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* Bolsista da Capes, Núcleo de Pesquisas de Geografia Histórica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
1 A abordagem deste artigo está direcionada mais às sociedades pré-industriais “típicas”, isto é, históricas, aquelas que
precederam o advento do modo de produção industrial na Europa ocidental ou que, pelo menos, não eram direta nem
decisivamente influenciadas por ele.
estabelecidas pela cidade pré-industrial com necessidades básicas da vida humana – co-
o espaço regional mais amplo no qual se mida, vestuário, aquecimento e moradia –, a
inseria. Embora critiquem vários aspectos satisfação das duas últimas requeriam direta
do modelo de Sjoberg, os historiadores e indispensavelmente a madeira, e muitos
sociais têm basicamente as mesmas preo- itens da dieta dos povos pré-industriais não
cupações, como mostra o trabalho de Burke poderiam existir como tais sem o cozimento
(1975). Eles concentram sua atenção em feito por meio da queima de biomassa le-
temas “intramuros” e falham em considerar nhosa (WARDE, 2006, p. 6). A madeira não
a interconexão das cidades em redes de era somente o aço e o alumínio, o plástico
suprimento material e disposição de rejeitos e a fibra de vidro, mas também o petróleo, o
(RADKAU apud KNOLL, 2006, p. 80). carvão e o gás dos humanos pré-industriais
Mais recentemente, os historiadores (MILLER, 2000, p. 4).
ambientais vêm propondo uma nova e es- Estruturalmente, a madeira não tinha
timulante leitura dessas dinâmicas urbanas competidores, já que era a única substância
do passado. Para Cronon (1991, p. 19), em de ocorrência natural que exibia força de
seu clássico Nature’s metropolis, “desconsi- tensão. Quase toda a tecnosfera humana
derar as relações da cidade com a natureza era construída com madeira. Referindo-se à
e o campo é na verdade desconsiderar Europa entre 1500 e 1750, Williams (2003,
muito do que a cidade é”. Hughes (1998, p. 179-180) sintetiza:
p. 105) atenta para o fato de que a cidade As florestas forneciam a principal matéria-
não é somente “uma série de relações prima para os edifícios, moinhos, teares,
sociais humanas e arranjos econômicos”. móveis, arados, carroças e rodas; a
A cidade é parte dos ecossistemas dentro madeira era usada até mesmo nas rodas
dos quais existe e funciona. Neste sentido, de engrenagem de relógios. Todas as
ferramentas e instrumentos eram de madeira,
a cidade pré-industrial pode ser concebida exceto aqueles que precisavam de fio
como “relação humana estruturada com o cortante, que eram de ferro. […] Era uma
ambiente natural” (HUGHES, 1998, p. 105). ‘idade da madeira’, e então temos que
Toda atividade urbana requer algum encarar como um dado o uso ubíquo e
recurso natural das áreas rurais adjacentes, universal da madeira para construções,
ferramentas e implementos [...].
ensejando uma situação de estreita intera-
ção espacial. Melosi (2009) clama pela inser- A importância da madeira era tão
ção da cidade no mundo natural por meio grande nesse mundo pré-industrial que, na
de um nexo conceitual que una o processo visão de um observador da cidade do Rio
de construção das cidades às dinâmicas de Janeiro, no final do século XVIII, eram
ecológicas, tanto dentro do próprio espaço simplesmente indispensáveis “os cortes das
urbano quanto no âmbito das relações com madeiras para a construção das fábricas, e
a hinterlândia. A história ambiental norte- construções das propriedades desta cidade
-americana e a europeia têm se dedicado [do Rio de Janeiro], pelo contrário cessava
cada vez mais ao estudo dessas “hinterlân- tudo” (CABRAL, 2007a, p. 92-3).
dias de recursos” (resource hinterlands), isto Em contraste com suas congêneres
é, as áreas que “suprem as cidades com os industriais – cujo sistema de produção
alimentos, água, combustível e materiais de baseia-se no uso de fontes inanimadas de
construção essenciais através de redes de energia para multiplicar o esforço humano –,
comércio” (BRANNSTROM, 2005, p. 396). as cidades pré-industriais dependiam de fon-
O principal recurso não-alimentício tes animadas (humanas, animais ou vegetais)
necessário ao metabolismo das cidades pré- aplicadas direta ou indiretamente sobre o
-industriais era a madeira. Não foi por acaso objeto do trabalho (SJOBERG, 1975, p. 17).
que o sociólogo alemão Werner Sombart A queima de biomassa, em combinações
designou o período pré-industrial de “Era da histórica e geograficamente particulares
Madeira” (SOMBART apud WARDE, 2006, com a força hidráulica, a tração animal e a
p. 6). A madeira constituía o arcabouço escravidão, constituía o sistema energético
fundamental da vida cotidiana. Das quatro característico das sociedades pré-industriais.
