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Aula 9: Reações Heterogêneas III

Prof. Gabriel de Castro Fonseca (DQBIO/UFSJ)


Projeto de Biorreatores

Contextualização

Qual é a velocidade de re- Conforme discutimos nas últimas aulas, existem algu-
ação aparente em uma re- mas complicações na determinação da velocidade de
ação heterogênea? uma biorreação heterogênea, uma vez que a reação
propriamente dita pode ser limitada por efeitos de
transferência de massa.

O substrato da biorreação se difunde ao longo de


um sólido formando um perfil de concentração, o que
significa que as velocidades de reação variam conforme
a posição no catalisador.

A taxa com que o substrato reage em um determi-


nado ponto em função da concentração de substrato
local é chamada de velocidade verdadeira ou veloci-
dade intrínseca de reação.

A medida da taxa de reação intrínseca é compli-


cada e, além disso, provavelmente estaremos mais
interessados nos efeitos macroscópicos da reação.
Assim, a velocidade efetiva que a reação tem ao longo
do catalisador sólido como um todo é chamada de
velocidade observada ou velocidade aparente. Este
será o tema da aula de hoje.

Taxa de reação aparente

Como se calcula a veloci- Em um reator de tanque de mistura perfeita em estado


dade de reação aparente? estacionário, o balanço molar de uma reação homogê-
nea poderia ser escrito como

v(CA0 − CA ) + rA V = 0 (1)

Onde todos as variáveis são constantes no tempo e no


espaço. Em uma reação heterogênea, porém, a velo-
cidade de reação varia ao longo do volume, de maneira
que não é possível simplesmente multiplicar rA · V como
se fossem dois valores constantes. É preciso integrar a
velocidade de reação ao longo do volume. Definimos a
velocidade de reação aparente (rA0 ) como a velocidade
de uma reação homogênea que seria equivalente à ve-
locidade da reação heterogênea observada
Z Vcat
1
rA0 = rA dV (2)
Vcat 0

1
Figura 1: Balanço molar em uma casca esférica.[1]

Qual seria a velocidade Considere o perfil de concentração para uma reação


aparente, por exemplo, de de primeira ordem ocorrendo ao longo de um catali-
uma reação de primeira sador esférico (Figura 1), que calculamos na aula pas-
ordem em catalisador es- sada (assumindo que o substrato não se esgota antes
férico? de atingir o centro da partícula).

R senh(ar)
CA (r) = CAs (3)
r senh(aR)
q
onde a = Dk1 . A velocidade de reação aparente pode
Ae
ser encontrada integrando-se a velocidade de reação
rA = k1 CA (r) ao longo do volume do catalisador esférico,

$
2π π R
3
rA0 = [k1 CA (r)] · r 2 senθ dr dθ dϕ
4πR3
000
ZR
3
= · 2π · 2 k1 CA (r) · r 2 dr
4πR3 0
ZR
3 R senh(ar) 2
= 3
k1 CAs rdr
R 0 r senh(aR)
ZR
3k1 CAs
= r senh(ar)dr
R2 senh(aR) 0
ZR
3k1 CAs
= rd[cosh(ar)]
aR2 senh(aR) 0

Integrando por partes,


Z ! R
3k1 CAs
rA0

= 2 r cosh(ar) − cosh(ar)dr
aR senh(aR)
0
3k1 CAs 1
 
= 2 R cosh(aR) − senh(aR)
aR senh(aR) a
3k1 CAs
= 2 2 (aR coth(aR) − 1)
a R
 r  r  
3DAe CAs  k1 k1
rA0
  
= 2
R coth R  − 1 (4)
R DAe DAe  

2
O que podemos aprender onde coth(x) é a função cotangente hiperbólica, defi-
com a equação que acaba- nida como
mos de deduzir?
1 cosh(x) ex + e−x
coth(x) = = =
tgh(x) senh(x) ex − e−x

Embora a velocidade de reação em cada ponto no


interior de uma partícula de catalisador esférico seja
rA (r) = k1 CA (r), a Equação (4) mostra a velocidade de
reação que parece acontecer globalmente dentro da
partícula. A grande diferença entre as duas equações
se deve aos efeitos da transferência de massa.

