Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
— Christopher Hitchens
Uma negra
E uma criança nos braços
Solitária na floresta
De concreto e aço
Veja
Olha outra vez
O rosto na multidão
A multidão é um monstro
Sem rosto e coração
Quando eu cito Nego Drama, dos Racionais MCs, visualizar cada uma das
cenas construídas pelas palavras é inevitável.
Ao final do trecho, você é capaz de imaginar uma mulher negra com bebê
de colo no meio de São Paulo. Os edifícios sufocantes, pessoas passando sem
olhar ou se importar e, mais ainda, sentimos o cenário frio e acinzentado.
Sabe quando você diz para seu marido que encontrou no bar um grande
amigo dos tempos de escola? Você pode ter visto de relance e acenado de longe,
sem muita conversa. Essa pessoa foi alguém que você nunca teve interesse e
nem achava bonito, mas seu marido ainda assim cria uma distorcida imagem em
cima dos fatos apresentados.
No fim, a ideia que primeiro Wittgenstein trazia com seu trabalho é que as
pessoas devem escolher melhor as palavras que usam e serem mais cuidadosas
quando se comunicam.
Sua icônica frase, famosa até os dias de hoje, nos lembra: aquele que
não sabe o que dizer, deve permanecer em silêncio.
O que estou transmitindo não é que ele será curado e ficará tudo bem, mas
que apesar disso, estamos todos ali dando o apoio necessário.
Nós brasileiros sentimos Saudade de forma que um simples "I miss" não
seria capaz de expressar. Em outro exemplo, preferimos usar Burnout para
descrever um esgotamento mental muito mais intenso do que uma simples
tradução literal poderia indicar. Todas essas são palavras que usamos para obter
uma identificação muito íntima de quem somos e como estamos nos sentindo.
Mas não foi fácil. Mário não obteve aprovação no primeiro vestibular que
prestou. Demorou mais duas tentativas até que finalmente conseguisse sua vaga
em Medicina numa Universidade Federal, mas em outra cidade.
Corta a cena.
Juliana Silva subiu a ladeira da rua Comendador Antunes dos Santos todos
os dias durante quase 10 anos. Perto da terceira série do ensino fundamental,
teve a sorte de conseguir uma vaga numa boa escola pública, pelo menos melhor
do que sua escola antiga.
Agora com a filha completando o ensino médio, o caminho que sua mãe
traçou para ela foi o mesmo que escolheu anos antes. Ia dividir os clientes novos
com a filha e ela ajudaria nas despesas de casa.
Demorou quase 3 anos, agora com 21, para que Juliana conseguisse
convencer a mãe de que queria estudar para melhorar de vida. Sua mãe,
desconfiada, jogou todo peso nas costas da filha.
"Você tem que ajudar nas contas de casa. Se quiser estudar a noite é
problema seu, mas não pode parar o serviço"
Levou quase dois anos para que nossa personagem pudesse entrar numa
universidade pública. Sua nota não era muito alta, mas conseguiu entrar no curso
de Pedagogia, escolhido estrategicamente pela baixa concorrência.
Contou também como a prova para residência é ainda pior que o vestibular
e que alunos pagam às vezes 20 mil reais em cursinho para poder passar na
prova. No final, Mário fecharia sua história assumindo os louros da vitória.
"Foi difícil, mas com dedicação e mérito, hoje eu tenho uma vida
muito boa"
Juliana escutaria tudo calada, sorrindo por fora, mas intrigada por dentro.
Algumas perguntas surgiriam durante a conversa, mas ela queria ouvir todo o
contexto.
Aos olhos dela, como alguém que não precisava trabalhar em casa durante
a infância, estudou desde cedo nas melhores escolas e pôde dedicar 3 anos
exclusivamente para estudar, pagando um cursinho específico, está se achando
especial?
Juliana foi embora achando Mário arrogante, e ele não entendeu porque a
moça não se interessou por sua bela jornada de sucesso.
Quando Mário diz para Juliana que hoje ganha muito bem por efeito da
meritocracia, ele está se comparando aos seus pares e reconhecendo que
fez escolhas que as pessoas na mesma posição não fizeram. Seu jogo de
linguagem aqui seria algo como:
Para quem se expressa dentro deste jogo, tudo o que vale são as
experiências diretas que absorveram do mundo, as pessoas que conhece e as
referências imediatas. Normalmente quem enxerga o mundo assim embasa
opiniões não muito além do uso de anedotas, "Conheço alguém que fez isso e
deu certo" ou "eu fiz isso aqui e funcionou, vai funcionar com você também"
No entanto, quando Juliana escuta o que Mário está dizendo, ela está
participando de um outro jogo de linguagem. Ela conhece um mundo muito
diferente e estudou bastante as estatísticas de pobreza e mobilidade social. Ela
entende que para quem nasce pobre, a grande maioria das vezes você pode
fazer tudo certo que não vai mudar o resultado. Crianças pobres que fazem
tudo certo ainda se saem pior na vida do que crianças ricas que fizeram tudo
errado.
Então quando dizemos que Michael Phelps teve seu mérito nas
competições que venceu, não existe nenhum conflito nessa afirmação. Porque
no momento em que estava competindo, nos poucos segundos que foi capaz de
se destacar, as outras pessoas ao seu lado também eram as melhores de seus
países no esporte.
Nos dois casos, basta olhar para o mundo e ver que essa regra não se
aplica.
Gente pobre trabalha muito mais e de forma mais intensa que a maioria
das pessoas que são ricas e, muita gente que oferece muito mais valor para a
sociedade, como professores, não têm o devido reconhecimento pela sua
contribuição.
No sistema atual não existe meritocracia, um jovem pobre que faz tudo
certo ainda terá uma vida pior do que alguém rico que fez tudo errado.
E eu sei que você está pensando em nomes para me dizer que isso não é
verdade: “Veja o Marco Gomes em Nova York, todo chique jantando no Ivan
Orkin!”
Mais ainda, muitas vezes existem mais dimensões para se adquirir uma
opinião do que puramente duas proposições opostas.
Desde então sua campanha inteira não apresentou nenhum projeto sólido.
Toda sua postura e divulgação foi baseada simplesmente em polarizar a
sociedade contra a suposta esquerda-comunista, marxismo cultural, e a hipótese
de que os comunistas querem transformar todas as crianças em gays e trans.
Tudo isso para reforçar o medo irracional das pessoas e dizer: se você não me
apoia, olha os absurdos que você está apoiando.
No final de tudo, é difícil para o rico olhar e reconhecer que tomou ações
que podem ter favorecido seu resultado, mas que comparado ao resto da
sociedade ele teve inúmeros privilégios. Ao mesmo tempo que para quem aponta
os fatores de desigualdade social, fica difícil reconhecer alguns méritos porque
isso pode enfraquecer a sua tese.
Toda obra segue nesse clima pesado e que leva muita gente ao
questionamento: "se a vida é sofrimento e isso é inevitável, por que devo viver?".
É como expliquei no texto sobre como não planejar uma vida de sucesso.
A gente pode olhar para inúmeras outras dimensões da vida e aproveitá-la
mesmo sem esses resultados vendidos em cursos de
empreendedorismo. Porque o importante não é ganhar o jogo, mas continuar
jogando.
Existe um livro, escrito pelo psiquiatra M. Scott Peck que gosto bastante e
que sua primeira linha já quebra nossas ilusões e afirma: a vida é difícil.
Conheça também Este livro não vai te deixar rico, uma coletânea com
os melhores artigos do Startup da Real para você ter sempre com você ou
presentear seus amigos.