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Cabral, D. de C. Von Thünen e o abastecimento madeireiro de centros urbanos pré-industriais
Ainda que sobre bases documentais não Procurando uma confluência dessas
divulgadas e abarcando uma enorme nesga duas abordagens, formula-se, neste artigo,
de espaço e tempo (Eurásia, c.1500-c.1800), uma hipótese teórica para situações em que
Blainey (2008, p. 232) alega que uma cidade há associação funcional, dentro de uma
de 30 mil habitantes precisava de 600 a mil mesma unidade de gestão, entre agricultura
carroças de lenha por semana. Um observa- e exploração madeireira, e em que esta é
dor relatou que, em 1888, 500 carroções de subsidiária daquela. Neste caso, a atividade
lenha eram vendidos diariamente na cidade florestal não existe como uso do solo autô-
do Rio de Janeiro, sugerindo (a uma tonelada nomo na economia rural e, portanto, não
e meia por carroção) mais de 270 mil tonela- pode ser considerada um anel ou uma zona.
das por ano (DEAN, 1996, p. 211). Os níveis É estudada teoricamente a relação entre
de demanda per capita também eram muito distância do mercado urbano, intensidade
expressivos: estimou-se, por exemplo, para da agricultura e “intensidade” da exploração
a cidade de Londres c.1600, um consumo madeireira. Para isso, procurou-se combinar
de 1,76 tonelada por habitante anualmente a teoria da intensidade thüniana com uma
(GALLOWAY et al., 1996, p. 455). Para o teoria da intensificação agrícola que dê
conjunto da Europa setentrional dos séculos conta da dinâmica de sucessão florestal e,
XVI ao XVIII, Bairoch (1985, p. 35-6) estipulou consequentemente, da disponibilidade de
um consumo per capita da ordem de 1,6 a recursos florestais no sistema. Esta teoria da
2,3 toneladas. Supondo-se uma produção intensificação é encontrada no clássico tra-
anual de lenha de 20 a 25 toneladas por km2, balho de Boserup (1987) sobre crescimento
uma cidade de 100 mil habitantes precisaria demográfico e desenvolvimento agrícola.
de uma área de 10 mil km2 de florestas para O artigo se desenvolve ao longo de
aquecer seus habitantes. quatro seções: a primeira apresenta sucin-
Em razão da baixa relação valor/volume tamente a teoria de Thünen, diferenciando
dos produtos madeireiros, a espacialidade a perspectiva dos cultivos e a perspectiva
da economia florestal pré-industrial era lar- da intensidade; a segunda seção discute
gamente determinada pelo custo de trans- os achados das pesquisas históricas que
porte. Desse modo, um arcabouço teórico se valeram do pensamento de Thünen; a
fundamental para a compreensão do abas- terceira é dedicada ao desenvolvimento de
tecimento madeireiro dos centros urbanos é um esquema conceitual que articula fre-
o clássico modelo de Thünen sobre o efeito quência de cultivo e intensidade da explo-
da distância do mercado sobre a estrutura ração madeireira; e a quarta aplica esse
da produção agrária (HALL, 1966). esquema interpretativo ao caso do Rio de
Ao aplicar o modelo thüniano em Janeiro, no final da era colonial.
paisagens do passado, os pesquisadores
privilegiam a teoria geral da localização O Estado Isolado e a questão do
dos cultivos (ou simplesmente teoria dos abastecimento madeireiro
cultivos), que postula a existência de anéis
concêntricos à cidade aglutinadores de um O Estado isolado em sua relação com a
determinado tipo de produção agrícola. agricultura e a economia nacional, do agricul-
Outra forma de se encarar a questão é pela tor prático e economista prussiano Johann
teoria da intensidade, no âmbito da qual não Heinrich von Thünen, é o trabalho inaugural
são focalizados os produtos, mas sim o nível na história da teoria dos lugares centrais.
