militares entenderam que
era urgente pôr fim à ditadura e abrir o caminho para a democratização do país. A isto juntava-se:
- O crescente descontentamento popular contra o aumento do custo de vida, provocado pela
crise dos inícios dos anos 70 e pelo choque petrolífero;
- A insatisfação de um setor empresarial moderno, descrente no marcelismo e desejoso de
aproximação à europa comunitária e que via a democratização do regime como o único meio do
país poder enveredar pelo progresso;
- a intensificação da violência levada a cabo peos movimentos clandestinos armados;

Do “movimento dos capitães” ao “movimento das forças armadas”:


O “movimento dos capitães”:
A partir de 1973 começa a organizar-se um movimento clandestino de militares, que arranca
com a preparação de um golpe de estado tendo em vista o derrube do regime ditatorial e a criação
de condições favoráveis à resolução política da questão colonial.
A satisfação das suas reivindicações levou-os a tomar consciência da sua força política. A
procura de uma solução política para o problema do ultramar passa a ser o objetivo das futuras
reuniões deste movimento.

O “movimento das forças armadas”:


Costa Gomes, chefe e António Spínola, Vice-chefe foram prontamente exonerados dos seus
cargos, ficando disponíveis para congregar a confiança do movimento de contestação que crescia
no meio militar.
Assumindo objetivos de pôr fim à política do Estado Novo, o movimento cresce e evoluiu para
um movimento das forças armadas. Nascia o MFA. Os seus membros tinham ratificado os nomes
dos generais Costa Gomes e António de Spínola como dois chefes que o movimento aceitava.

O “25 de Abril”:
São as forças armadas que vão para a rua na madrugada de 25 de abril de 1974 e conseguem
levar a cabo uma revolução que pôs fim ao regime de ditadura que vigorava desde 1926.
A ação militar, sob coordenação de Otelo Saraiva de Carvalho, teve início cerca das 23h do dia
24 de abril com a transmissão da primeira senha “E depois do Adeus”.
Às 00h20 do dia 25, era transmitida a canção “Grândola vila morena”. Estava dado o sinal de
que as unidades militares podiam avançar para a ocupação dos pontos estratégicos, como as
estações de rádio e da RTP, os aeroportos civis e militares, as principais instituições de direção
político-militar, entre outros.
A única força que saiu em defesa do regime, e com a rendição imposta a Marcello Caetano, que
ameaçava bombardear o Quartel do Carmo, e pressionado pelas manifestações de populares que o
rodeavam, aquele viu-se obrigado a entregar os poderes ao general Spínola (“para que o poder não
caísse na rua”).
Já o golpe militar era aclamado nas ruas, uma autêntica revolução nacional que, pelo seu
carácter pacífico, ficou conhecida por “revolução dos cravos”.

Desmantelamento das estruuras de suporte do Estado Novo:


Os “capitães de Abril” constituiu um estímulo para que se desse início ao desmantelamento do
regime deposto. Foi nomeada uma Junta de Salvação Nacional, constituída por sete oficiais
generais com António Spínola, na presidência a quem foram entregues os poderes do estado até à
formação de um Governo Provisório Civil. A esta instituição coube o processo de desmantelamento
do regime, previsto no programa do MFA:
- Américo Tomás (presidente da república) e Marcello Caetano (presidente do governo) foram
destituídos do poder, presos e, mais tarde, exilados para o Brasil;
- a assembleia nacional e o conselho do estado foram dissolvidos;
- a constituição de 1933 é revogada;
- extinguiu-se as estruturas repressivas da ditadura (legião portuguesa, PIDE e censura) e a
prisão de grande parte dos seus membros;
- os presos políticos foram amnistiados e libertados e os exilados iniciaram o regresso ao país;
- são extintas todas as organizações políticas de propaganda e a Ação nacional popular;
- iniciou-se a formação de sindicatos livres e de novos partidos políticos;
- procedeu-se à nomeação de um governo provisório;
- iniciou-se a preparação de eleições livres para eleger uma assembleia constiruínte, à qual
incumbiria a redação de uma nova constituição;
- a 15 de maio António Spínola é nomeado presidente da república e o Adelino da Palma Carlos
é convidado para presidir à formação do I Governo Provisório.

