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Manaus, 23/03/2023

Fernando Pessoa: o rosto do Modernismo português

―Retrato de Fernando Pessoa‖, 1964, óleo sobre tela, por José de Almada Negreiros
No expoente da cultura portuguesa figura Fernando Pessoa. Criador de várias personalidades às quais
designou de heterónimos, foi também a expressão de si mesmo a marcar indelevelmente o consciente e
inconsciente comum a todos os portugueses. Não é possível medir com palavras, frases ou até mesmo
páginas o contributo do autor educado na África do Sul que nunca se coibiu de arriscar pelo idioma inglês e
pela expressão incólume do seu sentimento e do seu pensamento. No entanto, qualquer esforço de consolidar
o seu legado é motivo de salutar consideração, nem que este seja passo garantido para que se cumpra
Portugal.
Fernando António Nogueira Pessoa nasceu a 13 de junho de 1888, em Lisboa. Por isso, não é só por virtude
do seu padroeiro Santo António que esta cidade reconhece a data como identitária e especial. O seu pai,
Joaquim de Seabra Pessoa, era funcionário público no Ministério da Justiça e colaborador no periódico
Diário de Notícias. A mãe, D. Maria Magdalena Pinheiro Nogueira Pessoa, havia recebido uma assinalável
formação em letras e até compunha alguns versos. A infância e adolescência do futuro poeta seriam
condicionadas pelas precoces mortes do seu pai e do seu recém-nascido irmão. É neste oscilante período que
nasce o primeiro de inúmeros heterónimos do autor, sendo ele Chevalier de Pas e tendo em vista colmatar a
falta do seu pai. Um dos primeiros poemas redigidos destinava-se à sua mãe e contava com a nota ―À Minha
Querida Mamã―. Entretanto, a sua progenitora casa-se com João Miguel Rosa, cônsul português em Durban,
África do Sul, e o escritor viria a mover malas e bagagens para a cidade africana. Deste matrimónio,
resultariam quatro meios-irmãos de Pessoa.

À Minha Querida Mamã

Ó terras de Portugal
Ó terras onde eu nasci
Por muito que goste delas
Ainda gosto mais de ti.

Já em África, Fernando Pessoa inicia a sua instrução na escola de freiras irlandesas de West Street, onde
efetua em dois anos letivos o primeiro ciclo. Em 1899, com 11 anos, ingressa no Liceu de Durban e cria o
heterónimo Alexander Search, assim como o seu irmão Charles James Search. É a partir destas
circunstâncias que estabelece contactos com a língua e literatura inglesas, referenciando autores como
William Shakespeare, Lord Byron, John Keats, Edgar Allan Poe, entre outros, e redige as primeiras
composições poéticas em idioma inglês. Este domínio ser-lhe-ia muito útil quando, de regresso permanente
a Portugal após várias férias passadas em solo nacional, exerce a função de correspondente comercial e de
tradutor de obras mediáticas dentro da esfera literária. É também curioso assinalar que, à exceção de
―Mensagem―, as únicas obras publicadas em vida pelo autor seriam as coletâneas de poemas escritos em
inglês ―Antinous―, ―35 Sonnets‖ e ―English Poems―, este dividido em três partes. Porém, antes deste retorno
em definitivo, Pessoa estende a sua formação na Durban Commercial School e articula-a com o estudo
autónomo de disciplinas humanísticas. Após, em 1903, receber o Queen Victoria Memorial Prize pela
melhor qualificação num ensaio de estilo inglês na Universidade do Cabo da Boa Esperança, regressa à
Durban High School para frequentar o equivalente a um ano universitário. A sua cultura é aprofundada neste
período com clássicos greco-latinos e a sua produção escrita é fortalecida com a criação dos heterónimos
Charles Robert Anon e H. M. F. Lecher, ambos marcando presença tanto em prosa como em poesia. A
sua formação é finalmente finalizada com o Intermediate Examination in Arts, do qual consegue uma nota
positiva.
Mania da Dúvida

