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07.

COLOCAÇÃO PRONOMINAL
Mozara Rossetto da Silva

Introdução

O pronome, em língua portuguesa, tem definições e aplicações morfológicas,


sintáticas e semânticas, mas sua função basilar é acompanhar ou substituir um
substantivo. Ao acompanhar o substantivo, é chamado de pronome adjetivo e,
quando o substitui, é classificado como pronome substantivo. Essa classe
gramatical é um importante elemento de coesão, pois estabelece as retomadas e
as referências necessárias nos textos, evitando as repetições. São subdivididos em
seis tipos: pessoais, possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos e
relativos.

O uso dos pronomes nos textos


Vamos verificar, no texto a seguir, como são utilizados os diferentes tipos de
pronomes:
Quatro atitudes para combinados eficientes

Atualize os dados cadastrais de SEU filho. Atenção aos horários de entrada e saída. Mantenha
fraldas na mochila para qualquer eventualidade. Inclua trocas de roupa para climas
diferentes. E, por favor, não SE esqueça de olhar a agenda diariamente! QUALQUER
educador de creche e pré-escola reconhece a importância de a família seguir ESSAS
recomendações. Mas repare no seguinte: é enfadonho apresentá-las assim, como um
amontoado de regras prontas.

O que geralmente acontece VOCÊ sabe bem: de um lado, os pais encaram os pedidos como
uma lista de ordens sem sentido. E muitas vezes OS descumprem. De outro, os professores se
exasperam e botam a culpa de TUDO nas "famílias desestruturadas". E a relação já começa o
semestre desgastada, pois as rotinas da creche dependem muito de boa parceria. Se ELA é
frágil, QUEM sofre são os profissionais da escola.

Considere a seguinte provocação: reunir as famílias só para mostrar normas pré-definidas é o


mesmo que impor regras. ISSO não costuma ser muito efetivo. Com algum jogo de cintura,
dá para fazer diferente. A primeira atitude é ouvir o que os pais esperam da escola. Em
seguida, a equipe de educadores pode falar sobre a necessidade de trabalhar em parceria
com a família. É um ponto de partida para um roteiro de combinados QUE alie as demandas
dos pais e as propostas da escola.

Texto adaptado, Revista Nova Escola, julho de 2017.

Perceberam quantas palavras do texto são pronomes e sua proximidade com


os substantivos? Vamos analisá-los:

De início, aparece o pronome possessivo SEU que tem como possuidor o


leitor do texto e como termo possuído o filho ( deste leitor ).
Na sequência, surge o pronome pessoal oblíquo SE, o qual se refere ao leitor
do texto. No segundo parágrafo, é utilizado o pronome pessoal oblíquo OS. Observe
que estes pronomes têm colocações específicas: o SE é escrito entre a negação e o
verbo (“não se esqueça’), e o OS é anterior ao verbo( “muitas vezes os
descumprem”). Isso se dá, pois há uma orientação gramatical que determina este
posicionamento. Iremos, na continuidade deste capítulo, estudar as regras que
determinam essa colocação pronominal.

QUALQUER, TUDO e QUEM são pronomes indefinidos, pois estabelecem


referências vagas, imprecisas ( “qualquer” não determina especificamente um
educador, “tudo” é indeterminado e “quem” refere-se aos profissionais da escola
de modo geral ).

Os pronomes demonstrativos são representados por ESSAS e ISSO que


estabelecem as seguintes referências:

Essas recomendações = as recomendações citadas nos cinco primeiros


períodos do texto.

Isso não costuma.... = a provocação citada no período anterior.


No segundo parágrafo, temos o pronome de tratamento VOCÊ e o pronome
pessoal reto ELA, referindo-se, respectivamente, ao leitor do texto e à parceria.
No final do texto, em “um roteiro de combinados que alie as demandas dos
pais e as propostas da escola”, o QUE destacado é um pronome relativo, o qual
retoma o substantivo antecedente ROTEIRO DE COMBINADOS.

A partir da análise desse pequeno texto, já fica evidenciada a participação e


a importância dos pronomes nas composições orais e escritas. Vamos agora estudar
de forma mais minuciosa alguns detalhes a respeito do uso desse assunto
fundamental da nossa gramática.

