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Von Thünen e o abastecimento madeireiro

de centros urbanos pré-industriais

Diogo de Carvalho Cabral*

A madeira era um recurso natural indispensável ao metabolismo dos centros


urbanos pré-industriais, tanto como material construtivo quanto como fonte
energética. Em razão da baixa relação valor/volume dos produtos madeireiros,
a espacialidade desse setor econômico era largamente determinada pelo custo
de transporte. Deste modo, um arcabouço teórico que pode ser importante
para a compreensão do fenômeno do abastecimento madeireiro das cidades
pré-industriais é a clássica teoria de von Thünen sobre o efeito da distância do
mercado sobre a estrutura da produção agrária. O artigo tem como objetivo
discutir as potencialidades e limitações desta abordagem. Inicialmente, é
apresentada a teoria do “Estado Isolado” e revisam-se os estudos históricos que
a utilizaram, tanto como alicerce interpretativo quanto como teoria empírica. Em
seguida, é formulado um modelo teórico-conceitual em que a atividade madeireira
responde às variações da intensidade agrícola, procurando mostrar a utilidade
desse esquema na interpretação do caso da cidade do Rio de Janeiro, no final
do período colonial.

Palavras-chave: Economia madeireira. Cidade pré-industrial. Von Thünen. Rio


de Janeiro colonial-tardio.

Introdução dades eram tipicamente pequenas e pouco


numerosas. A baixa eficiência da agricultura
Sociedades pré-industriais podem ser e o alto custo do transporte inviabilizavam
definidas como estruturas sociais razoavel- um aprovisionamento em larga escala,
mente diferenciadas, dotadas de aparato fazendo com que as populações urbanas
estatal, ocupando territórios escassamente permanecessem relativamente diminutas
povoados e pouco ou nada mecanizados (o (CRONE, 1989).1
que significa deslocamentos lentos e caros), Responsável pela primeira sistema-
cuja base de sustentação econômica era a tização conceitual a respeito da cidade
agricultura. Principalmente em razão da ma- pré-industrial, Sjoberg (1960) interessou-se
triz energética pré-fossilista e da incipiente essencialmente pela estrutura interna das
especialização da produção, os empreen- comunidades urbanas, em seus aspectos
dimentos agrícolas eram caracterizados sociais, econômicos, políticos e culturais.
por baixos níveis de produtividade. Nesse Salvo observações esparsas, seu estudo
contexto socioeconômico e ecológico, as ci- não contempla as relações socioecológicas

* Bolsista da Capes, Núcleo de Pesquisas de Geografia Histórica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
1 A abordagem deste artigo está direcionada mais às sociedades pré-industriais “típicas”, isto é, históricas, aquelas que
precederam o advento do modo de produção industrial na Europa ocidental ou que, pelo menos, não eram direta nem
decisivamente influenciadas por ele.

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estabelecidas pela cidade pré-industrial com necessidades básicas da vida humana – co-
o espaço regional mais amplo no qual se mida, vestuário, aquecimento e moradia –, a
inseria. Embora critiquem vários aspectos satisfação das duas últimas requeriam direta
do modelo de Sjoberg, os historiadores e indispensavelmente a madeira, e muitos
sociais têm basicamente as mesmas preo- itens da dieta dos povos pré-industriais não
cupações, como mostra o trabalho de Burke poderiam existir como tais sem o cozimento
(1975). Eles concentram sua atenção em feito por meio da queima de biomassa le-
temas “intramuros” e falham em considerar nhosa (WARDE, 2006, p. 6). A madeira não
a interconexão das cidades em redes de era somente o aço e o alumínio, o plástico
suprimento material e disposição de rejeitos e a fibra de vidro, mas também o petróleo, o
(RADKAU apud KNOLL, 2006, p. 80). carvão e o gás dos humanos pré-industriais
Mais recentemente, os historiadores (MILLER, 2000, p. 4).
ambientais vêm propondo uma nova e es- Estruturalmente, a madeira não tinha
timulante leitura dessas dinâmicas urbanas competidores, já que era a única substância
do passado. Para Cronon (1991, p. 19), em de ocorrência natural que exibia força de
seu clássico Nature’s metropolis, “desconsi- tensão. Quase toda a tecnosfera humana
derar as relações da cidade com a natureza era construída com madeira. Referindo-se à
e o campo é na verdade desconsiderar Europa entre 1500 e 1750, Williams (2003,
muito do que a cidade é”. Hughes (1998, p. 179-180) sintetiza:
p. 105) atenta para o fato de que a cidade As florestas forneciam a principal matéria-
não é somente “uma série de relações prima para os edifícios, moinhos, teares,
sociais humanas e arranjos econômicos”. móveis, arados, carroças e rodas; a
A cidade é parte dos ecossistemas dentro madeira era usada até mesmo nas rodas
dos quais existe e funciona. Neste sentido, de engrenagem de relógios. Todas as
ferramentas e instrumentos eram de madeira,
a cidade pré-industrial pode ser concebida exceto aqueles que precisavam de fio
como “relação humana estruturada com o cortante, que eram de ferro. […] Era uma
ambiente natural” (HUGHES, 1998, p. 105). ‘idade da madeira’, e então temos que
Toda atividade urbana requer algum encarar como um dado o uso ubíquo e
recurso natural das áreas rurais adjacentes, universal da madeira para construções,
ferramentas e implementos [...].
ensejando uma situação de estreita intera-
ção espacial. Melosi (2009) clama pela inser- A importância da madeira era tão
ção da cidade no mundo natural por meio grande nesse mundo pré-industrial que, na
de um nexo conceitual que una o processo visão de um observador da cidade do Rio
de construção das cidades às dinâmicas de Janeiro, no final do século XVIII, eram
ecológicas, tanto dentro do próprio espaço simplesmente indispensáveis “os cortes das
urbano quanto no âmbito das relações com madeiras para a construção das fábricas, e
a hinterlândia. A história ambiental norte- construções das propriedades desta cidade
-americana e a europeia têm se dedicado [do Rio de Janeiro], pelo contrário cessava
cada vez mais ao estudo dessas “hinterlân- tudo” (CABRAL, 2007a, p. 92-3).
dias de recursos” (resource hinterlands), isto Em contraste com suas congêneres
é, as áreas que “suprem as cidades com os industriais – cujo sistema de produção
alimentos, água, combustível e materiais de baseia-se no uso de fontes inanimadas de
construção essenciais através de redes de energia para multiplicar o esforço humano –,
comércio” (BRANNSTROM, 2005, p. 396). as cidades pré-industriais dependiam de fon-
O principal recurso não-alimentício tes animadas (humanas, animais ou vegetais)
necessário ao metabolismo das cidades pré- aplicadas direta ou indiretamente sobre o
-industriais era a madeira. Não foi por acaso objeto do trabalho (SJOBERG, 1975, p. 17).
que o sociólogo alemão Werner Sombart A queima de biomassa, em combinações
designou o período pré-industrial de “Era da histórica e geograficamente particulares
Madeira” (SOMBART apud WARDE, 2006, com a força hidráulica, a tração animal e a
p. 6). A madeira constituía o arcabouço escravidão, constituía o sistema energético
fundamental da vida cotidiana. Das quatro característico das sociedades pré-industriais.

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Ainda que sobre bases documentais não Procurando uma confluência dessas
divulgadas e abarcando uma enorme nesga duas abordagens, formula-se, neste artigo,
de espaço e tempo (Eurásia, c.1500-c.1800), uma hipótese teórica para situações em que
Blainey (2008, p. 232) alega que uma cidade há associação funcional, dentro de uma
de 30 mil habitantes precisava de 600 a mil mesma unidade de gestão, entre agricultura
carroças de lenha por semana. Um observa- e exploração madeireira, e em que esta é
dor relatou que, em 1888, 500 carroções de subsidiária daquela. Neste caso, a atividade
lenha eram vendidos diariamente na cidade florestal não existe como uso do solo autô-
do Rio de Janeiro, sugerindo (a uma tonelada nomo na economia rural e, portanto, não
e meia por carroção) mais de 270 mil tonela- pode ser considerada um anel ou uma zona.
das por ano (DEAN, 1996, p. 211). Os níveis É estudada teoricamente a relação entre
de demanda per capita também eram muito distância do mercado urbano, intensidade
expressivos: estimou-se, por exemplo, para da agricultura e “intensidade” da exploração
a cidade de Londres c.1600, um consumo madeireira. Para isso, procurou-se combinar
de 1,76 tonelada por habitante anualmente a teoria da intensidade thüniana com uma
(GALLOWAY et al., 1996, p. 455). Para o teoria da intensificação agrícola que dê
conjunto da Europa setentrional dos séculos conta da dinâmica de sucessão florestal e,
XVI ao XVIII, Bairoch (1985, p. 35-6) estipulou consequentemente, da disponibilidade de
um consumo per capita da ordem de 1,6 a recursos florestais no sistema. Esta teoria da
2,3 toneladas. Supondo-se uma produção intensificação é encontrada no clássico tra-
anual de lenha de 20 a 25 toneladas por km2, balho de Boserup (1987) sobre crescimento
uma cidade de 100 mil habitantes precisaria demográfico e desenvolvimento agrícola.
de uma área de 10 mil km2 de florestas para O artigo se desenvolve ao longo de
aquecer seus habitantes. quatro seções: a primeira apresenta sucin-
Em razão da baixa relação valor/volume tamente a teoria de Thünen, diferenciando
dos produtos madeireiros, a espacialidade a perspectiva dos cultivos e a perspectiva
da economia florestal pré-industrial era lar- da intensidade; a segunda seção discute
gamente determinada pelo custo de trans- os achados das pesquisas históricas que
porte. Desse modo, um arcabouço teórico se valeram do pensamento de Thünen; a
fundamental para a compreensão do abas- terceira é dedicada ao desenvolvimento de
tecimento madeireiro dos centros urbanos é um esquema conceitual que articula fre-
o clássico modelo de Thünen sobre o efeito quência de cultivo e intensidade da explo-
da distância do mercado sobre a estrutura ração madeireira; e a quarta aplica esse
da produção agrária (HALL, 1966). esquema interpretativo ao caso do Rio de
Ao aplicar o modelo thüniano em Janeiro, no final da era colonial.
paisagens do passado, os pesquisadores
privilegiam a teoria geral da localização O Estado Isolado e a questão do
dos cultivos (ou simplesmente teoria dos abastecimento madeireiro
cultivos), que postula a existência de anéis
concêntricos à cidade aglutinadores de um O Estado isolado em sua relação com a
determinado tipo de produção agrícola. agricultura e a economia nacional, do agricul-
Outra forma de se encarar a questão é pela tor prático e economista prussiano Johann
teoria da intensidade, no âmbito da qual não Heinrich von Thünen, é o trabalho inaugural
são focalizados os produtos, mas sim o nível na história da teoria dos lugares centrais.
de investimento de fatores de produção (na Publicado pela primeira vez em 1826, trata-se
formulação original de Thünen, notadamen- do primeiro estudo que procura explicar, de
te o trabalho), considerando apenas um tipo uma perspectiva nomotético-racionalista, a
de produto. ordem espacial da produção agrícola.2

