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A Santa do Silêncio

A Vida Doméstica

CATARINA ZOÉ LABOURÉ nasceu a 2 de Maio de 1806, de uma família de


agricultores abastados, em Fain les Moutiers, em Bourgogne, na França. Seu pai,
quando jovem, acariciava o sonho de tornar-se Sacerdote, interrompendo depois
seus estudos de seminário, talvez pelas dificuldades oriundas da Revolução
Francesa. Sua mãe teve dezessete filhos, ficando vivos onze, entre os quais
Catarina vem em nono lugar. Vê-se aqui que esta família era uma família cristã,
na ordem da natureza, segundo as Leis Divinas.

Quando morreu a mãe, senhora de prendadas virtudes, Catarina – ou melhor


Zoé, como a chamavam em casa – tinha apenas nove anos de idade, e devia
abandonar seus estudos elementares, os quais havia principiado com assistência
da sua mãe. Foi enviada com Tonina, sua irmãzinha menor, para a casa de uma
tia paterna, de onde, depois de dois anos, teve que voltar para o seio da família,
porque neste interim seus irmãos maiores haviam tomado estado. Seu pai
confiou à pequena Zoé a direção da casa. Ela tinha então doze anos de idade.

Não se atemorizou com o peso das responsabilidades domésticas. Ao contrário,


dedicou-se a isto com afinco e uma firmeza verdadeiramente admirável numa
menina de tão pouca idade. Desde então ela se deu ao silêncio. E nesta tão
longa prova, o seu temperamento foi-lhe de grande auxílio: reflexivo, objetivo,
prático, simples, cândido, ingênuo, tímido.

Viveu isolada. Ela não podia dar-se às confidências com seu pai, porque este era
um homem seco, lacônico, ocupando-se assiduamente do trabalho dos campos e
da fazenda. Com Tonina e Augusto, o Benjamim, muito menos, porque, mais
novos do que ela, era preciso poupar-lhes todo aborrecimento, toda
contrariedade.

Viveu isolada, mas seu isolamento foi apenas exterior, pois dentro de si mesma,
ela sentiu sempre, desde então, uma voz que descia do alto: a voz da Virgem que
sua mãe lhe ensinara a amar como Aquela que nunca nos abandona.

Depois da primeira Comunhão, sentiu-se Catarina irresistivelmente atraída para


a vida religiosa. Resolveu fazer-se irmã. Diariamente ia assistir à Santa Missa em
Moutiers-Saint-Jean que distava cerca de três quilômetros de sua casa. Fazia
também diariamente sua meditação na capelinha de sua aldeia natal, ficando
horas inteiras em oração, prostrada sobre o duro pavimento no altar da Madona,
não se descuidando porém, de seus deveres domésticos, (ela mesma despediu a
criada apenas foi-lhe possível fazer sozinha com o auxílio de Tonina os serviços
de casa). Desempenhava-se dos serviços domésticos com diligência irrepreensível
e com grande modéstia, observando regularmente a penitência do jejum nos dias
de sexta-feira e sábado.
Considerando-se a idade e a solidão em que vivia, não se pode negar que tanta
energia e tanta capacidade deveriam ter sua fonte e alimento na presença
invisível de alguém que vigiava sobre ela, protegendo-a e aconselhando-a: a
Virgem. Na infância e juventude, a menina continuava a falar-Lhe, mas não se
contentava em falar-Lhe; queria vê-La, e rezava, rezava, rezava, para que a
Madona, a sua mamãe do Céu, se lhe mostrasse.

O Sonho do Ancião

No correr desses anos, houve um sonho. Zoé sonhou que estava em oração na
capelinha de Fain, sua capelinha predileta; e assistia à Santa Missa celebrada
por um Venerando Sacerdote. Este, no fim da Missa, ter-lhe-ia acenado para
avizinhar-se do altar. Porém, ela, assustada, fugiu sem poder tirar a vista daquela
figura augusta. E dirigiu-se à casa de um enfermo, onde lhe apareceu novamente
a doce figura do Ancião que lhe diz: “Tu me foges agora, mas tempo virá em que
serás feliz de vires a mim. Deus tem seus desígnios a teu respeito”.

Para saber quem seria aquele ancião, deveriam ainda passar-se anos. Quando
Zoé achou sua irmã Tonina com idade e força para substituí-la na direção da
casa, pediu ao pai permissão para ser irmã, recebendo entretanto uma recusa,
com ordem de ir a Paris, para um restaurante de operários dirigido por um de
seus irmãos. Com isto tencionava o pai demover a filha do pensamento da vida
religiosa. Já havia renunciado a uma outra que se tinha feito irmã, e não
desejava absolutamente separar-se de Zoé, sua filha predileta.

