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ACUMULAÇÃOPORESPOLIAÇÃO
DavidHarvey
A longasobrevivênciadocapitalismo,apesardesuasmúltiplascrises
ereorganizaçõesedospresságiossobresuaiminentederrotapro-
venientes tanto da esquerda como da direita, é um mistério que exige
esclarecimento. Henry Lefebvre pensava que havia encontrado a chave
domesmo,emsuafamosaidéiadequeocapitalismosobreviveatravésda
produçãodoespaço,masnãoexplicouexatamentecomoissoocorria1.
TantoLênincomoRosaLuxemburgo,porrazõesmuitodistintas,eutili-
zandotambémargumentosdiferentes,consideravamqueoimperialismo
–umaformadeterminadadeproduçãodoespaço–eraarespostaparao
enigma, ainda que ambos postulassem que esta solução estava limitada
porsuasprópriascontradições.
Nos anos 70, tratei de abordar o problema mediante a análise dos
“ajustesespaço-temporais”edeseupapelnascontradiçõesinternasda
acumulação de capital2. Este argumento só tem sentido com relação à
tendênciadocapitalismodeproduzircrisesdesobreacumulação,aqual
podeseentenderteoricamentemedianteanoçãodequedanataxade
lucrodeMarx3.Estascrisesseexpressamcomoexcedentesdecapitale
de força de trabalho que coexistem sem que pareça haver maneira em
quepossamsecombinardeformarentávelcomointuitoderealizarta-
refassocialmenteúteis.Senãoseproduzemdesvalorizaçõessistêmicas(e
inclusiveadestruição)decapitaledeforçadetrabalho,énecessárioque
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seencontremmaneirasdeabsorverestesexcedentes.Aexpansãogeográ-
ficaeareorganizaçãoespacialsãoopçõespossíveis.Masestastampouco
podemsedivorciardosajustestemporais,jáqueaexpansãogeográfica
implicafreqüentementeinvestimentosdelongoprazoeminfra-estrutu-
rasfísicasesociais(porexemplo,emredesdetransporteecomunicações,
educaçãoepesquisa),cujovalorlevamuitosanosparaserealizaratravés
daatividadeprodutivaàqualcontribuem.
Desdeosanos70,ocapitalismoglobalexperimentouumproblema
crônicoeduradourodesobreacumulação.Consideroqueosdadosem-
píricos coletados por Robert Brenner para documentar este tema são,
em geral, convincentes4. De minha parte, interpreto a volatilidade do
capitalismointernacionalduranteestesanosemtermosdeumasériede
ajustesespaço-temporaisquefracassaram,inclusivenomédioprazo,em
enfrentarosproblemasdesobreacumulação.ComocolocaPeterGowan,
foiatravésdaorquestraçãodavolatilidadequeosEstadosUnidos(EUA)
buscarampreservarsuaposiçãohegemônicanocapitalismoglobal5.Por
conseguinte, a recente virada para um imperialismo aberto respaldado
pela força militar norte-americana pode ser entendida como um sinal
dodebilitamentodesuahegemoniafrenteàssériasameaçasderecessão
edesvalorizaçãoinfligidospreviamenteemoutroslugares(AméricaLa-
tinanosanos80einíciodosanos90,eascrisesaindamaissériasque
consumiram o Leste e SudesteAsiático em 1997 e que logo abateram
a Rússia e parte daAmérica Latina). Mas também quero colocar que
aincapacidadedeacumularatravésdareproduçãoampliadasobreuma
basesustentávelfoiacompanhadaporcrescentestentativasdeacumular
medianteaespoliação6.Esta,segundominhaconclusão,éamarcadoque
algunschamam“onovoimperialismo”7.
OAJUSTEESPAÇO-TEMPORALESUASCONTRADIÇÕES
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novascapacidadesprodutivasenovaspossibilidadesderecursosetraba-
lhoemoutroslugares;ou(c)algumacombinaçãode(a)e(b).
Acombinaçãode(a)e(b)éparticularmenteimportantequandoana-
lisamosocapitalfixoindependenteimobilizadonoambienteconstruído.
Esteofereceasinfra-estruturasfísicasnecessáriasparaqueaproduçãoeo
consumoserealizemnoespaçoenotempo(dosparquesindustriais,por-
toseaeroportos,sistemasdetransporteecomunicações,atéofornecimen-
todeáguaeesgotos,habitação,hospitaiseescolas).Claramente,estenãoé
umsetormenordaeconomia,eécapazdeabsorverenormesquantidades
decapitaletrabalho,particularmenteemcondiçõesderápidaexpansãoe
intensificaçãogeográfica.
Arealocaçãodosexcedentesdecapitaletrabalhonestesinvestimen-
tos exige a mediação das instituições financeiras e/ou estatais capazes
degerarcrédito.Cria-seumaquantidadede“capitalfictício”quepode
transcenderoconsumoatualparaseratribuídoaprojetosfuturos,como
construçãooueducação,querevigoramaeconomia(talvezincluindoo
aumentodademandadoexcedentedemercadoriascomocamisasesapa-
tosporpartedosprofessoresetrabalhadoresdaconstrução)8.Seosgastos
no ambiente construído ou as melhoras sociais provam ser produtivos
(istoé,facilitamnofuturoformasmaiseficientesdeacumulaçãodecapi-
tal)osvaloresfictíciosseamortizam(sejadiretamenteatravésdadívidaou
indiretamentesobaformademaioresreceitasdeimpostosquepermitam
pagaradívidapública).Senão,asobreacumulaçãodevalornoambiente
construídoounaeducaçãopodesemanifestarnasdesvalorizaçõesdestes
ativos(habitações,escritórios,parquesindustriais,aeroportos,etc.)ouem
dificuldadesparaopagamentodadívidaestataloriginadanainfra-estru-
turafísicaousocial(crisefiscaldoestado).
O papel deste tipo de investimento na estabilização e desestabiliza-
çãodocapitalismofoisignificativo.Refiro-me,porexemplo,aofatoda
origemdacrisede1973tersidoocolapsomundialdosmercadosimo-
biliários(começandocomoHerstattBanknaAlemanhaquearrastouo
FranklinNationalnosEUA),seguidoquaseimediatamentepelavirtual
bancarrotadacidadedeNovaIorqueem1975(umcasoclássicodegas-
tossociaisquesuperamosimpostos);aofatodadécadadeestancamento
noJapãoiniciadanoiníciodosanos90tercomeçadocomocolapsoda
bolhaespeculativasobreterras,propriedadeseoutrosativos,quepôsem
riscooconjuntodosistemabancário;aofatodoiníciodocolapsoasiáti-
code1997tersidoaexplosãodabolhadepropriedadenaTailândiaena
Indonésia;eaofatodoimpulsomaisimportanteparaaseconomiasesta-
dunidenseebritânica,apósoiníciodarecessãogeneralizadaemtodosos
outrossetores,apartirdemeadosde2001,tersidoovigorespeculativo
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sustentadopelosmercadosimobiliários.Desde1998,oschinesesmanti-
veramocrescimentodesuaeconomiaetrataramdeabsorveroexcedente
detrabalho(econtrolaraameaçadedescontentamentosocial)mediante
investimentosemmega-projetosqueapequenaramajáenormeRepresa
dasTrêsGargantas(13.600quilômetrosdenovasestradasdeferro,auto-
estradas e projetos urbanísticos, massivos trabalhos de engenharia para
desviaraáguadorioYang-TséparaoAmarelo,novosaeroportos,etc.)
financiadoscomoendividamento.Émuitosurpreendentequeamaioria
das análises da acumulação do capital (incluída a de Brenner) ignorem
completamenteestestemas,ouostratemcomoepifenômenos.
Otermo“fix”*temumduplosentido.Porumlado,umacertaporção
do capital total fica literalmente fixada em alguma forma física por um
temporelativamentegrande(dependendodesuaduraçãofísicaeeconô-
mica).Osgastossociaistambémseterritorializamesemantêmgeogra-
ficamente imóveis através do compromisso estatal (no entanto, não vou
considerarexplicitamenteainfra-estruturasocialjáqueotemaécomple-
xoeexigiriamuitoespaço).Partedocapitalfixoégeograficamentemóvel
(comoamaquinariaquepodeserdeslocadafacilmentedesuaslocaliza-
çõesoriginaiselevadasaoutroslugares),masorestoestáfixodemodotal
quenãopodesermovidosemserdestruído.Osaviõessãomóveis,masos
aeroportosparaondeestesvoamnão.
O“ajuste”espaço-temporal,poroutrolado,éumametáforadassolu-
çõesparaascrisescapitalistasatravésdasuspensãotemporaledaexpan-
são geográfica.A produção do espaço, a organização de novas divisões
territoriais de trabalho, a abertura de novos e mais baratos complexos
derecursos,denovosespaçosdinâmicosdeacumulaçãodecapitalede
penetraçãoderelaçõessociaisearranjosinstitucionaiscapitalistas(regras
contratuais e esquemas de propriedade privada) em formações sociais
preexistentes fornecem diversos modos de absorver os excedentes de
capitaletrabalhoexistentes.Noentanto,estasexpansões,reorganizações
ereconstruçõesgeográficasfreqüentementeameaçamosvaloresfixados
emumlocalemqueaindanãoforamrealizados.Vastasquantidadesde
capital fixo em um determinado local atuam como uma carga para a
buscadeumajusteespacialemoutrolugar.Osvaloresdosativosfixos
queconstituemacidadedeNovaIorquenãoeram,nemsão,triviais,ea
ameaçadedesvalorizaçãoemmassaocorridaem1975(enovamenteem
2003)era(eé)vistapormuitoscomoumgrandeperigoparaofuturo
*
N.daT.:expressãointraduzível.Naversãooriginal,apalavrafixéutilizadacomo
ajusteecomofixo.
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do capitalismo. Se o capital se move daí, deixa para trás um rastro de
devastação(aexperiênciade“desindustrialização”dosanos70e80nos
centros econômicos do capitalismo como Pittsburgh e Sheffield, assim
como em muitas outras partes do mundo, como Bombaim, ilustra esta
questão).Poroutrolado,seocapitalsobreacumuladonãopodeounão
quer se mover, permanece para ser diretamente desvalorizado. Usual-
menteofereçooseguinteargumentoresumidodesteprocesso:ocapital,
em seu processo de expansão geográfica e deslocamento temporal que
resolveascrisesdesobreacumulaçãoàsquaisestáinclinado,crianecessa-
riamenteumapaisagemfísicaàsuaprópriaimagemesemelhançaemum
momento,paradepoisdestruí-lo.Estaéahistóriadadestruiçãocriativa
(comtodasassuasconseqüênciassociaiseambientaisnegativas)inscrita
naevoluçãodapaisagemfísicaesocialdocapitalismo.