de investimento de fatores de produção (na Publicado pela primeira vez em 1826, trata-se
formulação original de Thünen, notadamen- do primeiro estudo que procura explicar, de
te o trabalho), considerando apenas um tipo uma perspectiva nomotético-racionalista, a
de produto. ordem espacial da produção agrícola.2
2 Não será feita aqui nenhuma propedêutica mais completa à obra de Thünen. Para isso, ver a introdução de Hall (1966)
à edição inglesa e o segundo capítulo de Chisholm (1968). Em português, temos o clássico artigo de Waibel (1948) e,
para uma discussão mais completa, a dissertação de Mesquita (1978).
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Como se sabe, Thünen utiliza, como va- postula que, a preços maiores – isto é, em
riável explicativa, a distância em relação aos sítios mais próximos ao mercado –, escolhe-
mercados urbanos. Para isolar essa variável, -se um sistema de cultivo mais intensivo,
ele precisou assumir algumas condições em no qual um número maior de unidades de
seu experimento mental: 1) tudo se passa capital e trabalho pode ser invertido antes
em uma planície biofisicamente uniforme que se atinja o nível crítico de produtividade
(qualidade dos solos, tipo de relevo, etc.), marginal (ou seja, quando a renda da terra é
ao redor da qual se ergue uma densa floresta nula) (HALL, 1966, p. xxix). De acordo com
“virgem” (uncultivated wilderness); 2) não há este mecanismo, desenvolvem-se sistemas
movimento de importação-exportação para agrícolas progressivamente mais extensivos
além dessa floresta; 3) a planície é por toda num gradiente de distância cada vez maior
parte habitada por agricultores de mesmo da cidade.
nível cultural; 4) esses agricultores produzem Mas estes sistemas representam méto-
sempre para a venda e sempre procurando dos de cultivo ou níveis de investimento de
maximizar a renda advinda dessa venda; 5) capital e trabalho utilizados para o cultivo de
o único mercado disponível a esses agricul- um mesmo gênero. Faz-se variar, portanto,
tores é aquele de uma cidade centralmente os custos de produção. Mantendo estes
localizada na planície; 6) a única forma de custos fixos e fazendo variar os gêneros,
os agricultores levarem suas mercadorias qual seria a estrutura de alocação tal como
para a cidade é por meio de carros de tração influenciada pela distância do mercado?
animal. Nesse cenário, o único elemento Este é o segundo grande objeto de estudo
que diferencia os agricultores – e que, con- de Thünen. Como resposta, ele constrói
sequentemente, estrutura espacialmente a uma teoria geral da localização dos produtos
produção – é sua posição geográfica rela- agrícolas – a teoria dos cultivos, conforme
tivamente ao mercado da cidade, o que se ficou conhecida na literatura especializa-
traduz em gradiente de custo de transporte. da. Ela postula que o lugar mais próximo
O gradiente de custo de transporte ao mercado será apropriado para aquele
cria uma variação de renda da terra, isto é, produto que apresenta a maior redução de
de produto líquido: quanto mais longe da custo de transporte naquela localização. O
cidade, menor esse produto. Essa curva valor desta redução é encontrado multipli-
descendente afeta o uso da terra em duas cando-se o custo de cada carregamento
dimensões: quanto ao sistema de cultivo transportado ao mercado pelo número de
e quanto aos gêneros que são cultivados. carregamentos preenchidos por unidade
Estes são, em larga medida, objetos de de área cultivada. Como os custos de pro-
estudo diferentes – embora certamente dução são mantidos constantes, o produto
interdependentes –, na obra de Thünen. dessa multiplicação reflete as características
A primeira questão pode ser formulada da intrínsecas do gênero (produtividade natural,
seguinte forma: volume e perecibilidade) e a natureza da
demanda urbana (magnitude e frequência).
