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Aula 10: Reações Heterogêneas IV

Prof. Gabriel de Castro Fonseca (DQBIO/UFSJ)


Projeto de Biorreatores

Contextualização

Há outra maneira como Nas últimas aulas discutimos os efeitos da difusão in-
a transferência de massa terna sobre a velocidade de uma reação heterogênea. A
afeta reações heterogê- difusão interna não é a única etapa da transferência de
neas? massa que pode afetar a velocidade aparente de uma
reação heterogênea. A transferência de massa externa
também pode ter uma contribuição significativa.

Transferência de massa externa

Como a transferência de Muitas das equações que desenvolvemos nas últimas


massa externa afeta a re- aulas contêm o termo CAs , que representa a con-
ação? centração de substrato na superfície externa de um
catalisador sólido. Assumimos que esse valor era
conhecido, no entanto isso não é sempre verdade.
Concentrações superficiais são, na verdade, de difícil
mensuração e, por isso, é preciso encontrar meios de
estimá-la a partir de princípios teóricos.

A concentração que costuma ser conhecida é a do


caldo fermentado que permeia o reator, conhecida
como CAb , a concentração do bojo (bulk ) do fluido. Se
os efeitos da transferência de massa externa forem
desprezíveis, CAs = CAb . Se, por outro lado, ela impuser
uma resistência significativa à transferência de massa,
haverá um gradiente de concentração através da
camada limite que envolve a partícula e o valor de CAs
deve ser calculado.

Conforme mostrado há algumas aulas, a taxa de


transferência de massa convectiva através da camada
limite pode ser expressa por

NA = kc ap (CAb − CAs ) (1)

onde NA é a taxa volumétrica de transferência de


massa, kc é o coeficiente de convecção na fase líquida
A
e ap = Vp é a área específica da partícula sólida. No
p
estado estacionário, a taxa de transferência de massa
através da camada limite deve ser igual à taxa de con-
sumo de reagente pelo catalisador, rA0 , assim

Ap
rA0 = kc (CAb − CAs ) (2)
Vp

1
Como medir o efeito da Pode-se escrever a Equação (2) como,
transferência de massa
externa sobre a difusão? CAs
= 1−Ω (3)
CAb
Vp rA0
onde Ω = (4)
Ap kc CAb

O fator Ω é chamado módulo observável de transfe-


rência de massa externa e pode ser usado para avaliar
o valor de CAs . Se Ω ≈ 0, as limitações impostas pela
transferência de massa são desprezíveis. Se, por outro
lado, o valor de Ω for significativo comparado a um,
então a transferência de massa externa não pode ser
desprezada.

Para reações afetadas tanto pela transferência de


massa interna quanto pela externa, pode-se definir um
fator de efetividade total ηT tal que

rA0
ηT = (5)
rAb

onde rA0 é a velocidade de reação aparente e rAb é a ve-


locidade que seria alcançada caso CA = CAb em qual-
quer ponto dentro da partícula. O fator de efetividade
total também pode ser escrito como

r0
! !
rAs
ηT = A = ηi ηe (6)
rAs rAb

onde ηe seria um fator de efetividade externo, indicando


a eficiência da difusão externa.

Para uma reação de primeira ordem, é fácil de-


monstrar que ηe1 = CCAs ≡ 1 − Ω. Ainda considerando
Ab
uma reação de primeira ordem, a Equação (2) ficaria

ηi1 k1 CAs = kc ap (CAb − CAs )

Isolando CAs

kc ap
CAs = CAb
kc ap + ηi1 k1
k c ap
!
rA0 = ηi1 k1 · CAs = ηi1 k1 · CAb
kc ap + ηi1 k1
ηi1
rA0 = η k
k1 CAb (7)
1 + ki1a 1
c p
| {z }
=ηT 1

É possível agora relacionar o módulo observável de


transferência de massa Ω aos fatores de efetividade
para uma reação heterogênea de primeira ordem.
ηT 1 1
ηe1 = = η k
= 1−Ω (8)
ηi1 1 + ki1a 1
c p

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Correlações para transferência de massa sólido-líquido

Como se estima o coefici- Para estudar a transferência de massa externa é


ente de convecção? preciso necessário estimar o valor do coeficiente de
transferência de massa kc de alguma maneira. Esse
parâmetro depende das condições hidrodinâmicas do
reator e propriedades do líquido, como viscosidade,
densidade e difusividade.