Tensões político-ideológicas na sociedade e no interior do movimento revolucionário:


Após os momentos de entusiasmo na aclamação da liberdade, seguiram-se dois anos
conturbados em que vieram ao de cima divergências ideológicas que conduziram a graves
confrontações sociais e políticas que provocaram situações de conflito militar.

O novo quadro social e político:


A dificuldade em conter alguns excessos levados a cabo por grupos sociolaborais, na
reivindicação de direitos reprimidos durante 48 anos, criou no país um ambiente de agitação dificil
de controlar por uma autoridade política que se sentia fragilizada.
Forma-se o II governo provisório, chefiado por Vasco Gonçalves, um dos dirigentes máximos do
MFA. O novo regime evoluiu para uma tendência revolucionária de esquerda, aproveitada por
estudantes e por trabalhadores por para imporem ao poder público a resolução dos seus
problemas.
Foi criado o COPCON, sob liderança de Otelo Saraiva de Carvalho, que fez deste órgão de poder
militar e político um elemento essencial de ligação entre o MFA e as movimentações populares
evoluído para o apoio a uma construção de formas de poder popular.
Agravam-se as dissidências entre o Presidente da República, general Spínola, e o MFA sobre
rumos a empreender no processo de descolonização. Spínola congrega as simpatias dos
conservadores, o MFA apresenta-se mais identificado com o esquerdismo revolucionário, em
prejuízo da autoridade do Presidente da República.

Os primeiros confrontos:
O 28 de setembro - primeiros sinais de confrontação civil:
Em 28 de setembro, ocorrem os primeiros confrontos, quando os setores reacionários, a
maioria silênciosa, organizam uma manifestação nacional de apoio a Spínola. O MFA proíbe a
manifestação e as forças revolucionárias respondem com a organização de barricadas, para
impedirem o acesso dos manifestantes.
Na sequência destes acontecimentos, Spínola só teve que resignar, sucedendo-lhe Costa
Gomes. Estava confirmada a aliança MFA/Povo que era denunciada como expressão de uma
aliança do MFA com o partido comunista.

O 11 de Março - iminência de confrontação militar:


A 11 de Março de 1975, os militares afetos a Spínola e sob sua tutela tentam levar a cabo um
golpe com o objetivo de impedir a continuação do processo revolucionário e fazê-lo reverter. O
golpe foi dominado pelo MFA e Spínola teve que se refugiar em Espanha. As forças de esquerda
revolucionária saíram reforçadas.

O verão quente de 1975 - Prenúncios de uma guerra civil:


Foi criada a assembleia do MFA e o conselho da revolução, presidido por Costa Gomes, que era
simultâneamente presidente da república e chefe do estado maior das forças armadas. Boa parte
dos poderes da Junta de Salvação Nacional e do Conselho de Estado passaram a ser exercidos por
esta instituíçao. O governo foi remodelado, iniciando-se o período do IV governo provisório,
mantendo-se os representantes dos quatro partidos com maior número de militantes.
Das eleições para a assembleia constituinte sai vencedor o partido socialista. O partido
socialista e o partido social democrata passaram a reclamar maior intervenção na atividade
governativa. Todavia, o processo revolucionário avançava, impulsionado pelo partido comunista e
por outros da esquerda revolucionária.
No início de agosto, PS e PPD abandonam o governo e passam a afirmar-se como forte
oposição ao governo, chefiado por Vasco Gonçalves, tendo em vista o regresso ao que considerava
ser o programa inicial do MFA.
Vivem-se os tempos do verão quente de 1975 - explodiram confrontos entre direita e
esquerda. Após o 11 de março a divisão entre fascistas e antifascistas deu lugar à divisão entre
comunistas e anticomunistas. Iniciaram-se mobilizações no centro e no norte, geralmente lançadas
e coordenadas por antigos dirigentes da MP e políticos conservadores, bom como membros da
igreja, que levaram a cabo ataques às sedes políticas dos partidos de esquerda.

