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Zelosa2 sempre pela glória dos Bem-aventurados, a Igreja, amada pelo Espírito
Santo, e sempre atenta a tudo aquilo que pode contribuir para a salvação dos
fiéis, não contente com propor cada dia algum ou alguns daqueles ditosos
moradores da Celestial Jerusalém como objeto digno de sua veneração, reúne
hoje todos aqueles heróis cristãos, para que, em atenção a tantos e a tão
poderosos intercessores, que são a um tempo Advogados e Modelos, espalhe Deus
sobre nós com maior abundância os tesouros de Sua misericórdia, e todas as
graças, de que havemos necessidade para imitá-los. Consideramo-los como
nossos irmãos, membros todos de um mesmo Corpo Místico debaixo de uma só
Cabeça, e por conseguinte, reputamo-nos igualmente credores à mesma herança,
que eles, enquanto por nossa culpa não perdermos o direito que legitimamente
nos pertencer pelo Batismo.
Eles foram o que nós somos, e algum dia podemos nós sermos o que eles são.
Gemeram como nós neste vale de lágrimas, lugar de aflição e de desterro;
estiveram como nós expostos às mesmas fraquezas, sujeitos às mesmas
tentações; correram os mesmos perigos, toparam nas mesmas dificuldades,
saíram-lhe ao encontro os mesmos estorvos. Pois da mesma sorte que eles, e
pelos mesmos meios, devemos nós superar os embaraços, com igual valor resistir
aos mesmos inimigos, e com a mesma fidelidade corresponder à graça. A glória de
que gozam, e a Bem-aventurança que possuem, merecem o nosso culto e são
objeto digno da nossa nobre ambição. Os seus méritos tão gloriosamente
premiados exigem a nossa veneração, e o muito que podem junto de Deus é
motivo justo para alentar a nossa confiança. Tal o fim que se propôs a Igreja no
geral e solene culto que tributa hoje aos Bem-aventurados e tal o objeto da
presente festividade.
Muito tempo antes de se fixar neste dia a presente festa geral, solenizava-se
dentro do tempo pascal, mas não compreendia mais que a Santíssima Virgem, os
Apóstolos, e os Mártires, cujo glorioso triunfo se celebrava naquele tempo de
regozijo e alegria. Estava destinado o primeiro de Maio para a festa dos Apóstolos,
e outro dia do mesmo mês para a dos Mártires, em cuja festa se colocava a
Santíssima Virgem; mas não se celebrava a Festa de todos os Santos, à qual deu
ocasião de certo modo o famoso Panteão, templo de todos os deuses.
Diz-nos a todos neste dia, que aqueles, cuja celestial sabedoria é objeto da nossa
admiração, cujos méritos celebramos, cujo triunfo aplaudimos, e cuja dita
invejamos, são esses escolhidos de Deus, que foram da nossa mesma idade, sexo,
condição, estado, emprego, e até nascimento.
Não por certo, não chegaram os Santos àquilo que foram precisamente por se
haverem exercitado em obras maravilhosas e singulares. Sem elas podiam ser
Santos, e também podiam com elas não o serem. Quantos predestinados não
terão feito na terra coisa que merecesse admiração! E quantos réprobos fizeram
no mundo ações gloriosas que lhes mereceram os aplausos dos homens ao
mesmo tempo que Deus os condenava! Os Santos foram santos precisamente
porque cumpriram com as obrigações do seu estado; porque souberam
harmonizar os deveres deste com os de sua religião; porque em todas as coisas
preferiram a sua consciência aos interesses mundanos, a Lei de Deus às suas
inclinações, e as máximas do Evangelho às máximas do mundo. São Luís, Santo
Eduardo, Santa Isabel no trono; Santo Izidro lavrador no campo e Santa Blandina
em sua casinha; tantos Santos de uma mesma família, são argumentos
convincentes de que para ninguém é impraticável a virtude, e que nesta vida não
há coisa tão árdua que não traga consigo o meio para a superar. Isto mesmo nos
demonstra hoje palpavelmente a Igreja, pondo-nos à vista tantos milhões de
Santos que efetivamente foram no mundo aquilo mesmo que nós julgamos ser
impossível. Quando nos traz à imaginação aqueles religiosos, aquelas donzelas,
aqueles homens do mundo, aqueles ricos e aqueles pobres, que são objeto desta
solenidade, do nosso culto, diz-nos, como em outro tempo o dizia a si mesmo
Santo Agostinho: Et tu non poteris quod isti et istae? Pois quê, não poderás fazer
tu o que fizeram estes e aquelas? Certamente que nenhum pretexto podemos
alegar, que o não destrua o exemplo dos Santos. Eles tiveram os mesmos
cuidados que nós; padeceram as mesmas tentações, lidaram contra as mesmas
paixões, toparam em iguais embaraços, e não serviram a outro senhor diferente
do que nós servimos; todos temos uma mesma lei, e eles não aspiravam a outra
glória diferente. Muitos dos que nos precederam no estado e no emprego que
temos, foram santos; muitos dos que nos hão de suceder, sê-lo-ão também; que
desgraça, que dor será a nossa, à hora da morte, se não nos aproveitamos de
seus exemplos! Pregam-se hoje nos púlpitos os louvores de Todos os Santos,
chegará porventura algum dia, em que também se preguem os nossos? Mas, se
não chegar este dia, qual será a nossa desditosa sorte?