Geralmentesurgeoutrasériedecontradiçõesdentrodadinâmicadas
transformações.Seexistemexcedentesdecapitaledeforçadetrabalho
dentrodeumterritóriodeterminado(como,porexemplo,umestado-
nação)quenãopodemserabsorvidosinternamente(sejamedianteajus-
tes geográficos ou gastos sociais), devem ser enviados a outro lugar a
fimdeencontrarumnovoterrenoparasuarealizaçãorentávelparanão
seremdesvalorizados.Istopodeacontecerdeváriasmaneiras.Podemse
encontraroutrosmercadosparaoexcedentedemercadorias.Masoses-
paçosaosquaisseenviamosexcedentesdevempossuirreservasdeouro
oudinheiro(porexemplo,dólares)oubensintercambiáveiscommeios
depagamento.Osexcedentesdemercadoriassaememtrocadaentrada
de dinheiro ou mercadorias. O problema da sobreacumulação se alivia
somente no curto prazo, já que se trata meramente de uma troca do
excedentedemercadoriaspordinheiroouporoutraforma-mercadoria,
aindaqueocasodequeatrocaserealizeemmatérias-primasououtros
insumosmaisbaratosépossívelaliviartemporariamenteapressãosobre
aquedadataxadelucronolugar.Seoterritórionãopossuireservasou
mercadoriasparaintercambiar,develocalizá-las(comofoiocasoemque
aGrã-BretanhaforçouaÍndiaafazer,abrindoocomérciodeópiocom
aChinanoséculoXIXeextraindooourochinêsatravésdocomércio
hindu)oudeverecebercréditoouassistência.Nesteúltimocaso,umter-
ritóriorecebeoempréstimoouadoaçãodedinheirocomoqualcom-
praroexcedentedemercadoriasgeradasnoterritórioemquestão.Os
britânicosofizeramcomaArgentinanoséculoXIX,eduranteadécada
de90osexcedentescomerciaisjaponesesforamamplamenteabsorvidos
medianteempréstimosparaosEUAdestinadosaapoiaroconsumismo
quecompravaosbensjaponeses.Claramente,astransaçõesmercantise
de crédito deste tipo podem aliviar os problemas de sobreacumulação,
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aomenosnocurtoprazo.Elasfuncionammuitobememcondiçõesde
desenvolvimentogeográficodesigualnasqueosexcedentesdisponíveis
emumterritóriosecompensampelafaltadeofertaemoutrolugar.Mas
simultaneamente, o recurso ao sistema de crédito torna os territórios
vulneráveisaosfluxosdecapitalespeculativoefictício,quepodemtanto
estimular como minar o desenvolvimento capitalista e inclusive, como
aconteceurecentemente,podemserusadosparaimpordesvalorizações
selvagensemterritóriosvulneráveis.
Aexportaçãodecapital,particularmentequandoestaéacompanhada
peladaforçadetrabalho,operademaneirabastantediferenteefreqüente-
mentetemefeitosdemaislongoprazo.Nestecaso,osexcessosdecapital
(nogeralcapital-dinheiro)etrabalhosãoenviadosaoutroslugarespara
pôremmovimentoaacumulaçãodecapitalnonovoespaço.Osexceden-
tesgeradosnaGrã-BretanhanoséculoXIXencontraramseulugarnos
EUAenascolôniasdaÁfricadoSul,AustráliaeCanadá,criandonovos
centrosdinâmicosdeacumulaçãonestesterritórios,oqualgerouumade-
mandadebensbritânicos.Dadoquepodempassarmuitosanosparaque
ocapitalismoamadureçanestesterritórios(seéqueissoaconteçaalguma
vez)esecomeceaproduzirsobreacumulaçãodecapital,opaísdeorigem
pode esperar ser beneficiado por um período considerável como resul-
tadodesteprocesso.Esteéocasoparticulardosbensquesedemandam
emoutroslugarescomoinfra-estruturasfísicasfixas(comoporexemplo,
estradasdeferroerepresas)exigidascomobaseparaafuturaacumulação
decapital.Masataxaderetornodestesinvestimentosdelongoprazono
ambiente construído depende da evolução de uma dinâmica sustentada
deacumulaçãonopaísreceptor.AGrã-BretanhaguiouaArgentinanes-
tecaminhoduranteaúltimapartedoséculoXIX.OsEUA,atravésdo
PlanoMarshallparaaEuropa(naAlemanhaemparticular)eJapãoviram
claramente que sua própria segurança econômica (deixando de lado o
aspectomilitarassociadoàguerrafria)residianarevitalizaçãodaatividade
capitalistanesteslugares.
Ascontradiçõessurgemporqueosnovosespaçosdinâmicosdeacu-
mulaçãodecapitalterminamporgerarexcedentesquedevemserab-
sorvidosatravésdaexpansãogeográfica.Apartirdofinaldosanos60,
oJapãoeaAlemanhatransformaram-seemcompetidoresdosEUA,de
modo similar com que aAmérica do Norte havia superado o capital
britânico(econtribuídoparaderrubarseuimpério)duranteoséculo
XX. É interessante observar o momento em que o desenvolvimento
internofortetransbordanabuscadeajusteespaço-temporal.OJapão
fez durante os anos 60, primeiro através do comércio, depois através
da exportação de capital como investimento direto na Europa e nos
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estadunidensesinduziramnoLesteeSudesteasiáticoem1997-1998),e
os ajustes espaço-temporais assumem formas muito mais sinistras. Para
entendercomoistoocorre,énecessáriodestacaralgunsoutrosaspectos
desseprocesso.
CONTRADIÇÕESINTERNAS
NaFilosofiadoDireito,Hegelapresentacomoadialéticainternadasocie-
dadeburguesa,medianteaproduçãodesobreacumulaçãoderiquezaem
umextremoeumamultidãodeindigentesnooutro,levaabuscarsoluções
atravésdocomércioedaspráticascoloniaiseimperiais.Rechaça,porou-
traparte,aidéiadequesejapossívelresolverosproblemasdedesigualdade
socialeinstabilidadeatravésdemecanismosinternosderedistribuição10.
LênincitaCecilRhodesparadizerqueocolonialismoeoimperialismo
sãoasúnicasformaspossíveisdeevitaraguerracivil11.Asrelaçõesealuta
declassedentrodeumaformaçãosocialterritorialmentecircunscritaim-
pulsionamabuscadeajustesespaço-temporaisemoutroslugares.
Neste sentido, é interessante a evidência do final do século XIX.
JosephChamberlain(apelidado“Joe,oradical”)seidentificavaestrita-
mentecomosinteressesmanufatureirosdeBirmingham,enoiníciose
opunhaaoimperialismo(duranteasguerrasafegãsdadécadade1850).
Dedicou-seàreformaeducativaeàmelhoradasinfra-estruturasfísicas
esociaisparaaproduçãoeoconsumoemsuacidadenatal.Pensavaque
istoofereciaumasaídaparaaproduçãodosexcedentesquenolargopra-
zoseriarentável.Figuraimportantedentrodomovimentoliberalcon-
servador,foiumobservadordiretodacrescenteondadelutadeclasses
naGrã-Bretanha.Em1885,pronunciouumdiscursonoqualconvocava
asclassesproprietáriasparareconheceremsuasresponsabilidadessociais
(melhoraremascondiçõesdevidadosmenosfavorecidoseinvestirem
eminfra-estruturassociaisefísicasemnomedointeressenacional)além
daestritapromoçãodeseusdireitosindividuaiscomoproprietários.O
escândalo que originou entre as classes o forçou a retratar-se, e desde
essemomentoconverteu-senodefensormaisardentedoimperialismo
(nofinal,comooSecretárioColonialquelevouaGrã-Bretanhaaode-
sastredaguerradosBoers).Masestatrajetóriaerabastantecomumpara
a época. Jules Ferry na França, outro defensor ardente da reforma in-
terna,particularmentedareformaeducativaduranteadécadade1860,
assumiu a defesa do colonialismo após a Comuna de 1871 (levando a
FrançaaoatoleirodoSudesteasiáticoqueculminounaderrotadeDien
Bien-Phuem1954);FrancescoCrispitratouderesolveroproblemada
terranosuldaItáliaatravésdacolonizaçãodaÁfrica;eatéTheodore
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Roosevelt nos EUA priorizou as políticas imperiais sobre as reformas
internas,depoisqueFrederickJacksonTurnerdeclarou,erroneamente,
aomenosnoquedizrespeitoàsoportunidadesdeinvestimento,quea
fronteiraestadunidenseestavafechada12.
Emtodosestescasos,aviradaparaumaformaliberaldeimperialismo
(associadaaumaideologiadeprogressoeaumamissãocivilizatória)não
resultou de imperativos econômicos absolutos, mas da falta de vontade
políticadaburguesiadeabrirmãodequalquerumdeseusprivilégiosde
classe, bloqueando assim a possibilidade de absorver a sobreacumulação
medianteareformasocialinterna.Atualmente,aforteoposiçãoporparte
dos proprietários do capital a qualquer política de redistribuição ou de
melhorasocialinternanosEUAnãodeixaoutraopçãoqueolharparao
exteriorpararesolverseusproblemasentre1884e1945,eistoimprimiu
seutomparticularàsformasqueadotounessemomentooimperialismo
europeu.Muitasfigurasliberaiseinclusiveradicaissetornaramimperia-
listasorgulhososduranteestesanos,eboapartedomovimentooperário
se persuadiu de que devia apoiar o projeto imperial como um elemen-
toessencialparaseubem-estar.Istoexigiu,noentanto,queosinteresses
burguesescomandassemamplamenteaspolíticasestatais,osaparatoside-
ológicoseopodermilitar.Emminhaopinião,HannahArendtinterpreta
esteimperialismoeurocêntricocorretamentecomoa“primeiraetapado
domíniopolíticodaburguesiaenãoaúltimafasedocapitalismo”,como
haviasidodescritaporLênin13.Considerareiestaidéiacommaisdetalhe
naconclusão.
