Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
17 1[2013 revista de pesquisa em arquitetura e urbanismo programa de pós-graduação do instituto de arquitetura e urbanismo iau-usp
81
Assessorias técnicas no processo autogestionário - possibilidades de atuação
4 Ibidem. trás uma prática política possível” 4. Uma equipe são justificadas pelo arquiteto Joan Villá, que relata
multidisciplinar foi organizada para elaborar projetos, a pouca experiência dos arquitetos envolvidos, e
orientar a compra de materiais, demarcar a obra no que viam na Cooperativa, uma oportunidade de
terreno. Buscava-se, neste trabalho, construir uma trabalho, mas que não tinham uma cultura de
nova postura do técnico/funcionário da prefeitura, cooperativismo, além do que, não conseguiram
inverter a imagem que a população tinha (e tem) atender a grande demanda da população e responder
de um arquiteto ou engenheiro da prefeitura. questões de natureza técnica, como custos de
Surgiram, nesta experiência, questionamentos obra, tecnologia dos materiais, etc. A questão
quanto ao papel do arquiteto, na medida em que mais relevante apontada por Villá é a necessidade
o trabalho em campo era interpretado como trabalho do aprimoramento profissional do arquiteto para
5 Ibidem, p. 91. “politicamente muito importante” 5, tendo como contribuir de forma eficaz junto à demanda dos
objetivo a tentativa de socializar o conhecimento, movimentos por moradia, que se organizavam neste
desmistificando, em campo, a distinção auferida momento na cidade de São Paulo.
pelo conhecimento profissional.
(...) já estavam muito longe das questões da tecno-
Essas ações pontuais refletiam a necessidade da logia, das questões da construção, das questões
atuação dos arquitetos junto a uma demanda que de conforto ambiental. Não tinham nenhuma
ganhava corpo, se formava e se organizava dentro preparação para responder a qualquer pergunta
dos movimentos de participação popular, ao final elementar: quanto vai custar, quanto tempo vai
dos anos 1970 e na década de 1980. Na questão durar, quanto eu preciso economizar por mês? Já no
habitacional especificamente, pode-se dizer que as sindicato, comentava-se a necessidade, a importância
experiências com estes movimentos conheceram de introduzir uma disciplina de habitação popular ou
continuidade, de significado e prática, em 1982, algo do gênero no currículo das escolas que existiam.
quando foi estruturado o Laboratório de Habitação Comentava-se a importância de se começar a pensar
do curso de Arquitetura da Faculdade de Belas em outro tipo de arquiteto ou senão outro tipo, de
6 O Laboratório de Habi- Artes de São Paulo – LABHAB6, a partir de uma ampliar a formação do arquiteto e conduzi-la mais
tação era composto pelos
proposta formulada por professores e estudantes, para as efetivas necessidades do país que a gente
professores: Vitor Lotufo,
Joan Villá, Yves de Freitas, que visava aproximar a Universidade e os bairros tem (POMPÉIA, 2006,p.11).
Reginaldo L. N. Ronconi, João populares (BONDUKI, 1986, p.13). A proposta
Marcos A. Lopes, Olair de
original do LABHAB era a de fornecer assessoria Com o fim da Cooperativa, Jorge Carón foi convidado
Camilo, Raquel Rolnik, Na-
bil Bonduki,entre outros; o técnica à população que não tinha recursos para para coordenar o curso de Arquitetura e Urbanismo
coordenador do curso era o contratar os serviços de profissionais. As iniciativas da Faculdade de Belas Artes e Joan Villá tornou-
arquiteto Jorge Caron.
do Laboratório eram experimentais, e seus membros se professor de Projeto Arquitetônico. A ideia
concluíram que só haveria resultados significativos presente na Cooperativa foi retomada por Carón
se houvesse a parceria com os movimentos sociais e elaborada de forma que uniria o conhecimento
urbanos, como destaca Bonduki: técnico e acadêmico dos professores e dos alunos
com a necessidade de moradia da população de
Chegou-se à conclusão que a assessoria que pro- baixa renda, representada pelos movimentos de
púnhamos só surtiria o efeito desejado se atuássemos moradia. Para a interação destas duas forças, criou-
juntos aos movimentos sociais urbanos. Senão se, na Faculdade de Belas Artes, o Laboratório de
seria voluntarista, paternalista ou assistencialista, Habitação.