De Paris, voltou a Chantillon no Seine. Ao ambiente operário sucedeu o


aristocrático, na pensão muito conhecida de uma sua cunhada, mulher de seu
irmão mais velho, Capitão do Corpo de Polícia, condecorado com medalha de
Santa Helena. Mas como Zoé não hesitou recusar qualquer proposta de
Matrimônio, foi do mesmo modo irremovível na decisão de escolher o estado de
vida que convinha a sua índole, o que lhe pareceu como o fim de suas mais vivas
aspirações.

Visitando o Hospital da Caridade de Chantillon, foi surpreendida no parlatório


por um retrato que lhe sorria, e assemelhava-se ao Ancião aparecido em sonhos.
Este Ancião era o Fundador de duas Comunidades: dos Padres da Missão
(Lazaristas) e das Filhas da Caridade. Era São Vicente de Paulo. Era, portanto,
ele que a chamava a si. E ela, como lhe foi dito em sonhos, foi feliz de
corresponder a este chamado.

O pai, diante da firmeza da filha, terminou por resignar-se, e deu-lhe o


consentimento. Zoé fez imediatamente o postulado, o primeiro período de prova,
no Hospital da Caridade, em Chantillon mesmo, recomeçando os exercícios de
escrita e leitura interrompidos com a morte da mãe, e sendo assistida pela Irmã
Vitória, uma daquelas almas eleitas, que recebeu de Deus a graça da intuição, e
que compreendeu imediatamente que grande tesouro tinha adquirido a
Comunidade com a nova postulante.

Zoé veio finalmente a Paris para a Casa Mãe das Filhas da Caridade, sita à rua do
Bac, 140, no dia 21 de Abril de 1830, entre o alegre bimbalhar dos sinos e o
burburinho da multidão que se apinhava à passagem dos gloriosos restos de São
Vicente, trazidos da Catedral dedicada a Nossa Senhora de Paris, para a
silenciosa casa dos Padres da Missão, à rua de Sèvres.

Zoé, que trocava seu traje de aldeã pelo de noviça das Filhas da Caridade,
chamando-se então Irmã Catarina, estava tão contente pela felicidade da meta
atingida, e sentia-se tão enlevada, que lhe parecia não pisar a terra.

As Aparições

O extraordinário acentua-se logo em sua vida. Até então, ela havia somente
ouvido: escutara a voz do alto. Agora começara também a ver: vê aquilo que nós,
homens terrenos e materialistas, não vemos; ela vê o que é concedido somente
aos bons e aos simples: Vê o coração de São Vicente, nove vezes seguidas, com
diversas cores e significados, durante a solenidade da trasladação das relíquias
do Santo; vê Jesus na Hóstia durante todo o tempo do seu noviciado, salvo as
vezes que julga não ver bem e pensa enganar-se; vê a Cristo-Rei no Santíssimo
Sacramento no dia da Santíssima Trindade. Finalmente, na noite de 18 de para
19 de Julho do mesmo ano de 1830, vigília da festa de São Vicente, a visão das
coisas divinas se faz de um modo mais perfeito e completo. A visão se transforma
em um colóquio direto com a Divindade; e finalmente, é Maria Santíssima mesma
que, depois de tantas orações e tantas invocações ingênuas e candidamente
confiantes, se lhe mostra, maternalmente.

Deu-se naquela tarde às noviças uma instrução sobre a devoção aos Santos e, em
particular, à Santíssima Virgem. Irmã Catarina está ainda toda ansiosa por ver a
sua Mãe do Céu, e tem a certeza absoluta que naquela mesma noite A verá. Tão
grande é seu desejo de A ver que, com dificuldade consegue adormecer. Apenas
adormecia, é despertada pela voz de um menino resplandecente, vestido de
branco que a convida a aprontar-se imediatamente e dirigir-se à capela onde a
espera a Santíssima Virgem. A Irmã segue docilmente o menino, por entre as
luzes que se acendem à sua passagem. A capela estava iluminada com tantas
velas e lâmpadas como se fosse para a Missa de Natal. O menino conserva-se de
pé. A Irmã ajoelha-se além da balaustrada e espera impaciente.

Ouve-se um ruído como de um vestido de seda. Finalmente! É a Madona. Esta


toma lugar numa cadeira, a um canto do altar. Uma doçura indizível invade a
Irmã Catarina. É o momento mais alegre da sua vida.

A Madona lhe fala finalmente em pessoa: fala à Irmã que, arrebatada, pende de
seus lábios, apoiando genuflexa, as mãos sobre seus joelhos, e escuta como deve
se comportar para com seu diretor espiritual, que coisas lhe deve comunicar para
desenvolvimento da Comunidade (a qual a Virgem “quer tanto bem”); e finalmente
lhe fala também a respeito da fundação da Associação das Filhas de Maria. Irmã
Catarina escuta o que a Virgem, chorando, lhe prediz sobra as desgraças que
virão cair sobre a França e o mundo inteiro.