MEDIAÇÕESINSTITUCIONAISPARAAPROJEÇÃO
DOPODERNOESPAÇO
Numartigorecente,JeffreyHendersonassinalaqueadiferençaentreTaiwan
eSingapura(ambosospaísesescaparamdacrisede1997-98relativamente
ilesos exceto pela desvalorização da moeda) eTailândia e Indonésia (que
sofreramumcolapsoeconômicoepolíticoquasetotal)explica-sepelasdi-
ferençasnoestadoenaspolíticasfinanceiras14.Osprimeirossemantiveram
isoladosdefluxosespeculativosemseusmercadosimobiliáriosefinanceiros
atravésdefortescontrolesestatais,enquantoqueosúltimosnãoofizeram.
Asdiferençasdestetiposemdúvidaimportam.Aformaqueasinstituições
mediadorasassumeméadeprodutoras,aomesmotempoquedeproduto,
dadinâmicadeacumulaçãodocapital.
Claramente,tantoopadrãodeturbulêncianasrelaçõesentrepoder
estatal,supra-estatalefinanceirocomoadinâmicamaisgeraldaacumu-
laçãodecapital(atravésdaproduçãoedesvalorizaçõesseletivas)foram
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umdosmaisclarosecomplexoselementosnanarrativadodesenvolvi-
mentogeográficodesigualedapolíticaimperialistadoperíodoiniciado
em197315.PensoqueGowantemrazãoquandovêareestruturaçãora-
dicaldocapitalismointernacionalcomoumasériedeapostasporparte
dosEUAparatentarmantersuaposiçãohegemônicanacenaeconômica
internacionalfrenteaEuropa,Japão,emaistardefrenteaoLesteeSudes-
tedaÁsia16.Istocomeçouduranteacrisede1973,comaduplaestratégia
deNixonbaseadanosaltospreçosdopetróleoedesregulamentaçãofi-
nanceira.Nessemomento,osbancosestadunidensesreceberamodireito
exclusivodereciclarasgrandesquantidadesdepetrodólaresqueestavam
seacumulandonaregiãodoGolfo.Estaatividadefinanceira,quevoltou
a se centralizar nos EUA, junto com a desregulamentação do setor fi-
nanceirodentrodestepaís,ajudouaresgatarNovaIorquedesuascrise
econômicalocal.Criou-seumpoderosoregimefinanceirobaseadoem
WallStreetenaReservaFederal17compoderdecontrolesobreasins-
tituiçõesfinanceirasglobais(taiscomooFMI)capazdefazeredesfazer
muitaseconomiasmaisdébeisatravésdamanipulaçãodocréditoedas
práticas de administração da dívida. Segundo o argumento de Gowan,
esteregimemonetárioefinanceirofoiusadoporsucessivasadministra-
çõesnorte-americanas“comoumformidávelinstrumentodegovernan-
çaecontroleeconômicoparaimpulsionaroprocessodeglobalizaçãoe
astransformaçõesnacionaisneoliberaisassociadasaomesmo”.Oregime
sedesenvolveuatravésdascrises.“OFMIcobreoriscoeasseguraque
osbancosestadunidensesnãopercam(ospaísespagammedianteajustes
estruturais,etc.)eafugadecapitaisprovenientesdecriseslocalizadasno
resto do mundo termina reforçando o poder deWall Street”18. Como
efeito disto, o poder econômico norte-americano se projetou para o
exterior(emaliançacomoutros,semprequefossepossível)eforamim-
postasoutraspráticasneoliberais(culminandocomaOMC)sobreboa
partedomundo.
Háduasquestõesadestacarnestesistema.Primeiro,olivrecomércio
demercadoriascostumaserdescritocomoaaberturadomundoauma
competiçãolivreeaberta.Masesteargumentoédesmentido,talcomo
Lênin havia assinalado muito tempo atrás, pelo poder monopolista ou
oligopolista (seja na produção ou no consumo). Por exemplo, os EUA
utilizaramrepetidamenteofechamentodoacessoaseuenormemercado
comoarmaparaforçaroutrasnaçõesacumprirseusdesejos.Ocasomais
recente(etosco)destalinhadeargumentaçãofoioferecidoporRobert
Zoellick,oatualSecretáriodeComércio,aoconsiderarqueseLula,o
presidenteeleitodoBrasilpeloPartidodosTrabalhadores(PT),nãose
alinharcomosplanosdolivremercadoparaaAmérica,entãoseupaís
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severiaforçadoaexportarparaaAntártida19.TaiwaneCingapuraforam
forçados a aderir à OMC e, conseqüentemente, a abrir seus mercados
financeiros ao capital especulativo frente às ameaças norte-americanas
de negar-lhes acesso a seu mercado. Diante da insistência da Reserva
Federal,aCoréiadoSulfoiobrigadaaatuarnomesmosentidocomo
condição para obter a assistência do FMI em 1998. Os EUA planejam
agora agregar uma cláusula de compatibilidade financeira institucional
para conceder doações com contrapartida para países pobres. Em ma-
tériaprodutiva,osoligopólioslocalizadosmajoritariamentenasregiões
capitalistas centrais controlam efetivamente a produção de sementes,
fertilizantes, produtos eletrônicos, programas de computação, produtos
farmacêuticoseprodutosdopetróleo,entremuitosoutros.Nestascon-
dições,amaioraberturamercantilnãoampliaacompetição,masapenas
cria oportunidades para a proliferação dos poderes monopolistas com
todasassuasconseqüênciassociais,ecológicas,econômicasepolíticas.O
fatodequequasedoisterçosdocomércioexterioratualconcentrar-se
em transações dentro de e entre as maiores corporações transnacionais
é um indicador desta situação. Existe consenso entre os analistas sobre
quenosulenolestedaÁsiaalgoaparentementetãobenignocomoa
RevoluçãoVerdefoiacompanhadadoincrementodoprodutoagrícola
comumaconsiderávelconcentraçãoderiquezanosetoragrárioecom
maiores níveis de dependência com relação a insumos monopolizados.
Apenetraçãodasempresasdetabacoestadunidensesnomercadochinês
compensa as perdas que estas têm em seu próprio mercado e segura-
mentegeraráumacrisedesaúdepúblicanaChinanaspróximasdéca-
das.Nestesentido,queoneoliberalismoimplicaumacompetiçãoaberta
antesqueumcontrolemonopolistaoucompetiçãolimitadadentrode
estruturasoligopolistaséumaidéiafraudulentaque,comodecostume,
o fetichismo da liberdade de mercado mascara. O livre comércio não
significacomérciojusto.
Como o reconhecem alguns de seus defensores, há também uma
grande diferença entre o livre comércio de mercadorias e a liberdade
demovimentoparaocapitalfinanceiro20.Istocolocaimediatamenteo
problemadequetipodeliberdadedemercadoéaqueladaqualseestá
falando.Alguns,comoJ.Bhagwati,defendemardentementeolivreco-
mérciodemercadorias,masresistememaceitarqueestenecessariamente
devaseaplicarafluxosfinanceiros.Adificuldadeaquiéaseguinte.Por
umlado,osfluxosdecréditosãovitaisparaosinvestimentosprodutivose
paraasredistribuiçõesdecapitaldeumalinhaoulocaldeproduçãopara
outros.Tambémdesempenhamumpapelimportanteemfacilitaroequi-
líbriodasnecessidadesdeconsumo–dehabitação,porexemplo–comas
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atividadesprodutivasnosmercadosmundiaisespacialmentedesagregados
pelaexistênciadeexcedentesemalgunslugaresedéficitemoutros.A
esserespeito,osistemafinanceiro,comousemparticipaçãoestatal,écrí-
ticoparacoordenaradinâmicadaacumulaçãodecapitalatravésdode-
senvolvimentogeográficodesigual.Masocapitalfinanceiroabarcatam-
bémumagrandequantidadedeatividadeimprodutivanaqualodinheiro
éusadosimplesmenteparaobtermaisdinheiromedianteaespeculação
emmercadosfuturos,valoresmonetários,dívidaedemaiscoisas.Quando
sedispõedegrandesquantidadesdecapitalparaestesfins,osmercados
abertosdecapitalsetornamveículosparaaatividadeespeculativa,parte
da qual se transforma em profecias auto-realizadas, como temos visto
duranteosanos90noscasosdas“ponto.com”edasbolhasdabolsade
valores,oudosfundosespeculativosdecobertura(hedgefunds),quecon-
tavamcombilhõesdedólaresàsuadisposição,eforçaramabancarrota
daIndonésiaedaCoréiadoSulsemqueimportasseaconsistênciade
suaeconomiareal.BoapartedoquepassaemWallStreetnãotemnadaa
vercomfacilitarosinvestimentosematividadesprodutivas.Épuramente
especulativo(daíasdescriçõesdecapitalismode“cassino”,“depredador”
eaté“abutre”–éocasododesastredaLongTermCapitalManagement
quenecessitoudeumaajudadeUS$2,3bilhões,oquenoslembraquea
especulaçãopodefalharfacilmente).Estaatividadetemumforteimpac-
tosobreadinâmicageraldaacumulaçãodecapital.Sobretudo,facilitou
queopoderpolíticoeeconômicovoltasseacentralizar-seprimariamen-
tenosEUAenosmercadosfinanceirosdeoutrospaísescentrais(Tóquio,
Londres,Frankfurt).