Política económica antimonopolista e intervenção do estado nos domínios económico e


financeiro:
Foram os tempos do PREC, expressão usada para designar a vaga de atividades revolucionárias
levadas a cabo pelos partidos mais à esquerda e uma parte do MFA com vista à institucionalização
do poder popular e ao reforço da transição para o socialismo marxista.
Nesta altura assistiu-se à intervenção do estado na eliminação dos privilégios monopolistas do
setor capitalista português, em consequência das medidas adotadas pelos governos de Vasco
Gonçalves:
- a apropriação pelo estado dos setores chave da economia nacional (desmantelamento dos
mais poderosos grupos económicos portugueses);
- a intervenção do estado n administração de pequenas e médias empresas;
- a reforma agrária com a expropriação institucional das grandes herdades e a organização da
sua exploração em unidades coletivas de produção (UPC) sob controlo do partido comunista;
- as grandes campanhas de dinamização cultural e ação cívica promovidas pelo MFA para
explicar o significado de revolução, o valor da democracia, etc.
- as grandes conquistas dos trabalhadores que viram a sua situação económica e social muito
beneficiada.

O “documento dos nove” - inversão do processo revolucionário:


Um grupo de 9 oficiais que integravam o conselho de revolução, com Melo Antunes à frente,
toma posição sobre a situação pública e publica um manifesto. Nele declaram que o processo
revolucionário era crucial e que chegou o momento de tomar importantes decisões em relação ao
futuro político do país.
Era urgente clarificar “posições ideológicas, terminando com ambiguidades que foram
semeadas e progressivamente alimentadas”. Denunciam os rumos que o processo revolucionário
começava a tomar e recusam para Portugal um regime de tipo “europeu oriental”.

O “25 de novembro” - fim da fase extremista do processo revolucionário:


A inversão do processo revolucionário traduziu-se no agravamento da confrontação política e
social. No outono de 1975, as insoburdinações e sublevações nos quartéis faziam prever a eclosão
de um conflito militar.
Em 25 de novembro um grupo de militares liderados por Ramalho Eanes responde com um
contragolpe contra o avanço da esquerda radical que acabou por conduzir as forças moderadas ao
poder. Vasco Gonçalves já tinha sido demitido e um VI governo provisório é entregue a Pinheiro
Azevedo, um militante politicamente mais moderado.
Fim da fase extremista do processo revolucionário.

A opção constitucional de 1976:


A constituição de 1976:
2 de abril de 1976, foi elaborada no clima de forte radicalização política. Este clima está
presente no carácter ideológico no sentido do socialismo.
O texto constitucional consagra o estado português como uma república democrática e
pluralista ao garantir as liberdades individuais e a alternância democrática, através da realização de
eleições livres e universais que possibilitam que o cidadão escolha os seus representantes.
A constituição de 1976 consegue conciliar as diferentes conceções ideológicas subjacentes ao
processo revolucionário e pode ser considerada o documento fundador da democracia portuguesa.
No seguimento da constituição realizam-se eleições:
- para a primeira assembleia da república, em 25 de abril de 1976, vencidas pelo partido
socialista, que forma o I governo constitucional, chefiado por Mário Soares;
- para a presidência da república, em julho do mesmo ano, vencidas por Ramalho Eanes, o
grande triunfador do 25 de novembro.
- Para as autárquias locais, em dezembro de 1976;
O poder local foi estruturado em municípios e freguesias dotadas de um órgão legislativo, a
assembleia municipal e a assembleia de freguesia, e de um órgão executivo, a Câmara Municipal e a
Junta de freguesia, todos eles eleitos diretamente pelas respetivas populações do concelho ou da
freguesia, num ambiente político de plena liberdade e independência de Poder Central.
Outra manifestação foi o reconhecimento da autonomia administrativa das ilhas.