posturas que desde o início rejeitamos (BONDUKI,
7 Estudantes de cursos de 1986, p.14) Até o início da década de 1980, não havia o co-
arquitetura envolveram-se nhecimento da participação, do tipo institucional,
com os movimentos sociais
da década de 1970, houve
Uma experiência anterior ao Laboratório de Habitação das faculdades de arquitetura junto aos problemas
iniciativas de criação de Es- foi a Cooperativa do Sindicato dos Arquitetos de habitacionais e urbanos.7 O LABHAB da Faculdade
critórios Pilotos para atuar São Paulo, formada em 1978 pelos arquitetos de Belas Artes foi o início da prática de estudantes e
junto aos movimentos, mas
o LABHAB, pode ser consi- Joan Villá, Jon Maitrejean, Alfredo Paesani e Jorge professores na prestação de serviços à comunidade, e
derado a primeira experiência Caron. O trabalho da Cooperativa finalizou-se já que inaugurou um leque de possibilidades de atuação
consolidada do período. no campo da arquitetura. João Carlos Sant’anna,
em 1979, e as causas pela sua breve passagem
O arquiteto e professor Ives de Freitas, membro do Os movimentos de moradia buscavam cada vez
Laboratório de Habitação da Faculdade de Belas mais o sindicato e esta foi à razão principal para
Artes, relata um dos motivos pela sua extinção: que este grupo de arquitetos organizasse dois
encontros, denominados “Fórum de Assessorias de
Não foi exatamente a questão salarial que motivou Habitação.” Estes encontros tinham como finalidade
o seu fim, mas uma perspectiva e um trabalho discutir o problema da moradia, a atuação dos
que desenvolvemos e que não cabia mais na es- arquitetos, a formatação do que seriam as assessorias
trutura particular de ensino pago. A verdade é esta técnicas, a sua diferenciação perante os escritórios
(POMPÉIA, 2006, p.19) de arquitetura existentes, pois não havia ainda um
mercado de trabalho organizado que suprisse a
9 Arquiteto Reginaldo Ronco- Paralelamente ao trabalho que o Laboratório de demanda existente dos movimentos.
ni. Entrevista concedido à M.
Habitação da Faculdade de Belas Artes desenvolveu, nos
Cicuto em 18/11/2010.
anos de 1984 e 1985 foram realizados dois encontros O primeiro encontro aconteceu em 1987 e reuniu
de Movimentos por Moradia por Cooperativismo e cerca de 90 pessoas. No mesmo ano é realizado
Ajuda Mútua, que visavam definir estratégias mais outro encontro, desta vez com sede na Faculdade de
globais para a articulação entre organização popular, Direito do Largo São Francisco, tendo a intenção de
assessoria técnica e de construção por mutirão. Além da organizar os grupos de trabalho, assim como discutir
presença dos Movimentos por moradia, houve também, a inserção destes no mercado de trabalho.
segundo Reginaldo Ronconi, “uma participação muito
grande do Laboratório de Habitação da Belas Artes, Junto a estas discussões, constatamos uma série de
que era quem na época estava trabalhando com experiências habitacionais autogestionárias pioneiras
os movimentos, esse grupo foi um dos principais através destes técnicos que atuavam junto aos
articuladores destes encontros de moradia.” 9 movimentos de moradia. Para o incremento da
A participação conjunta de arquitetos e movimento ideia de autogestão na produção habitacional, foi
por moradia contribuiu para que o tema das dis- marcante a experiência do cooperativismo uruguaio,
cussões fosse dirigido à estrutura organizacional das quer pelos resultados alcançados em termos de
assessorias técnicas, que surgiriam anos mais tarde, qualidade, quer pela redução dos custos. Segundo
no final dos anos de 1980. Bonduki (1992a: p.35), “no Uruguai tinham sido
construídas mais de 10.000 unidades habitacionais
Observa-se que nestes encontros, o modelo de através de cooperativas de ajuda mútua ”, um
assessoria técnica estava preconizado, a maioria número significativo, se comparado ao tamanho
dos temas das discussões foram e continuam da população do país, que era de 2 milhões de
in-corporadas nas assessorias, como as formas habitantes.