2 Não será feita aqui nenhuma propedêutica mais completa à obra de Thünen. Para isso, ver a introdução de Hall (1966)
à edição inglesa e o segundo capítulo de Chisholm (1968). Em português, temos o clássico artigo de Waibel (1948) e,
para uma discussão mais completa, a dissertação de Mesquita (1978).

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Como se sabe, Thünen utiliza, como va- postula que, a preços maiores – isto é, em
riável explicativa, a distância em relação aos sítios mais próximos ao mercado –, escolhe-
mercados urbanos. Para isolar essa variável, -se um sistema de cultivo mais intensivo,
ele precisou assumir algumas condições em no qual um número maior de unidades de
seu experimento mental: 1) tudo se passa capital e trabalho pode ser invertido antes
em uma planície biofisicamente uniforme que se atinja o nível crítico de produtividade
(qualidade dos solos, tipo de relevo, etc.), marginal (ou seja, quando a renda da terra é
ao redor da qual se ergue uma densa floresta nula) (HALL, 1966, p. xxix). De acordo com
“virgem” (uncultivated wilderness); 2) não há este mecanismo, desenvolvem-se sistemas
movimento de importação-exportação para agrícolas progressivamente mais extensivos
além dessa floresta; 3) a planície é por toda num gradiente de distância cada vez maior
parte habitada por agricultores de mesmo da cidade.
nível cultural; 4) esses agricultores produzem Mas estes sistemas representam méto-
sempre para a venda e sempre procurando dos de cultivo ou níveis de investimento de
maximizar a renda advinda dessa venda; 5) capital e trabalho utilizados para o cultivo de
o único mercado disponível a esses agricul- um mesmo gênero. Faz-se variar, portanto,
tores é aquele de uma cidade centralmente os custos de produção. Mantendo estes
localizada na planície; 6) a única forma de custos fixos e fazendo variar os gêneros,
os agricultores levarem suas mercadorias qual seria a estrutura de alocação tal como
para a cidade é por meio de carros de tração influenciada pela distância do mercado?
animal. Nesse cenário, o único elemento Este é o segundo grande objeto de estudo
que diferencia os agricultores – e que, con- de Thünen. Como resposta, ele constrói
sequentemente, estrutura espacialmente a uma teoria geral da localização dos produtos
produção – é sua posição geográfica rela- agrícolas – a teoria dos cultivos, conforme
tivamente ao mercado da cidade, o que se ficou conhecida na literatura especializa-
traduz em gradiente de custo de transporte. da. Ela postula que o lugar mais próximo
O gradiente de custo de transporte ao mercado será apropriado para aquele
cria uma variação de renda da terra, isto é, produto que apresenta a maior redução de
de produto líquido: quanto mais longe da custo de transporte naquela localização. O
cidade, menor esse produto. Essa curva valor desta redução é encontrado multipli-
descendente afeta o uso da terra em duas cando-se o custo de cada carregamento
dimensões: quanto ao sistema de cultivo transportado ao mercado pelo número de
e quanto aos gêneros que são cultivados. carregamentos preenchidos por unidade
Estes são, em larga medida, objetos de de área cultivada. Como os custos de pro-
estudo diferentes – embora certamente dução são mantidos constantes, o produto
interdependentes –, na obra de Thünen. dessa multiplicação reflete as características
A primeira questão pode ser formulada da intrínsecas do gênero (produtividade natural,
seguinte forma: volume e perecibilidade) e a natureza da
demanda urbana (magnitude e frequência).
Uma dada cultura, digamos, uma cultura
de grãos, pode ser cultivada sob diferentes Baseado neste tipo de cálculo, Thünen
sistemas, alguns mais intensos do que estipulou a estrutura locacional dos diversos
outros; ou seja, alguns sistemas implicam cultivos e combinações de cultivos em seu
custos mais elevados do que outros, mas famoso diagrama com seis anéis (Figura 1).
que (em certas circunstâncias) trazem
No primeiro, estão verduras, legumes e fru-
maiores retornos. Podemos encontrar
que, embora a cultura seja a mesma, ela é tas; o segundo, lenha (numa primeira subzo-
produzida por um sistema intensivo em um na) e madeira de construção (na segunda
lugar, em um sistema extensivo em outro. subzona); no terceiro, um sistema de rodízio
Como, Thünen pergunta, esta variação está entre cereais e tubérculos, com adubação
relacionada à distância em relação ao único uma vez por ano; no quarto, um sistema de
mercado consumidor? (HALL, 1966, p. xxiii)
rodízio entre cereais e pastos com pousio;
A esta pergunta Thünen responde com no quinto, os mesmos produtos em um siste-
sua teoria da intensidade. Basicamente, ela ma de três campos – um com os cultivos de

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inverno (trigo ou centeio), outro com os de quantidade de fatores de produção diminui


primavera (cevada ou aveia) e o terceiro em com o aumento da distância (KELLERMAN,
pousio; e, no sexto anel, pecuária extensiva 1983, p. 1521).
de corte e leiteira. Neste, também seriam Da perspectiva da teoria dos cultivos,
produzidos alguns manufaturados, como a produção madeireira é estudada isola-
laticínios, óleos vegetais, fumo e linho que, damente, sem interações funcionais com
em razão do alto valor agregado por unidade a agricultura. De fato, para Thünen, matejo
de volume, suportariam distâncias maiores e agricultura são sistemas de uso da terra
(Waibel, 1948). mutuamente excludentes. Ele deseja aferir
É importante contrastar nitidamente as qual deles propicia a maior renda da terra
duas dimensões do efeito da distância, tal e, subsequentemente, qual “empurra” o
como estudadas por Thünen. Na teoria dos outro para mais longe da cidade. Em suas
cultivos, os fatores de produção (capital e palavras: “Lavoura comercial e silvicultura
trabalho) são mantidos constantes e, com o competem pela mesma terra: ambas rei-
aumento da distância ao mercado urbano, a vindicam o sítio mais próximo à Cidade.
renda da terra declina para todos os cultivos. Mas desde que estes sistemas não podem
O que diferencia a paisagem são as caracte- existir lado a lado, devemos envidar esforços
rísticas físicas de cada cultivo, notadamente para descobrir qual dos dois vai desalojar o
a relação valor/volume. A teoria da intensida- outro” (THÜNEN apud HALL, 1966, p. 124).
de pode ser vista como um caso especial da O objetivo de Thünen é alocar a produção
teoria dos cultivos, na qual se permite que madeireira como atividade autônoma num
os fatores de produção variem. Ela postula sistema geral que fizesse encontrar o maior
que, para cada cultivo, dentro de seu anel, a lucro para o produtor e o menor preço para o

Figura 1
Os anéis de Thünen

Fonte: Adaptado de Grigg (1984, p. 52).