A visita está terminada. A virgem se retira como uma luz que se apaga. Em meio
as velas e luzes acesas, Irmã Catarina volta ao dormitório acompanhada pelo
menino resplandecente. Está radiante de alegria, de amor, de reconhecimento.
Não pôde mais dormir. Perdura em sua alma a certeza de que a sua Mãe do Céu
lhe aparecerá novamente. Não se engana. Dois meses depois, no mês de
Setembro, aparece-lhe de novo a Virgem. E aqui está o 27 de Novembro de 1830.

A Virgem com o Globo

Estando a Irmã a meditar, na capela da rua do Bac, acerca de cinco e meia da


tarde, ajoelhada entre as suas companheiras, ouve outra vez um como ruído de
um vestido de seda, à altura de um quadro de São José, do lado do púlpito.
Levantando os olhos, Irmã Catarina vê Maria Santíssima, à altura daquele
quadro, vestida de branco. Era um vestido de Virgem, mangas lisas, de seda,
branca como a neve. De seus cabelos repartidos ao meio, pendia-lhe um véu
branco até os pés, os quais repousavam sobre uma bola, de que a Irmã não via
mais que a metade. Entre os pés e a bola havia uma serpente esverdeada com
malhas amarelas.

As mãos da Virgem seguravam sem nenhum esforço ou fadiga, uma bola de ouro
que representava o globo, o mundo inteiro, numa atitude suplicante, como se Ela
o oferecesse a Deus, enquanto seus olhos se volviam, ora ao Céu ora à terra, e
seus lábios murmuravam em prece ao Senhor do Universo.

O rosto da Madona era de uma beleza inigualável e indescritível, com uma


expressão de súplica tão extraordinária que a Irmã ficou piedosamente submersa
em uma onda de sentimentos inexprimíveis.

A Virgem Imaculada rezava por todos os homens e por cada um em particular,


rezava por esse pobre mundo, para que Deus tivesse piedade de sua ignorância,
de sua fraqueza, de suas culpas, e que sustentasse o braço Justiça divina irado,
pronto para castiga-lo. Rezava ao Senhor para que desse novamente a Paz ao
mundo.

A Virgem da Medalha Milagrosa. De repente, em consequência daquela oração, o


globo desaparece como por encanto de suas mãos, e seus braços se estendem
para baixo, um pouco abertos, súbito, os dedos da Virgem se cobrem de anéis
recamados de pedras preciosas, cada qual mais bela. Havia-as grandes e
pequenas. Das grandes brotavam raios mais fortes e das pequenas raios mais
fracos, que caiam, alargando-se, de modo que os pés e a meia bola que estavam
em baixo ficavam inundados de modo que não se podia mais vê-los.

Enquanto a Irmã está na contemplação extática da visão dulcíssima que se lhe


manifesta, e do fulgor vivíssimo daqueles raios tão belos, ouve uma voz que diz:
“Esses raios são o símbolo das graças que Eu derramo sobre as pessoas que m’as
pedem”, e ao mesmo tempo dava a entender quanto é belo rezar à Maria, e
quanto Ela é generosa para com aqueles que A invocam, quantas graças concede
a quem lh’as pede e quão feliz é em as conceder.

Diante de tais esplendores, Irmã Catarina continua a contemplar em êxtase, em


um gozo elevado e puríssimo, no qual o seu ser terreno parece desaparecer,
deixando sua alma livre e senhora de si, no seu céu.

E eis que aparece, em redor da Madona, um quadro de forma ovalada, trazendo


no alto, em letras de ouro, estas palavras: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai
por nós que recorremos a Vós”. E a voz continua ainda: “Fazei, fazei cunhar uma
medalha conforme este modelo. Todo aquele que a trouxer ao pescoço receberá
grandes graças. As graças serão abundantes para os que a trouxerem com
confiança”.

Em seguida o quadro aparece como virado, mostrando o reverso da medalha: no


meio o monograma de Maria, composto da letra M encimado de uma cruz e
atravessado por uma barra. Sob a letra M, justapostos um ao outro, os Corações
de Jesus e Maria, o primeiro circundado de uma coroa de espinhos, o segundo
transpassado de uma espada. Ao redor, doze estrelas.

A Medalha Milagrosa

A partir de 27 de Novembro de 1830, vigília do primeiro Domingo do Advento,


data desta aparição, esta repete-se por quatro vezes, no decorrer de um ano. É
esta a data tida nominalmente como a data da aparição da Virgem da Medalha
Milagrosa.

É também a única que se conhece com certeza entre as repetidas aparições.