de atuação. Quanto à atuação dos técnicos, os
encontros discutiram também a importância da O contato com a experiência
presença de novos técnicos, com outros atributos uruguaia
profissionais além da arquitetura e engenharia,
com o apoio também jurídico (advogados), social Há nas noções de autogestão uma dupla concepção,
(assistentes sociais e sociólogos) e econômicos que por um lado questiona o saber técnico tradicional
(economistas e administradores de empresas). e por outro interpreta o trabalhador como agente
da realização do seu destino. De certa forma, estas
Estes dois encontros deram continuidade na discussão questões estavam presentes na crítica que Sérgio
e ação entre movimentos por moradia e arquitetos e Ferro e Rodrigo Lefèvre fizeram a produção da
mostraram a urgência na estruturação de um corpo arquitetura moderna brasileira e ao canteiro de obras
técnico para atender a demanda dos movimentos. e como ele se realizava. Há nos anos 1980 uma
Aqueles que já não estavam mais no Laboratório de retomada dessas questões, mas em outro nível, que
Habitação da Belas Artes, prosseguiram com seus agrega o processo de mutirão, mas que também o
trabalhos no Sindicato de Arquitetos no Estado de ultrapassa. Há visões distintas desse processo. Para
São Paulo (SASP) e “conseguem trazer para Sindicato Nabil Bonduki, a ideia de autogestão na produção
a discussão da importância de uma diretoria de habitacional do país surge no bojo dos movimentos
10 Idem. assessoria”.10 dos anos 1980, de uma forma não consciente e não
previamente definida (BONDUKI, 1992, p.15). Isto e fundaram a Associação de Moradia Unidos da
indica uma multiplicidade de casos, que durante os Vila Cachoeirinha.
anos 1980, foram mais ou menos se alinhando, mas
talvez não sob um espontaneísmo que a concepção O trabalho na Vila Nova Cachoeirinha pontuou o
citada pode dar a entender. iní-cio das tentativas de implementação da aju-
da mútua na construção de moradias. Mesmo
Ainda que não fosse exatamente original, a partir do sem remuneração, já que não havia a destinação
relato dessa experiência, toma forma um conceito de recursos para estes técnicos nos programas
de autogestão no campo habitacional, como sendo habitacionais da Prefeitura de São Paulo, e sem
o trabalho de construção e gestão administrativas constituição jurídica, a equipe formada por Coelho
realizado pelos futuros moradores. A ideia era que uniu-se à associação dos Moradores da Vila Nova
essa prática, introduzida no Brasil, pudesse solucionar, Cachoeirinha para pressionar a COHAB12 a destinar
também de forma coletiva, outros problemas sociais recursos para a realização do empreendimento.
comuns, como a criação de postos de saúde, creches, Foi elaborada uma casa modelo por meio de
bibliotecas, cooperativas de consumo, etc., como doações para pressionar a liberação dos recursos
ocorreu no Uruguai, num estágio posterior. pela prefeitura. Laila Mourad relata o esforço da
equipe:
O trabalho das cooperativas uruguaias foi apresen-
tado pelo arquiteto Guilherme Coelho, durante a Era um processo que desenvolvia a concepção do
existência do Laboratório de Habitação da Faculdade mutirão autogestionado. Tínhamos uma maquete
de Belas Artes. O filme apresentado por Coelho, que que ajudou a conceber o projeto, e o desenho
havia retornado do Uruguai, foi o responsável pelo foi concebido a partir da maquete. Conseguimos
grande interesse na implementação da autogestão doações para viabilizar a unidade tipo, pois ainda
nos empreendimentos habitacionais. não tinha sido liberado o recurso da COHAB. Depois
da definição da unidade tipo, teve um processo de
Para Ronconi, a apresentação das cooperativas pressão para a liberação de recursos. A demora na
uruguaias foi essencial para o início da discussão liberação era uma resistência da COHAB, pois havia
da prática do mutirão e autogestão: muito interesse das empreiteiras.13
Quem nos apresentou as cooperativas foi o Coelho, A Associação, junto com a equipe de Coelho, decidiu
11 Idem.
lá na Belas Artes, ele tinha um super 8 e a gente invadir o terreno para continuar pressionando a
12 O programa municipal Pro- assistiu um filme que mostrava as cooperativas. liberação de recursos da COHAB. No dia em que a
morar foi crado1979, após o Todo mundo que viu saiu com a pergunta “Como invasão seria realizada, Coelho morre num acidente
seu lançamento a nível fede-
ral, era financiado pelo BNH.
que a gente não consegue fazer isto e lá no Uruguai de carro a caminho do terreno.