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consumidor urbano, considerando todos os • a destruição progressiva das florestas


tipos de gêneros necessários aos citadinos. (no conjunto do Estado Isolado) deve
Procedendo desta maneira, ele não poderia elevar o preço da madeira. Contudo,
ter chegado a outra conclusão que não esta: mesmo isto não será capaz de tor-
O anel florestal abastecerá apenas a Cidade e nar a exploração madeireira uma
o anel de lavoura comercial com combustível. atividade rentável, já que, com o au-
Os distritos a uma distância maior da Cidade mento do preço, o valor do estoque
vão produzir combustível para seu próprio de biomassa dos rurícolas também
uso, mas por serem muito remotos para irá aumentar – bem como, propor-
enviar este produto à Cidade, eles não nos
dizem respeito em nossa investigação; e a cionalmente, os ganhos obtidos pelos
silvicultura não será mencionada quando juros sobre o capital. As duas únicas
passarmos a estudar os sistemas dos outros soluções para o holocausto florestal
anéis. (THÜNEN apud HALL, 1966, p. 122) seriam, portanto, a queda da taxa de
O anel florestal é o segundo menos juros e, na impossibilidade disto ocor-
extenso do Estado Isolado (22 km), maior rer, a intervenção estatal no sentido
apenas do que o anel de rotação de cereais de restringir legalmente a proporção
e raízes situado depois dele (18 km). Isto é das propriedades privadas que pode
causado pelos altos custos do transporte dos ser desmatada. (Embora este tipo de
produtos madeireiros, fazendo com que a medida não seja muito eficaz, tendo
curva da renda da terra tenha uma inclinação em vista a tendência ao descuido e
muito acentuada; assim, a exploração flo- negligência dos agentes privados no
restal é rapidamente substituída, no espaço, trato de suas matas.) (THÜNEN apud
pelo consórcio de cereais e raízes (Figura 1). HALL, 1966, p. 118-9).
Passando para a análise de Thünen da Embora esse estado de coisas derive
atividade madeireira ao nível do anel florestal, originalmente da taxa de incremento anual
ou seja, da perspectiva da intensidade, o de biomassa, não se pode culpar a natu-
primeiro e talvez mais importante ponto a as- reza. Thünen (apud HALL, 1966, p. 121)
sinalar é o fato de que ele concebe a atividade argumenta que é uma estratégia de corte
florestal como silvicultura e não meramente inadequada a verdadeira responsável pelos
como extrativismo. Para o autor, a compra de parcos rendimentos obtidos na atividade
uma herdade florestal e a simples “colheita” madeireira:
da sua madeira não constituem um investi-
Em bosques onde árvores de 100 e 200 anos
mento viável, visto que o incremento anual de
encontram-se lado a lado com as de 10 e
biomassa no corpo das árvores (1/20, 1/30 20 anos, e árvores que tenham parado de
e até 1/40 do estoque total) fica abaixo da crescer ocupam o espaço que as mais jovens
taxa geral de juro estabelecida para o Estado precisam para o seu desenvolvimento, o
Isolado (5%) (THÜNEN apud HALL, 1966, p. incremento absoluto será, naturalmente,
muito pequeno (sendo uma proporção do
118). Isto leva ao seguinte desdobramento
grande estoque total), e pode facilmente cair
de derivações lógicas: abaixo de 2,5 por cento ou menos.
• não somente o solo florestado não
Esta sorte de manejo – que se justificaria
oferece renda da terra, mas também
apenas onde o valor da terra é tão baixo ao
seu produto é, de fato, negativo;
ponto de não pagar a limpeza para o cultivo
• desta forma, a decisão racional do agrícola – é criticada por Thünen. Podia-se
possuidor de uma área de mata é ainda observar, segundo ele, “muitos bos-
derrubá-la por completo, vender a ques e florestas manejadas com métodos
madeira e aplicar o capital liberado. que há muito se tornaram ultrapassados e
Mesmo que o mercado não seja irracionais”. O autor advoga que, conquanto
grande o bastante para poder absor- tenha sido normal e razoável, em séculos
ver toda a madeira, ele irá desmatar passados, uma atitude econômica lasciva
gradualmente, sem se importar em em relação às florestas, ela já estava com-
replantar as árvores cortadas; pletamente fora de sintonia com as novas

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condições reinantes. Para Thünen, era a primeira custa menos para ser transporta-
preciso implementar sistemas de manejo da do que a segunda. Aí está a explicação
que otimizassem a produção anual de bio- da subdivisão do anel florestal, com a lenha
massa, agrupando os indivíduos arbóreos ocupando a porção mais interna e a madeira
da mesma idade e cortando-os antes que a de construção, a mais externa. Não compen-
taxa média de incremento vegetativo caísse saria transportar os restolhos da serragem
a 5% ao ano – quando então a renda da das peças construtivas como lenha, para
terra seria nula. venda na cidade; mais vale serem transfor-
Hall (1966, p. 166) identifica neste argu- mados em carvão, que é um combustível
mento “a primeira abordagem de Thünen do de maior peso específico, capaz de ser
princípio dos rendimentos de produtividade vendido com lucro no mercado. Portanto, a
marginais”. O “cultivo” das árvores deveria porção mais externa do anel florestal abriga
ser buscado até o ponto marginal, em que a produção carvoeira (THÜNEN apud HALL,
o incremento anual em valor igualar-se-ia 1966, p. 121).
ao retorno advindo de um investimento
alternativo do capital contido no estoque Aplicações históricas do modelo
total de madeira. Trata-se de uma questão thüniano
de custo de oportunidade. O período de
tempo durante o qual não se cortam as A maioria das pesquisas que buscaram
árvores representa um tempo “gasto”, pois auxílio no modelo thüniano – seja como ins-
o capital armazenado como estoque de trumento interpretativo para a compreensão
madeira poderia ser empregado de outra de configurações agrárias do passado, seja
forma; por exemplo, ele poderia ser empres- para testar a validade empírica dos seus
tado, rendendo 5% ao ano. Em termos da padrões conclusivos – adotou a perspectiva
contabilidade da empresa madeireira, por- da teoria geral dos cultivos.3 O interesse foi
tanto, o tempo de crescimento das árvores muito mais pelo uso da terra de forma geral
representa um custo de produção. do que especificamente pela exploração ma-
Este custo difere segundo o tipo de deireira. A seguir, é feita uma breve revisão
produto florestal. Embora a combustibili- desses estudos.
dade da madeira de árvores mais maduras Embora não utilize o Estado Isolado,
seja maior do que a daquelas mais jovens explicitamente, como referência teórica,
– elevando o preço e permitindo um ciclo Hoffmann, em trabalho sobre as cidades
de crescimento além do ponto marginal de medievais europeias, fez notar que as “zo-
5% –, o incremento em valor não é capaz nas de produção dos cereais e da lenha
de compensar o custo de produção por de cada cidade conformavam-se aos anéis
muitos anos. As peças de construção, espaciais da teoria clássica da localização”
por outro lado, precisam ser extraídas de (HOFFMANN, 2007, p. 313) – uma clara
árvores dotadas de grande altura e dureza, alusão à teoria dos cultivos thüniana.
o que eleva sobremaneira o tempo de cres- Galloway e colaboradores (1996) tes-
cimento vegetativo e, subsequentemente, o taram o modelo thüniano em relação ao
custo de produção. Mas, por serem extre- sistema de abastecimento de madeira com-
mamente importantes à economia urbana, bustível da Londres medieval. Respaldados
os preços dessas peças acompanham os por vasta e detalhada pesquisa empírica
custos. – utilizando, sobretudo, inventários de domí-
Esta diferença de custos de produção nios senhoriais –, os autores constataram a
acarreta também uma diferença nos custos existência de uma produção especializada
de transporte. A um certo nível de peso, a de lenha, caracterizada por altos rendimen-
madeira construtiva alcança um preço maior tos advindos da sua comercialização, bem
do que a lenha e, relativamente ao seu valor, como pelo seu preparo específico e venda

3 Para uma visão geral, ver O’Kelly e Bryan (1996).

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para consumidores domésticos e industriais, Mais distante ainda, a exploração florestal