Omodocomqueistoocorredependedaformadominantedasalian-
çasdeclassedospaísescentrais,dasrelaçõesdeforçaentreelasnane-
gociação dos acordos internacionais (a nova arquitetura financeira in-
ternacional implementada após 1997-98 para substituir o denominado
ConsensodeWashington–CWdemeadosdosanos90)easestratégias
político-econômicas postas em marcha pelos agentes dominantes com
relaçãoaocapitalexcedente.Osurgimentodeumcomplexo“WallStre-
et-ReservaFederal-FMI”dentrodosEUA,capazdecontrolarasinstitui-
çõesglobaisedeprojetarumvastopoderfinanceiroaoredordomundo
medianteumarededeoutrasinstituiçõesfinanceirasegovernamentais,
desempenhou um papel determinante e problemático na dinâmica do
capitalismoglobalnosúltimosanos.Masestecentrodepodersomen-
tepodeoperardomodoemqueofaz,porqueorestodomundoestá
interconectado e efetivamente aprisionado a um marco estruturado de
instituiçõesfinanceirasegovernamentais(incluindoassupranacionais).É
daquiquevemaimportânciadacolaboraçãoentre,porexemplo,bancos
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O¨novo¨imperialismo 107
centrais das nações do G7 e dos diversos acordos internacionais (tem-
poráriosnocasodasestratégiasmonetáriasemaispermanentesnocaso
da OMC) desenhados para enfrentar dificuldades específicas21. E se o
poderdomercadonãoésuficienteparaalcançardeterminadosobjetivos
eparaenquadraroselementosrecalcitrantesou“estadoscanalhas”(rogue
states),estádisponíveloinigualávelpodermilitarestadunidense(aberto
ouencoberto).
Estecomplexodeacordosinstitucionaisdeve,nomelhordosmun-
doscapitalistaspossível,colocar-seemmarchaparasustentareapoiara
reproduçãoampliada(crescimento).Mas,demodosimilaraoqueacon-
tece com a guerra em relação à diplomacia, a intervenção do capital
financeirorespaldadapelopoderestatalfreqüentementepodesetornar
acumulaçãoporoutrosmeios.Umaaliançanonsanctaentreospoderes
estataiseosaspectospredatóriosdocapitalfinanceiroformaapontade
lançadeum“capitalismoderapina”dedicadoàapropriaçãoedesvalo-
rização de ativos, mais que à sua construção através de investimentos
produtivos.Mas,comodevemosinterpretarestes“outrosmeios”deacu-
mulaçãooudesvalorização?
ACUMULAÇÃOPORESPOLIAÇÃO
NaAcumulaçãodocapital,Luxemburgoprestaatençãoaocaráterdualdaacu-
mulaçãodecapital:
De um lado tem lugar nos locais de produção da mais-
valia–nafábrica,namina,nofundoagrícolaenomercado
de mercadorias. Considerada assim, a acumulação é um
processo puramente econômico, cuja fase mais importante
serealizaentreoscapitalistaseostrabalhadoresassalariados...
Paz, propriedade e igualdade reinam aqui como formas, e
era mister a dialética afiada de uma análise científica para
descobrir como na acumulação o direito de propriedade
converte-se em apropriação da propriedade alheia, a troca
de mercadorias em exploração, a igualdade em domínio
de classes. O outro aspecto da acumulação se realiza entre
o capital e as formas de produção não capitalistas. Este
processo se desenvolve no cenário mundial. Aqui reinam
comométodosapolíticacolonial,osistemadeempréstimos
internacionais, a política de interesses privados, a guerra.
Aparecem aqui, sem dissimulação, a violência, o engano, a
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108 SocialistRegister2004
Estesdoisaspectosdaacumulação,segundoseuargumento,estão“organica-
mentevinculados”e“aevoluçãohistóricadocapitalismosomentepodeser
compreendidaseosestudamosconjuntamente”22.
AteoriageraldaacumulaçãodocapitaldeMarxsebaseiaemcertos
supostos iniciais cruciais que, em termos gerais, coincidem com os da
economia política clássica e que excluem os processos de acumulação
primitiva.Estessupostossão:mercadoscompetitivosquefuncionamli-
vrementecomacordosinstitucionaisquegarantemapropriedadepriva-
da,oindividualismojurídico,aliberdadedecontratar,eestruturaslegais
egovernamentaisapropriadasgarantidasporumestado“facilitador”,o
qualtambémasseguraaintegridadedodinheirocomoreservadevalor
como meio de circulação. O papel do capitalista como produtor e in-
tercambiadorestáestabelecido,eaforçadetrabalhofoiconvertidaem
uma mercadoria que geralmente se troca por seu valor.A acumulação
“primitiva” ou“originária” já ocorreu, e a acumulação se desenvolve
como reprodução ampliada (através da exploração do trabalho vivo na
produção) dentro de uma economia fechada que opera em condições
de“paz, propriedade e igualdade”. Estes supostos nos permitem ver o
que aconteceria se o projeto liberal da economia política clássica ou,
em nosso tempo, o projeto neoliberal dos economias neoclássicos, se
realizasse.ObrilhodométododialéticodeMarxestáemmostrarquea
liberalizaçãomercantil–ocredodosliberaiseneoliberais–nãoproduzirá
umestadodeharmonianoqualtodosestarãomelhor,masqueproduzirá
maioresníveisdedesigualdadesocial,comodefatoaconteceuduranteos
últimostrintaanosdeneoliberalismo,particularmenteempaísescomoa
Grã-BretanhaeosEUA,queseativerammaisestreitamenteaestalinha
política. Marx prediz que também produzirá crescente instabilidade, a
qual culminará em crises crônicas de sobreacumulação do tipo da que
agoraestamospresenciando.
Adesvantagemdestessupostoséquerelegamaacumulaçãobaseada
nadepredação,nafraudeenaviolênciaauma“etapaoriginária”quedei-
xadeserconsideradarelevante,ou,comonocasodeLuxemburgo,évista
comoalgo“exterior”aosistemacapitalista.Umarevisãogeraldopapel
permanente e da persistência de práticas depredatórias de acumulação
“primitiva”ou“originária”aolongodageografiahistóricadaacumula-
çãodecapitalémuitopertinente,talcomooassinalaramrecentemente
muitosanalistas23.Dadoquedenominar“primitivo”ou“originário”um
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O¨novo¨imperialismo 109
processo em curso parece equivocado, daqui em diante vou substituir
estestermospeloconceitode“acumulaçãoporespoliação”.
UmaobservaçãomaisatentadadescriçãoqueMarxfazdaacumulação
primitivarevelaumaamplacategoriadeprocessos.Estasincluemamer-
cantilizaçãoeprivatizaçãodaterraeaexpulsãoforçadadaspopulações
camponesas; a conversão de diversas formas de direitos de propriedade
–comum,coletiva,estatal,etc.–emdireitosdepropriedadeexclusivos;a
supressão do direito aos bens comuns; a transformação da força de tra-
balho em mercadoria e a supressão de formas de produção e consumo
alternativos,incluindoosrecursosnaturais;amonetarizaçãodastrocase
aarrecadaçãodeimpostos,particularmentedaterra;otráficodeescravos;
eausura,adívidapúblicae,finalmente,osistemadecrédito.Oestado,
comseumonopóliodaviolênciaesuasdefiniçõesdelegalidade,desem-
penhaumpapelcrucialaorespaldarepromoverestesprocessos.Existem
consideráveisevidências,comosugereMarxeconfirmaBraudel,deque
atransiçãoaodesenvolvimentocapitalistafoiamplamentesubmetidaao
apoio do estado –apoio decisivo no caso da Grã-Bretanha, débil no da
FrançaefortementenegativoatémuitopoucotemponaChina24.Arefe-
rênciaaocaráterrecentedaviradaparaaacumulaçãoprimitivanaChina
indicaquesetratadeumprocessoemcurso;eexistemfortesevidências
de que o estado e a política desempenharam um papel crítico na defi-
niçãodaintensidadeedospadrõesdasnovasformasdeacumulaçãode
capital,particularmentenoLesteeSudestedaÁsia(porexemplo,nocaso
deSingapura).Opapeldo“estadodesenvolvimentista”nasfasesrecentes
deacumulaçãodecapitalfoiobjetodeintensaanálise25.Sófaltavoltaros
olhosparaaAlemanhadeBismarckouaoJapãodeMeijiparareconhecer
quefoiesteocasodesdemuitotempo.
TodosostraçosmencionadosporMarxtêmestadoclaramentepre-
sentesnageografiahistóricadocapitalismo.Algunsdelesforamseade-
quandoehojedesempenhamumpapelaindamaisimportantequeoque
haviamdesempenhadonopassado.ComoressaltaramLênin,Hilferding
eLuxemburgo,osistemadecréditoeocapitalfinanceiroforamfatores
queinfluíramsignificativamentenadepreciação,nafraudeenoroubo.As
promoçõesbursáteis,osesquemasdeponzi*,adestruiçãoestruturadade
ativosatravésdainflação,oesvaziamentoatravésdefusõeseaquisições,a
promoçãodeníveisdeendividamentoquemesmonospaísescapitalistas
*
N.daT.:trata-sedeummecanismodefraudebaseadoemumesquemapiramidalde
investimentos,peloqualsepagaaosprimeirosinvestidorescomodinheiroquecolo-
camosúltimosaingressarnosistema,osquaisnãorecuperamseuinvestimento.
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avançadosreduzempopulaçõesinteirasàservidãopordívidas,paranão
mencionarafraudecorporativa,aespoliaçãodeativos(oataquedosfun-
dosdepensãoesualiquidaçãopeloscolapsosacionáriosecorporativos)
medianteamanipulaçãodecréditoeações,todossãotraçoscentraisdo
que é o capitalismo contemporâneo. O colapso da Enron espoliou os
meiosdevidademuitagenteedeseusdireitosdepensão.Mas,sobre-
tudo,devemosprestaratençãoaosataquesrealizadospelosfundosespe-
culativosdecoberturaeoutrasgrandesinstituiçõesdocapitalfinanceiro
comoapontadelançadaacumulaçãoporespoliaçãonosúltimosanos.
Ao criarem uma crise de liquidez no Sudeste asiático, os fundos espe-
culativos de cobertura forçaram a falência de empresas. Estas empresas
puderamseradquiridasporpreçosdeliquidaçãoporcapitaisexcedentes
dospaísescentrais,dandolugaraoqueWadeeVenerosodescrevemcomo
“amaiortransferênciadeativosdeproprietáriosdomésticos(porexem-
plo,doSudesteasiático)paraestrangeiros(porexemplo,estadunidenses,
japoneseseeuropeus)emtemposdepaznosúltimoscinqüentaanosem
qualquerlugardomundo”26.