Entre 1979 e 1985 forma fazem?”. Foi um grande estímulo para a discussão
entregues apenas 4.592 uni- da implementação do mutirão e autogestão.11 A equipe e a associação organizaram-se num sábado,
dades habitacionais, distante
do objetivo inicial do progra- e estava tudo organizado para a invasão no domingo,
ma, que era construção de Em Fevereiro de 1982, o filme é exibido para 600 aí, acontece a morte do Guilherme.14
10 mil unidades nos quatro famílias moradoras da Zona Norte de São Paulo. Estas
anos. SACHS, 1999.
famílias pressionavam a COHAB para serem incluídas Após a morte de Guilherme, a direção do projeto da
13 Arquiteta Laila Mourad. nos programas de “moradia evolutiva” do BNH Vila Nova Cachoeirinha foi assumida pelo arquiteto
Entrevista concedida à autora
em 04/01/2011. fazendo uso de dois instrumentos que começavam a Henrique Reinach, que na época fazia parte do
operar desimpedidos na redemocratização brasileira: corpo técnico da prefeitura. Devido à demora na
14 Idem.
os protestos de rua e a imprensa. Em março do assinatura do contrato entre o Banco Nacional de
15 Para o registro do processo mesmo ano começam as negociações com a COHAB Habitação (BNH) e a Companhia Metropolitana
de implementação do Proje- para que este grupo ocupasse parte da gleba de Habitação de São Paulo Habitacional (COHAB),
to Vila Nova Cachoeirinha
e aprofundamento nas ex-
municipal de Vila Nova Cachoeirinha com um projeto os recursos foram adiantados pela COHAB numa
periências das cooperativas por ajuda mútua (BAVARELLI, 2006: p. 114). O escala modesta, somente em 1985, o contrato foi
uruguais, sugere-se: Bavarelli, compromisso da Prefeitura de São Paulo era ceder assinado.15 Para Laila Mourad, a viabilização do
J., 2006 e Reinach, H. C.,
1985.
para estas famílias uma parte desocupada da gleba projeto Vila Nova Cachoeirinha, o único projeto
da Vila Nova Cachoeirinha, e estas se organizaram com estas características na Cohab, fortaleceu “a
questão do mutirão, que a utopia da autogestão Técnica uruguaio, o Centro Cooperativista Uruguayo
16 Arquiteta Laila Mourad. fosse realidade.” 16 - CCU.
Entrevista concedida à autora
em 04/01/2011.
Outra experiência que prosseguiu com a defesa da O contato direto com representantes do coope-
autogestão na produção habitacional, antes mesmo rativismo uruguaio serviu de estímulo e de referência
desta tornar-se política pública e influenciada pelas externa de grande importância frente ao caráter
cooperativas uruguaias, foi da Vila Comunitária, em quase embrionário dos movimentos locais, além de
São Bernardo do Campo, liderado pelo arquiteto demonstrar a importância de entidades de articulação
uruguaio Leonardo Pessina, com experiência em como a Fucvam. (BONDUKI, 1992: p.52)
assessoria a programas habitacionais por mutirão
no Uruguai. O modelo proposto pela Fucvam diferenciava-se das
iniciativas encontradas no Brasil no final dos anos
A experiência do mutirão da Vila Comunitária foi de 1980. O eixo central da proposta era dado pelo
financiada pelos recursos provindos da CDH - que processo autogestionário da obra, e isso foi a grande
posteriormente, em 1989, tornar-se-ia a atual CDHU. novidade vista pelos integrantes da UMM (União dos
O financiamento da CDH não previa o repasse para Movimentos de Moradia). Depois do contato com
o pagamento dos técnicos que atuavam na Vila a experiência uruguaia, a UMM passou a defender
Comunitária, mas mesmo sem recursos, este projeto a autogestão nos programas habitacionais.