na cidade. Esta diferenciação espacial, mantinha-se rentável apenas como produ-
todavia, emergia muito mais no plano da ção de cinza para as saboarias. Quanto
produção e comercialização do que no do às madeiras de construção, Gaspar afirma
uso da terra propriamente. Os autores sa- que elas se situavam numa “posição de
lientam que não havia uma “zona florestal” acessibilidade ao mercado idêntica a das
que excluísse outras formas de aproveita- lenhas”, com a diferença de que podiam
mento do solo. Ainda assim, existia uma alta suportar maior custo de transporte – em-
valorização dos recursos madeireiros nesta bora ele não relacione empiricamente os
área, justificando o desvio de trabalho para dois tipos de produto. Segundo o autor, a
este tipo de produção. ótima localização das duas grandes áreas
Em outro estudo com fontes quase florestais da hinterlândia havia impedido
miraculosas, John Lee (2003) apreciou o que Lisboa sofresse, como a maioria dos
caso de Cambridge, no final do medievo. países europeus, graves problemas de
Baseando-se nos registros de compra de abastecimento.
dois colégios da Universidade (King’s Hall Ewald (1977) procurou correspondên-
e King’s College), o autor mapeou a prove- cias entre os círculos da teoria dos cultivos
niência dos suprimentos alimentares e da thüniana e a paisagem agrária do México
madeira combustível. No que tange a esta colonial. Sempre atenta às adaptações
última, seus achados mostraram que a estru- necessárias à identificação dos sistemas
tura de abastecimento diferia consideravel- agrários, Ewald indica que a zona de explo-
mente daquela prescrita por Thünen. Por se ração florestal “desenvolveu-se perfeitamen-
encontrarem escasseadas nas redondezas te ao redor dos maiores centros urbanos
mais imediatas de Cambridge, a lenha e a e também ao redor de todos os distritos
madeira construtiva eram trazidas de lugares mineradores”. Mas esta atividade, como dá
mais distantes do que os grãos. Além disso, a entender a autora, era conformada mais
o suprimento concentrava-se apenas num pelas condições físico-ambientais do que
local, que parece ter se especializado na pelo fator distância. O “círculo florestal”,
produção de lenha – embora houvesse flo- escreveu Ewald, “deve ser interpretado
restas em outras localidades equidistantes. como as vizinhanças montanhosas ou ári-
Apesar de não ser um ponto discutido pelo das das cidades, onde a agricultura não era
autor, isto pode refletir o fato de Cambridge possível”. Nesses lugares, o fornecimento
constituir, na época, apenas uma cidade de madeira construtiva e combustível era
média, incapaz, portanto, de modelar o uso realizado pelos indígenas.
da terra, sendo, pelo contrário, modelada Estudando a capital etíope (Addis
pela estrutura da economia rural, que podia Ababa), nos anos 1960, Horvath (1969)
se valer de outros mercados. encontrou fortes evidências da conforma-
Em seu trabalho sobre o rio Tejo (Por- ção da hinterlândia madeireira ao modelo
tugal), Gaspar (1970) utiliza a teoria dos do Estado Isolado. Florestas plantadas de
cultivos thüniana para examinar a organi- eucalipto estendiam-se por toda a circunvizi-
zação agrária que tinha como foco a cidade nhança da cidade, alongando-se em padrão
de Lisboa. A produção de lenha, “produto cuneiforme segundo os eixos das grandes
indispensável na vida de uma cidade antes estradas, de forma bastante semelhante ao
da revolução dos combustíveis”, situava-se efeito do canal fluvial introduzido analitica-
bastante próxima a Lisboa. À medida que mente por Thünen. Não havia, entretanto,
aumentava a distância, a fabricação de car- uma diferenciação espacial entre as áreas
vão – produto de maior valor agregado – ia florestal e de horticultura; elas encontravam-
tomando o lugar da lenha; essa sucessão -se entremeadas na paisagem. Outro ponto
se dava tanto ao longo do rio quanto a partir confirmativo é a presença constante dessas
dele em direção às terras interiores. Tam- plantações de eucalipto ao redor dos cen-
bém áreas mais longínquas, mas com bom tros urbanos menores situados na região de
acesso por mar, forneciam carvão a Lisboa. influência de Addis Ababa.

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Cabral, D. de C. Von Thünen e o abastecimento madeireiro de centros urbanos pré-industriais

Os geógrafos Moss e Morgan (1981) produzida em um sistema “conservacionis-


propuseram um modelo de zonas concên- ta”, isto é, plantando-se ou simplesmente
tricas para descrever o sistema de abaste- protegendo-se as árvores valiosas, tanto
cimento urbano de biomassa combustível, para as necessidades domésticas quanto
nos trópicos úmidos dos anos 1970, com para venda. Mais longe da cidade, onde
ênfase na África e no sul asiático. Seu es- a apropriação privada estava em pleno
quema estipula quatro zonas: peri-urbana; curso, eliminando as terras comuns e in-
agrícola imediata (fazendas “urbanizadas”); tensificando a prática agrícola, a exploração
agrícola principal; e florestal. Na primeira madeireira evoluía de maneira insustentável,
zona, observa-se agricultura intensiva com ocasionando a diminuição da densidade de
pousio curto ou inexistente, bem como árvores e o envelhecimento das comunida-
porções de terra degradada. Aqui, ainda des vegetais (os indivíduos jovens cortados
há acesso direto dos habitantes citadinos não eram repostos por plantação). Isto
aos recursos florestais; notadamente, as se dava, segundo a autora, em razão da
pessoas mais pobres, moradoras das concentração da terra nas mãos de ricos
zonas mais periféricas, vêm buscar elas proprietários absenteístas – para os quais as
mesmas sua lenha e material construtivo, árvores não eram, como para os pequenos
seja em espaços de uso comum, seja em produtores familiares, recursos-trunfo contra
propriedades alheias, neste caso gerando adversidades climáticas e econômicas – e
conflitos. Na segunda zona, observa-se a do desestímulo à conservação da vegetação
limpeza de capoeiras associada ao decote em sistemas consuetudinários de acesso
e remoção de árvores indesejadas. Destas à terra – como verificado nessas áreas de
práticas resultam, sobretudo, toras semides- fronteira mais distantes da cidade –, que es-
dobradas e alguma madeira em pranchas. tipulavam o uso, a “limpeza” da terra, como
Na terceira zona, o pousio torna-se mais evidência do direito a essa terra.
extensivo, permitindo a produção de carvão; Este tipo de abordagem empregada
produzem-se mais madeira em pranchas e tanto por Moss e Morgan quanto por Ni-
menos toros semidesdobrados. Finalmente, chol – conferindo um papel importante à
na última zona, a paisagem é composta por intensidade da atividade agrícola – parece
reservas florestais, fazendas com pousio lon- ser extremamente útil para o exame de eco-
go e algumas plantações para produção de nomias pré-industriais em que a atividade
madeira, com alguma produção de carvão. madeireira ocorre como extrativismo asso-
Nichol (1990) estudou o impacto do au- ciado à agricultura, e não como silvicultura.
mento da demanda por madeira combustível Diferentemente da Europa ocidental – onde,
da cidade de Kano (norte da Nigéria) sobre desde o final do século XII, o alto grau de
os sistemas agromadeireiros da hinterlân- desflorestamento e as oportunidades co-
dia. Ela concluiu que dois grandes fatores merciais abertas pelos mercados urbanos
mediavam esse impacto: a distância em em expansão estimularam o progressivo de-
relação à cidade e a abrangência do regime senvolvimento da silvicultura como um uso
de propriedade privada da terra. Ao contrário da terra especializado (KEYSER, 2009) –,
do que sugerem os estudos feitos em áreas nas áreas tropicais úmidas dotadas de
tropicais úmidas, a conversão de sistemas vasto estoque florestal e baixa densidade
comunitários de agricultura de alqueive para demográfica, a exploração madeireira
sistemas individualizados de agricultura nunca deixou de ser um apêndice dos
permanente aumentava a disponibilidade de sistemas agrícolas. Neste tipo de cenário,
madeira combustível. Nas circunvizinhanças talvez seja mais adequado considerarmos
imediatas da cidade, onde a apropriação a produção madeireira não como um uso
privada da terra havia sido concluída, os do solo autônomo capaz de formar um anel
rurícolas cultivavam cereais em regime de ou uma zona, mas sim como uma atividade
pousio curto ou nulo, adubando a terra com imiscuída nos sistemas agrícolas e subordi-
refugos urbanos, fertilizantes artificiais e nada ao comportamento desses sistemas.
esterco animal. Nesta área, a madeira era Conforme mostraram Balée e Gely (1989),

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para o caso dos ka’apor da Amazônia, a Isolado, sua análise é orientada para o
agricultura de alqueive não é uma técnica de padrão locacional dos gêneros e os pro-
produção isolada, mas que se integra a um dutos madeireiros são vistos dentro desse
sistema mais amplo de manejo da floresta sistema geral. Na escala do anel florestal,
– uma asserção que poderia ser estendida como visto, Thünen dedica-se à questão das
a grupos orientados para o mercado. A espécies de mercadorias (lenha, madeira e
agricultura de alqueive cria um mosaico de carvão), na resolução da qual se percebe,
áreas de diferentes idades e, portanto, em subjacente, o recurso ao princípio da inten-
diferentes níveis de regeneração florestal, as sidade. Como, no que concerne à produção
quais podem estar relacionadas a diversos madeireira, o tempo de crescimento das
recursos e atividades. É comum, ainda, que árvores representa um custo de produção e
certos tratos de terra não sejam nem mesmo cada um daqueles tipos de produto requer
incluídos na rotação, sendo reservados à tempos de crescimento diferenciados, há
economia extrativa.4 Há muitos estudos – uma gradação de intensidade dentro do anel
que abordam tanto casos históricos quanto florestal. Este ponto fica claro na seguinte
contemporâneos – mostrando que o corte passagem:
de madeira é uma atividade acessória,
part-time, que ajuda na complementação Pode ser rentável, na franja mais interna
do anel florestal, plantar árvores com uma
da renda das unidades agrícolas (ver, entre taxa de crescimento muito alta, pois, apesar
outros, REES, 1971; MOSS e MORGAN, de sua madeira não ser tão valiosa, numa
1981; CLINE-COLE et al., 1988; MEDINA, comparação com um peso igual de faia, por
2004; CABRAL, 2007b). exemplo, o produto anual será maior por
Para estudar a forma como a agricultu- unidade de área. A parte exterior do anel
florestal, por outro lado, não se pode dar ao
ra determina as condições da exploração
luxo de abastecer a Cidade a não ser com a
madeireira, em um gradiente espacial de mais cara espécie de combustível. (THÜNEN
custo de transporte, é preciso abandonar apud HALL, 1966, p. 122)
a perspectiva dos cultivos e se concentrar
na perspectiva da intensidade. O que se O desafio aqui, portanto, é articular esse
procura, portanto, não é uma “localização esquema de intensidade com a agricultura,
absoluta” da produção madeireira, mas tomando esta como a atividade central do
sim uma “localização relativa” determinada sistema. Para investigar a natureza dessa
pelas variações agrícolas. Em outras pala- relação, é necessária uma teoria da inten-
vras, busca-se a relação entre intensidade sificação agrícola que incorpore o manejo
da agricultura e “intensidade” da exploração das áreas de pousio. As áreas de pousio
madeireira. A seguir, procura-se desenvolver desempenham papel fundamental nos
conceitualmente esta relação. sistemas de agricultura de alqueive, permi-
tindo a recuperação do solo e fornecendo a
Distância ao mercado urbano, biomassa necessária à geração de energia e
intensidade agrícola e intensidade da à construção. Essa biomassa é extraída em
exploração madeireira vários momentos durante o pousio, mas a
maior parte é coletada no próprio processo
A análise que Thünen faz da exploração de arroteamento (Moss; Morgan, 1981;
florestal segue a diferença geral entre as ADESINA, 1990; DALLE; DE BLOIS, 2006).
perspectivas dos cultivos e da intensidade, As possibilidades abertas a esse extrativis-
o que pode ser visto como um problema mo dependem do grau de regeneração es-
de escala geográfica. Na escala do Estado trutural das comunidades vegetais (Moss;

4 É importante salientar que o fato de um trato de terra não ser incorporado ao ciclo agrícola da unidade produtiva não
significa que ele deva ser excluído do cálculo da duração do pousio. Esta é definida como a porcentagem de terra que
se encontra sob cultivo (Ruthnberg apud Angelsen, 1994, p.9): C X 100/C + F, onde C é a duração do ciclo de
colheita e F é a duração do período de pousio.