Tambémsurgirammecanismoscompletamentenovosdeacumulação
porespoliação.Aênfasenosdireitosdepropriedadeintelectualnasne-
gociaçõesdaOMC(odenominadoacordoTRIPS)marcaoscaminhos
atravésdosquaisaspatenteselicençasdemateriaisgenéticos,plasmade
sementes,equalquerformadeoutrosprodutos,podemserusadascontra
populaçõesinteiras,cujaspráticasdemanejoambientaldesempenharam
umpapelcrucialnodesenvolvimentodestesmateriais.Abiopiratariaé
galopante,eapilhagemdoestoquemundialderecursosgenéticosem
benefíciosdealgumaspoucasgrandesempresasmultinacionaisestácla-
ramenteemmarcha.Arecentedepredaçãodosbensambientaisglobais
(terra, ar, água) e a proliferação da degradação ambiental, que impede
qualquer coisa menos os modos de produção agrícolas com emprego
intensivodecapital,foramresultadodatotaltransformaçãodanatureza
emmercadoria.Amercantilizaçãodasformasculturais,ashistóriasea
criatividadeintelectualpressupõeatotalausênciadeposse–aindústria
damúsicasedestacapelaapropriaçãoeexploraçãodaculturaedacria-
tividadespopulares.Atransferênciaparaascorporaçõeseaprivatização
deativospreviamentepúblicos(comoasuniversidades),paranãomen-
cionar a onda de privatização da água e outros serviços públicos que
arrasou o mundo, constitui uma nova onda do“cercamento dos bens
comuns”.Comonopassado,opoderdoestadoéusadofreqüentemente
para forçar estes processos, inclusive contra a vontade popular. Como
tambémaconteceunopassado,estesprocessosdeespoliaçãoestãopro-
vocando ampla resistência, disto se trata o movimento antiglobaliza-
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O¨novo¨imperialismo 111
ção27.Oretornoaodomínioprivadodedireitosdepropriedadecomum
ganhosatravésdalutadeclassesdopassado(odireitoaumapensãoesta-
tal,aobem-estar,ouaosistemadesaúdenacional)foiumadaspolíticas
deespoliaçãomaisilustresrealizadasemnomedaortodoxianeoliberal.
OplanodegovernodeBushparaprivatizaraseguridadesocial(efazer
com que as pensões estejam sujeitas às oscilações dos mercados acio-
nistas)éumcasoclarodisto.Nãosurpreende,então,queboaparteda
ênfasedomovimentoantiglobalizantetenhasecentradorecentemente
naexigênciadebenscomunsenoataqueaopapelconjuntodoestado
edocapitalemsuaapropriação.
Ocapitalismointernalizapráticascanibais,predatóriasefraudulentas.
Mas, tal como Luxemburgo observou convincentemente, é“constante-
mente difícil determinar, dentro do emaranhado de violência política e
disputas de poder, as duras leis do processo econômico”.A acumulação
porespoliaçãopodeocorrerdediversosmodoseseumodusoperanditem
muitodecontingenteecasual.Apesardisso,éonipresente,semimportar
aetapahistórica,eseaceleraquandoocorremcrisesdesobreacumulação
nareproduçãoampliada,quandoparecenãohaveroutrasaídaanãosera
desvalorização.Arendtsugere,porexemplo,queparaaGrã-Bretanhano
século XIX, as depressões dos anos 60 e 70 deram o impulso inicial de
umanovaformadeimperialismonaqualaburguesiatomouconsciência
deque“pelaprimeiravez,opecadooriginaldosimplesroubo,queséculos
anteshaviatornadopossível“aacumulaçãoprimitivadocapital”(Marx)e
quehaviapossibilitadotodaaacumulaçãoposterior,deviaserepetiruma
vezououtra,sobpenadequeomotordaacumulaçãosubitamentesede-
tivesse”28.Istonostrazdevoltaàsrelaçõesentreabuscadeajustesespaço-
temporais,ospoderesestatais,aacumulaçãoporespoliaçãoeasformasde
imperialismocontemporâneo.
O“NOVO”IMPERIALISMO
Asformaçõessociaiscapitalistas,freqüentementeconstituídasmediante
configuraçõesterritoriaisouregionaisparticulareseusualmentedomi-
nadasporalgumcentrohegemônico,estiveramincluídaspormuitotem-
poempráticasquase-imperialistasquebuscamajustesespaço-temporais
paraseusproblemasdesobreacumulação.Épossível,noentanto,perio-
dizarageografiahistóricadestesprocessostomandoseriamenteoargu-
mentodeArendtdequeoimperialismocentradonaEuropaduranteo
período1884-1945constituiuaprimeiratentativadedomíniopolítico
globalporpartedaburguesia.Osestados-naçãoenvolveram-seempro-
jetosimperiaisprópriosparaenfrentarseusproblemasdesobreacumu-
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112 SocialistRegister2004
lação e conflitos de classe internos. Na virada do século, este primeiro
sistema estabilizado sob a hegemonia britânica e construído em torno
dosfluxoslivresdecapitalemercadoriasnomercadomundialsedecom-
pôsemconflitosgeopolíticosentreosprincipaispoderesquetentavam
obterautarquiaemsistemascrescentementefechados.Confirmandoem
boamedidaaprevisãodeLênin,estesistemaexplodiuemduasguerras
mundiais.Partedorestodomundoestavasofrendoosaquedosrecursos
(bastaolharahistóriadoqueoJapãofezemTaiwanouoqueaGrã-
Bretanha fez emWitwatersrand na África do Sul) com o objetivo de
queaacumulaçãoporespoliaçãocompensasseaincapacidadecrônicade
manterocapitalismoatravésdareproduçãoampliada,oquesemanifes-
tarianosanos30.
Este sistema foi substituído em 1945 por um outro liderado pelos
EUA no qual se tratava de estabelecer uma aliança global entre todos
osprincipaispoderescapitalistasparaevitarasobreacumulaçãoqueha-
via castigado a década de‘30. Para que isto acontecesse, era necessário
compartilharosbenefíciosdaintensificaçãodeumcapitalismointegra-
donasregiõescentrais(poristooapoioestadunidenseàsiniciativasde
formaçãodaUniãoEuropéia)eseenvolvernaexpansãogeográficasis-
temáticadosistema(daíainsistênciaestadunidensenadescolonizaçãoe
no“desenvolvimentismo”comoumobjetivogeneralizadoparaoresto
do mundo). Esta segunda fase do domínio global burguês foi possível
emgrandemedidapelacontingênciadaguerrafria.Estapressupunhaa
liderançamilitareeconômicaestadunidensecomooúnicosuperpoder
capitalista.Oefeitofoiaconstruçãodeum“superimperialismo”estadu-
nidensehegemônico,queeramaispolíticoemilitarqueumamanifesta-
çãodenecessidadeeconômica.OsEUAnãoerammuitodependentesde
exportações ou importações. Podiam inclusive afrontar a abertura para
outrosmercadoseassimabsorvermedianteajustesespaço-temporaisin-
ternos, como o sistema inter-estatal de auto-estradas, a suburbanização
desordenada e o desenvolvimento de suas regiões sul e oeste, parte da
capacidadeexcedentequecomeçavaasergeradanaAlemanhaeJapão
duranteosanos60.Assim,foiproduzidoumsólidocrescimentocoma
reproduçãoampliadanomundocapitalista.Aacumulaçãoporespoliação
esteverelativamentesilenciada,aindaquepaísescomcapitalexcedente,
comoJapãoeAlemanhaOcidental,tivessemumacrescentenecessidade
debuscarmercadosexternos,incluindoacompetiçãopelocontroledos
mercados em desenvolvimento pós-coloniais29.Apesar disto, na Euro-
paforaminstaladosfortescontrolessobreaexportaçãodecapital(nem
tantosobreaexportaçãodemercadorias)esemantiveramasrestrições
sobreasimportaçõesdecapitalnaÁsiadoLeste.Dominaramaslutasde
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nadoranaprodução,sejaindiretamente,facilitandoamaiormobilidade
geográficadetodasasformasdecapital.Assim,ocapitalfinanceirofoi
centralparaestaterceirafasedodomínioglobalburguês.
Este sistema era muito mais volátil e depredador e conheceu vários
períodos breves de acumulação por espoliação –usualmente mediante
programasdeajusteestruturaladministradospeloFMI–queserviramde
antídotoparaasdificuldadesnaesferadareproduçãoampliada;emalgu-
masinstâncias,comoéocasodaAméricaLatinanosanos80,economias
inteirasforamassaltadas,eseusativosrecuperadospelocapitalfinanceiro
estadunidense. Em 1997, o ataque às moedas tailandesa e indonésia por
partedosfundosespeculativosdecobertura(hedgefunds),respaldadope-
lasferozespolíticasdeflacionáriasdemandadaspeloFMI,levouàfalência
empresasquenãonecessariamenteeraminviáveisereverteuodestacado
progressoeconômicoesocialquesetinhaalcançadoempartedoLeste
eSudestedaÁsia.Comoresultado,milhõesdepessoasforamvítimasdo
desempregoedoempobrecimento.Alémdisso,acrisesuscitouumaincli-
naçãoemfavordodólar,confirmandoodomíniodeWallStreetegerando
umassombrosoboomdosvaloresdosativosparaosestadunidensesricos.
Aslutasdeclassecomeçaramaconfluiraoredordetemascomoodoca-
pitalfinanceiroedaperdadedireitosatravésdaprivatização.
Ascrisesdadívidapodemserusadasparareorganizarasrelaçõesso-
ciaisdeproduçãoemcadapaís,sobreabasedeumaanálisequefavoreça
mercadosinternoseasempresasprósperasficaramàmercêdasempresas
estadunidenses,japonesasoueuropéias.Destemodo,osbaixoslucrosnas
regiões centrais puderam ser complementadas com parte dos maiores
lucros obtidos no exterior.A acumulação por espoliação converteu-se
em um traço muito mais central dentro do capitalismo global (com a
privatização como um de seus principais mantras).A resistência a isto
também se tornou mais central dentro do movimento anticapitalista e
antiimperialista31.MasosistemacentradonocomplexoWallStreet-Re-
servaFederaltinhaváriasdimensõesmultilateraiscomoscentrosfinan-
ceirosdeTóquio,Londres,Frankfurtemuitosoutroscentrosfinanceiros
participantes.Estavaassociadocomaemergênciadecorporaçõescapita-
listastransnacionaisque,apesardequepudessemterumabaseemumou
outroestado-nação,seestendiamaolargodomapamundialemformas
que eram impensáveis em fases prévias do imperialismo (os cartéis e
trustsdescritosporLêninestavamestreitamenterelacionadosaestados-
naçãoconcretos).EsteeraomundoqueaCasaBrancadeClinton,com
seu todo-poderoso Secretário doTesouro Robert Rubin, proveniente
dosetorespeculativodeWallStreet,tratoudeadministrarmedianteum
multilateralismocentralizado(cujasíntesefoiodenominado“Consenso
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deWashington”demeadosdosanos90).Poruminstante,pareceuque
LêninhaviaseequivocadoequeKarlKautskytinharazãoequeumul-
tra-imperialismobaseadonacolaboração“pacífica”entreosmaiorespo-
derescapitalistas–agorasimbolizadopeloagrupamentoconhecidocomo
oG7eadenominada“novaarquiteturafinanceirainternacional”soba
hegemoniadosEUA32–erapossível.