Como a pequena Zoé entregou-se ao silêncio quando morreu sua mamãe e tomou
silenciosamente em suas mãos a direção da casa, assim também, e com maioria
de razão, sentiu agora a necessidade de observar o silêncio, não somente por
causa de sua reserva e timidez natural, mas porque compreendia que não era
outra coisa do que um instrumento nas mãos da Virgem e portanto, do Senhor, e
que toda a glória e méritos destas graças, deviam reverter aos seus Autores no
Céu, e não a ela a humilde anunciadora disso aos homens.

Dissera-lhe a Virgem que contasse a seu diretor espiritual tudo o que tinha visto.
Assim como a Irmã foi pronta em informa-lo a respeito das aparições passadas,
do mesmo modo o faz agora sobre esta última e importantíssima visão.
Interpretando literalmente o conselho da Virgem e considerando ao mesmo tempo
a sua reserva natural, a Irmã Catarina referiu estes acontecimentos
extraordinários dos quais ela foi testemunha, somente a seu confessor, o Pe.
Aladel. Este, a princípio julgou estas comunicações da Irmã com grande
hostilidade, duvidando serem as mesmas, o fruto da sua imaginação, e tudo fez
por distrair a penitente destes pensamentos. Entretanto, renovando-se estas
aparições e comunicações, foi ele aos poucos mudando de opinião a respeito da
Irmã – sem, todavia, deixa-la perceber isso e mantendo sua prudente atitude até
que, quando da última aparição da Virgem da Medalha Milagrosa, em Setembro
de 1831, ele aprende da Irmã que a Virgem está muito descontente por se
negligenciar de cunhar a Medalha.

Ele não hesitou de participar isto, na primeira ocasião que se apresentou, ao


Arcebispo de Paris, o qual autorizou a cunhagem da Medalha e quis
pessoalmente experimentar a sua eficácia imediatamente, apenas o fabricante
expediu a primeira quantidade de medalhas.

Dirigiu-se, por isso, à residência de um alto Prelado, antigo Arcebispo de Malinas,


então separado da Igreja. Tendo em tempos idos, procurado falar-lhe o Arcebispo
de Paris, o herege recusou-se de recebe-lo cada vez que foi procurado. Desta vez,
chegando à casa do insubmisso, é recebido pelos criados deste, que todavia
informam o patrão desta visita. Este está moribundo. Chamou imediatamente o
Arcebispo de Paris, chorou seus erros e morreu em paz com a Igreja.

É o primeiro milagre da Medalha ao qual se seguem outros, cada vez mais


numerosos, até que finalmente de toda a parte chovem notícias de prodígios e
milagres celebérrimos, sempre em maior número, elevando-se dos corações da
multidão de curados, na alma e no corpo, o brado que proclama a medalha
“Milagrosa”. Não são somente Paris e França, mas também Bélgica, Holanda,
Itália, Espanha, Suíça, Alemanha, Inglaterra.

Incomparavelmente grande é o número dos pobres e deserdados e humildes que a


aclamam. Atesta-o mais do que qualquer outro, o povo espanhol, que ordena que
a invocação à Maria concebida sem pecado seja impressa na Medalha não só em
espanhol, mas em três dialetos. Confirmam-no, as cunhagens sucessivas
realizadas pelo fabricante autorizado.

A primeira edição de 2.000 medalhas esgotou-se em um ano. De 1834 a 1836, a


soma total é de 2.047.000 exemplares, dos quais cerca de 2.000.000, isto é, a
quase totalidade, foram fabricadas de latão, o metal mais ordinário de então, o
que prova que se destinavam ao povo.

Acrescentamos ainda que ao fornecedor oficial associam-se vários outros


fabricantes de quantidades impressionantes sempre de milhões de exemplares,
tanta é a procura e tal a impossibilidade de atende-la o primeiro fornecedor.

É uma chuva de raios celestes, é uma torrente de medalhas que, daquela chuva,
cai sobre a terra, trazendo a cada um que lhe pede com confiança, alegria para os
tristes, virtude para o vício e saúde para os doentes.

Até agora, o mais brilhante desses raios, a mais prodigiosa dessas medalhas,
tocou o coração de um judeu: Afonso Ratisbonne. Inteligente, cético, rico,
mundano, converteu-se à Religião Católica por meio da Medalha Milagrosa.

Afonso Ratisbonne

O judeu parte de Estrasburgo em viagem ao Oriente. Chega a Nápoles. Detesta o


Catolicismo, e não quer ver Roma. Todavia, um dia, enquanto procura
providenciar um lugar até Malta, passa diante da agência das diligências para
Roma, e sente-se como atraído, e parte para a Cidade Eterna. Ali mora um antigo
amigo seu, convertido do Protestantismo ao Catolicismo. Embora não tendo
vontade de vê-lo, finalmente vai encontra-lo. O amigo, contra todas as regras da
civilidade, insiste com Afonso para convencê-lo de trazer ao pescoço a Medalha
Milagrosa. Afonso irrita-se com isso, mas finalmente aquiesce à vontade do
amigo.