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e Morgan, 1981) e essa regeneração, por não servem a uma teoria geral do desen-
sua vez, depende do tempo que o trato de volvimento agrícola exatamente pelo fato
terra é mantido em repouso. de grande parte dos sistemas observados
Nos trópicos úmidos, os primeiros anos no registro histórico ser itinerante. Não há,
de regeneração testemunham um rápido neste caso, distinção clara entre criação de
aumento do montante de biomassa no ecos- novos campos e mudança dos métodos nos
sistema florestal: o acúmulo pode chegar a campos já existentes; o que há é
100 toneladas por hectare, nos 15-20 anos um contínuo de tipos de uso da terra, do caso
após o abandono da área (GUARIGUATA; extremo de terra verdadeiramente virgem,
OSTERTAG, 2001). Essa biomassa é dis- nunca cultivada, passando pelos casos de
tribuída, majoritariamente, por espécies terras onde se colhe e planta a intervalos
pioneiras de pequeno diâmetro de tronco cada vez mais curtos, até, finalmente,
àqueles territórios onde se semeia tão
e muito abundantes por unidade de área.
logo a cultura anterior tenha sido colhida.
As pioneiras, com suas altas taxas de cres- (BOSERUP, 1987, p. 9)
cimento e elevada produção de sementes,
favorecem a atividade extrativa de lenha, Em termos práticos de método, isto
um produto madeireiro de baixo valor por equivale a tratar toda forma de cultivo como
unidade de volume e demanda praticamente itinerante, variando apenas no grau.
ininterrupta no tempo. (Contudo, mesmo a Seguindo este raciocínio, Boserup
lenha não é viável em tratos cujo pousio não introduz a seguinte tipologia: sistemas de
alcança uma duração mínima de cinco anos pousio longo ou florestal (de 20 a 30 anos);
[ADESINA, 1990]). O limite da viabilidade sistemas de pousio arbustivo (de seis a dez
da extração de madeiras de construção, anos, com os períodos de cultivo ininterrup-
evidentemente, é bem maior, posto que es- to variando consideravelmente); sistemas
ses produtos requerem espécies com lenho de pousio curto (um ou dois anos); sistema
de maior densidade (dureza) e diâmetro. de cultivo anual – que, embora não usual-
Essas espécies são aquelas pertencentes, mente, pode ser considerado um sistema de
na maioria das vezes, ao grupo conhecido alqueive, pois frequentemente a terra é dei-
na literatura ecológica como “climácicas”: xada em repouso por alguns meses, entre
elas possuem baixas taxas de crescimento, a colheita e o plantio seguinte –; e sistema
sendo geralmente necessários, no mínimo, de cultivos múltiplos, em que o mesmo solo
de 20 a 25 anos para que atinjam estágio suporta duas ou mais colheitas ano após
adequado de corte – e algumas espécies ano. Depois destas definições, Boserup
da floresta tropical úmida precisam de bem avança argumentando que, a despeito das
mais do que isso. lacunas no conhecimento sobre a evolução
A duração do pousio não é um ele- agrícola em muitas regiões do mundo, pode-
mento estático dos sistemas agrícolas. Ao -se considerar que, em geral, a trajetória
contrário, ela é dinâmica, respondendo às histórica dos povos foi sempre no sentido
flutuações demográficas e ao corresponden- da progressiva intensificação da produção,
te nível de demanda por alimentos. Este é o ou seja, a transição dos sistemas de pousio
mote do clássico trabalho da economista E. longo para os de cultivos múltiplos.
Boserup (1987), The conditions of agricultu- Analisando o problema da coexistência
ral growth (traduzido para o português como de diversos sistemas de pousio, Boserup
Evolução agrária e pressão demográfica), no restringe-se a constatar a espacialidade
qual ela desenvolve o conceito de “frequên- diferenciada resultante dos ritmos de
cia de cultivo”. crescimento ou retrocesso demográfico.
Boserup parte da crítica da abordagem A incorporação de terras aos tratos mais
clássica, que se vale da distinção entre ex- intensivos, nota ela, ocorre de forma sele-
pansão extensiva (incorporação de terras tiva, e não generalizada (BOSERUP, 1987,
não-cultivadas) e expansão intensiva (por p. 65-73). Mas a autora não avança nas
maior inversão de trabalho e capital) da potencialidades geográficas de sua aná-
produção. Para a autora, estas categorias lise. Devemos considerar que o fator po-

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pulacional apresenta-se, mesmo no plano centrar espacialmente, em maior ou menor


sincrônico, como uma variável importante grau, trazendo consigo um comportamento
a influenciar a organização dos sistemas correspondente dos níveis de produtividade
agrícolas; em outras palavras, é necessário agrícola, por meio do efeito ou “fricção” da
avaliar de que forma a densidade da popula- distância. De fato, a hipótese boserupeana
ção distribui-se espacialmente. Aqui deve-se da correlação positiva entre intensidade agrí-
recorrer a Thünen. cola e densidade demográfica confirma-se
Conforme alertaram Müller e Diaz para um amplo espectro de situações (NET-
(1973), as assunções thünianas não incluem TING, 1993, p. 268). Apesar de a dinâmica
uma distribuição uniforme dessa variável. urbana – e, mais amplamente, do mercado
Embora implicitamente, o Estado Isolado é – estar virtualmente ausente da análise de
caracterizado por um declínio da densidade Boserup, ela chegou a reconhecer que, para
populacional com o aumento da distância produtores comerciais,
em relação ao centro urbano. Na verdade, a motivação para a intensificação agrícola
esta é uma condição sine qua non para emerge quando o crescimento da população
a gradação da intensidade agrícola e da ou rendas urbanas crescentes elevam a
renda da terra. Segundo o próprio Thünen demanda por alimentos e pressionam os
(apud HALL, 1966, p. 286), “se a população preços até que cultivos mais freqüentes
tornam-se lucrativos, a despeito dos custos
da Cidade for distribuída por várias cidades crescentes de produção ou da necessidade
pequenas, distribuindo-se uniformemente de mais investimento de capital. (BOSERUP
por todo o país, o cultivo seria, em todos apud NETTING, 1993, p. 289, grifo nosso)
os lugares, tão intenso quanto é perto da
Desse modo, pode-se sustentar que as
Cidade […]”.
teorias de Thünen e Boserup convergem.
Essa correlação entre concentração
populacional e intensificação da produção Os mercados centrais desenvolver-se-
agrícola é verificada em inúmeras situações. iam nos lugares de maior densidade
populacional e a produção intensificar-
As causas da concentração são muitas: se-ia ao redor deles, isto é, a produção
guerras tribais, comércio de escravos, po- iria intensificar-se naquelas áreas que
líticas de uso da terra, etc. A concentração fossem, simultaneamente, próximas aos
da população também ocorre em manchas mercados centrais e que tivessem as maiores
de solo mais fértil e outras condições am- concentrações populacionais [...]. [Tudo
o mais sendo constante], a densidade de
bientais favoráveis à emergência de núcleos população iria variar diretamente com a
urbanos. Documentou-se, ainda, que amea- distância dos grandes mercados centrais,
ças militares a tribos Kofyar (etnia da Nigéria de modo que ambas as teorias [de Thünen
central) isoladas levavam à concentração e de Boserup] prediriam adequadamente
do povoamento, motivando a intensifica- a intensidade da produção. (SMITH apud
NETTING, 1993, p. 291)
ção das práticas agrícolas nos núcleos a
serem defendidos e permitindo que áreas Na medida em que as possibilidades
periféricas fossem revertidas a usos mais de exploração florestal estão ligadas aos
extensivos. Vilarejos Kachin, nas montanhas regimes de pousio – e estes à distância
birmanesas, destinados a proteger as rotas em relação ao mercado –, abre-se a
de comércio com a China, geravam sistemas possibilidade de se construir um modelo
intensivos de terraço em suas redondezas, Thünen-Boserup da estrutura espacial da
embora a densidade demográfica média da hinterlândia madeireira de um centro urba-
região como um todo fosse baixa (PINGALI no pré-industrial. Como as altas densidades
et al. apud NETTING, 1993, p. 266). urbanas nada mais são do que grandes
Tais exemplos etnográficos são, evi- concentrações espaciais de demanda,
dentemente, de caráter excêntrico e ser- pode-se supor que elas tenham o efeito
vem muito mais para mostrar a amplitude de estruturar a economia agrária que lhes
potencial de contextos de ocorrência do adjaz no espaço segundo o continuum de
fenômeno que aqui se estuda. Em todos intensidade agrícola sugerido por Boserup.
esses casos, o mercado tende a se con- Nesse sentido, o efeito da proximidade