Contudo, agora, este sistema encontra-se em sérias dificuldades. A
extremavolatilidadeefragmentaçãocaóticadosconflitosdepodertorna
difícil,comoohavianotadoprecocementeLuxemburgo,discernircomo
estãofuncionandoasleisdurasdaeconomiaatrásdacortinadefumaçae
dosjogosdeespelhosdosetorfinanceiro.Mas,acrisede1997-98reve-
louqueoprincipalcentrocomcapacidadedeproduzirvalorexcedente
localiza-senoLesteeSudesteasiático(daíosEUAapontaremespecifi-
camente aí para a desvalorização), a rápida recuperação do capitalismo
nestaregiãovoltouacolocaroproblemageraldasobreacumulaçãono
centro dos assuntos internacionais33. Isto coloca a questão de como se
poderiaorganizarumanovaformadeajustesespaço-temporais(naChi-
na?)oudequemsuportaráoimpactodeumanovarodadadedesvalori-
zação.Aincipienterecessãonorte-americana,apósumadécadaoumais
deexuberânciaespetacular(aindaque“irracional”)indicaqueosEUA
podemnãoserimunes.Amaiorinstabilidaderesidenarápidadeterio-
raçãodabalançadepagamentosdosEUA.SegundoBrenner,“amesma
explosão das importações que impulsionou a economia mundial”, du-
ranteosanos90,“elevouocomércioeosdéficitsemcontacorrentedos
EUAaníveisrecorde,comocrescimentoinéditodasresponsabilidades
dosproprietáriosexternos”e“avulnerabilidadesemprecedentesdaeco-
nomiaestadunidenseàfugadecapitaleaocolapsododólar”34.Masesta
vulnerabilidadeafetaambasaspartes.Seomercadoestadunidenseentra
emcolapso,aseconomiasqueseorientamnessemercadocomoorecep-
tordesuacapacidadeprodutivaexcedentesearruinarãocomele.Arapi-
dezcomqueosbancoscentraisdospaísescomoJapãoeTaiwanenviam
fundos para cobrir o déficit estadunidense tem um forte componente
deauto-interesse.Destemodo,financiamoconsumismoestadunidense,
oqualconstituiomercadoparaseusprodutos.Nestemomento,podem
estarfinanciandooesforçomilitardosEUA.
Todavia, mais uma vez, a hegemonia e dominação dos EUA estão
ameaçadas e desta vez o perigo parece mais agudo. Se, por exemplo,
Braudel (seguido porArrighi) está no caminho certo, e uma poderosa
onda de“finançarização” pode ser o prelúdio de uma transferência do
poder dominante de um hegemônico a outro, a virada dos EUA no
sentidoda“finançarização”nosanos70pareciaexemplificarumpadrão
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116 SocialistRegister2004
históricodeautodestruição35.Osdéficits,tantointernoscomoexternos,
nãopodemseguircrescendodescontroladamenteporumtempoinde-
finido,eahabilidadeevontadedeoutros,primariamentedaÁsia,para
financiá-los,aoritmodeUS$2,3bilhõespordiaemtaxacorrente,não
éinesgotável.Qualqueroutropaísnomundoqueexibisseascondições
macroeconômicasdaeconomiaestadunidenseestariasujeitoaumade-
sapiedadaausteridadeeamecanismosdeajusteestruturaldoFMI.Mas,
comoressaltaGowan:“acapacidadedeWashingtondemanipularopre-
ço do dólar e de explorar o domínio financeiro internacional deWall
Streetpermitiuàsautoridadesestadunidensesevitaroqueoutrosestados
seviramobrigadosafazer:vigiarabalançadepagamentos;ajustaraeco-
nomiadomésticaparaasseguraraltosníveisdepoupançaeinvestimentos
internos;vigiarosníveisdeendividamentopúblicoeprivado;assegurar
um sistema interno de intermediação financeira para assegurar o forte
desenvolvimentodosetorprodutivointerno”.Aeconomiaestaduniden-
se teve uma“rota de fuga de todas estas tarefas” e como resultado se
tornou“profundamentedistorcidaeinstável”36.Maisainda,assucessivas
ondasdeacumulaçãoporespoliação,amarcadistintivadonovoimpe-
rialismocentradonosEUA,estãosuscitandoresistênciaeressentimento
ondequerqueirrompam,gerandonãoapenasumativomovimentoan-
tiglobalizaçãomundial(cujaformadiferebastantedadaslutasdeclasse
imbricadasnareproduçãoampliada),mastambémumaativaresistência
àhegemoniadosEUAporpartedospoderessubordinadospreviamente
maleáveisasuainfluência,particularmentenaÁsia(CoréiadoSuléum
caso),eagorainclusivenaEuropa.
AsopçõesparaosEUAsãolimitadas.OsEUApoderiamsedistanciar
daatualformadeimperialismo,comprometendo-secomumaredistri-
buiçãomassivaderiquezadentrodesuasfronteirasebuscandoesquemas
deabsorçãodoexcedenteatravésdeajustestemporaisinternos(melho-
rasespetacularesnaeducaçãopúblicaereparodasinfra-estruturasenve-
lhecidasseriambonspontosdepartida).Umaestratégiaindustrialdere-
vitalizaçãodamanufaturatambémpoderiaajudar.Masistoexigiriamais
financiamento deficitário ou maiores impostos, assim como uma forte
direçãoestatal,eistoéprecisamenteoqueaburguesiasenegaráacon-
templar,comoocorreunostemposdeChamberlain.Qualquerpolítico
quepropusesseumpacotecomoesteseria,quasesemdúvida,silenciado
a gritos pela imprensa capitalista e seus ideólogos, e perderia qualquer
eleiçãoanteopoderassombrosododinheiro.Apesardisso,ironicamente,
umcontra-ataquemassivodentrodosEUAassimcomoemoutrospaíses
centrais docapitalismo (particularmentena Europa) contra aspolíticas
doneoliberalismoeorecortedoestadoedosgastossociaispoderiaser
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umadaspoucasformasdeproteger,dedentro,ocapitalismoocidental
contrasuasprópriastendênciasautodestrutivas.
Tratardeaplicar,medianteaautodisciplina,otipodeprogramasde
austeridade que o FMI usualmente impõe a outros, seria, dentro dos
EUA,aindamaissuicidadopontodevistapolítico.Qualquertentativa
defazê-loporpartedospoderesexternos(atravésdasaídadecapitaiseo
colapsododólar,porexemplo)geraria,seguramente,umaferozresposta
política,econômicaeatémilitar.ÉdifícilimaginarqueosEUApudes-
semaceitarpacificamenteeseadaptaraocrescimentofenomenaldaÁsia
doLesteereconhecer,talcomoArrighisugere,queestamosnomeiode
uma transição fundamental para a constituição da Ásia como o centro
hegemônicodopoderglobal37.ÉimprovávelqueosEUAsedespeçam
tranqüila e pacificamente. Implicaria, em qualquer caso, que o capita-
lismodoLesteasiáticosofraumareorientação–daqualexistemalguns
sinais–deumasituaçãodedependênciadomercadoestadunidenseaté
oflorescimentodeummercadointernodentrodaprópriaÁsia.Aquié
ondeoenormeprogramademodernizaçãonointeriordaChina–uma
versãodoajusteespaço-temporalequivalenteàqueosEUAefetuaram
internamentenosanos50e60–podedesempenharumpapelimportan-
tenaabsorçãodoscapitaisexcedentesdoJapão,TaiwaneCoréiadoSul
e,portanto,diminuirosfluxosparaosEUA.Adiminuiçãodofluxode
fundosparaosEUApoderiaterconseqüênciascalamitosas.
Énestecontextoquevemosquesetoresdaselitespolíticasestaduni-
densesbuscamexercitaromúsculomilitarcomooúnicopoderquelhes
restou,falandoabertamentedeImpériocomoumaopçãopolítica(pre-
sumivelmenteparaobtertributosdorestodomundo)ebuscandocon-
trolaraprovisãodepetróleocomoummeiodeneutralizarasameaçasde
perdadepoderdaeconomiaglobal.AstentativasdosEUAdeincremen-
tarocontrolesobreasreservaspetrolíferasiraquianasevenezuelanas–no
primeirocaso,comaintençãodeestabelecerademocraciaenosegundo
dedestruí-la–adquiremplenosentido.Buscamumarepetiçãodosacon-
tecimentosde1973,umavezqueaEuropaeoJapão,bemcomooLeste
eSudesteasiáticos,agoracomacrucialinclusãodaChina,sãoaindamais
dependentesdopetróleodoGolfoqueosEUA.SeosEUAmaquinam
aderrubadadeChávezedeSaddam;sepodeestabilizaroureformaro
regime saudita, armado até os dentes e atualmente assentado sobre as
areias movediças do autoritarismo (com o risco iminente de cair nas
mãosdemuçulmanosradicalizados–istoera,depoisdetudo,oobjetivo
básicodeOsamabinLaden);sepodeavançar,comopareceprovável,do
IraqueaoIrãeconsolidarsuaposiçãonaTurquiaeUzbequistãocomo
umapresençaestratégicaemrelaçãoàsreservaspetrolíferasdabaciado
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Cáspio,então,osEUApoderiamesperarmanterocontroleefetivosobre
aeconomiaglobaleassegurarsuaprópriaposiçãoeconômicapelospró-
ximoscinqüentaanosatravésdocontrolefirmedofornecimentoglobal
depetróleo38.