A realização de medidas precisas é complexa, es-


pecialmente para partículas em suspensão, contudo
seu valor pode ser estimado a partir de correlações da
literatura. Essas correlações geralmente são expres-
sas em termos dos seguintes grupos adimensionais
seguintes:
dp upL ρL
Número de Reynolds: Rep =
µL
µL
Número de Schmidt: Sc =
ρL DAL
kc dp
Número de Sherwood: Sh =
DAL
gdp3 ρL (ρp − ρL )
Número de Grashof: Gr =
µ2L
onde dp é o diâmetro da partícula, upL é a velocidade da
partícula em relação ao bojo do líquido, ρL e ρp são as
densidades do líquido e da partícula respectivamente,
µL a viscosidade do líquido, DAL é a difusividade do re-
agente através do líquido, g a aceleração da gravidade
e kc é o coeficiente de transferência de massa líquido
sólido.

O número de Sherwood contém o coeficiente de


transferência de massa e representa uma comparação
entre a taxa de transferência de massa total e difusiva
através da camada limite. O número de Schmidt repre-
senta a razão entre a transferência de momento e a
difusividade mássica e o número de Grashof representa
a relação entre forças gravitacionais e forças viscosas
para partículas em suspensão.

Resumo

Transferência de massa Há duas resistências à transferência de massa em re-


total ações heterogêneas, interna e externa. Pode-se definir
um fator de efetividade total relacionando a taxa de re-
ação aparente à concentração de substrato no bojo do
caldo fermentado.

3
Como calcular o número Para partículas sólidas suspensas em tanques agita-
de Sherwood para para dos, a taxa de transferência de massa depende da ve-
partículas em movimento locidade do sólido em relação ao líquido. Isso é cha-
livre? mado velocidade de deslizamento, o que é uma gran-
deza de difícil mensuração e deve ser estimada an-
tes de se poder calcular kc (através do número de
Sherwood). A velocidade de deslizamento pode ser cal-
culada encontrando-se o número de Reynolds, que por
sua vez está correlacionado ao número de Grashof:
Gr
Para Gr < 36 Rep = (9)
18
Para 36 < Gr < 8 × 104 Rep = 0, 153 Gr0,71 (10)
Para 8 × 104 < Gr < 3 × 109 Rep = 0, 174 Gr0,5 (11)

Uma vez que Rep seja conhecido, pode-se calcular o nú-


mero de Sherwood por correlações como
q
Para Rep Sc < 104 Sh = 4 + 1, 21(Rep Sc)0,67 (12)
Para Rep < 103 Sh = 2 + 0, 6 Re0,5
p Sc
0,33
(13)

Como calcular o número O coeficiente de transferência de massa kc em um leito


de Sherwood para partí- depende da velocidade de líquido em torno das partícu-
culas em um leito fixo? las. Para a faixa 10 < Rep < 104 , o número de Sherwood
em leitos fixos pode ser correlacionado por

Sh = 0, 95 Re0,5
p Sc
0,33
(14)

O balanço de massa em um reator de leito fixo em es-


tado estacionário seria uma equação da forma

d2 CAb dC
DAB 2
− u Ab + rA0 = 0 (15)
dz dz
2
O termo DAB ddzC2Ab representa a dispersão axial.
Quando a vazão através do reator é alta, esse termo
em geral pode ser desprezado, o que permite simplificar
a equação. Para uma reação de primeira ordem,

dCAb ηT k1
+ CAb = 0 (16)
dz u
Usando como condição de contorno CAb = CA0 em z = 0,

CAb (z) = CA0 e−ηT k1 τ (17)

onde τ = uz . A efetividade ηT depende do coeficiente


de transferência de massa kc , calculável a partir do nú-
mero de Sherwood, e do fator de efetividade interna,
que pode ser estimado a partir do Módulo de Thiele Ob-
servável. Observe como a Equação (17) é semelhante à
solução para um reator tubular de fluxo pistonado onde
ocorre uma reação de primeira ordem, CA = CA0 e−k1 τ .
Nas circunstâncias certas, pode-se dizer que o PFR é
uma boa aproximação do leito fixo.

4
Minimização de efeitos de transferência de massa

Como aumentar as velo- Para aumentar as velocidades aparentes de reação


cidades aparentes de rea- em bioprocessos, as resistências interna e externa
ção? à transferência de massa devem ser reduzidas ou
eliminadas.