Existe um termo de comparação entre a velocidade


de reação aparente em uma partícula de catalisador
sólido e a velocidade de uma reação homogênea que
ocorresse no mesmo espaço se ele fosse ocupado ape-
nas por fluido com concentração igual à concentração
na superfície da partícula, CAs . Esse termo é chamado
fator de efetividade interna, ηi .

−rA0
ηi = (5)
−rAs

Para o caso da partícula esférica com reação de pri-


meira ordem, o fator de efetividade seria dado pela ra-
zão entre a Equação (4) e rAs = k1 CAs
 r  r  
3DAe  k1  k1  
ηi1 = R coth R
  − 1 (6)
k1 R2  DAe DAe  
q
Observe como o termo R Dk1 aparece repetidamente
Ae
vezes na equação. É conveniente representá-lo por um
novo símbolo

1
ηi1 = [3φ1 coth(3φ1 ) − 1] (7)
3φ12
q
onde φ1 = R3 Dk1 é conhecido como Módulo de Thiele,
Ae
um número adimensional cuja definição varia com a ci-
nética da reação estudada e com a geometria do pro-
blema. A fórmula geral para o Módulo de Thiele, válida
para qualquer geometria e taxa de reação para reações
com um único reagente é
Z − 1
Vp rAs  CAs  2
φ= √   DAe rA dCA  (8)
Ap 2 CA,eq

onde Vp é o volume da partícula de catalisador, Ap é sua


superfície externa e CA,eq é a concentração de reagente
no equilíbrio químico (zero para reações irreversíveis,
como é o caso da maioria das reações biológicas) e DAe
é a difusividade efetiva do substrato no sistema.

Você não deve se preocupar em saber resolver essa


integral, geralmente o valor do Módulo de Thiele para
uma dada geometria e cinética será dado.

3
Figura 2: Fator de efetividade em função do módulo de Thiele.[2]

Qual é o significado do O Módulo de Thiele tem um significado físico muito


Módulo de Thiele? claro. Seu valor indica o quanto uma reação hete-
rogênea é influenciada pela velocidade intrínseca de
reação ou pela difusão. A Figura 2 mostra uma relação
típica entre fator de efetividade e o Módulo de Thiele,
lembrando que a efetividade tem relação com quão
rápida é a reação heterogênea e o Módulo de Thiele
tem relação com quem é a etapa limitante.

Se φi  1, então ki  DAe , o que significa que a


reação intrínseca é mais lenta que a difusão e portanto
a transferência de massa não é a etapa limitante.
Nesse caso o fator de efetividade é ηi ≈ 1, o que
significa que a a velocidade da reação heterogênea é
quase igual à velocidade da reação homogênea, como
se o catalisador sólido não impusesse dificuldade à
difusão do substrato.

Se φi  1, então ki  DAe , o que significa que a


difusão é mais lenta que a reação intrínseca e portanto
a transferência de massa é a etapa limitante. Como
pode-se observar no gráfico, quando a etapa limitante
é a difusão, a velocidade da reação heterogênea é
consideravelmente menor que a velocidade que seria
atingida em um meio homogêneo, sem influência da
transferência de massa (ηi < 1).

No caso de uma partícula esférica com cinética de


primeira ordem, cujo fator de efetividade é dado pela
Equação (7), quando o módulo de Thiele é muito
grande, coth(φ1 ) ≈ 1 e portanto
r
1 3 DAe
ηi1 ≈ = (9)
φ1 R k1

A velocidade de reação aparente na esfera seria

−rA0 = ηi1 k1 CAs

3p
− rA0 ≈ DAe k1 · CAs (10)
R

4
Figura 3: Fator de efetividade em função do Módulo de Thiele φm
e β para cinética de Michaelis Menten e uma superfície plana.[1]

Outras cinéticas e geometrias

Qual seria a velocidade Vp


Para as geometrias mais comuns, a razão Ap mostrada
aparente de uma reação
que segue a cinética de na Equação (8) e a efetividade interna para reação de
Michaelis-Menten? primeira ordem, valem

Vp
Geometria Ap ηi1 ηi0

Esfera R
3
1 [3φ coth(3φ ) − 1]
1 1 1, se φ0 ≤ 33
3φ12
tanh(φ1 )
Placa plana* b φ1 1, se φ0 ≤ 1

*Onde b é a espessura da placa.