Colocação dos pronomes pessoais oblíquos átonos

Os pronomes oblíquos átonos são me, te, o, os, a, as, lhe, lhes, se, nos, vos
e é admitida uma certa liberdade no que se refere à sua colocação em relação ao
verbo, porém, não significa que seja aceitável qualquer tipo de colocação, pois
esse cuidado está diretamente ligado à clareza, à sonoridade, ao ritmo e à
harmonia dos enunciados.
Os pronomes pessoais átonos podem ser dispostos em três posições em
relação ao verbo. Observe os três exemplos:
1- Você não me perguntou se podia sair da sala.

pronome   verbo
2- Dissemos-lhe tudo o que era possível sobre o depoimento.

verbo   pronome

3- Procurá- lo- ei por toda a universidade.

verbo   pronome

Existem três classificações dessa posição em relação ao verbo. São elas:


Próclise - quando o pronome vem colocado antes do verbo ( exemplo 1 );

Ênclise - quando o pronome vem colocado depois do verbo ( exemplo 2 ) e


Mesóclise - quando o pronome vem colocado no meio do verbo ( exemplo 3 ).

Vejamos, a seguir, cada uma delas detalhadamente.

1 PRÓCLISE
Para que o pronome seja anterior ao verbo, ele deve ser precedido de certas
palavras consideradas “atrativas”, tais como:
1. palavras negativas (não, nada, ninguém, nunca, jamais) :

Nunca se sabe o que os avaliadores estão, de fato, ponderando.


Observação: Se houver vírgula depois da palavra negativa, o pronome deve ser
colocado em posição enclítica.
Não, respondeu-lhe a assessora, agora não posso mais aceitar este documento.

2. pronomes relativos (que, onde, cujo, o qual), pronomes indefinidos (alguém,


tudo, muitos), pronomes e advérbios interrogativos ( quem, qual, quantos) e o
numeral “ambos”:
Onde se esconderam as esperanças?

Alguém o chamou às pressas para o encontro.


Ambos se apresentaram assim que ouviram o toque do sinal.

3. advérbios e locuções adverbiais ( agora, bem, já, assim, aqui, então, ainda,
hoje, sempre, às vezes etc):

Aqui se encontram as soluções para os conflitos.


Sempre o deixava em dúvida quando chegava tarde em casa.

Observação: Se houver vírgula após o advérbio ou a locução adverbial , o pronome


deverá ser colocado depois do verbo, em posição enclítica.
Ex: Depois de algum tempo, chamaram-me novamente para os encontros do
conselho.
4. conjunções ou locuções conjuntivas subordinativas ( embora, já que, quando,
para que, desde que) :
Embora se sentisse insegura, continuou o discurso.

5. verbo no gerúndio precedido de partícula atrativa ou da preposição EM:


Em se tratando de entretenimento, há poucas opções na cidade.

6. expressões exclamativas ( quanto, como) :


Como me chamaram a atenção tais apresentações.!

7. orações que exprimem desejo, intenção ( classificadas como orações optativas ):


Espero que se cumpra a cláusula do contrato!

8. conjunções coordenativas correlativas (ou... ou...; quer... quer...; ora...


ora..;já...já..;não só...como/mas também...):

Não só nos deixou horas esperando, como também nos levou ao lugar errado.
9. verbo antecedido de preposição no infinitivo flexionado:

Para que se assemelhe ao funcionário anterior, você terá que trabalhar com muita
seriedade.

10. forma verbal proparoxítona (uma vez que o emprego enclítico produziria uma
desagradável sucessão de muitas sílabas átonas):

Ex: Nós a encontraríamos de qualquer maneira.


11. a partícula “ é que”:

Ex: Só então é que se deu conta da tamanha confusão que havia feito.

Como vimos, são muitas as regras que definem a necessidade de próclise no


uso dos pronomes. Não apenas em frases mais formais e elaboradas é exigido esse
cuidado, mas também nas construções textuais mais populares, tais como letras de
músicas da nossa MPB.

Vejam que interessantes são os exemplos a seguir, todos retirados de


músicas populares brasileiras e que respeitam as regras que estudamos.

Música 1
A força que nunca seca
Intérprete: Vanessa da Mata

Já se pode ver ao longe

A senhora com a lata na cabeça


Equilibrando a lata vesga

Mais do que o corpo dita


Perceba que o uso do advérbio “já” atraiu o pronome “se” para antes do
verbo “pode’ e a construção, de acordo com as regras gramaticais, ficou: Já se
pode ver ao longe.

Música 2

Absurdo
Intérprete:Vanessa da Mata

Tapetes fartos de folhas e flores

O chão do mundo se varre aqui


Essa ideia do natural ser sujo

Do inorgânico não se faz

Vimos que a regra determina que palavras negativas ocasionam a próclise,


portanto, está correto o uso de NÃO SE FAZ.