Tudo para mim é um duvidar


Com a normalidade sempre em cisão,
E o seu incessante perguntar
Cansa meu coração.
As coisas são e parecem e o nada sustém
O segredo da vida que contém. A presença de tudo sempre perguntando
Coisas de angústia premente,
Em terrível hesitação experimentando
A minha mente.
É falsa a verdade? Qual o seu aparentar
Já que tudo são sonhos e tudo é sonhar? Perante o mistério vacila a vontade
Em luta dividida dentro do pensar,
E a Razão cede, qual cobarde,
No encontrar
Mais do que as coisas em si revelam ser,
Mas que elas, por si só, não deixam ver.

Alexander Search, in ―Poesia‖

Em 1905, com somente 17 anos, fixa-se na capital portuguesa e passa a viver com a sua avó e duas tias na
Rua da Bela Vista. A formação do poeta não se via como concluída em solo português e, como tal, ingressa
no Curso Superior de Letras, sem, no entanto, concluir qualquer ano. Mais entrosado com a realidade do seu
país de nascença, trava contacto com obras de autores tão diversos como Cesário Verde ou Padre António
Vieira. Dois anos depois do seu regresso, a sua avó falece mas lega-lhe uma herança a partir da qual o jovem
abriria uma pequena tipografia mas que rapidamente entra em insolvência. O trabalho como tradutor seria
agora uma realidade e a sua atividade profissional estabilizaria daí até ao final da sua vida, não vivendo com
luxúrias mas também nunca estando privado dos recursos necessários a que uma obra de nomeada se
desenvolvesse.

O seu papel como ensaísta e crítico literário seria explorado a partir de vários artigos redigidos em órgãos
como a revista ―A Águia―, com os temas a perpassarem a atividade póetica de então. Com esta
familiarização, começa a envolver-se nos contextos físicos dos intelectuais de então e frequenta o
futuramente mítico café A Brasileira, no Lago do Chiado. No entanto, e no seu futuro, viria a usar o
estabelecimento Martinho da Arcada, na Praça do Comércio, como ponto de referência para encontros e para
momentos de inspiração. Foi também por esta altura que Pessoa travou conhecimento com o ocultismo e
com o misticismo, fazendo até consultas astrológicas a si e aos demais interessados, inclusive aos seus
heterónimos. Os seus interesses na área chegavam às organizações da Maçonaria e da Rosa-Cruz. Também
na demonstração deste seu apreço nasceram alguns poemas, como ―No Túmulo de Christian Rosenkreutz―, e
alguns convívios, como com o ocultista britânico Aleister Crowley e a maga alemã Hanni Larissa Jaeger.
Em 1915, e já totalmente imbuído na nova vaga cultural que se vinha manifestando, participa na revista
modernista Orpheu ao lado de nomes como Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros ou Santa-Rita Pintor.

O vanguardismo dos conteúdos publicados viriam a abalar com os preceitos da cultura portuguesa de então
e, não obstante o exíguo número de edições (duas), seria marcante no desenvolvimento de um novo
heterónimo. Seria ele Álvaro de Campos, o mais modernista de todos eles e um dos mais problematizadores
da realidade com a qual contactava e na qual exaltava o progresso mas também o saudosismo das memórias
já idas e vividas. Já em 1924, Pessoa voltou a tentar a sua sorte nas produções públicas e assumiu novamente
as rédeas de uma revista, desta feita a Athena. Ao lado do artista plástico Ruy Vaz, o lisboeta abriu a
amplitude da sua produção e apresentou Ricardo Reis e Alberto Caeiro , assim como o ortónimo. Após
outras ocasionais colaborações em revistas, como a Sudoeste, Fernando Pessoa é hospitalizado no dia 29 de
novembro de 1935 no Hospital de São Luís dos Franceses com uma aparente cirrose hepática. No dia
seguinte, e com somente 47 anos de idade, viria a partir mas sem deixar de apontar por escrito uma última
afirmação: ―I know not what tomorrow will bring―.
No meio de tantas aventuras e desventuras no processo criativo de Pessoa, destacam-se alguns desses corpos
sem fisionomia mas com demais autonomia. Um dos principais foi Álvaro de Campos. Conforme
assinalado acima, apresenta-se como um engenheiro futurista que outrora havia sido decadentista e que
advoga a vida moderna e a liberdade de expressão e de sentido através de um registo despreocupado e pouco
ponderado. Entre outros, é relembrado pelo poema ―Tabacaria‖ e pelas ―Odes‖ registadas na Orpheu,
valorizando com estas a máquina e a importância da Revolução Industrial num prisma social. De seguida,
era Ricardo Reis aquele que primava por ideais greco-romanos epicuristas e estoicistas, apelando à busca
dos prazeres moderados e à aceitação do destino. Monárquico, emigra para o Brasil em protesto com a
emergência da República mas sem esquecer a sua amada e reverenciada Lídia. O médico de profissão é
talvez o mais clássico e disciplinado de todos aqueles que aqui se encontram elencados. Este era também o
único que, até à escrita de ―O Ano da Morte de Ricardo Reis‖ por José Saramago, não tinha data de morte
definida pelo seu criador.