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em relação aos mercados urbanos corres- em baixos custos de produção biológicos,


ponderia, no plano geográfico, ao efeito ou seja, tempos mais curtos de regenera-
que o crescimento demográfico exerce ção do ecossistema, enquanto sistemas de
no raciocínio de tipo histórico de Boserup. pousio longo, mais distantes do mercado
Em outras palavras, a gradação tempo- urbano, são mais propícios a explorações
ral pode ser esquematizada como uma florestais baseadas em altos custos bio-
gradação espacial, na qual distância do lógicos. Elevadas frequências de cultivo
mercado urbano e tempo de pousio estão impedem que a área em pousio complete
positivamente correlacionados; Boserup o ciclo que leva o solo nu (pós-colheita) ao
encontra Thünen, cuja teoria da intensidade estado de mata secundária (capoeira pouco
incorpora, ainda que de forma implícita, a regenerada) e deste novamente ao estado
variação do tempo de pousio. Na análise florestal (S → M → F); o ciclo é “atalhado”
do primeiro anel agrícola, ele desenvolve por uma nova derrubada, restringindo a tra-
brevemente este ponto: jetória a um circuito “interno” que leva o solo
Nenhuma renda da terra iria repousar sobre nu à mata secundária e esta de volta àquele
terra em pousio. Em primeiro lugar, a renda (S → M → S) (Figura 2) – uma dinâmica que
da terra aqui é muito alta para permitir que pode ser bem observada contrastando-se
qualquer porção de terra arável permaneça unidades de gestão de diferentes tamanhos
inculta e, em segundo lugar, a fertilidade do (D’ANtona et al., 2006). Neste sentido, altas
solo pode, mediante a compra de adubo da
Cidade, ser aumentada até o ponto em que a frequências de cultivo reduzem a disponi-
terra produza a sua capacidade máxima, de bilidade de espécies associadas a estados
modo que, em contraste com os anéis mais mais tardios da sucessão florestal, que são
longínquos, aqui não há necessidade de se aquelas que geralmente possuem maior
cuidar do solo por meio de pousio. (THÜNEN valor comercial por unidade de volume.
apud HALL, 1966, p. 10)
Sistemas de pousio curto, portanto, tendem
De fato, o terceiro, o quarto e o quinto a estar associados à extração de lenha, pois
anéis do Estado Isolado podem ser vistos este produto pode ser obtido de capoeiras
como um único e grande anel, no qual a pro- menos regeneradas, e mesmo pela coleta
dução de cereais vai perdendo intensidade de galhos e gravetos caídos no chão da
e passando de um sistema com adubação capoeira. O carvão, obtido pela eliminação
e pousio inexistente para um sistema com da umidade e enriquecimento do teor de
pousio curto (um ou dois anos); com a carbono da lenha, estaria associado a dura-
ampliação da distância, portanto, aumenta ções intermediárias de pousio. Embora sua
o tempo de pousio e diminui, consequente- produção seja realizada a partir de lenha e,
mente, o input de trabalho. Essa correlação portanto, de formações vegetais semelhan-
negativa entre distância do mercado urbano tes – não sendo recomendável usar pedaços
e frequência de cultivo – ou correlação posi- muito grossos de madeira –, a aplicação de
tiva entre distância e duração do pousio – foi trabalho e a redução de volume5 permitem
elaborada matematicamente por Jones e uma localização mais distante do que a de
O’Neill (1993) e Angelsen (1994). sua matéria-prima.
O esquema boserupiano dos níveis de Em regiões densamente florestadas, o
intensidade medidos pela frequência de cul- transporte fluvial propicia o meio mais viável
tivo fornece uma chave para incorporamos e eficaz de penetração, povoamento e ex-
a prática agrícola em um modelo teórico ploração econômica do ambiente (SMITH,
do abastecimento madeireiro. Sistemas 1969, p. 106). Desse modo, a forma espacial
agrícolas de pousio curto, mais próximos ao das zonas produtivas seria decisivamente
mercado urbano, proveem condições mais modelada pelos cursos de água, ensejando
favoráveis a explorações florestais baseadas o padrão alongado vislumbrado por Thünen

5 Com os métodos do século XVIII, a lenha convertida em carvão perdia quase três quartos de seu volume.

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Cabral, D. de C. Von Thünen e o abastecimento madeireiro de centros urbanos pré-industriais

Figura 2
Dinâmica da cobertura da terra em um sistema de alqueive

F: floresta; S: solo nu; M: mata secundária


Fonte: Adaptado de D’Antona et al. (2006, p. 388).

quando este estudou os fatores do mundo estariam localizadas longe da cidade (não
real que poderiam “distorcer” seu modelo se considerando, evidentemente, a área de
(THÜNEN apud HALL, 1966, p. 215 e seg.).6 floresta além da margem extensiva). Não há
De forma bastante expressiva, os rios cau- uma zona florestal plantada perto do centro
sariam um aprofundamento dendrítico no urbano, bem como não existe uma área de
alcance das zonas, enquanto o alto custo floresta “virgem” circundando a economia
do transporte terrestre restringiria bastante rural. O que há é um aumento progressivo
seu alargamento, produzindo um padrão de densidade florestal à medida que se
“endentado”. Na Inglaterra do século XVII, avança para longe do centro urbano. Nes-
por exemplo, o alto custo da tração animal te continuum, a duração do pousio vai se
limitava o corte de árvores a uma distância elevando até que a sucessão ecológica seja
de menos de cinco quilômetros das mar- capaz de atingir níveis nos quais se torna
gens fluviais (ALBION apud BUNKER, 2003, difícil distinguir entre floresta primária e
p. 223). Um esquema gráfico de tal padrão floresta resultante de manejo prévio.
é apresentado na Figura 3. Observa-se, a seguir, como esse es-
Uma consequência importante de um quema pode iluminar a pesquisa histórica
cenário como este é de que, ao contrário sobre cidades pré-industriais, examinando
do que estabelece a teoria dos cultivos o caso do Rio de Janeiro, nos últimos anos
thüniana, as maiores densidades florestais da era colonial.

6 Thünen considerou que o custo do transporte fluvial representaria um décimo do custo do transporte terrestre.

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Figura 3
Esquema hipotético das zonas agromadeireiras em regiões pré-industriais dotadas de vasto estoque de floresta
tropical úmida

O caso do Rio de Janeiro colonial-tardio o crescimento demográfico da cidade, espe-


cialmente depois da transferência da Corte
Nas últimas décadas de domínio portu- portuguesa, em 1808, criou uma economia
guês, a cidade do Rio de Janeiro ascendeu de fato “urbana”, na qual uma grande parte
ao posto de mais importante mercado do da população era dependente do mercado
centro-sul brasileiro. De acordo com Brown para obter comida, lenha e habitação (ou
(1986), isto se deu pela interação de dois seja, madeira de construção). As moradias
fatores. Primeiro, a partir dos anos 1790, os e, de um modo geral, toda a tecnosfera
agricultores da hinterlândia imediata da cida- urbana (fixa e móvel, desde colheres até
de voltaram-se cada vez mais para os gêne- carruagens), precisavam de madeira para
ros de exportação em detrimento do cultivo sua construção e manutenção (isto é, pe-
de mantimentos básicos. Em segundo lugar, riodicamente reparadas e/ou respostas).

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Entre os artesãos, os trabalhadores da grande produtividade por unidade de área.