Música 3
Amor de índio

Intérprete: Ana Carolina

A estrela caiu do céu


O pedido que se pensou

O destino que se cumpriu


De sentir seu calor e ser todo

Nesta estrofe, o pronome relativo “que” atraiu o pronome “se” para antes
dos verbos “pensou’ e “ cumpriu” e , nos dois versos, a construção ficou:
O pedido que se pensou

O destino que se cumpriu

Música 4
Comédia Romântica

Intérprete: Legião Urbana

Você gosta mesmo de mim


Arriscando a me perder assim

Ao me explicar o que eu não quero ouvir

Uma das regras do uso da próclise diz que ela ocorre com verbos no infinitivo
antecedidos de preposição. É o que acontece nos dois versos:
Arriscando a me perder assim

Ao me explicar o que eu não quero ouvir

2 ÊNCLISE
O pronome é posterior ao verbo nas seguintes situações:

1. com períodos iniciados por verbo:


Empreste-lhe o material para que possa realizar a avaliação.

Desculpem-nos o atraso.
Observação: não devemos iniciar uma oração com o pronome oblíquo átono, apesar
de ser recorrente esse uso, na fala, com expressões como: ‘Nos faça o favor de...’;
‘Me passa o suco’; ‘Me diga uma coisa’, dentre outras.

2. com verbos no imperativo afirmativo:


Por favor, diga-me tudo; não esconda a verdade.
3. verbos no gerúndio, precedidos ou não de vírgula, desde que não esteja
antecedido da preposição EM ou de palavra atrativa, pois esses são contextos de
próclise, como já vimos:

Saiu, deixando-nos assustados com a notícia.


4. verbos no infinitivo impessoal:

Não posso atendê-lo com estes trajes.


Cale-se agora, pois é mais fácil que arrepender-se mais tarde.

Na música “Amor I Love You” , interpretada por Marisa Monte e Arnaldo Antunes,
há um trecho em que aparecem dois exemplos de ênclise, forma pouco usual para
letras de músicas.

Tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente


Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades
E o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas
Como um corpo ressequido que se estira num banho tépido
Sentia um acréscimo de estima por si mesma
E parecia-lhe que entrava enfim
Numa existência superiormente interessante
onde cada hora tinha o seu encanto diferente

Como você observou, a própria linguagem do poema é mais formal, daí


entende-se a aplicação da ênclise em “dilatava-se’ e ‘parecia-lhe’.

3 MESÓCLISE

O pronome é colocado no meio do verbo nas seguintes condições:


1. verbo no futuro do presente do indicativo ( amarei, chegará, ouviremos,
cantarão etc ) ou no futuro do pretérito do indicativo ( amaria,
chegaria,ouviríamos, cantariam etc).

É também necessário que não haja palavra atrativa, pois isso seria contexto
para o uso da próclise.

Convidar- me- ão para o evento.


Comprovar-se-á com os exames médicos que sua saúde está excelente.

No entanto, com a presença das chamadas PALAVRAS ATRATIVAS , a próclise é a


colocação indicada, independentemente do verbo estar no futuro. Confira:

Jamais se comprovará que sua saúde está excelente. ( o jamais atrai o pronome)
A respeito do uso da mesóclise é importante comentar que, por ser uma
colocação pronominal mais ligada à linguagem erudita, a mesóclise está
praticamente ausente da vida do falante de Língua Portuguesa. Para constatar isso,
basta observar os jornais ( falados e escritos) e as revistas de circulação nacional. É
quase um desafio localizar exemplos de mesóclise nesses meios de comunicação.
Isso ocorre pela determinação de construir textos mais acessíveis ao leitor, mais
próximos da linguagem do cotidiano.

Vamos finalizar nosso estudo sobre colocação pronominal, analisando uma


declaração do professor Luiz Antonio Sacconi, autor de vários livros de gramática
da Língua Portuguesa, a respeito desse tema.
Brasileiro não gosta muito da ênclise (colocação do pronome oblíquo
depois do verbo) nem muito menos da mesóclise (colocação do pronome
oblíquo no meio do verbo). Por outro lado, brasileiro adora a próclise
(colocação do pronome oblíquo antes do verbo). Daí por que até inicia
períodos assim: Me dá um dinheiro aí. Está errado? Longe disso. Para os
portugueses, no entanto, tal colocação é um sacrilégio. Há razões
fonéticas, no entanto, que justificam a nossa colocação. Quando,
portanto, se vislumbra qualquer possibilidade de uso da mesóclise
(somente com o futuro do presente e com o futuro do pretérito), o
brasileiro corre para a próclise. Assim, em vez de escrever: “A vida tornar-
se-ia monótona, se assim fosse”, o brasileiro escreve: “A vida se tornaria
monótona, se assim fosse. Errado? Não, absolutamente certo. A próclise
para nós, brasileiros, estará sempre correta. 