foi desenvolvido de forma participativa, através da
contribuição dos técnicos, que faziam parte da O modelo de autogestão uruguaio não se asse-
Associação Comunitária, pois não havia ainda a melhava com o modelo de autoconstrução, difundido
constituição jurídica da assessoria técnica. no país por meio das políticas públicas, como na
Gestão do Prefeito de São Paulo Mario Covas (1983-
Esta experiência chamou a atenção de outras pre- 1986), em que a prefeitura fornecia o material de
feituras, como a de Diadema, que participavam de construção para a população executar suas moradias.
todas as reuniões. Também conseguiram parcerias Para o processo autogestionário, faz-se necessário
com o SENAI, que contribui na formação das equipes que o Estado exerça o papel de agente financiador
da obra, na elaboração de cronogramas de kits de (transferindo recursos para as entidades de moradia),
hidráulica e elétrica. Para Mourad, a Vila Comunitária ficando a cargo dos movimentos de moradia as
assumiu um papel de grande importância nesta luta decisões relativas à obra. Para tanto, dentre outras
por uma política pública direcionada para o mutirão questões, os movimentos de moradia deviam ser
autogestionário, que seria realizada na gestão da reconhecidos como sujeitos políticos autônomos,
prefeita Luiza Erundina (1989-1992): sendo efetivada a transferência de recursos (Estado-
Movimento Organizado) e legitimada pelo Estado
Foi muito importante esta experiência, começa uma a capacidade decisória por parte do Movimento
troca entre as prefeituras, havia interesse. Quando Organizado. Todo este processo difere-se da auto-
acontece a inauguração da Vila Comunitária, com construção, mesmo em parâmetros coletivos, como
sobrados de 70m2, o Nabil (Bonduki), Raquel o mutirão.
(Rolnik), Alexandra (Reschke), entre outros, fizeram
uma grande mobilização para que houvesse uma Possibilidades de atuação
linha de financiamento para a autogestão, e que
houvesse uma linha de financiamento para as Em 1987, dois anos antes da gestão de prefeita
17 Idem. assessorias.17 Luiza Erundina, formou-se a primeira assessoria
técnica da cidade de São Paulo, o GAHMA (Grupo
O contato com as experiências uruguaias ganhou de Assessoria a Movimentos por Habitação), que
grande amplitude com a realização do “1° Encontro teve o arquiteto Reginaldo Ronconi como um dos
18 Fucvam - Federación uru- de Movimentos de Moradia”, em 1984, organizados principais articuladores. Após todos os encontros
guaya de cooperativas de
vivienda por ayuda mutua.
pelos primeiros movimentos de moradia por mutirão e discussões no SASP, ficou inviável a continuação
de São Paulo, como o Movimento de Moradia da deste trabalho, pois o sindicato “não suportava
19 Arquiteto Reginaldo Ron-
Zona Sul. O Encontro contou com a presença dos mais a estrutura da assessoria”19, mas que este
coni. Entrevista concedido à
autora em 18/11/2010. membros da Fucvam18 e do Instituto de Assistência se tornou, sem dúvida “um amparo político para
20 Idem. esta questão.”20 A constituição do GAHMA com os destinados a atender a população de baixa renda
membros do sindicato, demonstrou a necessidade refluíam para as COHABs, que estavam atreladas
de uma estrutura maior para o desenvolvimento às regras e políticas nacionais, resultando em ações
dos projetos, e as dificuldades encontradas pelos desvinculadas dos interesses políticos locais.
arquitetos para a realização dos trabalhos junto
aos movimentos eram muitas, principalmente na Na gestão do prefeito Jânio Quadros (1986-1989), o
sua remuneração e na falta de financiamento dos Funaps era utilizado para financiar moradias mediante
órgãos públicos para os projetos: contratação de empreiteiras, e a aquisição das
unidades habitacionais construídas por empreiteiras
Era muito complicado por que não havia nenhuma elevou significativamente o custo unitário da unidade
linha de financiamento para projetos de assessorias a ser financiada pelo fundo.