Raiou o dia 20 de Janeiro de 1842.

Ratisbonne acompanha seu amigo a Santo André dele Frate, a Via dela Mercede,
no coração de Roma. Devendo o amigo ausentar-se por alguns minutos,
Ratisbonne é deixado sozinho na igreja. De repente, uma luz muito branca jorra
de uma das capelas laterais à esquerda, e, aos olhos atônitos do jovem, aparece
uma Senhora de beleza inigualável. É a mesma que se acha estampada sobre a
Medalha Milagrosa. O judeu, sem saber como e nem por que se precipita a essa
direção, e depois a um sinal dela, prostra-se por terra, tocando o pavimento com
a fronte, por um sentimento de reverência e medo, diante da Majestade da Virgem
Puríssima e considerando o peso insuportável de seus pecados.

Afonso Ratisbonne se converte e faz-se Sacerdote.

O prodígio da visão renovada agora por Maria concebida sem pecado, atingiu
o polo oposto. Ela apareceu primeiro à alma ingenuamente glorificante de
Catarina Labouré, e depois à alma sabidamente insultante de Afonso
Ratisbonne; primeiro à criatura na ordem da Igreja de Cristo, depois à
criatura na desordem da Sinagoga de Javé. Simbolicamente, Maria, por meio
desse prodígio, uniu Javé a Cristo, o Antigo ao Novo Testamento.

Com este fato, Ela confirmou que não há mais que uma só e única Religião,
temporal e eterna.

CONSIDERAÇÕES SOBRE
AS DOUTRINAS EXPOSTAS NAS APARIÇÕES

A Mediação Universal de Maria

Catarina Labouré teve da Madona, em primeiro lugar, a revelação da Imaculada


Conceição, a qual, mais que nos outros detalhes da visão de 27 de Novembro de
1830, é afirmada inequivocamente pela própria Virgem quando nos ensinou a
invocá-lA: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós”.

Está bem claro. Não há lugar aqui para objeções.

De passagem, convém dizer que a Imaculada Conceição de Maria foi revelada a


Catarina Labouré quanto ao seu modo de representação, sendo portanto esta
verdade já conhecida então, e não uma novidade.

A novidade da visão aparecida à Irmã Catarina, consiste nos dois modos


seguintes, assuntos da própria Virgem naquela visão: 1º. A sua intercessão
voltada para Deus, para que se compadeça do mundo (Fase da Virgem com o
globo); 2º. A sua profusão de graças sobre o mundo inteiro (Fase da Medalha
Milagrosa), obtidas por meio da sua intercessão.

Rogar a Deus pelo mundo inteiro e obter dele graças para todos os homens,
revelam-nos um novo aspecto da Virgem – o de Mediadora Universal, como Jesus.

Como Jesus cancelou a culpa de Adão, assim cancelou a culpa de Eva. Jesus é o
Redentor, Maria é a corredentora. Jesus é o Mediador Universal, Maria é a
Mediadora Universal. Cristo é o Rei do Universo, Maria é a Rainha.

A mais importante (do ponto de vista essencial) das duas atitudes da Imaculada
Mediadora é, sem dúvida, aquela, na qual Ela intercede por nós, e não aquela na
qual nos distribui graças. O Coração, a bondade infinitamente materna de Maria
(primeiramente que as graças) são demonstradas pela misericórdia que tem de
nós, não obstante nossos contínuos insultos a Ela, a toda Pura, pelo
desregramento de nossos costumes. Ela reza, suplica, roga, implora igualmente
em nosso favor, apesar de a ofendermos sempre em um de seus divinos atributos,
aquele que, depois da Maternidade divina, Lhe deve ser o mais caro.

Irmã Catarina compreendeu esta significação profundíssima da primeira parte da


visão de 27 de Novembro de 1830, quando a Virgem lhe apareceu com o globo.

Mas na ordem da sua ação relativa a execução fiel da missão que Deus lhe
confiou por intermédio de Maria, a Irmã deu preferência ao conhecimento e à
difusão da Medalha Milagrosa, porque, para nós homens, pobre seres frágeis, são
mais necessárias em primeiro lugar as graças para nos abrir os olhos, para nos
fazer ver, para nos elevar. E o período da afirmação da Medalha Milagrosa se
conclui triunfante com o resultado da investigação canônica ordenada pelo
Arcebispo de Paris em 1836.

Neste ínterim, e mais ainda depois deste resultado, a Irmã (sempre na


obscuridade mas sempre ativa incitadora do próprio confessor, Pe. Aladel) obtém
dois grandes sucessos: a) um tendente a fazer vigorar nas duas Comunidades de
São Vicente a observância perfeita das Regras; b) outro tendente a organizar os
primeiros núcleos da Associação das Filhas de Maria, anunciada e desejada pela
própria Virgem durante o colóquio da noite de 18 de Julho de 1830.