Depois, também Bernardo Soares figura na tribuna dos ilustres essencialmente pela autoria de ―O Livro do
Desassossego―. Porém, e pela sua semelhança ao ortónimo, apresenta a condição de semi-
heterónimo. A obra produzida gerou alguma polémica na sua organização por ser um conjunto de
fragmentos. Esta consistia num conjunto de reflexões introspetivas de caráter modernista elaboradas por
Pessoa e foi redigida ao longo de duas décadas. É nesta que, não obstante a utilização do nome de Bernardo
Soares, o poeta disseca sobre todas as questões que até então se revelavam ocultas e incógnitas quanto às
linhas de pensamento e de discernimento assumidas. Apresentando um vocabulário simples e uma
cumplicidade única com a Natureza, é Alberto Caeiro o que dispensa dar-se ao pensamento e que somente
entrega a voz da sua palavra à sensação que sente. Por esta era considerado como o ―mestre ingénuo‖ por
parte do seu criador. Sendo o único não prosador deste elenco, considerava que a poesia bastaria para que
toda a sua emoção acabasse expressa sem rodeios nem freios.

Quanto, por fim, ao ortónimo, este desvenda as dores, as preocupações, as intrigas e as lamentações do
autor, apontando os custos da razão e a importância de evocar a infância para relembrar a felicidade que por
lá se perdeu. Militando por várias correntes do saber e do pensar, não se privou de ser experimentalista por
várias estruturas poéticas, por diferentes temas e com diversos recursos de estilo. No entanto, é notória a
influência vigorosa e primorosa de um modernismo com pouco por ocultar mas com muito por exultar. A
obra pela qual ficou sobejamente conhecido foi ―Mensagem―, um aglomerado de quarenta e quatro poemas
no qual é dissecado o passado português recheado de glórias e que marca um encontro de homenagem com a
obra camoniana d‘‖Os Lusíadas―. Neste, a missão é também encontrar nas virtudes do povo luso um
impulso para a efetivação de uma regeneração e revalorização do ser português.

I. O Infante

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.


Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,


Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.


Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

Fernando Pessoa em ―Mensagem‖ (1934)


Fernando Pessoa foi um dos maiores criadores da cultura europeia e talvez o maior numa escala nacional.
Para além de criar obras, criou gente. Gente com personalidade, com idade, com localidade, com jeitos e
verdadeiros sinais de realidade. Com crenças identitárias, com experiências determinantes, com estilos
literários marcantes. Pelo meio, estava ele mesmo. Com a sua humanidade e com as suas mazelas, mazelas
essas resultantes dos esforços de pensar e de ser. Esforços não de suor mas de dor. A tal dor de pensar, a tal
do de se ser. Foi através das suas criações que procurou a resposta. Encontrou-a, aqui e ali, de jeito mais ou
menos complementar. Entre os outros demais, havia Campos excêntrico, Reis sereno, Caeiro sábio. Foi por
aí que Pessoa foi uma pessoa mais algumas. Revertendo, Pessoa foi vários num só. Foi desta forma singular
e modelar que Pessoa foi tudo aquilo que ambicionamos apreciar, sentir e ser. Ambição de, enfim, ser uma
Pessoa. Ambição de, por fim, se atingir o melhor da civilização.