técnicas. A gente trabalhava muito defendendo as
propostas dos movimentos, e o pagamento das Já na Gestão da prefeita Luiza Erundina, os recursos
assessorias era acordado com os movimentos, todo foram aplicados na periferia da cidade, aumentando
21 Ibidem. mundo do GAHMA tinha atividades paralelas.21 os gastos com políticas sociais. Comparado às
administrações anteriores, nos anos Erundina, o
Com a vitória da prefeita Luiza Erundina em este Funaps representou o principal canal de investimentos
grupo de arquitetos que já vinham nesta trajetória da SEHAB - Secretaria de Habitação – partindo de
do trabalho junto aos movimentos de moradia, 44% e chegando a 77% dos gastos da Secretaria,
encontrou nesta gestão (1989-1992) a possibilidade visto que na administração Jânio Quadros os recursos
de, junto à administração pública, realizar os projetos utilizados chegaram ao máximo a 35% (ROSSETTO,
de moradia para os movimentos e formarem as 2003)
entidades de assessorias técnicas. Com base na
experiência construída, foi proposto o programa de A política habitacional da gestão da prefeita Luiza
financiamento habitacional Funaps Comunitário. Erundina levava em conta as preocupações dos
movimentos, haja vista o caráter participativo que
O Funaps Comunitário estava inserido no programa a importante ação pública nesta área tinha, qual
Funaps (Fundo de Atendimento a População seja, o mutirão autogestionário. Priorizava-se o
Moradora em Habitações Subnormais), sendo um diálogo e incentivava a interação entre agentes
fundo municipal, vinculado à Coordenadoria de Bem políticos distintos com o intuito de desenvolver
Estar Social, foi criado através da lei n. 8.906/79, na não só as iniciativas do poder público, mas também
administração do prefeito Olavo Egydio Setubal. O o interlocutor não-estatal, representado pelos
Funaps destinava-se, em regime de fundo perdido, movimentos de moradia. Ângela Arruda Amaral
na promoção do atendimento habitacional da observa esta nova postura inserida no programa
população de renda equivalente a até 4 salários Funaps Comunitário, que estimulava a propagação
mínimos, moradora em habitações subnormais no da autogestão no mutirão, com a inserção das
município. A administração direta atenderia com assessorias técnicas e maiores responsabilidades
recursos orçamentários a população com renda para o movimento de moradia, no momento em
até 4 ou 5 salários mínimos, por meio do Funaps, que estes participariam de todo o processo do
e se tornou uma alternativa para aqueles que não conjunto habitacional, desde a sua implementação
conseguiam ingressar no Sistema Financeiro da até o processo construtivo, diferenciando-se do
Habitação – SFH, cujo recursos eram utilizados pela processo de ajuda mútua até então conhecida pelo
COHAB – Companhia Metropolitana de Habitação poder público:
de São Paulo – e atendia somente as faixas de renda
mais altas, acima de 5 salários mínimos. Visando a fortalecer a participação da comunidade
em torna da questão habitacional, estimulando
A criação do Funaps permitiu que o município a autogestão nos empreendimentos financiados
iniciasse uma atuação autônoma, em relação ao pelo município, a capacidade gerencial das fa-
governo federal por meio da viabilização de novas mílias foi reconhecida e valorizada no programa
diretrizes para a moradia, visto que desde a criação Funaps Comunitário. O programa propunha a
do BNH, os recursos dos programas habitacionais ação em parceria entre associações de mutirantes,
cidade de São Paulo, desbravando um campo possível do trabalho das assessorias técnicas e movimentos de
24 Ibidem. de organização dessa produção habitacional. 24 Outro moradia nos programas habitacionais da prefeitura,
ponto importante a se destacar, e que demonstra a que foram retomados na gestão Suplicy (2001-
abertura desta gestão para a realização dos projetos 2004), mas tratado de forma diferenciada da gestão
das assessorias técnicas e das obras com maior Erundina. Segundo Santos (2010: p. 228), no período
qualidade, era a possibilidade de elaborar projetos Marta, houve uma diversificação de atendimentos-
com área maior, como visto, com área mínima de loteamentos, favelas, centro. Dentro deste conjunto
12 m2 por habitante, o que considerando uma de programas, o mutirão era apenas mais uma das
família de 5 membros, estabelecia-se a área mínima pautas, com resultado em viabilização de demandas
de 60 m2 por unidade habitacional. Para Ronconi, em projetos pontuais, mais que a constituição de
existia a percepção de que poderiam fazer “casas uma Política Pública.
