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O Que Determina o Preço do

Medicamento na Indústria Farmacêutica


Por Egle Leonardi

Os preços dos medicamentos no Brasil estão entre os mais caros do mundo. Os


players desse mercado – fornecedores de insumos, fabricantes, distribuidores e
varejistas - atribuem a culpa à alta tributação desses produtos no País. O pior é
que, grosso modo, quem acaba pagando toda a conta é mesmo o consumidor
final, que arca com todos os impostos que incidem ao longo da cadeia, uma vez
que, no mercado brasileiro, os gastos com remédios não são reembolsados pelo
Estado ou pelos planos de saúde, como ocorre em países desenvolvidos. Bom
lembrar que alguns deles têm alíquota zero sobre os medicamentos, como o
Canadá, México e Reino Unido.

É possível imaginar que um consumidor que necessite de um bem tão


fundamental, como o medicamento, pague cerca de um terço de seu valor em
forma de tributos? No Brasil a carga tributária incidente sobre medicamentos é
absurdamente alta: 33,9% do preço ao consumidor, segundo estudo do Instituto
Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), encomendado pelo Sindicato da
Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma).

“Se a essencialidade do bem fosse realmente considerada, como determina a


Constituição Federal, os medicamentos teriam imposto zero ou muito baixo.
Além do mais, não dá para entender o critério fiscal adotado pelas autoridades
quando taxam os medicamentos em 33,9% e o sal de cozinha, que causa
hipertensão, em 15,1%, ou quando cobram muito menos imposto de itens
supérfluos como artigos de joalheria (20,2%)”, critica o presidente executivo do
Sindusfarma, Nelson Mussolini.

Para ele, taxar ou não os medicamentos é uma decisão política de grande


impacto social e na saúde pública. Países desenvolvidos entenderam há muito
tempo que facilitar o acesso aos medicamentos é uma medida importante em
vários aspectos: reduz e controla a incidência de enfermidades, melhora a
qualidade de vida da população e eleva a produtividade geral da economia,
aumentando a renda das famílias e a riqueza das Nações. “E não menos
importante, reduz os gastos do Estado com internações e tratamentos. É esta
compreensão que falta às autoridades brasileiras”, ressalta Mussolini.

Os impostos que incidem sobre os medicamentos são, basicamente, os


seguintes: ICMS, PIS e Cofins, tributos incidentes sobre a circulação e venda.
Existem outros tributos que incidem sobre as indústrias, sendo computados
indiretamente nos medicamentos. De acordo com Mussolini, segue a lista com
os principais tributos, taxas e contribuições:

- Imposto sobre Importação, incidentes sobre a compra do exterior de


medicamentos ou matérias-primas para a fabricação de medicamentos;
- ISS sobre a prestação de serviços;

- Contribuição Previdenciária, FGTS e outros, sobre a folha de pagamento;

- IOF sobre as operações financeiras;

- IRPJ e CSLL;

- IPVA sobre a frota própria de veículos;

- IPTU sobre os imóveis urbanos próprios;

- Contribuições de melhoria;

- Taxas da Anvisa;

- CIDE – Royalties pela utilização de patentes e licenças internacionais;

- Outras taxas etc.

Regras de tributação

“A Substituição Tributária (ST) tem sido um fator determinante nos preços


agressivos de medicamentos, podendo ser mais que 200% do valor do produto”,
diz o gerente Comercial da Distribuidora Baratela, Jadelson Marvilla. Para ele,
há uma grande discussão de âmbito nacional no que tange às regras de
tributação. Atualmente as farmácias são impedidas pelo Estado de praticar um
preço menor em alguns produtos, por entender que existe o preço máximo ao
consumidor (PMC), aquele índice que antes foi usado na época de Fernando
Collor para garantir o menor preço para o consumidor. “Hoje seu efeito é reverso,
não se pode praticar preços menores para o consumidor devido ao cálculo da
ST ser sobre o PMC e não no preço de custo”.

Ele exemplifica da seguinte maneira: se a farmácia consegue adquirir um


produto que custa R$ 100,00 por R$ 10,00 e o PMC deste produto é R$ 150,00,
ela deverá calcular a ST sobre R$ 150,00 e não sobre R$ 10,00 como deveria.
Sendo assim, o preço do produto fica: R$ 13,00 + R$ 25,50 (ST) = R$ 38,50.
Quem paga essa conta é o consumidor final. Importante salientar que os
produtos veterinários têm encargos menores do que de uso humano (pouco mais
de 13%).