Os efeitos da transferência de massa interna


são eliminados quando o fator de efetividade interna
se aproxima da unidade, o que acontece conforme
 2
V r0
o Módulo de Thiele Observável Φ = Ap D AC é
p Ae As
reduzido. Essa redução pode ser alcançada
(i) diminuindo a velocidade de reação aparente rA0 ;

(ii) diminuindo o tamanho da partícula de catalisador;


(iii) aumentando a difusividade efetiva DAe ;
(iv) aumentando a concentração superficial de subs-
trato CAs .

Paradoxalmente, a redução na velocidade aparente


de reação aumenta a efetividade da transferência de
massa, pois quando o catalisador é muito ativo, gera
grandes gradientes de concentração. Isso significa que
é preferível usar mais partículas de sólido com uma
quantidade menor de biocatalisadores imobilizados em
cada um do que poucas partículas com alta densidade
de biocatalisadores.

Além disso, uma vez que Φ é proporcional ao qua-


drado da dimensão característica da partícula do
catalisador ( R3 para esferas, b para placas planas),
a redução no tamanho do catalisador tem um efeito
mais dramático sobre Φ do que mudanças em qualquer
outra variável.

Os efeitos da transferência de massa  externa


 0
V r
decrescem quando o Módulo Observável Ω = Ap k CA
p c Ab
é reduzido, o que pode ser alcançado

(i) diminuindo a velocidade de reação aparente rA0 ;


(ii) diminuindo o tamanho da partícula de catalisador;
(iii) aumentando o coeficiente de transferência de
massa kc ;

(iv) aumentando a concentração de substrato no bojo


do fluido CAb .
A redução no tamanho do catalisador e aumento no co-
eficiente de transferência de massa reduzem a espes-
sura da camada limite, facilitando o transporte. O au-
mento da velocidade também contribui com o aumento
de kc . Em reatores de larga escala, problemas com a
transferência externa podem ser inevitáveis se veloci-
dades de fluido suficientemente altas não puderem ser
atingidas.

5
Reações heterogêneas em bioprocessos

Que características de re- • Importância da transferência de oxigênio. Em re-


ações heterogêneas são ações aeróbias, devido à baixa solubilidade de ga-
específicas dos bioproces- ses em líquidos é mais provável que a transferên-
sos? cia de oxigênio através do catalisador sólido limite
a reação heterogênea do que o transporte da mai-
oria dos substratos. Em sistemas anaeróbios, o
substrato limitante é mais difícil de identificar.

• Relação entre fator de efetividade interna e gra-


diente de concentração. Dependendo da cinética
da reação, a severidade dos gradientes de con-
centração no interior da partícula podem ser in-
feridos do fator de efetividade interna. Para rea-
ções de primeira ordem, a taxa de reação é direta-
mente proporcional à concentração de substrato,
logo se ηi1 ≈ 1 pode-se concluir que o gradiente é
desprezível e se ηi1 < 1 os gradientes são relevan-
tes. Para reações de ordem zero, porém, não se
pode tirar essa conclusão; pode haver gradientes
relevantes de ηi0 = 1, mas se ηi0 < 1 pode-se con-
cluir que a concentração de substrato cai a zero
antes de atingir o centro do catalisador.
• Importância das resistências interna e externa.
Para catalisadores porosos, via de regra a resis-
tência externa à transferência de massa é despre-
zível a não ser que a resistência interna também
seja um fator relevante. A transferência de massa
externa pode ter um efeito significativo na veloci-
dade aparente de reação se a reação não ocor-
rer no interior da partícula do catalisador, se por
exemplo, os biocatalisadores estiverem aderidos
apenas à superfície externa do sólido.
• Operação de reatores catalíticos. Algumas pro-
priedades da fase sólida são desejáveis na opera-
ção de reatores com células ou enzimas imobili-
zadas. Por exemplo, em reatores de leito fixo, par-
tículas grandes, rígidas e com formato uniforme
contribuem para promover boas condições de es-
coamento e mistura no fluido. Os sólidos em leitos
recheados devem ter resistência mecânica sufici-
ente para suportar seu próprio peso sem se defor-
mar, ou podem bloquear a passagem de fluido.
• Efeitos do produto. O perfil de concentração do
produto em uma partícula de catalisador geral-
mente é o inverso do perfil de substrato. Se os
biocatalisadores forem afetados por inibição pelo
produto, altas concentrações devem ser evitadas.

Bibliografia
[1] P.M. Doran. (2013). Bioprocess Engineering Principles. Academic Press. 2a ed., Capítulo 9 e 8.

[2] H.S. Fogler. (2004). Elementos de Engenharia das Reações Químicas, 4a ed. Capítulos 11 e 12.

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