Conseguidos estes dois objetivos, Irmã Catarina entrega-se finalmente de corpo e


alma a sua última missão: a exaltação da Virgem com o globo, isto é, a Virgem no
seu privilégio supremo de Mediadora Universal.

O Altar e a Estátua

A medalha eterniza o ato da Virgem que concede as graças, representadas pelo


feixe de raios que jorram de seus dedos. Agora torna-se necessário perpetuar o
ato da Virgem, que implora do Senhor o poder divino de conceder graças em
nome da pureza.

A partir de 1839, e sobretudo em 1841, Irmã Catarina insiste para que seu
Diretor de consciência faça erigir em um altar, a estátua da Virgem oferecendo o
globo ao Senhor, intercedendo por nós. A estátua deve ser colocada no próprio
lugar, onde a Virgem apareceu.

A estátua é antes de tudo nossa testemunha de gratidão. (E ai, os braços me


caem, diante da fraqueza da expressão da palavra humana, de nossas palavras
classificadas e catalogadas em grossos volumes que são tão incapazes de exprimir
o que é elevado, e o que é profundo, o nobre e o divino que elas nos fazem por
isso, também desejar o dia em que livres de nosso invólucro mortal possamos
agradecer à Santa Virgem, usando das puras palavras do vocabulário angélico). A
compaixão que a Virgem tem por nós é tão grande, é tão sublime, que se a
sentíssemos, mesmo de leve, nosso único agradecimento se exprimiria não por
expressões sonoras, mas por lágrimas silenciosas, sem fim. Há um tal abismo
entre o cume de todas as perfeições sobre o qual ela se sente inigualavelmente
cândida e o fundo do golfo onde rolamos sempre mais baixo, há uma distância
tão imensa que não poderíamos sequer levantar a cabeça para olhá-la. Maria
chora sobre nós que não compreendemos o que perdemos, pecando; que caímos
dessa alegria, nesta tristeza, dessa companhia, nesta solidão, dessa serenidade,
nesta inquietação, dessa auréola, nesta placa de chumbo.

Este pranto é um milagre de bondade. Somente uma mãe pode esquecer assim as
ofensas. A estátua é um ato de reconhecimento. Mas é também uma lembrança,
um exemplo a imitar. Irmã Catarina não quer somente exaltar o amor da Virgem,
mas também seu exemplo. Ela deseja que todos os homens o sintam como ela.
Quando então eles o sentirem como ela, eles sairão do seu entorpecimento,
abrirão os olhos, prestarão atenção, se levantarão. Não serão mais homens
embrutecidos, mas verdadeiramente homens.

Porque os homens estão divididos? É porque não veem senão a si mesmos,


porque sentem apenas o corpo, suas necessidades, suas razões. Assim fazem os
povos, os quais personificam todos os homens de um mesmo corpo político, de
um mesmo país. Os homens têm necessidade de se inspirarem num coração
infinitamente compassivo, que ainda mesmo que ressinta grandemente as
ofensas que lhe são feitas, não procura ressaltá-las, mas está pronto a desculpá-
las como um efeito das condições, das contrariedades, das dores, das
calamidades em que nos achamos; como um efeito sobretudo de nossa
inconsciência, da leviandade, do caráter superficial, da fraqueza que velam nossa
vista.

Há poucos maus, intencionalmente maus, uma porcentagem que no conjunto


pode ser desprezada sem nenhum inconveniente. A maior parte dos homens é
constituída daqueles que ofendem a Deus sem o compreender de modo que se lho
explicamos, eles nos olham surpreendidos, como uma pessoa que cai da lua.
Vivemos todos em nossa casa, como pintinhos nela nascemos e só sentimos o que
nela se passa. Ignoramos o que está no exterior. Mas porque, como pintinhos de
uma mesma mãe, não quebramos com o bico a casca que nos veda a vista?
Porque não saímos para conhecer os outros pintinhos, viver com eles, nos unir
estreitamente a nossa mãe, debaixo de suas asas, na erva fresca dos prados à
sombra dos castanheiros. O milhano (ave de rapina) não nos poderá mais fazer
nem mal nem medo, depois de ter frisado o círculo que marca seu voo para se
precipitar num mergulho ávido de presa.