madeira faziam boa presença, como indica De seis em seis semanas, o agricultor podia
a existência de grande número de marce- colher 18 kg de capim por metro quadrado
neiros. Como fonte de energia, a madeira (LUCCOCK, 1975, p. 195-6). O capim, como
atendia às demandas de um pequeno leque a madeira, possuía um grande mercado na
de atividades manufatureiras tipicamente cidade. Diferentemente do que acontecia
urbanas (ferrarias, olarias, padarias), além no Estado Isolado, os animais de carga
da necessidade doméstica de cozimento não eram de propriedade exclusiva dos
de alimentos. rurícolas; havia um grande rebanho dentro
Os viajantes e colonos estrangeiros dos limites urbanos. “Apesar do custo de
deixaram relatos que dão muitas indicações manutenção, todo mundo tem seu cavalo”,
das relações entre agricultura e exploração relatou Theodor von Leithold (1966, p. 24),
madeireira, na estrutura da hinterlândia um militar prussiano em visita ao Rio, em
imediata do Rio. Entre esses cronistas, Luc- 1819. Se ao menos metade disso fosse
cock, um comerciante inglês que viveu na verdade, a cidade abrigaria cerca de 55.000
cidade entre 1808 e 1818, foi um dos mais comedores de capim, naquela época. Os
argutos, antecipando, inclusive, o princípio rocios intraurbanos não conseguiam ali-
de Thünen, ainda que intuitivamente. “Os mentar tanto gado; na verdade, eles teriam
objetivos e as maneiras da lavoura estão sofrido superexploração. No mesmo ano da
na dependência da distância da cidade e observação de Leithold, dois membros da
facilidade com que os produtos possam Junta do Comércio propuseram que fossem
ser levados ao mercado”, observou ele. Nas taxados aqueles citadinos que estabulavam
vizinhanças imediatas, havia produção inten- cavalos e burros para seu uso pessoal. Des-
siva de hortaliças, frutas (laranja, banana, se modo, argumentavam os proponentes,
melancia, abóbora) e flores (mimosas e ou- reduzir-se-ia a plantação de capim nos ar-
tras). Porquanto o que importasse não fosse redores da cidade, a qual esterilizava “todos
a distância absoluta, mas sim a distância- os outros frutos necessários à subsistência
-custo, a produção intensiva alastrava-se até humana” (BROWN, 1986, p. 264).
São Gonçalo, na orla oriental da baía, onde Essa primeira zona da hinterlândia
Luccock observou experimentos de enxerto carioca abrigava também uma classe de
no cultivo de árvores frutíferas (LUCCOCK, uso residencial. Desde a chegada da Corte
1975, p. 176, 195, 204). Em toda essa portuguesa e a abertura dos portos, a cres-
faixa, a terra era valorizada e a densidade cente burguesia nativa e estrangeira, bem
demográfica mostrava-se alta. Na freguesia como a alta burocracia estatal, havia criado
de Inhaúma, havia 58 habitantes por km2, uma grande demanda por espaços resi-
sendo que a densidade de escravos era de denciais afastados do centro e dotados de
35 por km2 (Macedo, 2008, p. 125; MAPA, amenidades paisagísticas. Essa demanda
1870, p. 137). foi satisfeita pela conversão de antigas áreas
As propriedades eram muito pequenas de cultivo em sítios e chácaras, processo
para que se conseguisse manter qualquer que atingiu os arrabaldes tanto a oeste
quantidade significativa de mata dentro de quanto ao sul da cidade. Luccock (1975,
seus limites. Cultivavam-se também, nessas p. 176) celebrou o triunfo da civilização na
terras, duas qualidades exóticas de capim: conversão dessas matas, antigos “antros
o capim-de-angola e o capim-da-colônia, de feras”, em “prósperos estabelecimentos
este último menos lucrativo do que o pri- do homem”. Nas antigas fazendas jesuítas
meiro (LUCCOCK, 1975, p. 195-6). A seção do Engenho Novo e do Engenho Velho, as
de avisos da Gazeta do Rio de Janeiro florestas haviam sido abatidas e as terras
está repleta de anúncios de propriedades loteadas. Os anúncios da Gazeta do Rio de
plantadas ou potencialmente produtoras Janeiro, entre 1808 e 1821, mostram que
de capim. No esquema thüniano aplicado essas propriedades não tinham mais de
ao Rio, o capim substituía a madeira como 200.000 m2. Eram grandes mansões com
produção de biomassa de baixo custo e pasto, estrebaria, casa para abrigar escra-

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vos, poços para a coleta de água e bosques começo dessa faixa, tinha uma densidade
ajardinados, onde se plantavam árvores de 20 habitantes por km2, enquanto a de
frutíferas e de espinho, estas com função escravos era de 11 por km 2 (MACEDO,
de cerca. Por vezes, possuíam algum “mato 2008, p. 125; MAPA, 1870, p. 137). Em Santo
virgem” nos fundos, perto das encostas ou Antonio de Jacutinga, a 25 km da cidade, os
nelas próprias.7 engenhos açucareiros já eram dominantes,
Entre as distâncias de seis quilômetros como observou o naturalista francês Augus-
e meio a 20 km da cidade, havia uma zona te de Saint-Hilaire, em 1822. Uma década
mista de gado leiteiro e lavoura. O leite era atrás, essa planície ainda sustentava densas
levado ao mercado em grandes latões de florestas, abrigo de veados que rondavam
estanho, novamente à cabeça dos negros. incautos as casas recém-construídas. Os
Também se cultivava cana, uma grande campos de cana que sucederam essas
parte da qual se destinava não à produção matas forneciam três safras consecutivas,
e exportação de açúcar, mas sim ao alimento a partir do que eram deixados em repouso
do gado urbano. A expansão agrícola nas por quatro anos (SAINT-HILAIRE, 1932,
áreas montanhosas a oeste da cidade propi- p. 25; LUCCOCK, 1975, p. 192-3). Regimes
ciava uma oferta de madeira que começava de pousio tão curtos não são sustentáveis
a ser aproveitada. Até o final do século XVIII, e esses engenhos, muito provavelmente,
elas haviam escapado quase intactas à estavam perdendo suas matas secundárias
apropriação econômica. Subindo o vale do mais desenvolvidas. As capoeiras certamen-
Rio Maracanã, em 1792, o secretário da em- te não eram capazes de fornecer madeiras
baixada britânica, George Staunton, relatou de construção e mesmo a lenha podia estar
que tanto os cumes das montanhas quanto escasseando. O grande consumo interno
seus sopés encontravam-se guarnecidos de pode ser apontado como a causa primor-
matas, enquanto as baixadas do vale eram dial de os engenhos, de modo geral, não
cobertas por “árvores muitíssimo altas”, de se engajarem na atividade madeireira. Mas
modo que “não se via um único pedaço de essa explicação é um tanto tautológica: os
terra descoberto” (FRANÇA, 1999, p. 225). engenhos não produziam comercialmente
Mas o crescimento da cidade, principal- madeira porque precisavam dela na fabri-
mente pós-1808, havia gerado uma grande cação do açúcar, ou seja, precisavam dela
demanda por combustível, ao mesmo tempo para ser o que eram e não outra coisa. Além
em que o carvão vegetal era introduzido nas do mais, não havia motivo aparente para
cozinhas domésticas. As terras do vale dos que os engenhos não produzissem alguma
Rios Maracanã e Comprido foram limpas, a madeira, tendo em vista que esse produto
biomassa transformada em carvão e o solo beneficiar-se-ia muito mais do que o açúcar
plantado com frutas e verduras (LUCCOCK, da proximidade da cidade.
1975, p. 191-2). Concluídas na década de Para compreender esse fenômeno,
1810, as obras de melhoramento da Estrada deve-se lembrar que, para chegar às suas
da Tijuca contribuiriam decisivamente para conclusões, Thünen assumiu uma harmoni-
que o maciço se tornasse, em pouco tempo, zação entre os interesses dos produtores ru-
uma grande fonte de carvão para a cidade rais e dos consumidores citadinos por meio
(ABREVIADA, 1892, p. 376). da maior redução de custo possível para
Em distâncias superiores a 20 km da ambos. Assim, seu esquema de localização
cidade, a densidade demográfica diminuía ótima expressa um equilíbrio interno ao
e o tamanho das fazendas aumentava, sistema cidade-campo. Além disso, Thünen
tornando possível que parte da mata fosse não considerou a atuação de intermediários,
conservada para o suprimento de combus- pressupondo que os próprios produtores
tível ao mercado urbano (LUCCOCK, 1975, encarregar-se-iam de levar suas mercado-
p. 196). A freguesia de Irajá, situada no rias à venda. Mas o que ocorria, no caso das

7 A Gazeta está disponível no site da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

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cidades coloniais brasileiras, é que o açúcar Na freguesia de Guapimirim, a mais ou me-