Para cinéticas de ordem zero e primeira ordem,


Cinética −rA φ
V
q
√ p k0
Ordem zero k0 DAe CAs
2Ap
q
Vp k1
Primeira ordem k 1 CA Ap DAe

Conforme discutimos na última aula, a cinética de


Michaelis-Menten se encontra em algum ponto entre or-
dem zero e primeira ordem. O Módulo de Thiele e a efe-
tividade interna para esse caso seriam
!#− 21
Vp
r !"
rmax 1 β
φm = √ 1 + β ln (11)
2Ap DAe CAs 1 + β 1+β

η0 + βηi1
ηim = (12)
1+β
onde β = CKm . Observe que se β = 0, a Equação (12) se
As
torna semelhante à de ordem zero. Se β  1, o Módulo
de Thiele tende ao de primeira ordem. A Figura 3 mos-
tra como o fator de efetividade varia com o Módulo de
Thiele para a uma superfície plana onde ocorre uma re-
ação que obedece à cinética de Michaelis-Menten e com
valores variáveis de β.

5
Figura 4: Fator de efetividade interna em função do módulo de
Thiele observável para geometria esférica e cinéticas de ordem
zero, primeira e Michaelis-Menten.[1]

Módulo de Thiele Observável

E quando os parâmetros A teoria da difusão com reação como mostrada até


intrínsecos de reação não agora depende de conhecermos o perfil de concentra-
forem conhecidos? ção e os parâmetros cinéticos intrínsecos da reação.
Em muitos casos, todavia, seus valores são desconhe-
cidos e de difícil mensuração, particularmente em sis-
temas biológicos. Uma maneira de contornar esse pro-
blema é com a definição de Módulo de Thiele Observá-
vel ou Módulo de Weisz-Prater.

Vp 2 rA0
!
Φ= (13)
Ap DAe CAs

O Módulo de Thiele Observável depende apenas da me-


dida da velocidade de reação aparente, rA0 , dispensando
o conhecimento da velocidade de reação intrínseca.
Para que Φ seja útil, é preciso relacioná-lo ao fator de
efetividade interna ηi . Para qualquer geometria,

Φ0 = 2ηi0 φ02 (14)


Φ1 = ηi1 φ12 (15)
" !#
2 β
Φm = 2ηim φm (1 + β) 1 + ln (16)
1+β

É fácil demonstrar a validade da relação para ci-


rA0
nética de primeira ordem substituindo ηi1 = k1 CAs e
q
V
φ1 = Ap Dk1 .
p Ae

A Figura 4 mostra um gráfico de ηi × Φ para geo-


metria esférica. Note que para definir o valor de β = CKm
As
é preciso conhecer o valor de um parâmetro intrínseco,
o que dificulta a aplicação do módulo observável à
Equação de Michaelis-Menten, mas as cinéticas de
ordem zero e primeira ordem permitem estimar os
limites inferior e superior de ηim .

6
Quando se pode conside- Geralmente considera-se que, para qualquer geome-
rar que há uma etapa li- tria, quando Φ < 0, 3, ηi ≈ 1 e as limitações impostas
mitante para difusão com pela transferência de massa interna são insignificantes.
reação?
Quando Φ > 3, a reação é fortemente limitada pela
difusão. Nesse caso pode-se aproximar
2
ηi0 ≈ (17)
Φ0
1
ηi1 ≈ (18)
Φ1

Para valores intermediários de Φ, ambos os fenômenos


são importantes é preciso analisar o sistema com mais
cuidado.

Este conjunto de regras é conhecido como critério


de Weisz.

Resumo

Taxa de reação aparente e A velocidade de reação observada em uma reação he-


Módulo de Thiele terogênea na verdade é uma combinação de efeitos de
reação intrínseca e transferência de massa. O Módulo
de Thiele é um adimensional que permite relacionar as
influências de cada um desses fatores.

Bibliografia
[1] P.M. Doran. (2013). Bioprocess Engineering Principles. Academic Press. 2a ed., Capítulo 13.
[2] H.S. Fogler. (2004). Elementos de Engenharia das Reações Químicas, 4a ed. Capítulos 11 e 12.

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