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A crítica da economia política marxista à MMT | LavraPalavra https://lavrapalavra.

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A crítica da economia política marxista à MMT |


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Por Salvador López Arnal entrevistando Alfredo Apilánez[1] sobre a Teoria


Monetária Moderna, TMM (em inglês, MMT) (III parte), traduzido por Aline
Recalcatti de Andrade, via Alainet.

Paramos por aqui. Faltava a parte prescritiva da tua exposição.

A parte prescritiva da política econômica se deduz diretamente de tais princípios. A MMT oferece
uma revolução fiscal para conectar o gasto público à economia real e assegurar – dado que o
desemprego é “uma decisão política” – o pleno emprego, absorvendo o desemprego involuntário
gerado pelo déficit da demanda efetiva do setor privado. Wray aponta a chave mágica: “Sempre se
pode fornecer algum orçamento suficiente para a plena utilização de todos os recursos disponíveis
de forma para apoiar o desenvolvimento capital da economia. Podemos usar do ‘golpe de tecla’
para chegar ao pleno emprego”.

Tal abordagem, conclui na proposta política protagonista do movimento: o Emprego Garantido


(GT). Como explica Mitchell: “o pleno emprego e a estabilidade de preços estão no coração da
MMT. Um programa de Emprego Garantido é central para a MMT, é uma ferramenta chave para
ter sob controle a inflação e o desemprego”. Portanto, com o nível correto de gasto público e
impostos, combinado com um programa de Emprego Garantido, os partidários da MMT afirmam,
categoricamente, que pode-se alcançar o pleno emprego com a estabilidade dos preços. Essa
perspectiva representa, obviamente, uma heresia para a ortodoxia neoliberal, que afirma que o
gasto público como criador de emprego é perigosamente inflacionário, e a dívida é um atraso para
futuras gerações, que atrasa o crescimento e a atividade produtiva. Mas precisamente por isso soa
tão atrativo, não?

Sim, mas surgem várias dúvidas. A primeira: a existência de criptomoedas, no


princípio sem regulação do Estado, não refuta o principal da concepção de dinheiro
da MMT?

Neste ponto te diria, Salvador – longe de ser especialista no assunto-, que compartilho bastante a
posição da MMT, muito crítica à esse utopismo monetário, de indícios extremamente reacionários
com ecos de anarcocapitalismo dos nostálgicos do padrão-ouro, desejosos de fechar o Banco
Central e acabar com o dinheiro público. Coisas de excêntricos fetichistas do dinheiro como os
austríacos, no qual o representante mais mediático na Espanha é o infeliz Juan Ramón Rallo.
Inclusive o Fair Coin, a criptomoeda promovida por Eric Duran – o famoso Robin Bank, que
fraudou quase meio milhão de euros ao setor bancário -, exala um forte cheiro de utopismo de

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varinha mágica de raíz proudhoniana que tanto indignava – com razão na minha opinião – a Marx.

Assim, talvez seja útil esclarecer conceitos, que ajudem a limitar a relevância das criptomoedas – e
seu suposto potencial transformador -, resumindo as funções do dinheiro moderno, para compará-
las às que cumprem estas supostas revoluções monetárias.

Continue nisso.

Podemos dividir de modo explicativo as funções do dinheiro em dois campos: a circulação e a


produção. Como meio de circulação, o dinheiro desempenha a função como meio de troca, de
pagamentos, unidade de contabilização e depósito ou reserva de valor – o entesouramento
(retenção de moeda), grande obsessão keynesiana -. Na esfera da produção – o dinheiro-capital,
descrito por Marx, mas ignorado pela ortodoxia e pelos keynesianos -, se transforma em capital
quando avança com o objetivo de obter lucro através da exploração do trabalho. A fonte do lucro é
o mais-valor, que se origina no emprego de trabalhadores assalariados que criam mais-valor novo
no processo de produção, do qual obtêm quando são pagos em forma de salários. A função do
dinheiro como medida de mais-valor é um dos aspectos centrais de uma economia capitalista, e a
chave da conexão entre a construção do dinheiro-dívida do setor bancário – a moeda endógena dos
pós-keynesianos – e o processo de acumulação de capital.

