O avô João finalmente reencontrou-se com seu neto Rui após meses de confinamento devido à pandemia. Embora não pudessem se abraçar, João contou para Rui uma história de amor que se passou durante uma epidemia de cólera no passado, para comparar como as medidas de distanciamento social eram semelhantes. No final, avô e neto não resistiram a um abraço.
O avô João finalmente reencontrou-se com seu neto Rui após meses de confinamento devido à pandemia. Embora não pudessem se abraçar, João contou para Rui uma história de amor que se passou durante uma epidemia de cólera no passado, para comparar como as medidas de distanciamento social eram semelhantes. No final, avô e neto não resistiram a um abraço.
O avô João finalmente reencontrou-se com seu neto Rui após meses de confinamento devido à pandemia. Embora não pudessem se abraçar, João contou para Rui uma história de amor que se passou durante uma epidemia de cólera no passado, para comparar como as medidas de distanciamento social eram semelhantes. No final, avô e neto não resistiram a um abraço.
com Rui, o seu neto preferido. Viúvo, João esteve confinado em sua casa, visitado diariamente pela filha que, de luvas e máscara, o proveu de quase tudo – comida, gel desinfetante, palavras de alento. Uma vez por dia, falavam-se por telefone. João aproveitou para ler e sobretudo, reler várias obras que lhe haviam povoado a imaginação na juventude. Meditou. Riu e chorou sozinho. Sofreu saudades dos netos e das estórias que contava a Rui – a do João Ratão e a da Carochinha, a do João Pé de Feijão, tantas e tantas. O miúdo, 8 anos espevitados, ia insistindo. “Avô! Quando é que vens cá a casa?” O dia chegou esta semana. A mãe, cautelosa, avisa antes. “Pai! Não há abraços nem beijinhos!” Durante também é industriado. “Não vais para o colo do avô!” Ao primeiro contacto visual, avô e neto hesitam. Aguentam as distâncias. Rui abre-se num sorriso. “Avô! Conta-me uma estória!” João sente vontade de o abraçar e de o sentar no colo. “Rui! Hoje vou-te contar a estória do Florentino e da Firmina!” Rui arregala os olhos. “Essa nunca me contaste!” João aclara a garganta. “Era uma vez… há muitos, muitos anos… um rapaz que se chamava Florentino! Era uma espécie de carteiro. Entregava o correio ao senhor Lorenzo, que era o pai de uma menina muito bonita chamada Firmina!” Rui ri-se. “Mas que nomes tão esquisitos!” João explica que são nomes antigos e que a estória se passou muito longe de Portugal, lá na América do Sul. “Florentino, mal viu Firmina, apaixonou-se logo por ela!” Rui aconchega-se à almofada do sofá. “Começaram a escrever muitas cartas um ao outro, sem o pai dela saber!” Rui embrenha-se no enredo. “Nunca deram nem um beijinho, mas um dia Florentino escreveu à menina a pedir que casasse com ele!” “E depois?” Depois, aconteceu uma chatice!” O pai dele soube do romance, não gostou e obrigou a menina a casar com um doutor chamado Juvenal, que era médico e sabia muito bem tratar uma doença muito perigosa, chamada cólera!” Rui agita-se. “Era assim como a Covid? Tinham todos de andar de máscara?” João suspira. “Era uma doença que matava muita gente! Se houvesse máscaras também não ajudavam grande coisa…” Rui está lançado. “E por causa dessa cólera não podiam dar-se abraços nem beijinhos?” João finta a pergunta. “Muitos davam às escondidas…” Rui sorria. “João medindo as palavras, acaba de contar a estória. Explica que Florentino ficou muito triste, mas nunca se esqueceu de Firmina. “Burilando pormenores, João avança e conclui. “O doutor morreu e Florentino e Firmina acabaram por ficar namorados e juntos para toda a vida!” Rui abre os braços. “E já eram velhinhos?” Muito sério, João suspira. “Eram! Tinham-se passado 53 anos, 4 meses e 11 dias desde que o Florentino viu Firmina pela primeira vez!” Rui bate palmas. “Ó avô! Foste tu quem inventaste esta estória?” João sorri. “Não. Foi um senhor chamado Gabriel García Márquez!” Avô e neto olham-se nos olhos. Num repente, Rui salta para o colo do avô. João não resiste a um abraço bem apertado. E sussurra. “Não digas nada à tua mãe!” Victor Bandarra Rosa-Dos-Ventos, Maio, 2021, Ano 52, Nº 569, Santa Casa da Misericórdia do Porto, CPAC, Edições Braille.