Uma dada cultura, digamos, uma cultura
de grãos, pode ser cultivada sob diferentes Baseado neste tipo de cálculo, Thünen
sistemas, alguns mais intensos do que estipulou a estrutura locacional dos diversos
outros; ou seja, alguns sistemas implicam cultivos e combinações de cultivos em seu
custos mais elevados do que outros, mas famoso diagrama com seis anéis (Figura 1).
que (em certas circunstâncias) trazem
No primeiro, estão verduras, legumes e fru-
maiores retornos. Podemos encontrar
que, embora a cultura seja a mesma, ela é tas; o segundo, lenha (numa primeira subzo-
produzida por um sistema intensivo em um na) e madeira de construção (na segunda
lugar, em um sistema extensivo em outro. subzona); no terceiro, um sistema de rodízio
Como, Thünen pergunta, esta variação está entre cereais e tubérculos, com adubação
relacionada à distância em relação ao único uma vez por ano; no quarto, um sistema de
mercado consumidor? (HALL, 1966, p. xxiii)
rodízio entre cereais e pastos com pousio;
A esta pergunta Thünen responde com no quinto, os mesmos produtos em um siste-
sua teoria da intensidade. Basicamente, ela ma de três campos – um com os cultivos de
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Figura 1
Os anéis de Thünen
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condições reinantes. Para Thünen, era a primeira custa menos para ser transporta-
preciso implementar sistemas de manejo da do que a segunda. Aí está a explicação
que otimizassem a produção anual de bio- da subdivisão do anel florestal, com a lenha
massa, agrupando os indivíduos arbóreos ocupando a porção mais interna e a madeira
da mesma idade e cortando-os antes que a de construção, a mais externa. Não compen-
taxa média de incremento vegetativo caísse saria transportar os restolhos da serragem
a 5% ao ano – quando então a renda da das peças construtivas como lenha, para
terra seria nula. venda na cidade; mais vale serem transfor-
Hall (1966, p. 166) identifica neste argu- mados em carvão, que é um combustível
mento “a primeira abordagem de Thünen do de maior peso específico, capaz de ser
princípio dos rendimentos de produtividade vendido com lucro no mercado. Portanto, a
marginais”. O “cultivo” das árvores deveria porção mais externa do anel florestal abriga
ser buscado até o ponto marginal, em que a produção carvoeira (THÜNEN apud HALL,
o incremento anual em valor igualar-se-ia 1966, p. 121).
ao retorno advindo de um investimento
alternativo do capital contido no estoque Aplicações históricas do modelo
total de madeira. Trata-se de uma questão thüniano
de custo de oportunidade. O período de
tempo durante o qual não se cortam as A maioria das pesquisas que buscaram
árvores representa um tempo “gasto”, pois auxílio no modelo thüniano – seja como ins-
o capital armazenado como estoque de trumento interpretativo para a compreensão
madeira poderia ser empregado de outra de configurações agrárias do passado, seja
forma; por exemplo, ele poderia ser empres- para testar a validade empírica dos seus
tado, rendendo 5% ao ano. Em termos da padrões conclusivos – adotou a perspectiva
contabilidade da empresa madeireira, por- da teoria geral dos cultivos.3 O interesse foi
tanto, o tempo de crescimento das árvores muito mais pelo uso da terra de forma geral
representa um custo de produção. do que especificamente pela exploração ma-
Este custo difere segundo o tipo de deireira. A seguir, é feita uma breve revisão
produto florestal. Embora a combustibili- desses estudos.
dade da madeira de árvores mais maduras Embora não utilize o Estado Isolado,
seja maior do que a daquelas mais jovens explicitamente, como referência teórica,
– elevando o preço e permitindo um ciclo Hoffmann, em trabalho sobre as cidades
de crescimento além do ponto marginal de medievais europeias, fez notar que as “zo-
5% –, o incremento em valor não é capaz nas de produção dos cereais e da lenha
de compensar o custo de produção por de cada cidade conformavam-se aos anéis
muitos anos. As peças de construção, espaciais da teoria clássica da localização”
por outro lado, precisam ser extraídas de (HOFFMANN, 2007, p. 313) – uma clara
árvores dotadas de grande altura e dureza, alusão à teoria dos cultivos thüniana.