A questão chave então seria: quais dessas funções desempenham as criptomoedas? Pois, tenho que
dizer que praticamente nenhuma. Me baseio a seguir em um texto de Eduardo Garzón, talvez a
referência mais popular da MMT na Espanha, excelente na minha opinião, que enumera as
principais críticas a essa suposta libertação do domínio bancário-estatal, que personificam
utopicamente as criptomoedas.

Parte do inegável atrativo é que as criptomoedas e sua coluna vertebral subjacente, a Blockchain,
permite a pessoa comum realizar transações com seu vizinho, de forma anônima e segura, sem
intermediários. É a moeda perfeita para o libertarianismo econômico: o setor público não interfere
nem na sua criação nem na sua regulamentação, de modo que qualquer pessoa pode levar a cabo
suas transações sem a necessidade de prestar contas à Fazenda ou à Justiça.

E qual a capacidade tem os emissores da bitcoin – se pergunta Garzón, focando na criptomoeda


celebridade – de conseguir que sua moeda seja amplamente utilizada na circulação, como meio de
troca, e nos pagamentos? Muito pouca, tomando em conta que não há, nem sequer, um único
emissor, mas sim que qualquer usuário pode (através de um processo complicado e prolongado)
criar novas bitcoins.

À isto temos que adicionar outra limitação nada insignificante: só se pode criar 21 milhões de
bitcoins. Isso é simplesmente o resultado de um plano isento de sentido econômico, já que uma
economia precisa tanto de moeda como de atividades que se produzam no seu interior, de tal
maneira que o limite é um impulsor da especulação e do absurdo custo da geração de novas
unidades.

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Sim, a cifra limite parece absurda, totalmente arbitrária desde um ponto de vista
econômico… ou inclusive desde qualquer ponto de vista.

Como se fosse pouco, com as debilidades e ameaças de caráter estrutural, se uniu recentemente
outra de caráter conjuntural: a geração de uma bolha especulativa. Hoje em dia, boa parte das
pessoas compra bitcoins para vender a um preço mais caro, fazendo um rápido lucro pelo
caminho. A espiral inflacionária é evidente e já sabemos perfeitamente o que acontece com as
bolhas: em algum momento explodem e todo mecanismo vai por água abaixo.

Ou seja, a suposta panaceia monetária não serve muito menos, devido a sua excepcional
volatilidade, como unidade de conta nem como reserva de valor, duas das funções básicas da
moeda fiduciária respaldada pelo Banco Central.

Existem mais críticas?

Existem. Isso não é tudo: a produção de bitcoins consome uma quantidade exorbitante de energia.
Os modos de criação e funcionamento das criptomoedas são puramente eletrônicos e precisam
utilizar inúmeros computadores no mundo todo, o que supõe um elevadíssimo consumo de
energia. Um desperdício energético de todo modo, tendo em conta que os modos convencionais de
emissão de moeda apenas demandam consumo de energia.

Logo, se a essência da matriz de rentabilidade do capitalismo financeiro é a criação de moeda-


dívida por parte do setor bancário como motor da atividade econômica – a moeda-capital – com o
apoio, em última instância, da emissão de moedas fiduciárias legais por parte do Banco Central, ao
bitcoin e a abundância de criptomoedas não pode esperar um grande futuro além de circuitos
minoritários e inversões especulativas.

Outro assunto é o formidável impacto que as tecnologias digitais estão tendo sobre a atividade
bancária e o surgimento das chamadas fintechs – ágeis startups de pagamentos e empréstimos
digitais – que operam em âmbitos subsidiários da moeda bancária – e não considerados
independentes, como as criptomoedas. E, principalmente, o que veremos é o impacto da irrupção
dos gigantes da tecnologia, com sua vasta base de clientes, sua experiência em coleta de dados e
seus recursos financeiros praticamente ilimitados. Amazon lançou uma conta bancária, Google e
Apple têm sistemas de pagamento que transformam seu telefone em um banco, e o Facebook
provou forte taquicardia nos donos da emissão de moedas com o lançamento de uma nova moeda,
a Libra. Mas essa, como digo, é outra história que está apenas começando.