Os perigos de uma estratégia deste tipo são imensos.A resistência
seráformidávelnaEuropaeÁsia,enãomenornaRússia.Nestepon-
to,éilustrativaarecusadeaprovarnasNaçõesUnidasainvasãomilitar
dosEUAaoIraque,particularmenteporpartedaFrançaedaRússia,as
quaistêmfortesconexõescomaexploraçãodepetróleoiraquiano.Par-
ticularmente,oseuropeussentem-semuitomaisatraídosporumavisão
kautskiana do ultra-imperialismo na qual os principais poderes capita-
listas supostamente colaborarão sobre uma base igualitária. Uma hege-
moniaestadunidenseinstávelbaseadanamilitarizaçãopermanenteeem
umaventureirismotalquepoderiaameaçarseriamenteapazglobalnão
é uma perspectiva atrativa para o resto do mundo. Isto não quer dizer
queomodeloeuropeusejamuitomaisprogressista.SeRobertCooper
écrível,umconsultordeTonyBlair,estemodeloressuscitariaasdistin-
çõesentreestadoscivilizados,bárbaroseselvagensdoséculoXIX,sob
o disfarce de estados pós-modernos, modernos e pré-modernos, onde
ospós-modernos,comoguardiõesdacondutacivilizadadescentralizada,
esperaraminduzirpormeiosdiretosouindiretosaobediênciaanormas
universais (leia-se“ocidentais” e“burguesas”) e às práticas humanistas
(leia-se“capitalistas”)aoredordomundo39.Estefoiexatamenteomodo
comqueosliberaisdoséculoXIX,comoJohnStuartMill,justificarama
manutençãodatuteladaÍndiaeacobrançadetributosexternosaopasso
que,internamente,celebravamosprincípiosdogovernorepresentativo.
Naausênciadeumaforterevitalizaçãodaacumulaçãosustentadaatravés
dareproduçãoampliada,istoimplicaránumaprofundamentodapolítica
de acumulação por espoliação em todo o mundo, com o propósito de
evitaratotalparalisiadomotordaacumulação.
Estaformaalternativadeimperialismoserádificilmenteaceitávelpara
amplasfaixasdapopulaçãomundialquetêmvividonomarcoda(eem
alguns casos começando a lutar contra) acumulação por espoliação e
das formas predatórias de capitalismo às quais enfrentaram durante as
últimasdécadas.OartifícioliberalquepropõealguémcomoCooperé
familiardemaisparaosautorespós-coloniaisparaquesejaatrativo40.Eo
militarismoflagrantequeosEUApropõemdemaneiracrescente,sobre
o pressuposto de que é a única resposta possível ao terrorismo global,
nãoapenasestácheiodeperigos(incluindooarriscadoprecedentedo
“ataquepreventivo”),mastambémestásendogradualmentereconhecido
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como uma máscara para tratar de sustentar uma hegemonia ameaçada
dentrodosistemaglobal.
Mastalvezaperguntamaisinteressanteserefiraàrespostadentrodos
EUA.Nesteponto,umavezmais,HannahArendtcolocaumcontundente
argumento:oimperialismonãopodesustentar-sepormuitotemposem
repressãoativa,ouinclusivesemtiraniainterna41.Odanoinfligidoàsins-
tituiçõesdemocráticasinternaspodesersubstancial(comoaprenderamos
francesesdurantealutapelaindependênciadaArgélia).Atradiçãopopu-
lardentrodosEUAéanticolonialeantiimperialistaeduranteasúltimas
décadasforamnecessáriosmuitosardis,quandonãooenganodeclarado,
paradissimularopapelimperialdaAméricadoNortenomundo,ou,ao
menos,pararevesti-lodeintençõeshumanitáriasgrandiloqüente.Nãoestá
claroqueapopulaçãoestadunidenseapoiaránolongoprazoumavirada
abertanadireçãodeumimperialismomilitarizado(nãomaisqueaquele
queacabouavalizandoaguerradoVietnam).Tampoucoéprovávelque
aceite por longo tempo o preço –já substancial, dadas as cláusulas re-
pressivasincluídasnosatospatrióticosedesegurançainterna–quedeve
pagarinternamenteemtermosdedireitoseliberdadescivisegerais.Se
oImpériosupõeanularaCartadeDireitos,entãonãoestáclaroqueeste
tratoseráaceitofacilmente.Masaoutrafacedadificuldadeéque,naau-
sênciadeumarevitalizaçãoespetaculardaacumulação,sustentadaatravés
dareproduçãoampliada,ecompossibilidadeslimitadasdeacumularpor
espoliação,aeconomiaestadunidenseprovavelmenteseafundenumade-
pressãodeflacionáriaquefaráque,porcomparação,aexperiênciajaponesa
da última década se desvaneça na insignificância. E se é produzida uma
fugasériacomrelaçãoaodólar,aausteridadedeveráserintensa,amenos
quesurjaumapolíticaderedistribuiçãoderiquezaeativosinteiramen-
tediferentes(umaperspectivaqueaburguesiacontemplarácomomais
completohorror),centralizadanatotalreorganizaçãodasintra-estruturas
físicasesociaisdanação,queabsorvaocapitaleotrabalhoociosoemta-
refassocialmenteúteis,distintasdaquelaspuramenteespeculativas.
Pelovisto,aformaquetomaráumnovoimperialismoestáporsede-
finir.A única coisa certa é que estamos no meio de uma transição fun-
damental do funcionamento do sistema global e que há uma variedade
deforçasemmovimentoquepoderiamfacilmenteinclinarabalançaem
uma ou outra direção. O equilíbrio entre acumulação por espoliação e
reproduçãoampliadajásevoltouafavordaprimeiraeédifícilimaginar
queestatendênciafaçaoutracoisaqueseaprofundar,transformando-se
no emblema daquilo que é o novo imperialismo (incluindo postulados
abertosdegrandesignificadoideológicosobreonovoimperialismoea
necessidade do império).Também sabemos que a trajetória econômica
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daÁsiaéchave,equeosEUAaindapossuemodomíniomilitar.Como
assinalaArrighi,estaéumaconfiguraçãoúnica.Podemuitobemserque
estejamos vendo no Iraque a primeira etapa de como esta configuração
poderiaoperargeopoliticamentenocenáriomundial,emumcontextode
recessãogeneralizada.OsEUA,cujahegemoniaduranteoperíodoime-
diatamenteposterioraopós-guerrabaseava-senaprodução,finançasepo-
dermilitar,perderamsuasuperioridadeprodutivaapósosanos70epodem
muito bem estar perdendo seu domínio financeiro ficando unicamente
comopoderiomilitar.OqueacontecedentrodosEUAé,portanto,um
determinantedeimportânciavitalparadefinircomosepoderiaarticular
onovoimperialismo.Ehá,paracomeçar,umaacumulaçãodeforçasde
oposiçãoaoaprofundamentodaacumulaçãoporespoliação.Masasformas
da luta de classes que esta provoca são de natureza radicalmente distin-
taqueasclássicaslutasproletáriasassociadasàreproduçãoampliada(que
continuamsedesenvolvendo,mesmoquedeformamaissilenciosa)sobre
asquaistradicionalmenterepousavaofuturodosocialismo.Évitalimpul-
sionarasaliançasquecomeçamasurgirentreestesdiferentesvetoresde
luta,tantoquenelaspodemosdiscernirosdelineamentosdeumaforma
de globalização inteiramente diferente, não imperialista, que enfatiza o
bem-estarsocialeosobjetivoshumanitáriosassociadosaformascriativas
de desenvolvimento geográfico desigual acima da glorificação do poder
dodinheiro,dovalordomercadoacionárioedamultiformeeincessante
acumulaçãodocapitalatravésdosespaçosvariadosdaeconomiaglobalpor
qualquermeio,masqueterminasempreporconcentrar-sefortementeem
unspoucosespaçosdeextraordináriariqueza.Estemomentopodeestar
cheiodevolatilidadeeincerteza,masistosignificaqueestátambémcheio
depotencialidadesemarcadopeloinesperado.
NOTAS
1 H. Lefebvre, The Survival of Capitalism: Reproduction of the Relations of
Production,NewYork:St.Martin’sPress,1976.
2 Amaioriadestesensaiosdosanos70e80forampublicadosnovamente
emDavidHarvey,SpacesofCapital:TowardsaCriticalGeography,New
York:Routledge,2001.Aprincipallinhaargumentativatambémpode
ser encontrada em Harvey, The Limits to Capital, Oxford: Basil Bla-
ckwell,1982(reimpressoemLondres:VersoPress,1999).
3 MinhaprópriaversãodesteargumentoteóricoestádetalhadaemHar-
vey,LimitstoCapital,capítulos6e7.
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4 R.Brenner,Theboomandbubble:theUSintheworldeconomy,London:
Verso,2002.AteoriadasobreacumulaçãoemBrennerémuitodiferente
daminha,masachosuaevidênciaempíricaútil,eemsuamaiorparte
convincente.
5 P.Gowan,TheGlobalgamble:Washington’sbidforworlddominance,Lon-
don:Verso,1999.
6 Como este assunto é complexo demais para ser argüido em um
artigo,prosseguireidemodoesquemáticoesimplificado,deixando
as elaborações mais detalhadas para uma publicação posterior. D.
Harvey,TheNewImperialism,Oxford:OxfordUniversityPress,aser
publicado.
7 Otópicodo“novoimperialismo”foiinseridonaesquerdaporL.
Panitch,“TheNewImperialState”,NewLeftReview,11(1),2000;
tambémconfiraP.Gowan,L.PanitcheM.Shaw,“TheState,Glo-
balizationandtheNewImperialism:ARoundTableDiscussion”,
HistoricalMaterialism,9,2001.Outroscomentáriosdeinteresseestão
emJ.PetraseJ.Veltmeyer,GlobalizationUnmasked:Imperialisminthe
21stCentury,London:ZedBooks,2001;R.Went,“Globalizationin
thePerspectiveofImperialism”,ScienceandSociety,66(4),2002-3;
S.Amin,“Imperialism and Globalization”, Monthly Review, 53(2),
2001;asperspectivasconservadoraeliberalforamestabelecidasem
M.Ignatieff,“TheBurden”,NewYorkTimesMagazine,5deJaneiro
de2003eR.Cooper,“TheNewLiberalImperialism”,TheObser-
ver(07/04/2002).