―Agora, tendo visto tudo e sentido tudo, tenho o dever de me fechar em casa no meu espírito e trabalhar,
quanto possa e em tudo quanto possa, para o progresso da civilização e o alargamento da consciência da
humanidade.‖

Fernando Pessoa em carta enviada a Armando Côrtes-Rodrigues a 19 de Janeiro de 1915

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Fernando Pessoa
Fernando Pessoa nasceu em 13 de junho de 1888, na cidade de Lisboa, Portugal. Viveu parte da infância e
sua adolescência em Durban, na África do Sul. Em 1905, voltou a morar em Portugal, onde escreveu a sua
obra, criou heterônimos, fundou duas editoras, trabalhou como tradutor e conheceu sua única namorada.
O poeta, que morreu em 30 de novembro de 1935, em Lisboa, é um dos principais autores do
modernismo português. Pertencente à Geração de Orpheu, Fernando Pessoa produziu textos caracterizados
pelo nacionalismo crítico e pela liberdade formal, além de conterem traços do simbolismo, cubismo e
futurismo.

Biografia de Fernando Pessoa


Fernando Pessoa foi um dos grandes nomes do modernismo português.
Fernando Pessoa, poeta português, nasceu em 13 de junho de 1888, em Lisboa. Ficou órfão de pai quando
tinha 5 anos de idade. Dois anos depois, em 1895, sua mãe se casou com o cônsul João Miguel Rosa. Por
isso, em 1896, o menino se mudou para a África do Sul, onde estudou no colégio de freiras Convent
School, na Durban High School e na Commercial School de Durban.
Em 1905, voltou para Portugal e iniciou o curso superior de Letras, em Lisboa, mas o deixou dois anos
depois. Em 1909, ao receber a herança de sua avó paterna, tornou-se dono da tipografia e editora Íbis, que
logo foi à falência. Assim, nos anos seguintes, o autor se dedicou à escrita literária e à criação de diversos
heterônimos.
No ano de 1912, publicou, na revista A Águia, o artigo A nova poesia portuguesa sociologicamente
considerada. Já em 1915, na revista Orpheu, porta-voz do modernismo português, publicou os textos: O
marinheiro, Opiário, Ode triunfal, Chuva oblíqua e Ode marítima. No ano seguinte, tirou o acento de seu
sobrenome (Pessôa), para o tornar mais universal.
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Antinous e 35 sonnets, os dois primeiros livros do poeta, escritos em inglês, foram publicados em 1918,
com recursos do próprio autor. No ano seguinte, ele conheceu Ofélia Queiroz (1900-1991), a única
namorada do escritor. Ela era secretária na empresa para a qual Pessoa prestava serviços como tradutor de
cartas comerciais.
O poeta fundou, em 1920, a empresa Olisipo, que, entre outros negócios, funcionava também como
editora. Nesse ano, o namoro com Ofélia chegou ao fim. O poeta, então, dedicou-se à escrita e ao seu
trabalho na Olisipo, que fechou as portas em 1923. Dois anos depois, Pessoa patenteou o seu Anuário
Comercial Sintético, que permitia catalogar, de forma resumida, os comerciantes e industriais do país.
Ofélia Queiroz e Fernando Pessoa voltaram a namorar em 1929. No ano seguinte, o inglês Aleister Crowley
(1875-1947), um ocultista com quem o poeta se correspondia, visitou Pessoa em Lisboa. Nessa ocasião, o
poeta ajudou seu amigo inglês a encenar um suicídio, possivelmente para comover Hanni Jaeger, a
namorada do místico.
Mensagem — obra vencedora do Prémio de Poesia Antero de Quental — é o único livro em português de
Fernando Pessoa que foi publicado durante a vida do autor, isto é, em 1934. No ano seguinte, após sentir
dores abdominais, o poeta foi internado em um hospital de Lisboa e morreu em 30 de novembro de 1935.