o que eleva sobremaneira o tempo de cres- Galloway e colaboradores (1996) tes-
cimento vegetativo e, subsequentemente, o taram o modelo thüniano em relação ao
custo de produção. Mas, por serem extre- sistema de abastecimento de madeira com-
mamente importantes à economia urbana, bustível da Londres medieval. Respaldados
os preços dessas peças acompanham os por vasta e detalhada pesquisa empírica
custos. – utilizando, sobretudo, inventários de domí-
Esta diferença de custos de produção nios senhoriais –, os autores constataram a
acarreta também uma diferença nos custos existência de uma produção especializada
de transporte. A um certo nível de peso, a de lenha, caracterizada por altos rendimen-
madeira construtiva alcança um preço maior tos advindos da sua comercialização, bem
do que a lenha e, relativamente ao seu valor, como pelo seu preparo específico e venda
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para o caso dos ka’apor da Amazônia, a Isolado, sua análise é orientada para o
agricultura de alqueive não é uma técnica de padrão locacional dos gêneros e os pro-
produção isolada, mas que se integra a um dutos madeireiros são vistos dentro desse
sistema mais amplo de manejo da floresta sistema geral. Na escala do anel florestal,
– uma asserção que poderia ser estendida como visto, Thünen dedica-se à questão das
a grupos orientados para o mercado. A espécies de mercadorias (lenha, madeira e
agricultura de alqueive cria um mosaico de carvão), na resolução da qual se percebe,
áreas de diferentes idades e, portanto, em subjacente, o recurso ao princípio da inten-
diferentes níveis de regeneração florestal, as sidade. Como, no que concerne à produção
quais podem estar relacionadas a diversos madeireira, o tempo de crescimento das
recursos e atividades. É comum, ainda, que árvores representa um custo de produção e
certos tratos de terra não sejam nem mesmo cada um daqueles tipos de produto requer
incluídos na rotação, sendo reservados à tempos de crescimento diferenciados, há
economia extrativa.4 Há muitos estudos – uma gradação de intensidade dentro do anel
que abordam tanto casos históricos quanto florestal. Este ponto fica claro na seguinte
contemporâneos – mostrando que o corte passagem:
de madeira é uma atividade acessória,
part-time, que ajuda na complementação Pode ser rentável, na franja mais interna
do anel florestal, plantar árvores com uma
da renda das unidades agrícolas (ver, entre taxa de crescimento muito alta, pois, apesar
outros, REES, 1971; MOSS e MORGAN, de sua madeira não ser tão valiosa, numa
1981; CLINE-COLE et al., 1988; MEDINA, comparação com um peso igual de faia, por
2004; CABRAL, 2007b). exemplo, o produto anual será maior por
Para estudar a forma como a agricultu- unidade de área. A parte exterior do anel
florestal, por outro lado, não se pode dar ao
ra determina as condições da exploração
luxo de abastecer a Cidade a não ser com a
madeireira, em um gradiente espacial de mais cara espécie de combustível. (THÜNEN
custo de transporte, é preciso abandonar apud HALL, 1966, p. 122)
a perspectiva dos cultivos e se concentrar
na perspectiva da intensidade. O que se O desafio aqui, portanto, é articular esse
procura, portanto, não é uma “localização esquema de intensidade com a agricultura,
absoluta” da produção madeireira, mas tomando esta como a atividade central do
sim uma “localização relativa” determinada sistema. Para investigar a natureza dessa
pelas variações agrícolas. Em outras pala- relação, é necessária uma teoria da inten-
vras, busca-se a relação entre intensidade sificação agrícola que incorpore o manejo
da agricultura e “intensidade” da exploração das áreas de pousio. As áreas de pousio
madeireira. A seguir, procura-se desenvolver desempenham papel fundamental nos
conceitualmente esta relação. sistemas de agricultura de alqueive, permi-
tindo a recuperação do solo e fornecendo a
Distância ao mercado urbano, biomassa necessária à geração de energia e
intensidade agrícola e intensidade da à construção. Essa biomassa é extraída em
exploração madeireira vários momentos durante o pousio, mas a
maior parte é coletada no próprio processo
A análise que Thünen faz da exploração de arroteamento (Moss; Morgan, 1981;
florestal segue a diferença geral entre as ADESINA, 1990; DALLE; DE BLOIS, 2006).
perspectivas dos cultivos e da intensidade, As possibilidades abertas a esse extrativis-
o que pode ser visto como um problema mo dependem do grau de regeneração es-
de escala geográfica. Na escala do Estado trutural das comunidades vegetais (Moss;
4 É importante salientar que o fato de um trato de terra não ser incorporado ao ciclo agrícola da unidade produtiva não
significa que ele deva ser excluído do cálculo da duração do pousio. Esta é definida como a porcentagem de terra que
se encontra sob cultivo (Ruthnberg apud Angelsen, 1994, p.9): C X 100/C + F, onde C é a duração do ciclo de
colheita e F é a duração do período de pousio.