25 Ibidem. maiores e com melhor qualidade.”25
A não priorização do mutirão autogestionado, como
A assessoria técnica GAHMA realizou um número política pública, na gestão Marta Suplicy acarretou na
significativo de projetos e obras de unidades ha- diversificação do trabalho das assessorias técnicas em
bitacionais durante a existência do programa Funaps relação à gestão Erundina. Buscou-se institucionalizar
26 Segundo Ronconi, foram Comunitário26 e houve tentativas de elaborações de a relação do poder público e os movimentos, com
construídos aproximadamen-
te 7.000m2.
projetos habitacionais junto ao governo do Estado de a criação de novos instrumentos, que eliminou a
São Paulo, por intermédio da CDHU (Companhia de elaboração do projeto junto aos movimentos de
Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado moradia.
de São Paulo).
No âmbito estadual, as dificuldades encontradas pelas
Outra assessoria técnica contratada pela prefeitura foi assessorias técnicas tiveram início na gestão Fleury
a CAAP, fundada em 1990 pelo arquiteto Uruguaio (1991- 1994), quando o mutirão autogestionado
Leonardo Pessina, que, como observado, já vinha de foi inserido no Programa Mutirão UMM e posterior-
uma trajetória de assessorias com as cooperativas mente pelo Programa Paulista de Mutirões, lançado
uruguaias e com a experiência já citada do mutirão em 1996 na gestão Mario Covas (1995 – 1998).
da Vila Comunitária em São Bernardo do Campo.
Os critérios estabelecidos pela CDHU para a con-
Observa-se que na maioria dos conjuntos habi- tratação de assessoria técnica, com a justificativa
tacionais, o trabalho da assessoria técnica no Funaps de ausência de “assessorias técnicas qualificadas
Comunitário englobava projeto das unidades habi- em grau suficiente” (ROYER, 2007: p. 382), assim
tacionais e o acompanhamento da obra. No caso do como a diminuição da área útil mínima para as
conjunto habitacional Elisa Maria, duas assessorias unidades habitacionais, acarretando em pagamentos
elaboraram os projetos. A assessoria técnica Oficina inferiores aos projetos elaborados e a dificuldade
de Habitação, fundada em 1990, foi a responsável de implementar novos projetos, criou uma barreira
pelo projeto de 73 sobrados, com área de 54 m2 para o desenvolvimento do trabalho da maioria das
por unidade habitacional, e a assessoria técnica assessorias que vinham desde a gestão Erundina
Ambiente, fundada em 1992, pelos 240 apartamen- contribuindo para a implementação do mutirão
tos, com a mesma área por unidade habitacional. autogestionado. No caso do GAHMA, a forma que a
Mesmo com o esforço de duas equipes de assessoria, CDHU conduziu as contratações e a falta na melhora
as obras do conjunto foram interrompidas em na qualidade da habitação foram os principais
1993, quando a gestão posterior, do prefeito Paulo motivos para a finalização dos seus trabalhos junto
Salim Maluf (1993- 1996), extinguiu o Funaps aos movimentos de moradia:
Comunitário.
Isto quebrou o GAHMA. Isto foi uma crise para as
Autogestão na produção assessorias técnicas, pois nunca tínhamos tratada esta
habitacional - retrocessos e questões questão como “pegar o serviço a qualquer custo”,
havia uma proposta política a ser defendida. Aí a
A paralisação dos mutirões nas gestões municipais CDHU começa a cristalizar a sua ação maléfica na
Maluf e Pitta trouxe obstáculos para a continuidade história das assessorias. Começou-se a estabelecer
as regras para as assessorias, muitas empreiteiras para a população de baixa renda, em lutas ditas
e construtoras montaram assessorias para mutirão, “concretas”. Há, neste programa habitacional
não tinha nada a ver com o compromisso político, implementado pela CDHU, a marca de uma perda
como melhorar a qualidade da habitação, o padrão no que se refere ao significado da autogestão na
da habitação, a melhora dos recursos (Grifo meu). Na produção habitacional. A autogestão limitou-se
verdade a grande briga política é que as assessorias ao gerenciamento de recursos, há o desmonte
sempre pleitearam que o governo botasse mais do processo de luta anterior preconizado pelas
27 Ibidem. dinheiro na habitação.27 assessorias técnicas e movimentos de moradia.
através da CDHU fazem no âmbito da produção LOPES, J. M., RIZEK, C. O mutirão autogerido como pro-
cedimento inovador na produção da moradia para
autogestionária habitacional, não pode ser entendido os pobres: uma abordagem crítica. São Paulo: Finep
como ação que acrescente conteúdo as experiências / Usina / Cenedic, 2005.