Características da obra de Fernando Pessoa


Fernando Pessoa faz parte da Geração de Orpheu, responsável pela introdução do modernismo em Portugal.
Assim, as obras do poeta têm um caráter experimental típico dos movimentos artísticos do início do século
XX na Europa, que buscavam criar uma arte nova, contrária às regras estéticas tradicionais.
A poesia de Pessoa, portanto, não é convencional, mas provocativa, irônica e irreverente. E, como é comum
em textos modernistas, ela é construída com liberdade formal. Desse modo, o autor recorre aos versos
livres para expressar seu nacionalismo crítico. Além disso, é possível perceber, em sua obra, traços
simbolistas, cubistas e futuristas.
O escritor Fernando Pessoa criou heterônimos, isto é, autores fictícios com personalidades e
características literárias específicas. Desse modo, mesmo sendo um modernista, Fernando Pessoa, por meio
de seus heterônimos, pôde transitar por múltiplos caminhos estéticos.

Principais obras de Fernando Pessoa


Mensagem, de Fernando Pessoa,

 35 sonnets (1918)
 Antinous (1918)
 English poems (1921)
 Mensagem (1934)
 Livro do desassossego (1982)

Mensagem
O livro Mensagem é dividido em três partes:

 ―Brasão‖ (apresenta personagens históricos),


 ―Mar português‖ (tem as conquistas marítimas como tema) e
 ―O encoberto‖ (centrado no sebastianismo).

Possui, portanto, um caráter nacionalista. Assim, no seguinte trecho do poema ―Os castelos‖, da primeira
parte, o eu lírico fala de D. João I:

O homem e a hora são um só


Quando Deus faz e a história é feita.
O mais é carne, cujo pó
A terra espreita.

Mestre, sem o saber, do Templo


Que Portugal foi feito ser,
Que houveste a glória e deste o exemplo
De o defender.

Teu nome, eleito em sua fama,


É, na ara da nossa alma interna,
A que repele, eterna chama,
A sombra eterna.

No poema ―Os colombos‖, da segunda parte, a voz poética fala da grandiosidade do passado, mesmo que
ela seja fruto de uma espécie de ―magia‖ histórica:

Outros haverão de ter


O que houvermos de perder.
Outros poderão achar
O que, no nosso encontrar,
Foi achado, ou não achado,
Segundo o destino dado.

Mas o que a eles não toca


É a Magia que evoca
O Longe e faz dele história.
E por isso a sua glória
É justa auréola dada
Por uma luz emprestada.

Já no trecho do poema ―Os avisos‖, da terceira parte, o eu lírico fala do escritor barroco e sebastianista Pe.
António Vieira (1608-1697):

O céu ‗strela o azul e tem grandeza.


Este, que teve a fama e a glória tem,
Imperador da língua portuguesa,
Foi-nos um céu também.

No imenso espaço seu de meditar,


Constelado de forma e de visão,
Surge, prenúncio claro do luar,
El-Rei D. Sebastião.

Mas não, não é luar: é luz do etéreo.


É um dia, e, no céu amplo de desejo,
A madrugada irreal do Quinto Império
Doira as margens do Tejo.

Heterônimos de Fernando Pessoa


Os heterônimos mais conhecidos de Fernando Pessoa são:

 Ricardo Reis

Nasceu no Porto, em 19 de setembro de 1887, às 16h5. Tem a cara raspada e estudou em colégio de
jesuítas. Mora no Brasil desde 1919, onde exerce a medicina. É um monarquista e escreve textos
caracterizados pelo bucolismo, epicurismo, estoicismo, moralismo, rigor formal e referências greco-
romanas.