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Cabral, D. de C. Von Thünen e o abastecimento madeireiro de centros urbanos pré-industriais
e Morgan, 1981) e essa regeneração, por não servem a uma teoria geral do desen-
sua vez, depende do tempo que o trato de volvimento agrícola exatamente pelo fato
terra é mantido em repouso. de grande parte dos sistemas observados
Nos trópicos úmidos, os primeiros anos no registro histórico ser itinerante. Não há,
de regeneração testemunham um rápido neste caso, distinção clara entre criação de
aumento do montante de biomassa no ecos- novos campos e mudança dos métodos nos
sistema florestal: o acúmulo pode chegar a campos já existentes; o que há é
100 toneladas por hectare, nos 15-20 anos um contínuo de tipos de uso da terra, do caso
após o abandono da área (GUARIGUATA; extremo de terra verdadeiramente virgem,
OSTERTAG, 2001). Essa biomassa é dis- nunca cultivada, passando pelos casos de
tribuída, majoritariamente, por espécies terras onde se colhe e planta a intervalos
pioneiras de pequeno diâmetro de tronco cada vez mais curtos, até, finalmente,
àqueles territórios onde se semeia tão
e muito abundantes por unidade de área.
logo a cultura anterior tenha sido colhida.
As pioneiras, com suas altas taxas de cres- (BOSERUP, 1987, p. 9)
cimento e elevada produção de sementes,
favorecem a atividade extrativa de lenha, Em termos práticos de método, isto
um produto madeireiro de baixo valor por equivale a tratar toda forma de cultivo como
unidade de volume e demanda praticamente itinerante, variando apenas no grau.
ininterrupta no tempo. (Contudo, mesmo a Seguindo este raciocínio, Boserup
lenha não é viável em tratos cujo pousio não introduz a seguinte tipologia: sistemas de
alcança uma duração mínima de cinco anos pousio longo ou florestal (de 20 a 30 anos);
[ADESINA, 1990]). O limite da viabilidade sistemas de pousio arbustivo (de seis a dez
da extração de madeiras de construção, anos, com os períodos de cultivo ininterrup-
evidentemente, é bem maior, posto que es- to variando consideravelmente); sistemas
ses produtos requerem espécies com lenho de pousio curto (um ou dois anos); sistema
de maior densidade (dureza) e diâmetro. de cultivo anual – que, embora não usual-
Essas espécies são aquelas pertencentes, mente, pode ser considerado um sistema de
na maioria das vezes, ao grupo conhecido alqueive, pois frequentemente a terra é dei-
na literatura ecológica como “climácicas”: xada em repouso por alguns meses, entre
elas possuem baixas taxas de crescimento, a colheita e o plantio seguinte –; e sistema
sendo geralmente necessários, no mínimo, de cultivos múltiplos, em que o mesmo solo
de 20 a 25 anos para que atinjam estágio suporta duas ou mais colheitas ano após
adequado de corte – e algumas espécies ano. Depois destas definições, Boserup
da floresta tropical úmida precisam de bem avança argumentando que, a despeito das
mais do que isso. lacunas no conhecimento sobre a evolução
A duração do pousio não é um ele- agrícola em muitas regiões do mundo, pode-
mento estático dos sistemas agrícolas. Ao -se considerar que, em geral, a trajetória
contrário, ela é dinâmica, respondendo às histórica dos povos foi sempre no sentido
flutuações demográficas e ao corresponden- da progressiva intensificação da produção,
te nível de demanda por alimentos. Este é o ou seja, a transição dos sistemas de pousio
mote do clássico trabalho da economista E. longo para os de cultivos múltiplos.
Boserup (1987), The conditions of agricultu- Analisando o problema da coexistência
ral growth (traduzido para o português como de diversos sistemas de pousio, Boserup
Evolução agrária e pressão demográfica), no restringe-se a constatar a espacialidade
qual ela desenvolve o conceito de “frequên- diferenciada resultante dos ritmos de
cia de cultivo”. crescimento ou retrocesso demográfico.