8 OsconceitosdeMarxde“capitalfixodetipoindependente”ede“ca-
pitalfictício”foramexploradosemHarvey,Limits,capítulos8e10res-
pectivamente,esuaimportânciageopolíticafoitrabalhadaemHarvey,
SpacesofCapital(op.cit),capítulo15,“TheGeopoliticsofCapitalism”.
9 A importância da senhoriagem foi examinada em G. Carchedi,“Im-
perialism,DollarizationandtheEuro”,SocialistRegister2002,London:
MerlinPress,2002.
10 G.W.Hegel,ThePhilosophyofRight,NewYork:OxfordUniversityPress,
1967.
11 V.I.Lênin,“Imperialism:TheHighestStageofCapitalism”,inSelected
Works,Volume1,Moscow:ProgressPublishers.
12 A história toda de uma mudança radical nas soluções dos problemas
políticoseeconômicosdeinternasparaexternas,comoumaresposta
à dinâmica da luta de classes em muitos países capitalistas, é contada
emumacoleçãopoucoconhecida,masmuitofascinante,deC.A.Ju-
lien, J. Bruhat, C. Bourgin, M. Crouzet e P. Renouvin, Les Politiques
d’ExpansionImperialiste,Paris:PressesUniversitairesdeFrance,1949,na
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qualoscasosdeFerry,Chamberlain,Roosevelt,Crispiedeoutrossão
todosexaminadoscomparativamente.
13 H.Arendt, Imperialism, NewYork: Harcourt Brace, 1968. Há muitas
semelhançasinquietantesentreaanálisedeArendtdasituaçãonosé-
culo dezenove e nossa condição contemporânea. Considere-se, por
exemplo, a seguinte passagem:“A expansão imperialista foi atingida
porumtipocuriosodecriseeconômica:asuperproduçãodecapital
eaemergênciadedinheiro‘supérfluo’,resultadodoexcessodepou-
pança,quenãopodiaencontrarmaisinvestimentoprodutivodentro
dasfronteirasnacionais.Pelaprimeiravez,osinvestimentosnopoder
nãoabriramcaminhoparaosinvestimentosnodinheiro,masasex-
portaçõesdepoderseguiramhumildementeocaminhododinheiro
exportado,dadoqueosinvestimentossemcontroleempaísesdistan-
tesameaçavamtransformaramplascamadasdasociedadeemjogado-
res, mudar toda a economia capitalista de um sistema de produção
paraumsistemadeespeculaçãofinanceira,easubstituiroslucrosda
produçãopeloslucrosemcomissões.Adécadaimediatamenteante-
rioràeraimperialista,osanossetentadoultimoséculo,testemunhou
um aumento sem precedentes nas fraudes, escândalos financeiros, e
jogadasnomercadodeações”(p.15).
14 J.Henderson,“UnevenCrises:InstitutionalFoundationsofEastAsian
EconomicTurmoil”,EconomyandSociety,28(3),1999.
15 Brenner, The Boom (op.cit.), tenta dar o relato mais geral e sintético
dessaturbulência.OsdetalhesdacrisedoLesteasiáticopodemseren-
contradosemR.WadeeF.Veneroso,“TheAsianCrisis:TheHighDebt
ModelversustheWallStreet-Treasury-IMFComplex”,NewLeftRe-
view,228,1998;Henderson,“UnevenCrises”;C.Johnson,Blowback:The
CostsandConsequencesofAmericanEmpire,NewYork:HenryHolt,2000,
capítulo9;nonúmeroespecialdeHistoricalMaterialism,8,2001,“Focus
on EastAsia after the Crisis” (particularmente P. Burkett e M. Hart-
Landsberg,“CrisisandRecoveryinEastAsia:TheLimitsofCapitalist
Development”).
16 Gowan,GlobalGamble(op.cit.).
17 Váriosnomesforampropostosparatal.GowanpreferiuodeRegime
Dólar-Wall Street, mas prefiro o de ComplexoWall-Street-Tesouro-
FMI,sugeridoporWadeeVeneroso,“TheAsianCrisis”.
18 Gowan,GlobalGamble(op.cit.),pp.23,35.
19 Editorial,TheBuenosAiresHerald(31/12/2002),p.4.
20 J.Bhagwati,“TheCapitalMyth:TheDifferenceBetweenTradeinWid-
getsandDollars”,ForeignAffairs,77(3),1998,pp.7-12.
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21 Gowan,GlobalGambleeBrenner,TheBoomofereceminteressantesre-
latosparalelossem,contudo,referirem-sereciprocamente.
22 R.Luxemburgo,TheAccumulationofCapital,NewYork:MonthlyRe-
viewPress,1968,pp.452-3.Luxemburgobaseiasuaperspectivadeuma
teoriadosubconsumo(faltadedemandaefetiva),quepossuiimplica-
çõesbemdiferentesdaquelasdasteoriasdasobreacumulação(faltade
oportunidadesparaasatividadeslucrativas)comasquaistrabalho.Uma
exploraçãocompletadoconceitodeacumulaçãoporespoliaçãoesua
relaçãoàsobreacumulaçãoéapresentadanaParteTrêsdeHarvey,The
NewImperialism(op.cit.).
23 M.Perelman,TheInventionofCapitalism:ClassicalPoliticalEconomy
andtheSecretHistoryofPrimitiveAccumulation,Durham:DukeUni-
versityPress,2000.HátambémumextensivodebatenoTheCom-
moner<www.thecommoner.org>sobreosnovoscercamentoseso-
breomomentoemqueaacumulaçãoprimitivadeveserentendida
comoumprocessocontinuadooupuramentehistórico.DeAngelis
<http://homepages.uel.ac.uk/M.DeAngelis/PRIMACCA.htm>
forneceumbomresumo.
24 K.Marx,Capital,Volume1,NewYork:InternationalPublishers,1967,
Part 8; F. Braudel, Afterthoughts on Material Civilization and Capitalism,
Baltimore:JohnsHopkinsUniversityPress,1977.
25 WadeeVeneroso,“TheAsianCrisis”(op.cit.),p.7propõemaseguinte
definição:“umaaltapoupançafamiliar+altastaxasdeendividamento
corporativo+acolaboraçãoentreempresasebancos+estratégiain-
dustrialnacional+incentivosaoinvestimentocondicionadosàcompe-
titividadeinternacional=estadodesenvolvimentista”.Oestudoclássico
é C. Johnson, MITI and the Japanese Miracle:The Growth of Industrial
Policy,1925-75,Stanford:StanfordUniversityPress,1982;enquantoo
impactoempíricodaspolíticasestataissobreastaxasrelativasdecres-
cimentoeconômicofoibemdocumentadoemM.WebbereD.Rigby,
TheGoldenAgeIllusion:RethinkingPost-warCapitalism,NewYork:Guil-
fordPress,1996.
26 WadeeVeneroso,“TheAsianCrisis”(op.cit.).
27 AextensãodaresistênciafoiindicadaemB.Gills,ed.,Globalizationand
thePoliticsofResistance,NewYork:Palgrave,2000;vejatambémJ.Bre-
chereT.Costello,GlobalVillageorGlobalPillage?EconomicReconstruction
fromtheBottomUp,Boston:SouthEndPress,1994.Umrecenteemuito
interessanteguiadaresistênciapodeserencontradoemW.Bello,Deglo-
balization:IdeasforaNewWorldEconomy,London:ZedBooks,2002.A
idéiadeglobalizaçãoapartirdebaixofoiapresentadaomaissucinta-
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menteemR.Falk,PredatoryGlobalization:ACritique,Cambridge:Polity
Press,2000.
28 Arendt,Imperialism(op.cit.),p.28.
29 Delonge,amelhorapresentaçãoédadaporP.Armstrong,A.GlyneJ.
Harrison,CapitalismSinceWorldWarII:TheMakingandBreakUpofthe
GreatBoom,Oxford:BasilBlackwell,1991.
30 Gowan,GlobalGamble,pp.21-2,apresentaevidênciasparaaconivência
entreNixoneosSauditas.
31 Aesquerda,vinculadacomoestava(eemmuitosaspectosaindaestá)
à política de reprodução expandida, lentamente reconheceu a im-
portânciadaslutasanti-FMIedeoutrosmovimentoscontraaes-
poliação. Retrospectivamente, o estudo pioneiro deWalton sobre
o padrão das lutas anti-FMI se distingue. Cf. J.Walton, Reluctant
Rebels:ComparativeStudiesonRevolutionandUnderdevelopment,New
York: Columbia University Press, 1984. Mas parece que também
seriacorretoquefizéssemosumaanálisemuitomaissofisticadapara
determinar quem da miríade de movimentos contra a espoliação
éregressivoeantimodernizadoresnumsentidosocialista,sejaqual
for,equempodeserprogressistaouaomenosserlevadoàdireção
progressistapormeiodaformaçãodeumaaliança.Comonunca,o
modocomqueGramscianalisouaquestãodoSulparecetersidoo
estudopioneirodessetipodeestudos.Petrasenfatizourecentemente
estepontoemsuacríticadeHardteNegri:vejaJ.Petras,“ARose
byAnyOtherName?TheFragranceofImperialism”,TheJournalof
PeasantStudies,29(2),2002.Camponesesricosquelutavamcontraa
reformadocamponãosãoosmesmoqueoscamponesessem-terra
quelutampelodireitodesubsistir.
32 P.Anderson,“Internationalism:ABreviary”,NewLeftReview,14,2002,
p.20,notacomo“algocomoavisãodeKaustky”tenhaacontecido
equeosteóricosliberais,comoRobertKeohane,tambémnotaram
a conexão. Sobre a nova arquitetura financeira internacional, ver S.
Soederberg,“TheNewInternationalFinancialArchitecture:Imposed
Leadershipand‘EmergingMarkets’“,SocialistRegister2002,London:
Merlin,2002.
33 Cf.BurketteHart-Landsberg,“CrisisandRecovery”(op.cit.).
34 Brenner,TheBoom(op.cit.),p.3.
35 G.Arrighi e B. Silver, eds., Chaos and Governance in the ModernWorld
System,Minneapolis:UniversityofMinnesotaPress,1999,pp.31-3.
36 Gowan,GlobalGamble(op.cit.),p.123.
37 Arrighinãoprevênenhumdesafioexternosério,maseleeseusco-
legasconcluemqueosEUA“têmatémaiorcapacidadedeconverter
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