A conta é alta

Mas não são apenas os tributos que compõem o custo dos medicamentos. Claro
que se destacam também o valor da matéria-prima, custos operacionais e os
lucros que incidem em todos os elos dessa corrente. Nesse último quesito, o
critério, obviamente, fica por conta de cada participante dessa cadeia, mas o
reflexo mais visível ao consumidor final recai sobre o varejo, onde a diferença de
preços entre produtos iguais pode chegar a 5.436%, de acordo com a pesquisa
do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado
Farmacêutico, realizada, em 2016, em 342 farmácias de todo o País.
Analisando alguns fatores que atuam direta e indiretamente nessa variação de
preços, o farmacêutico, Ismael Rosa, destaca:

1 - O preço dos genéricos, por força da legislação, deve ser pelo menos 35%
menor do que o preço do produto de referência. A média de mercado atualmente
ultrapassa os 60%;

2 - Maior poder de negociação com os distribuidores e fornecedores, observado


principalmente em farmácias de grandes redes, franqueadas, associadas e
cooperadas;

3 - Contínuo gerenciamento e redução de


estoques, minimizando os custos e
aumentando ainda mais o relacionamento
das grandes redes com os fornecedores,
considerando o seu alto volume de
compras;
4 - Distinta carga tributária entre as regiões do País;

5 - Diferentes posicionamentos de mercado, como liderança por custos - cujas


ações são focadas exclusivamente na prática do menor preço;

6 - Pode-se inferir ainda sobre a venda de medicamentos com a data de validade


próxima do vencimento, concorrência de mercado ou até mesmo possível
sonegação de impostos e venda de carga roubada.

Preço máximo

A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed), é o órgão


interministerial, ligado à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa),
responsável por regular o mercado e estabelecer critérios para a definição e o
ajuste de preços. É a Agência que monitora os preços dos medicamentos que
estão no mercado e auxilia tecnicamente no estabelecimento do preço de novos
medicamentos. Para facilitar a consulta do preço máximo de aquisição de
medicamentos nas farmácias e drogarias, o órgão disponibiliza a Lista de Preços
de Medicamentos, que contempla o Preço Fábrica, que é o preço praticado pelas
empresas produtoras ou importadoras do produto e pelas empresas
distribuidoras. O PF é o máximo permitido para venda a farmácias, drogarias e
para a Administração Pública. Apresenta, também, o PMC, preço máximo
permitido para a venda ao consumidor, e que inclui os impostos incidentes por
Estado.

De modo geral, todos os players desse mercado têm certo controle na formação
dos preços. “As indústrias exercem influência em preços altos, destacando-se
quando há um aumento da carga tributária sobre a produção dos medicamentos,
incluindo insumos e logística. Ocorre também quando há ausência de
concorrência de outras indústrias para determinados medicamentos, como é o
caso dos que ainda estão protegidos por patente ou são únicos no mercado”,
afirma Rosa. Já no papel do varejo nessa análise sobressaem o posicionamento
de mercado voltado para a diferenciação ou enfoque, agregando maior valor nos
serviços prestados; também o custo operacional elevado, inviabilizando a oferta
de descontos; além do menor poder de negociação com os fornecedores na
reposição de estoques.

Em contrapartida, no caso dos preços baixos o papel da indústria é visto na


redução do custo produtivo dos medicamentos; na alta concorrência,
especialmente em se tratando de genéricos e similares; na maior proximidade
com o ponto de venda (PDV), onde obterão um maior retorno do investimento
traduzido em melhores preços; e nos programas de fidelização dos pacientes.
“No varejo, ressaltam-se a alta concorrência, principalmente entre as grandes
redes em que a maioria ainda se posiciona pela liderança por custos; o alto poder
de negociação com os fornecedores; as políticas agressivas de descontos; e as
parcerias com planos de saúde e indústrias farmacêuticas.

Quem perde?

O PMC visa proteger o consumidor, já que ele não pode pagar mais do que o
valor estabelecido por esse indicador, mas e quando o preço é baixo? Rosa
afirma que é importante estar atento a todas as variáveis do mercado: “O usuário
só sairia prejudicado se, porventura, fosse induzido a pagar por um medicamento
de preço baixo, que esteja com o vencimento próximo de expirar, e não
conseguir utilizar todo o medicamento durante este curto prazo de validade”. Por
isso é muito importante realizar pesquisas, esclarecendo-se sobre os descontos
propagados para ter a clara noção da real efetividade deles. Vale também
analisar se a farmácia na qual está adquirindo o medicamento é um
estabelecimento idôneo, legalizado, com farmacêutico presente em tempo
integral.