não se destinava ao consumo urbano, mas nos 60 km do Rio, a densidade demográfica
sim à exportação para a Europa; o preço do caía para 15 habitantes por km2, mas a de
açúcar e, portanto, a localização dos com- escravos para oito (MACEDO, 2008, p. 125;
plexos que o produziam respondiam a uma MAPA, 1870, p. 138). Luccock dá o panorama
demanda externa intermediada por agentes de uma fazenda localizada nessa freguesia.
que extraíam lucro no processo. O principal Um terço dos seus 730 hectares estava
fator a modificar o padrão thüniano, no Rio, plantado com 10 mil pés de café “novos e
era essa superposição de duas subordina- florescentes” e um pouco de mandioca para
ções diferentes: ao mercado urbano carioca alimento dos escravos, que somavam o pe-
e ao mercado europeu. Assim, a área da queno número de 14. Havia uma “quantidade
bacia da Baía de Guanabara constituía a conveniente de pastagens” e também “exten-
hinterlândia imediata de uma crescente sas matas para lenha, gênero de pronta ven-
metrópole urbana e, ao mesmo tempo, parte da na cidade”. Culturas permanentes como
da hinterlândia tropical distante do grande café, cacau e algodão arbóreo eram mais
centro consumidor mundial localizado na adequadas a rurícolas faltos de escravos.
Europa ocidental (BROWN, 1986, p. 150). Além disso, elas permitiam que uma parcela
Isto significa que os produtos que pa- considerável das terras permanecesse flores-
gavam o açúcar não eram produzidos na tada. A fronteira agrícola havia demorado a
cidade, mas no exterior, e apenas distribuí- alcançar essas plagas localizadas a grande
dos na cidade. Outra maneira de dizer isso distância da capital. Luccock conheceu um
é afirmar que, em um cenário de grande senhor de 90 anos que, em sua mocidade,
escassez de moeda circulante, os rurícolas conhecera essas plagas “como inteiramente
coloniais que queriam ter acesso às merca- mato”. Esse mesmo vale abrigava também
dorias europeias (tecidos finos, manufaturas uma indústria de madeiras de construção. Os
metálicas, vinho e todos os bens altamente campônios cortavam e serravam tábuas na
prezados pela oligarquia rural) precisavam mata, trazendo-as para a beira do rio em uma
engajar-se na produção de itens com de- espécie de trenó (LUCCOCK, 1975, p. 232).
manda de exportação. Ainda que, em uma
dada localização bastante próxima à cidade, Considerações finais
fosse mais rentável produzir madeira do que
açúcar, a falta de perspectivas de troca em O Estado Isolado foi e ainda é uma refe-
uma cidade não-manufatureira orientava o rência importante para diversas disciplinas
produtor a preferir o açúcar. Era isto que que lidam com a população em sua dimen-
fazia com que fossem relativamente raros os são espacial, tais como a geodemografia,
engenhos engajados na atividade madeirei- a geografia econômica e o planejamento
ra. Ao que tudo indica, eram os pequenos urbano e regional. Neste artigo, procurou-se
produtores de alimentos – os quais não po- alargar esse espectro para incluir a história
diam almejar uma remuneração “europeia” ambiental. Conforme observou Schlebecker
de seus produtos – que preenchiam o nicho (1960, p. 187), uma hipótese histórica, para
de abastecer o Rio de Janeiro com madeira ser útil, deve estar alicerçada sobre um de-
combustível e para construção. Assim, a nominador comum da experiência humana.
harmonia que situava os complexos açuca- E um denominador comum razoável é o fato
reiros mais próximos do que as atividades que todos os homens estiveram, por uma
madeireiras em relação ao mercado urbano fração considerável da história humana,
era, na verdade, uma harmonia entre pro- localizados a certa distância de uma cidade.
dutores de exportação e negociantes que Pode-se assumir que essa experiência tenha
atuavam no comércio exterior. ajudado a modelar muitas das ideias e ações
Quanto mais para as cabeceiras da bacia de qualquer grupo de pessoas.
da baía de Guanabara – as quais constituíam Não cabe, como notou Clark, esperar
os limites da hinterlândia imediata da cidade mais de Thünen do que ele realmente pode
–, menos intensivo tornava-se o uso da terra. oferecer, ou seja, “um dos mais profundos

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Cabral, D. de C. Von Thünen e o abastecimento madeireiro de centros urbanos pré-industriais

e interessantes estudos de uma economia debilitadas pela interrupção do suprimento


rural nos dias do transporte a cavalo” madeireiro (KNOLL, 2006, p. 78). O reconhe-
(CLARK, 1967, p. 370). A despeito das cimento dessa dimensão político-territorial
inúmeras limitações dos padrões conclu- fundamental abre caminho para um campo
sivos de von Thünen, o princípio que guia de investigações ainda relativamente novo,
sua análise – ou seja, o efeito do custo de o das relações entre abastecimento madei-
transporte sobre a organização espacial do reiro e formação do Estado, no âmbito do
uso da terra rural – é plenamente válido. Em qual se destaca o estudo de Warde (2006).
seu já clássico estudo sobre as relações De modo mais diretamente vinculado à
entre Chicago e o Great West oitocentistas, dinâmica das trocas de mercado, o Estado
o historiador Cronon (1991, p. 52) observou: pré-industrial desempenhava o importante
O zoneamento da hinterlândia do Estado papel de regular a atividade dos comercian-
Isolado pode simplificar demais as realidades tes de madeira. Os traficantes de madeira
diversas do Great West, mas, não obstante, eram agentes centrais na determinação da
ela sugere os tipos de princípios de mercado oferta local, um poder do qual eles frequen-
subjacentes que conectaram cidade e
campo para transformar uma paisagem temente abusavam. Eles foram muitas vezes
natural em uma economia espacial. A estória acusados de antecipar a compra junto aos
de Chicago permanece incompreensível cortadores e reter a mercadoria, inflacio-
sem algum conhecimento dos princípios de nando artificialmente os preços pagos nas
von Thünen. cidades. Para combater essa estratégia, um
Esta afirmação é valida para a maioria dos expedientes usados pelos governos
dos contextos pré-industriais ou semi- locais era a construção de depósitos para
-industriais ao redor do mundo. o armazenamento de madeira que, em
Evidentemente, a pesquisa histórica tempos de crise, era vendida aos citadinos
sobre o abastecimento madeireiro tem que por um preço moderado (de modo similar
levar em conta muitos outros fatores além do ao que acontecia com os itens alimentares
custo de transporte. É preciso, sobretudo, mais básicos).
atenção à política urbana. Muitas cidades É preciso entender como essas e ou-
europeias, ainda na Idade Média, procura- tras práticas distorciam a distância-custo e,
ram assegurar um suprimento regular de consequentemente, a formação das zonas
produtos madeireiros através da proprieda- agromadeireiras ao redor dos centros urba-
de direta de bosques e florestas próximas. nos pré-industriais. Além disso, os fatores
A municipalidade podia adquirir áreas de fisiográficos não podem ser esquecidos.
floresta por meio de compra, podia recebê- Variações no tipo de solo, no relevo desse
-las como presentes de senhores de terra, solo, na configuração da rede hidrográ-
podia apropriar-se delas como conquistas fica, entre outras, exerciam substanciais
de guerra ou ainda pela captura dos bens da influências na conformação das zonas de
Igreja, durante o período da Reforma. Essas cultivo. Neste sentido, o modelo de Thünen
florestas eram fiscalizadas e manejadas por não deve engessar a pesquisa empírica,
funcionários da municipalidade e a renda mas sim fornecer subsídios básicos para a
advinda de sua exploração podia financiar compreensão dos padrões socioespaciais
gastos com a construção de escolas, ar- historicamente existentes. Muito da repulsa
mazéns, estradas e outras infraestruturas quase automática que os estudiosos de-
urbanas (Konijnendijk, 2008, p. 56-8). monstram em relação a Thünen provém do
A estrutura da hinterlândia florestal podia, desconhecimento sobre a complexidade de
portanto, ser primordialmente determinada seu pensamento, notadamente a diferença
pela capacidade política dos agentes urba- entre as perspectivas dos cultivos e da in-
nos de reservar partes estratégias do espaço tensidade. Esta última mostra-se muito mais
circunvizinho para a satisfação das neces- flexível no que concerne à sua utilização cria-
sidades da cidade (ou seja, uma questão tiva para tornar inteligível a organização da
eminentemente territorial). Cidades-enclave produção rural, em tempos pré-industriais.
em território hostil podiam ser facilmente Um modelo de intensidade que associe

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Cabral, D. de C. Von Thünen e o abastecimento madeireiro de centros urbanos pré-industriais

agricultura e exploração madeireira é, como exemplo desse tipo de apropriação criativa


procurou-se demonstrar neste artigo, um do pensamento thüniano.

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Resumen

Von Thünen y el abastecimiento maderero de centros urbanos preindustriales

La madera era un recurso natural indispensable para el metabolismo de los centros urbanos
preindustriales, tanto como material constructivo, así como fuente energética. Debido a la baja
relación valor/volumen de los productos madereros, la envergadura de ese sector económico
estaba profundamente determinada por el coste del transporte. Por este motivo, un armazón
teórico que puede resultar importante para la comprensión del fenómeno de abastecimiento
maderero de las ciudades preindustriales es la clásica teoría de von Thünen sobre el efecto de
la distancia del mercado sobre la estructura de la producción agraria. El artículo tiene como
objetivo discutir las potencialidades y limitaciones de este enfoque. Inicialmente, se presenta la
teoría del “Estado Aislado” y se revisan los estudios históricos que la utilizaron, tanto como base
interpretativa, así como teoría empírica. Enseguida, se formula un modelo teórico-conceptual en
el que la actividad maderera responde a las variaciones de la intensidad agrícola, procurando
mostrar la utilidad de ese esquema en la interpretación del caso de la ciudad de Río de Janeiro,
al final del período colonial.
Palabras-clave: Economía maderera. Ciudad preindustrial. Von Thünen. Río de Janeiro
colonial-tardío.

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Cabral, D. de C. Von Thünen e o abastecimento madeireiro de centros urbanos pré-industriais

Abstract

Von Thünen and wood supply of pre-industrial urban centers

Wood was a critical natural resource to the metabolism of pre-industrial urban centers, both as a
building material and as an energy source. Due to the low value/volume ratio of wood products,
wood economy was largely determined by transport costs. Thus, a theoretical framework that
may be important to understanding the phenomenon of pre-industrial wood supply is Von
Thünen’s theory about the effect of distance from market on the spatial structure of agricultural
production. The article aims to discuss the potential and limitations of this approach. At first,
we present the theory of “Isolated State”; then we review the historical studies that used the
theory, both as a comprehensive framework and as an empirical theory. Later, we formulate a
theoretical-conceptual model in which woodcutting responds to changes in agricultural intensity,
as to show the usefulness of this scheme in interpreting the case of the city of Rio de Janeiro
in the late colonial period.
Keywords: Wood economy. Pre-industrial city. Von Thünen. Late-colonial Rio de Janeiro.

Recebido para publicação em 22/04/2010


Aceito para publicação em 10/09/2010

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