Boserup parte da crítica da abordagem A incorporação de terras aos tratos mais
clássica, que se vale da distinção entre ex- intensivos, nota ela, ocorre de forma sele-
pansão extensiva (incorporação de terras tiva, e não generalizada (BOSERUP, 1987,
não-cultivadas) e expansão intensiva (por p. 65-73). Mas a autora não avança nas
maior inversão de trabalho e capital) da potencialidades geográficas de sua aná-
produção. Para a autora, estas categorias lise. Devemos considerar que o fator po-
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5 Com os métodos do século XVIII, a lenha convertida em carvão perdia quase três quartos de seu volume.
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Figura 2
Dinâmica da cobertura da terra em um sistema de alqueive
quando este estudou os fatores do mundo estariam localizadas longe da cidade (não
real que poderiam “distorcer” seu modelo se considerando, evidentemente, a área de
(THÜNEN apud HALL, 1966, p. 215 e seg.).6 floresta além da margem extensiva). Não há
De forma bastante expressiva, os rios cau- uma zona florestal plantada perto do centro
sariam um aprofundamento dendrítico no urbano, bem como não existe uma área de
alcance das zonas, enquanto o alto custo floresta “virgem” circundando a economia
do transporte terrestre restringiria bastante rural. O que há é um aumento progressivo
seu alargamento, produzindo um padrão de densidade florestal à medida que se
“endentado”. Na Inglaterra do século XVII, avança para longe do centro urbano. Nes-
por exemplo, o alto custo da tração animal te continuum, a duração do pousio vai se
limitava o corte de árvores a uma distância elevando até que a sucessão ecológica seja
de menos de cinco quilômetros das mar- capaz de atingir níveis nos quais se torna
gens fluviais (ALBION apud BUNKER, 2003, difícil distinguir entre floresta primária e
p. 223). Um esquema gráfico de tal padrão floresta resultante de manejo prévio.
é apresentado na Figura 3. Observa-se, a seguir, como esse es-
Uma consequência importante de um quema pode iluminar a pesquisa histórica
cenário como este é de que, ao contrário sobre cidades pré-industriais, examinando
do que estabelece a teoria dos cultivos o caso do Rio de Janeiro, nos últimos anos
thüniana, as maiores densidades florestais da era colonial.
6 Thünen considerou que o custo do transporte fluvial representaria um décimo do custo do transporte terrestre.
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Figura 3
Esquema hipotético das zonas agromadeireiras em regiões pré-industriais dotadas de vasto estoque de floresta
tropical úmida
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vos, poços para a coleta de água e bosques começo dessa faixa, tinha uma densidade
ajardinados, onde se plantavam árvores de 20 habitantes por km2, enquanto a de
frutíferas e de espinho, estas com função escravos era de 11 por km 2 (MACEDO,
de cerca. Por vezes, possuíam algum “mato 2008, p. 125; MAPA, 1870, p. 137). Em Santo
virgem” nos fundos, perto das encostas ou Antonio de Jacutinga, a 25 km da cidade, os
nelas próprias.7 engenhos açucareiros já eram dominantes,
Entre as distâncias de seis quilômetros como observou o naturalista francês Augus-
e meio a 20 km da cidade, havia uma zona te de Saint-Hilaire, em 1822. Uma década
mista de gado leiteiro e lavoura. O leite era atrás, essa planície ainda sustentava densas
levado ao mercado em grandes latões de florestas, abrigo de veados que rondavam
estanho, novamente à cabeça dos negros. incautos as casas recém-construídas. Os
Também se cultivava cana, uma grande campos de cana que sucederam essas
parte da qual se destinava não à produção matas forneciam três safras consecutivas,
e exportação de açúcar, mas sim ao alimento a partir do que eram deixados em repouso
do gado urbano. A expansão agrícola nas por quatro anos (SAINT-HILAIRE, 1932,
áreas montanhosas a oeste da cidade propi- p. 25; LUCCOCK, 1975, p. 192-3). Regimes
ciava uma oferta de madeira que começava de pousio tão curtos não são sustentáveis
a ser aproveitada. Até o final do século XVIII, e esses engenhos, muito provavelmente,
elas haviam escapado quase intactas à estavam perdendo suas matas secundárias
apropriação econômica. Subindo o vale do mais desenvolvidas. As capoeiras certamen-
Rio Maracanã, em 1792, o secretário da em- te não eram capazes de fornecer madeiras
baixada britânica, George Staunton, relatou de construção e mesmo a lenha podia estar
que tanto os cumes das montanhas quanto escasseando. O grande consumo interno
seus sopés encontravam-se guarnecidos de pode ser apontado como a causa primor-
matas, enquanto as baixadas do vale eram dial de os engenhos, de modo geral, não
cobertas por “árvores muitíssimo altas”, de se engajarem na atividade madeireira. Mas
modo que “não se via um único pedaço de essa explicação é um tanto tautológica: os
terra descoberto” (FRANÇA, 1999, p. 225). engenhos não produziam comercialmente
Mas o crescimento da cidade, principal- madeira porque precisavam dela na fabri-
mente pós-1808, havia gerado uma grande cação do açúcar, ou seja, precisavam dela
demanda por combustível, ao mesmo tempo para ser o que eram e não outra coisa. Além
em que o carvão vegetal era introduzido nas do mais, não havia motivo aparente para
cozinhas domésticas. As terras do vale dos que os engenhos não produzissem alguma
Rios Maracanã e Comprido foram limpas, a madeira, tendo em vista que esse produto
biomassa transformada em carvão e o solo beneficiar-se-ia muito mais do que o açúcar
plantado com frutas e verduras (LUCCOCK, da proximidade da cidade.