Para Marvilla, a variação de preço no PDV também ocorre pelo poder de compra,
que determina, juntamente com a indústria, o melhor preço. “As grandes redes
nacionais negociam diretamente com a indústria, por vezes, lotes fechados de
algumas moléculas. É possível ainda que, numa compra, seja antecipado o
depósito para garantia de preço e estoque”, diz ele. No Brasil, há variação de
preços conforme a região e sua cultura comercial, e a lei de oferta e da procura
prevalece na maioria das cidades. “A realidade de São Paulo e Rio de Janeiro
difere das demais cidades do País, principalmente na região nordeste, por se
concentrar a maioria das redes”, lembra ele.

Nem tudo é preço

Independentemente de qual elo dessa corrente esteja sendo analisado, é


iminente o fim do período de diferenciação somente pelo preço e descontos. O
posicionamento pelo valor agregado já é uma realidade no mercado de
medicamentos. “Estamos na era da impessoalidade nas relações, cujo
atendimento está cada vez mais distante do paciente. Qual é a solução?”,
pergunta Rosa, que responde a esta pergunta com indicações ao varejo e à
indústria. Para o varejo, destaca sete itens:

1 – Profissionalizar a gestão de pessoas, incluindo treinamentos e capacitação;

2 - Monitorar constantemente os concorrentes (benchmarking);

3 – Conhecer as reais necessidades do paciente, priorizando as vendas


consultivas;

4 - Entender, qualificar e planejar as estratégias de marketing;

5 - Investir em um layout mais funcional, que venda conforto ao paciente;

6 – Fidelizar o usuário, com base no atendimento personalizado e pós-venda


efetivo;

7 - Investir na capacitação do farmacêutico,


sendo este o agente fundamental no
processo de atenção e prestação de
serviços, ressaltando especialmente o
atendimento clínico, revisão da
farmacoterapia, conciliação de
medicamentos, manejo de problema de
saúde autolimitado e acompanhamento
farmacoterapêutico.
“Para a indústria aponto aqui a aplicação da farmacoeconomia, visando à
otimização do uso de recursos financeiros sem que ocorra prejuízo na qualidade
do tratamento. As análises que podem ser incluídas na farmacoeconomia, para
otimizar o mercado de medicamentos, são a minimização de custo, custo-
benefício, custo-efetividade e custo-utilidade”, aponta Rosa.

Planejamento é o foco da indústria

Segundo o diretor da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa


(Interfarma), Pedro Bernardo, quando uma compra é planejada com
antecedência e em larga escala, permitindo que a indústria planeje e organize a
entrega dos lotes da maneira mais econômica, o medicamento muito
provavelmente chegará ao brasileiro com preços mais atraentes. Por outro lado,
se a compra for de poucas unidades, solicitada com prazos curtos, os custos
tendem a ser maiores.
“No Brasil, existem muitos cenários e variáveis que podem afetar o preço final
do medicamento. Basta olhar para alguns números do setor, que evidenciam as
dimensões e a diversidade do País. São mais de cinco mil cidades, com mais de
65 mil farmácias, abastecidas por aproximadamente mil distribuidores, que
negociam com cerca de 300 indústrias farmacêuticas. Só no varejo, são quase
150 bilhões doses comercializadas anualmente”, lembra ele.

Bernardo afirma que, quando se compara o preço do mesmo medicamento em


municípios distintos e se encontra variações, isso não significa necessariamente
que a indústria está praticando descontos distintos dentro do preço controlado
pela CMED. “Talvez o custo para transporte e armazenamento em um dos casos,
por exemplo, tenha sido muito diferente, forçando o distribuidor a fazer o repasse
para o ponto de venda. Talvez as oscilações do câmbio também tenham
influenciado. Enfim, são muitas as variáveis”, comenta.

Para o farmacêutico e consultor para indústrias farmacêuticas, Pedro Dias, cada


companhia tem a sua estratégia, que é definida de acordo com as expectativas
de seus acionistas, de acordo com sua política comercial. “Culturalmente,
acredita-se que no Brasil os laboratórios apresentam condições comerciais
superiores para alguns players do varejo farmacêutico e, na minha percepção,
isso é um mito. Por isso, acredito que os empresários e futuros empreendedores
desse varejo devem entender melhor seus concorrentes e verificar que
os players estão preocupados em levar experiência de compra a seus clientes e
não apenas preço. Por isso, sugiro criar espaços no PDV e formas de
monetização com ações de trade com seus fornecedores”, finaliza.

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