Não nos escutemos a nós mesmos, por piedade, sigamos o exemplo de nossa Mãe
celeste, heroica e inigualável no esquecimento de Si mesma, atenta somente em
socorrer, em ajudar, em perdoar. Sim. Erijamos-Lhe uma estátua num altar, e
aproximemo-nos deste altar para pedir-Lhe que nos dê a força necessária para
imitá-lA, quando mesmo, isto nos pareça impossível. Ajoelhemo-nos muitas vezes
ao pé deste altar para que Ela nos ajude a esquecer nosso corpo, nossas
necessidades, nossas razões de um dia efêmero que, como o som de nossa voz,
não deixa sinal no ar; e que sua compaixão nos faça sentir que somos todos
irmãos debaixo do mesmo Céu.

O Martírio do Silêncio

Eis por que Irmã Catarina insiste, roga e conjura ao Pe. Aladel para que ele faça
levantar o altar e a estátua para glória da Virgem Medianeira Universal.
O Confessor faz o que pode, disto se ocupa, manda executar desenhos, mas
encontra dificuldades e não consegue. É naturalmente uma pessoa enérgica e de
uma inteligência acima da ordinária, contudo, não foi bem sucedido no
interpretar o sentido da atitude de intercessão da Madona. Esta Virgem do Globo
é uma novidade que ultrapassa seu tempo. Não se pode culpar o Confessor se
não o compreendeu bem. Desta incompreensão vem a grande pena da Irmã que
vê sempre retardar-se o cumprimento total da missão da qual foi encarregada.

Depois de ter insistido, rogado, suplicado, (e sempre com uma medida admirável)
ela baixa a cabeça e espera em silêncio. Ela espera o acontecimento de um fato
extraordinário que permita o remate de sua missão divina. Ao mesmo tempo, ela
que, depois do Seminário, foi enviada ao hospício de Enghien, em Paris mesmo,
passa da cozinha à rouparia, à conservação do galinheiro, à assistência aos
velhos, à portaria. Padre Aladel morre. É substituído por um outro Padre da
Missão, que é igualmente informado pela Irmã de suas aparições. Ele também
nada consegue além de não compreender bem.

Irmã Catarina fala destes fatos extraordinários, exclusivamente com seu


Confessor e somente quando se torna necessário. Suas comunicações verbais e
escritas são muito limitadas – Vive no silêncio. Este silêncio é para ela um
martírio.

A atração que ela tinha, desde a juventude, por este exercício, se aperfeiçoa de
um modo incrível nos seus anos de Comunidade. Irmã Catarina é senhora de si
mesma, a tal ponto, ela sente tanta repugnância de sair de sua reserva, de seu
segredo que durante quarenta e seis anos de vida religiosa, nunca se traiu, nunca
deu a entender por um gesto sequer, ou por uma palavra que era a Irmã
privilegiada das aparições. Ela conseguirá imediatamente, aniquilar totalmente
sua personalidade. Mulher de uma inteligência incontestável, de coração
terníssimo, de uma força superior que jamais a fez hesitar no caminho a seguir,
apesar da rudeza de suas longas provas ela apareceu a todos, sem exceção de seu
Confessor como uma mulher medíocre: fria, apática, de espírito muito ordinário.

Ela tem tanta vigilância, que ninguém a ultrapassa, queria dizer iguala. Fala com
a Virgem e volta para sua cama sem dizer nada a ninguém; ajoelhada no meio
das outras noviças, revê a Virgem e não se mostra sobressaltada, nenhum grito –
imediatamente reprimido – lhe escapa; os anos passam, pouco a pouco
desaparecem as noviças do Seminário de 1830-31 e sabe-se ao mesmo tempo que
a vidente das aparições vive ainda, alguns a suspeitam que seja ela e para lhe
arrancar uma confidência, uma alusão, uma reticência, a submetem à questões
que possam surpreendê-la, a perguntas a queima roupa. Ela se conserva sempre
impassível, com a maior naturalidade do mundo. Durante 46 anos. Sempre. Este
silêncio atinge a uma perfeição tão rara, tão árdua, tão inconcebível pelo nosso
espírito, que acabo de crer que a pureza e a candura da Irmã, deveram
contribuir, em grande parte, ao grau que atingiu e no qual se manteve. Para ela o
extraordinário é tão normal, tão ordinário, tão natural que ela não sente – ou
apenas – o desejo de falar disso a outras pessoas. Como um artista verdadeiro
(isto é, destes que se encontram raramente, que têm verdadeiramente alguma
coisa de novo e de original a dizer), cuja expressão de arte faz tão bem parte de
sua outrem, sendo a arte para ele, um hábito de vida. A natureza, que ele se
espanta quase da admiração da virtude do silêncio da Irmã não consiste somente
em fugir de tudo o que lhe pudesse atrair a atenção, mas antes em não continuar
a insistir junto de seu Confessor, no que não perde a paciência, não deixa
aparecer sua dor pelas demoras que são opostas à ereção do altar e da estátua.
Não esqueçamos nunca que passam 46 anos e quanto mais o tempo corre, mais
se aproxima a morte e mais aumentam os sofrimentos da Irmã que vê pouco a
pouco se dissiparem as probabilidades de sucesso de cumprir toda a sua missão.
É esta data fixa que inexorável, em breve interromperá o curso dos anos; é a data
da morte que preocupa a Irmã. Qual será mais rápida: o curso dos anos ou a fé?
A tenacidade de querer cumprir toda a missão da Madona? Morrerá ela antes ou
depois? Mais o fim da vida se aproxima, (e a Irmã sentia que ela não veria o
começo de 1877) e mais a dor da espera estéril, forçá-la-ia a sair de sua
submissão ao Confessor. Pois trata-se de uma missão divina para sua cara
Madona, que tanto ama e de quem, ela quer fazer conhecer por todos os corações,
este Coração tão heroicamente bom, que só em pensar nele, todos deveriam
imediatamente cessar de se se ofenderem e de se magoarem, que todos deveriam
se amar, amando-O!