O reconhecimento dos movimentos nacionalistas e o processo de descolonização:


Outro processo foi o da descolonização (o terceiro “D” que norteavam a revolução:
Democracia, Desenvolvimento, Descolonização)
Tratou-se de um complicado processo marcado por profundas divergências sobre a ação a
empreender:
- Programa do MFA propunha “o claro reconhecimento do direito à autodeterminação e a
adoção acelerada de medidas tendentes à autonomia administrativa e política dos territórios
ultramarinos”;
- Corrente política representada pelo próprio António Spínola que procurava travar
controladamente o processo, propunha apenas o “lançamento de uma política ultramarina que
conduza à paz”.
Os tempos eram favoráveis ao triunfo da primeira opção:
- os movimentos independentistas exigiam a rápida solução do problema colonial pelo
imediato reconhecimento da independência, com transferência do poder para os movimentos de
libertação, sem passar por qualquer processo eleitoral;
- a pressão internacional, sobretudo da ONU e dos países da organização da Unidade africana
e também de alguns países europeus para fazer regressar os militares portugueses e para que não
restassem quaisquer dúvidas sobre o caráter democrático e anticolonial do novo regime.
- os responsáveis do MFA pressionaram o poder político para o estabelecimento de
conversações tendentes a um cessar fogo imediato;

Com a tomada de posse do II governo provisório, o MFA assume as maiores responsabilidades


no processo e inicia as negociações para a transferência de poderes:

Os processos pacíficos:
- O processo inicial para a independência da Guiné inicia-se a i de julho de 1974 com o
reconhecimento do PAIGC como único parceiro com legitimidade para assumir poder. A nova
república foi reconhecida com a assinatura do acordo de Argel.
- A 5 de julho de 1975 é reconhecida a independência de Cabo Verde e inicia-se o processo de
independência de territórios onde não havia guerra, numa prova que a descolonização era
extensível a todas as parcelas do império.
- O poder em S. Tomé e Príncipe é entregue ao MLSTP, um movimento não militar reconhecido
pelo governo português em 1975.

Os cassos de Angola e Moçambique vieram a tornar-se complicados e os efeitos das


divergências políticas internas começaram a dissipar-se com a chegada de uma paz sólida.

O caso de Angola:
A luta armada contra a dominação colonial tinha sido empreendida por três movimentos de
libertação que eram constituídos por etnias rivais dominantes na população angolana. Angola era a
provincia mais poderosa economicamente, onde os interesses da população branca eram mais
fortes e impunham uma intervenção política mais cuidada.
15 de janeiro de 1975 - assinatura do Acordo de Alvor, que previa o reconhecimento dos 3
movimentos como legítimos representantes do povo angolano e marca-se a independência para 11
de novembro.
Nada se concretizou. Os movimentos reforçaram as suas posições militares no terreno e inicia-
se o conflito entre o MPLA e a FNLA com a intervenção da URSS e da UNITA, respetivamente.
Formam-se dois governos: o da república popular de Angola, do MPLA e o da república
democrática de Angola, da UNITA/FNLA.
Em finais dos anos 80 tudo apontava para o fim das hostilidades. O acordo de paz foi
celebrado, e em 1989, as eleições foram realizadas tal como previsto no acordo de alvor. A direção
da UNITA não reconheceu resultados e as devergências políticas continuaram por resolver.

A revisão constitucional de 1982 e o funcionamento das instituições democráticas:


O quadro político favorável à revisão da constituição de 1976:
A normalização das relações institucionais:
Em 1982 - democracia dava sinais de que o processo revolucionário tinha assumido o carácter
pluralista e democrático da constituição de 1976. Os tempos do verão quente de 1975 iam sendo
ultrapassados pela normalização das relações institucionais entre os órgãos de soberania .
O revolucionário pacto MFS/Povo, inspirador de manifestações de poder popular do agrado
dos partidos mais à esquerda é substituído por um novo pacto MFA/Partidos.

O novo texto constitucional:


1982 - PS, PSD e o CDS chegam a acordo sobre as alterações a introduzir na constituição, de
forma a torná-la mais ajustada aos novos objetivos da governação.
O processo das nacionalizaçoes irrevers

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