1975, p. 191-2). Concluídas na década de Para compreender esse fenômeno,
1810, as obras de melhoramento da Estrada deve-se lembrar que, para chegar às suas
da Tijuca contribuiriam decisivamente para conclusões, Thünen assumiu uma harmoni-
que o maciço se tornasse, em pouco tempo, zação entre os interesses dos produtores ru-
uma grande fonte de carvão para a cidade rais e dos consumidores citadinos por meio
(ABREVIADA, 1892, p. 376). da maior redução de custo possível para
Em distâncias superiores a 20 km da ambos. Assim, seu esquema de localização
cidade, a densidade demográfica diminuía ótima expressa um equilíbrio interno ao
e o tamanho das fazendas aumentava, sistema cidade-campo. Além disso, Thünen
tornando possível que parte da mata fosse não considerou a atuação de intermediários,
conservada para o suprimento de combus- pressupondo que os próprios produtores
tível ao mercado urbano (LUCCOCK, 1975, encarregar-se-iam de levar suas mercado-
p. 196). A freguesia de Irajá, situada no rias à venda. Mas o que ocorria, no caso das
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Referências
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Resumen
La madera era un recurso natural indispensable para el metabolismo de los centros urbanos
preindustriales, tanto como material constructivo, así como fuente energética. Debido a la baja
relación valor/volumen de los productos madereros, la envergadura de ese sector económico
estaba profundamente determinada por el coste del transporte. Por este motivo, un armazón
teórico que puede resultar importante para la comprensión del fenómeno de abastecimiento
maderero de las ciudades preindustriales es la clásica teoría de von Thünen sobre el efecto de
la distancia del mercado sobre la estructura de la producción agraria. El artículo tiene como
objetivo discutir las potencialidades y limitaciones de este enfoque. Inicialmente, se presenta la
teoría del “Estado Aislado” y se revisan los estudios históricos que la utilizaron, tanto como base
interpretativa, así como teoría empírica. Enseguida, se formula un modelo teórico-conceptual en
el que la actividad maderera responde a las variaciones de la intensidad agrícola, procurando
mostrar la utilidad de ese esquema en la interpretación del caso de la ciudad de Río de Janeiro,
al final del período colonial.
Palabras-clave: Economía maderera. Ciudad preindustrial. Von Thünen. Río de Janeiro
colonial-tardío.
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Abstract
Wood was a critical natural resource to the metabolism of pre-industrial urban centers, both as a
building material and as an energy source. Due to the low value/volume ratio of wood products,
wood economy was largely determined by transport costs. Thus, a theoretical framework that
may be important to understanding the phenomenon of pre-industrial wood supply is Von
Thünen’s theory about the effect of distance from market on the spatial structure of agricultural
production. The article aims to discuss the potential and limitations of this approach. At first,
we present the theory of “Isolated State”; then we review the historical studies that used the
theory, both as a comprehensive framework and as an empirical theory. Later, we formulate a
theoretical-conceptual model in which woodcutting responds to changes in agricultural intensity,
as to show the usefulness of this scheme in interpreting the case of the city of Rio de Janeiro
in the late colonial period.
Keywords: Wood economy. Pre-industrial city. Von Thünen. Late-colonial Rio de Janeiro.
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