Ergo agite nunc, fratres, exclama o Venerável Beda, agrediamur iter vitae. Alento,
pois, irmãos meus, empreendamos com esforço e alegria o caminho da vida!
Revertamur ad civitatem celestem, in qua scripti sumus, et cives decreti: Pois o Céu
é nossa pátria, estamos inscritos nele como cidadãos seus; suspiremos por
aquela celestial mansão, e levemos com paciência as amarguras deste desterro.
Na terra somos verdadeiramente hóspedes; consideremo-nos nela como
forasteiros e viajantes, pois que os Santos são nossos compatriotas e algum dia
havemos de ser seus concidadãos.
Nunca nos esqueçamos que somos estrangeiros e peregrinos por ora, mas virá
tempo, em que deixaremos de o ser, passando a fixar-nos na habitação do
Santos, a ser moradores na Casa de Deus, seus herdeiros e co-herdeiros de Jesus
Cristo, contanto que tenhamos parte em seus trabalhos, se queremos participar
da sua glória: Etiam illius haeredes, cohaeredes autem Christi, si tamen
compatimur, ut et conglorificemur. Como será possível que não se dirijam todos os
nossos suspiros e desejos para aquela ditosa cidade? Quid non properamus et
currimus, ut patriam nostram videre, ut parentes salutare possimus? Nela nos está
esperando, dis São Cipriano, uma multidão de amigos e de parentes nossos –
magnus illic nos charorum numerus expectat. Ponhamos os olhos naquela
numerosa Assembleia de nossos irmãos, conhecidos, filhos e amigos, que,
senhores já de sua ditosa sorte, e solícitos da nossa, sem cessar nos estão
convidando a participar da mesma coroa: Fratrum, filiorum frequens nos, et
copiosa turba desiderat jam de sua immortalitate secura, et adhuc de nostra salute
sollicita. Oh! Quanta alegria será a sua, ao vermo-nos todos em uma mesma e
doce companhia! Quanta et illis, et nobis in commune laetitia est! Ali reina o
glorioso Coro dos Apóstolos, ali a multidão dos Profetas; ali o brilhante Exércitos
dos Mártires, distintos com as resplandecentes insígnias de suas ilustres vitórias.
Ali se veem brilhar aquelas Virgens sem número que triunfaram de todo o Inferno
junto; aquelas almas compassivas que socorreram os necessitados; todos aqueles
heróis cristãos que tanto se distinguiram no exercício da mortificação, da
austeridade e da penitência. Sejam, irmãos meus, todos os vossos suspiros,
prossegue o mesmo Padre, por tão ditosa sorte, todos os vossos desejos, toda a
vossa ambição por merecer semelhante recompensa. Ad hos, fratres dilectissimi,
avida cupiditate properemus, et cum his cito esse, ut cito ad Christum venire
contingat, optemus.
II. Os Santos, apesar das suas tribulações, viveram sempre alegres e contentes
nesta vida, porque as consolações, que Deus lhes derramava na alma, tiravam-
lhes todo o sentimento das dores do corpo. Consideremo-los nos cadafalsos e nas
solidões: nestas, derramam lágrimas de consolação, naqueles estão cheios de
alegria no meio dos tormentos. Deus é tão liberal que não quer esperar pela outra
vida para lhes dar a recompensa, recompensa-os ainda nesta.
III. Se foram consolados nesta vida, que para eles era lugar de exílio, de combate
e de sofrimento, de que alegria estarão eles cheios no Céu, que é a sua pátria e o
lugar do seu triunfo! Lá possuem todos os bens, que o coração pode desejar, visto
que possuem a Deus; não estão sujeitos a tribulações, nem a nenhum dos
incômodos, que nesta vida sentiram. Ouçamos o que eles nos dizem: Não pensem
em encontrar caminho mais fácil para chegar ao Céu, do que aquele que
percorremos em seguimento de Jesus cristo. “Não procures neste mundo o que
nenhum santo pode conseguir, o que o próprio Cristo não encontrou”.
Oremos: Deus Onipotente e Eterno, que nos concedeis a graça de honrar numa
única solenidade os merecimentos de Todos os Santos, fazei com que, assistidos
por tão numerosos intercessores, cada vez mais alcancemos, segundo os nossos
desejos, a abundância das vossas graças. Por Nosso Senhor Jesus Cristo…
Amém.
3 Resumida interpretação da Léctio libri Apocalýpsis B. Joánnis Apóstoli, 7, 2-12; na Santa Missa da Festa de Todos
os Santos.
4 “Vida dos Santos – com uma Meditação para cada dia do ano”, pelo Pe. João Estevam Grossez, S.J., Segunda
Parte, 1 de Novembro, pp. 259-260. Edição Portuguesa. “União Gráfica”. Lisboa. 1928.
5 Sap. 3, 1-9.