anteriores, na realidade deve ser entendido como
MARICATO, E. Política Habitacional no Regime Militar.
algo que descaracteriza e contribui para a não Do Milagre brasileiro à crise econômica. RJ. Ed.
Vozes, 1987.
continuidade do processo.
NOBRE, M. I. HIS no centro de São Paulo: Experiências
das Assessorias Técnicas nesta construção. In: Curso
Referências bibliográficas de Capacitação: Programas de reabilitação de áreas
urbanas centrais. São Paulo, 2006.
AMARAL, Angela de Arruda Camargo. Habitação na
POMPÉIA, R.A. Os Laboratórios de Habitação no ensino
cidade de São Paulo. Instituto Pólis e PUC-SP, São
da arquitetura: uma contribuição ao processo de
Paulo, 2001.
formação do arquiteto. Tese de Doutorado, FAU/
USP, 2006.
BAVARELLI, J. E. O Cooperativismo Uruguaio na Habitação
Social de São Paulo. Dissertação de Mestrado, São
REINACH, H. Projeto Vila Nova Cachoeirinha. São Paulo:
Paulo, FAU/USP, 2006.
s.n. (monografia apresentada no 2° Seminário Inter-
nacional do Programa de Estudios de Vivienda em
BOLAFFI, G. Habitação e Urbanismo: o problema e o falso América Latina - Universidad Nacional de Colombia),
problema. Ensaios de Opinião, Rio de Janeiro, Coleção 1984 a.
n.2, p. 73-81, 1975.
___________. Projeto Vila Nova Cachoeirinha. In: Espaço
____________. Os Mitos sobre o problema da habitação. & Debates, nº 14. São Paulo: Cortez, 1985.
Espaço e Debates, São Paulo, n. 17, 1986.
RONCONI, R. L. N. Habitações construídas com o geren-
BONDUKI, N. Construindo Territórios de Utopia. Dissertação ciamento dos usuários, com organização da força
de Mestrado, FAU/USP, São Paulo, 1987. de trabalho em regime de mutirão. Dissertação de
Mestrado, EESC-USP, São Carlos, 1995.
BUZZAR, M. A. “Rodrigo Brotero Lefèvre e a Idéia de Van-
guarda.” Tese de Doutorado, FAUUSP, 2002. ROSSETTO, Rossella. Fundo Municipal de Habitação. São
Paulo: POLI/PUC- SP, 2003.
FELIPE, J.P. Mutirão e autogestão no Jardim São Francis-
co (1989-1992): movimento de moradia, lugar do ROYER, L. Mutirões desenvolvidos pela Companhia de
arquiteto. Dissertação de Mestrado, EESC-USP, São Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado
Carlos, 1997. de São Paulo (CDHU) no município de São Paulo.
Coleção Habitare - Habitação Social nas Metrópoles
FERRO, S., LEFÉVRE, R. Proposta Inicial para um Debate: Brasileiras. São Paulo, 2007.
Possibilidades de Atuação. In: FERRO, S. Arquitetura
e trabalho livre. Organização e apresentação de Pedro SACHS, C. São Paulo: Políticas Públicas e Habitação Po-
Fiori Arantes. São Paulo: Cosac Naify, 2006. pular, São Paulo: Edusp, 1999.
IAB SP. Arquitetura e desenvolvimento nacional: depoi- SANTOS, A. L.T.S. A prática dos movimentos de moradia
mentos de arquitetos paulistas. São Paulo: Pini, s.d. na produção do espaço da cidade de São Paulo:
os limites da participação e a (im)possibilidade de
KOWARICK, L. Lutas Urbanas e Movimentos Populares: emancipação. Tese de Doutorado – FAUUSP, São
Alguns Pontos para Reflexão. Espaço e Debates, 8, Paulo, 2010.
pp. 55-63, 1983.