Ao contrário, jamais uma palavra. Jamais um desatino. Irmã Catarina nunca


reagiu. Mas, este heroísmo não faz chorar? Mas este silêncio não seria suficiente
para fazer proclamá-la Santa?

Jamais ela fala. Se seu Confessor não compreende bem suas intenções e a
importância de sua realização, todas as insistências do mundo não a abalarão. E
um dia a angústia atinge ao auge. O Confessor que substitui o Pe. Aladel não
pode mais ir ao hospício de Enghien e é por sua vez substituído.

Estamos no começo de Junho de 1876. A Irmã tem diante de si, apenas alguns
meses de vida. Irmã Catarina percebe que esta substituição põe em perigo todo o
edifício pacientemente construído durante tantos anos e o perigo é sem dúvida
iminente porquanto sabe que seu fim está próximo. Ela não depõe as armas. Com
a permissão da Superiora do hospício dos velhos, ela pede ao Superior Geral da
Comunidade, a autorização de não mudar de Confessor. Esta autorização é
evidentemente recusada, não se vendo a razão deste pedido e não podendo ser
vista. Esta recusa é para a Irmã um tão grande golpe que poderia prostrá-la.
Deverá pois morrer antes de cumprir sua missão? Deverá apresentar-se diante da
Virgem sem poder Lhe dizer: cumpri todo o meu dever; sem ter deixado no mundo
a lembrança desta divina bondade suplicante, o pequeno gérmen da árvore
poderosa debaixo de cuja sombra se reunirão finalmente alegres os povos? Irmã
Catarina atingiu neste momento o cimo de sua imolação secreta à Virgem,
Medianeira Universal.

Mas este coração de heroína não se inclinará, diante da violência da provação.


Ela se reanima. E depois de ter pedido conselho à Virgem, ela confia o seu
segredo à Superiora do hospício que, com uma vontade e uma decisão dignas da
empresa, conseguirá fazer executar finalmente a estátua da Virgem com o Globo.
A novidade da estátua será aprovada pelo glorioso Papa Leão XIII. A estátua está
sob a proteção pontifical.
A missão será cumprida, inteiramente. Irmã Catarina declinará rapidamente e
morrerá no dia 31 de Dezembro de 1876, como o raio luminoso de um meteoro
que risca de improviso o céu.

Ela viveu 70 anos no meio de nós. E não percebemos sua luz. A sombra de que
esta luz se cobriu, é única na história.

Setenta anos passaram. É tempo. Isto basta. Que esta sombra se dissipe agora e
que a luz brilhe. Que este silêncio cesse e que a palavra ressoe, para que todo o
mundo a ouça. Universal.

Da augusta Cadeira de Pedro veio o sinal ao mundo proclamando solenemente a


27 de Julho de 1947, que Irmã Catarina Labouré, a filha muito amada de Maria,
é Santa.

Que este sinal seja tomado novamente. Que deste martírio que foi um túmulo,
desta humildade gloriosa, deste silêncio poderoso nasça a eloquência que
conquista os corações e arrasta as multidões. Que de cada ponto da terra por
toda a parte onde está uma casa onde a Imagem da Virgem é honrada, brote um
grito que todo o mundo saia nas ruas. Que o grito se propague e que as ruas se
animem. Que as aclamações crescentes ecoem como o ribombar do trovão: que o
rio humano transborde e transforme-se em maré.

Viva a Virgem, nossa Mãe.

E num pasmo semelhante ao que se apodera da natureza no momento em que o


sol se levanta, quando o trovão se acalmar e que a maré ficar estendida, imóvel,
Ela nos sorrirá nos abençoando, Mãe acima de seus filhos, na paz.

Fonte: G. Gaetano di Sales, “A Santa do Silêncio – Catarina Labouré, a vidente da


Medalha Milagrosa”, traduzido do Italiano, Edizioni Liturgiche Missionarie, Roma,
1947.

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