 Alberto Caeiro - Nasceu em Lisboa, no dia 16 de abril de 1889, às 13h45. Ficou órfão quando
ainda era criança e viveu com sua tia-avó, no campo, por muitos anos. Era louro e tinha olhos azuis.
pouco, possuía apenas a educação primária e não seguiu qualquer profissão.
O autor morreu em 1915, vítima de tuberculose. Ele fazia parte da corrente literária chamada de
Sensacionismo. Era um defensor da liberdade formal na poesia e deixou obras marcadas pelo caráter
antifilosófico e antimetafísico, e escritas com uma linguagem simples e objetiva.

 Álvaro de Campos - Nasceu em Tavira, em 15 de outubro de 1890, às 13h30. Ele tem a pele
entre branca e morena, usa um monóculo e possui cabelo liso. É formado em engenharia mecânica
e naval, na Escócia. Sua escrita é caracterizada pelo decadentismo, modernismo, futurismo, niilismo,
intimismo e pessimismo.

Frases de Fernando Pessoa


A seguir, vamos ler algumas frases de Fernando Pessoa, retiradas de seu Livro do desassossego:

 ―Toda a literatura consiste num esforço para tornar a vida real.‖


 ―Viver é ser outro.‖
 ―Nunca houve esta hora, nem esta luz, nem este meu ser.‖
 ―O dia não me promete mais que o dia, e eu sei que ele tem decurso e fim.‖
 ―Já vi tudo, ainda o que nunca vi, nem o que nunca verei.‖
 ―Há sossegos do campo na cidade.‖
 ―E eu hei sempre de sentir, como os grandes malditos, que mais vale pensar que viver.‖
 ―Tudo quanto tenho buscado na vida, eu mesmo o deixei por buscar.‖
 ―Vista de perto, toda a gente é monotonamente diversa.‖
 ―Há metáforas que são mais reais do que a gente que anda na rua.

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Analisando os vários heterônimos de Fernando


Pessoa
Fernando Pessoa é um dos maiores nomes da Literatura Portuguesa. A heteronímia é um dos grandes marcos
de sua obra.

. O perfil heteronímico de Fernando Pessoa, um dos maiores escritores da literatura em língua portuguesa,
não se trata apenas de meros pseudônimos, mas sim do fenômeno relacionado com o vários
desdobramentos do “eu” poético, transformando-se em outros ―eus‖, todos dotados de biografia, produção
e visão ideológica própria. Por se tratar de uma tendência marcante e inovadora, o poeta fez questão de
tornar públicos os motivos pelos quais adotou tal personalidade, como bem nos revela os trechos transcritos
na carta endereçada a seu amigo e crítico literário Adolfo Casais Monteiro, datada de 13 de janeiro de 1935,
na qual ressalta:

"Passo agora a responder à sua pergunta sobre a gênese dos meus heterônimos.
Vou ver se consigo responder-lhe completamente. Começo pela parte psiquiátrica.
A origem dos meus heterônimos é o fundo traço de histeria que existe em mim. Não
sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais propriamente, um histero-
neurastênico. Tendo para esta segunda hipótese, porque há em mim fenômenos de
abulia que a histeria, propriamente dita, não enquadra no registro dos seus
sintomas. Seja como for, a origem mental dos meus heterônimos está na minha
tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. [...]"
Heterônimos de Fernando Pessoa
Os heterônimos criados por esse ilustríssimo autor foram: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo
Reis e Bernardo Soares. Estudos apontam que tal fato encontra-se arraigado ao contexto histórico que
demarcava o solo lusitano, caracterizado pelo clima de instabilidade interna. Convivendo em meio a
sucessivas greves associadas à eclosão da Primeira Guerra Mundial e à necessidade de defender as colônias
ultramarinas, o povo português manifestou seu profundo sentimentalismo, marcado pelo saudosismo em
decorrência da lembrança das antigas glórias marítimas e pela lamentação pelo desconcerto que dominou o
país após o desaparecimento de D. Sebastião.