Esse posicionamento é polêmico. Qual é a sua opinião? Como falante, como


estudante da Língua Portuguesa e como futuro profissional que vai transmitir às
novas gerações as estruturas linguísticas do nosso idioma como você considera essa
“flexibilidade” em relação à determinação das regras? Certamente você já estudou
ou ainda estudará disciplinas que tratarão sobre a dualidade entre a gramática
normativa e o efetivo funcionamento da linguagem, e essa reflexão continua
sempre fundamental em nossa prática.

Recapitulando
Neste capítulo, estudamos o uso de uma das mais importantes classes
gramaticais da língua portuguesa: o pronome. Relembramos sua definição e
tipologia e, principalmente, suas possibilidades de colocação em relação ao verbo
de acordo com os preceitos da gramática normativa. Essa colocação pronominal
pode ser anterior ao verbo (próclise), posterior ao verbo (ênclise) ou no meio do
verb (mesóclise). Observamos que, das três colocações, a mesóclise é a menos
utilizada, por ser considerada mais erudita. Finalmente, refletimos sobre o uso
informal e formal dessas estruturas linguísticas, abordando a dualidade entre a
gramática normativa e o efetivo funcionamento da linguagem.

Referências Bibliográficas
CEREJA, Willian. Gramática: Texto, reflexão e uso. São Paulo: Atual Editora, 2004.
CUNHA, Celso, CINTRA, Luís. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de
Janeiro: 3ª ed., Lexikon Informática, 2007.
MESQUITA, Roberto. Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Ática, 2006.

SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática Contemporânea: teoria e prática. São


Paulo, Escala Educacional, 2004.

Atividades
1. Considere o trecho da música A força que nunca seca, de Vanessa da Mata, e
assinale a resposta correta quanto à colocação pronominal.

Já _________ ver ao longe


A senhora com a lata na cabeça

Equilibrando a lata vesga


Mais do que o corpo dita.

a) A lacuna é preenchida com “se pode” – próclise em virtude do advérbio “já”


atrair o pronome.
b) A lacuna é preenchida com “se pode” – próclise em virtude do verbo
“ver”estar no infinitivo.
c) A lacuna é preenchida com “se pode” – próclise em virtude do advérbio
“longe”.
d) A lacuna é preenchida com “pode-se” – ênclise em virtude do verbo
“equilibrando” no gerúndio.
e) A lacuna é preenchida com “pode-se” – ênclise em virtude do pronome de
tratamento “senhora”.

2. Complete, respectivamente, as lacunas da letra Ai que saudades da Amélia com


a devida colocação pronominal.
Às vezes passava fome ao meu lado

E achava bonito não ter o que comer


E quando ______________

Dizia: “Meu filho, o que _______________


(Trecho da música Ai que saudades da Amélia, de Ataulfo Alves e Mário Lago ).

a) me via contrariado – há-se de fazer


b) me via contrariado – se há de fazer

c) me via contrariado – há de fazer-se


d) via-me contrariado – se há de fazer

e) via-me contrariado - há de fazer-se

3. Analise as sentenças a seguir:


I - A noite é sempre fria

Quando não se tem um teto com amor.


II - Esse amor eu tenho mas me esqueço.

III – Esqueço, às vezes, de lhe dar valor.


IV- Saiu, nos deixando assustados com a notícia.

A colocação pronominal está correta em:

a) I e II;
b) I e III;
c) II e III;
d) I, II e III.
e) I, II, III e IV.

4. Complete, respectivamente, as lacunas do trecho com a devida colocação


pronominal.

Entro na loja e peço o produto. A atendente não vacila. ________ para um


computador à sua frente, digita o código do produto e ___________ rapidamente
que o produto está esgotado.
a) Se vira – me informa

b) Se vira – informa a mim


c) Vira-se – me informa

d) Vira-se – informa-me
e) Vira-se – informar-me

5. Indique a alternativa em desacordo com a norma-padrão.

a) Nunca soubemos quem roubava-nos.


b) Pouco se sabe sobre este caso.

c) Que Deus te acompanhe!


d) Agora, acomode-se e durma bem.

e) Em se tratando de conhecimento, podemos contar com ele.

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