Esses fatores contribuíram para a manifestação da pluralidade existente na personalidade de Fernando


Pessoa ao revelar os múltiplos aspectos dos quais se perfaz o mundo moderno. Ao partirmos desse
pressuposto, entendemos que os heterônimos figuravam-se como verdadeiras ―máscaras‖ – subsídios
utilizados pelo poeta com o objetivo de se esconder para só assim se revelar, em uma tentativa de investigar
a realidade misteriosa e a consequente relação com o indivíduo que a insere.

Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis estão entre os heterônimos de Pessoa.
O Livro do desassossego é assinado por Bernardo Soares

Vamos conhecer melhor os heterônimos que marcaram a obra desse grande poeta.

Alberto Caeiro - De acordo com a biografia instituída por Fernando Pessoa, Alberto Caeiro era
órfão e vivia com uma tia no campo, por isso, só recebeu a instrução primária. Autor de uma poesia
aparentemente caracterizada pela simplicidade, no fundo ,mostra-se norteada por uma intensa complexidade
filosófica, visto que o poeta nega tudo que esteja aquém da percepção sensível. Em função de tal
posicionamento, demonstra todo seu empenho em impedir que o pensamento racional dificulte o contato
direto com a natureza.
Antimetafísico, Caeiro supervalorizava as emoções com poemas marcados pela integração com a natureza.
Para tanto, emprega um vocabulário simples, próximo da oralidade, com versos brancos e livres.
Apresentando-se como rústico e ingênuo, considera que o verdadeiro conhecimento é aquele oriundo das
forças sensitivas, pois acredita que a racionalidade preconizada pela ciência acaba por destituir a
naturalidade humana, ao criar mistérios que na verdade não existem. Tais pressupostos pedem ser conferidos
em O guardador de rebanhos:

Eu nunca guardei rebanhos,


Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr do Sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
É se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.
Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.
Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.
E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do Sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.
[...]

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Ricardo Reis
Poeta clássico, com serenidade epicurista, Ricardo Reis utilizava estrofes regulares e versos brancos —
com metáforas, eufemismos e comparações — para tratar da relatividade e da fugacidade de todas as coisas
e elogiar a vida no campo

Anjos ou Deuses
Anjos ou deuses, sempre nós tivemos,
A visão perturbada de que acima
De nós e compelindo-nos
Agem outras presenças.
Como acima dos gados que há nos campos
O nosso esforço, que eles não compreendem,
Os coage e obriga
E eles não nos percebem,
Nossa vontade e o nosso pensamento
São as mãos pelas quais outros nos guiam
Para onde eles querem E nós não desejamos.

Álvaro de Campos
Engenheiro naval formado na Escócia, Álvaro de Campos se mostra como um futurista, demonstrando sua
sensibilidade poética arraigada no presente e no futuro, sendo que aquele aparece em menor instância, quase
sempre camuflado no saudosismo dos tempos de criança.
Um dos heterônimos mais conhecidos do poeta, é considerado o alter-ego de Fernando Pessoa. Com versos
longos e livres, repletos de anáforas, onomatopeias e aliterações, o universo simbólico desse autor tinha
como temas a solidão, o cansaço existencial e a civilização mecânica-industrial.
Digamos que semelhantemente a Alberto Caeiro e Ricardo Reis, o poeta em questão também cultua as
sensações, no entanto, estas resultam do contato com a modernidade, promovido pelo barulho dos
automóveis, das máquinas a vapor, enfim, pelo crescimento industrial. Fatores responsáveis pelo instaurar
de um sentimento de angústia e perplexidade - mediante tais avanços -, os quais resultam numa criação de
cunho existencialista. Como nos revela a seguinte criação:
Tabacaria

Não sou nada.


Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,


Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.


Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.


Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
[...]
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Por que o poeta Fernando Pessoa é tão estudado?


Fernando Pessoa é um nome muito presente em provas de vestibular. O autor português é uma das figuras
mais enigmáticas da literatura mundial e é considerado a personalidade literária europeia mais complexa do
século XX. O escritor introduziu o modernismo em Portugal e é visto como um dos símbolos da cultura
desse país.
Uma das características mais intrigantes de Fernando Pessoa era o fato de ele fazer o uso de heterônimos —
nome de autores fictícios que tinham personalidade própria para assinar a sua produção literária. O autor,
além de poemas, escreveu ensaios, peças de teatro, novelas policiais, críticas literárias e também se dedicou
à astrologia e ao jornalismo.

Biografia
O escritor nasceu em 13 de junho de 1888, viveu no final do século XIX até o início do século XX, um
período de constantes transformações. O período foi marcado pela 1ª Guerra Mundial, além de descobertas
tecnológicas, como a eletricidade; científicas, como as teorias da Relatividade de Einstein e da Psicanálise
de Freud; e pelo surgimento de novas expressões artísticas, como o cinema.
Fernando Pessoa faleceu em 1935, em Lisboa, cidade onde passou a maior parte de sua vida. O único lugar
em que morou fora da capital portuguesa foi a África do Sul, onde passou 9 anos de sua infância e
juventude, recebendo uma educação tradicional inglesa.
A timidez é reflexo de sua triste história pessoal. Com cinco anos de idade, perdeu seu pai com tuberculose
e, quase uma década depois, também faleceram duas de suas irmãs, ainda crianças.
Quando retornou à Portugal, Pessoa dedicou-se, na Biblioteca Nacional de Lisboa, aos estudos de Filosofia,
Religião, Sociologia e Literatura, especialmente a portuguesa. O autor ganhava dinheiro fazendo traduções e
redigindo cartas em inglês e francês para empresas portuguesas com negócios no exterior.)
Embora solitário, com uma vida social limitada, Fernando Pessoa foi um líder do movimento modernista em
Portugal, exercendo a sua influência por meio da escrita. O autor, inclusive, criou movimentos como o
Interseccionismo, de inspiração cubista, e o Sensacionismo, de expressão semifuturista.
Com os escritores Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros, Pessoa fundou a revista Orpheu em 1915.
Esse projeto marcou o início do Modernismo português e teve impacto literário nas gerações posteriores. O
movimento português acabou servindo de referência para o Modernismo no Brasil.
Com um pensamento crítico e contestador, o movimento artístico questionava as convenções literárias
tradicionais, como a métrica e as rimas em poemas. O movimento pregava um distanciamento do
sentimentalismo e se aproximava da originalidade e da excentricidade.
Os modernistas passaram a valorizar a linguagem cotidiana em contraposição à norma-padrão. A escrita
moderna é rápida e dinâmica, em um diálogo aberto com as transformações tecnológicas da época.

As personalidades literárias de Fernando Pessoa


Como citado, a principal característica da obra de Fernando Pessoa é o uso de heterônimos (autores fictícios
e com personalidade, biografia e estilo particulares).

Fernando Pessoa, ainda em vida, publicou apenas 4 livros, somente um em português. O restante de sua obra
literária foi publicado em revistas e depois organizado para publicação em livros depois da sua morte. Além
de seu próprio nome, escreveu sob dezenas de outros, que somavam mais de 70. Os mais lembrados — e que
mais caem em vestibular — são Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro.

1. Álvaro de Campos

Um dos heterônimos mais conhecidos do poeta, é considerado o alter-ego de Fernando Pessoa. Com versos
longos e livres, repletos de anáforas, onomatopeias e aliterações, o universo simbólico desse autor tinha
como temas a solidão, o cansaço existencial e a civilização mecânica-industrial.

2. Ricardo Reis

Poeta clássico, com serenidade epicurista, Ricardo Reis utilizava estrofes regulares e versos brancos — com
metáforas, eufemismos e comparações — para tratar da relatividade e da fugacidade de todas as coisas e
elogiar a vida no campo.

3. Alberto Caeiro

Antimetafísico, Caeiro supervalorizava as emoções com poemas marcados pela integração com a natureza.
Para tanto, emprega um vocabulário simples, próximo da oralidade, com versos brancos e livres.

Fonte: Casa Fernando Pessoa, Jornal Público,

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