Talvez possamos falar dessa história em um futuro próximo. Pego a linha de


raciocínio de novo. Quando se fala em Emprego Garantido, sobre o que estamos
falando, exatamente?

Como te falei, se trata da proposta protagonista de política econômica da MMT. Se está bem, dou a
palavra aos porta-vozes da mencionada Red MMT, que explicam sua defesa de pleno emprego
assegurado por um Estado de bem-estar social:

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A prioridade é repensar a política econômica colocando o pleno emprego digno no centro de nossa
agenda política, em conformidade com a legislação expressa em nossas Constituições. O
desemprego só pode ser eliminado através de uma adequada política fiscal expansiva, que combine
o aumento suficiente do gasto público e uma diminuição da taxa fiscal sobre as classes populares e
o tecido produtivo. Dentro desse marco, prevemos um Plano de Emprego de Transição, um
programa permanente de emprego público que irá garantir a todos o acesso a um emprego com
salário superior ao limite da pobreza e com condições dignas.

Sem dúvida parece bom, não?

Parece, de entrada sem dúvida soa bem.

O Estado – transformado em uma espécie de “empregador de última instância” -, sem aumentar os


impostos aos ricos nem aumentar a dívida pública, se encarrega de remunerar o trabalho
diretamente por meio de um pagamento – tomando como referência o salário mínimo – para a
conta bancária do participante do programa de EG, de forma que evita intermediários privados e
tentações ímpias na gestão do dinheiro.

Portanto, os déficits orçamentários do Estado (e o aumento da dívida externa do setor público) não
são – até certo ponto – um problema. Nem precisa dizer que isso tem um irresistível atrativo para
a esquerda reformista como refutação dos dogmas neoliberais que dão base às políticas de
austeridade. Aqui está uma justificativa teórica do gasto público deficitário para alcançar o pleno
emprego sem ter que afetar diretamente o setor capitalista da economia. Inclusive chega a ameaçá-
lo a se ordenar, obrigando-os a subir os salários para não perder seus funcionários. Veja o que diz a
proposta de Emprego Garantido de IU[2] ao respeito: “Os empregadores do setor privado vêm-se
obrigados a oferecer salários iguais ou superiores aos oferecidos no EG – caso contrário, seus
funcionários irão ao EG, que sempre está disponível -, conseguindo assim acabar de fato com todos
os postos de trabalho nos quais não esteja assegurada condições trabalhistas dignas”. O tipo de
empregos financiados diretamente pelo Estado seriam então aqueles não gerados pelo setor
privado, como, por exemplo, os que aparecem nessa lista elaborada por Bill Mitchell: “muitas
atividades socialmente necessárias, incluindo os projetos de renovação urbana e outros programas
ambientais e de construção, a assistência pessoal aos pensionistas e outros programas
comunitários. Por exemplo, os criadores poderiam contribuir para a educação pública como
artistas itinerantes (sic)”.

Torna-se difícil exagerar o idealismo – no sentido estrito do termo, que recorre a tradição
filosófica, como oposto ao materialismo – presente em tais propostas que ignoram as relações de
poder e de produção dominantes sobre a égide do capital. Idealismo que ignora, só como exemplo,
o papel do exército industrial de reserva marxiano na evolução da acumulação de capital e na
desvalorização do preço da força de trabalho. Acrescento a esse ponto a crítica do economista
marxista Michael Roberts, que chega ao ponto: “Desta maneira, a MMT atua como um respaldo do
capitalismo: o Estado é um empregador como último recurso, não o principal empregador. Busca

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compensar (arrumar) os fracassos da produção capitalista, não substitui-la”. Tal concepção está no
oposto da perspectiva marxiana: na teoria de Marx, o desemprego é gerado de modo endógeno
pelo sistema capitalista. Quer dizer, o desemprego é sistêmico e não pode ser eliminado a vontade
por um Estado de bem-estar social.

Concluindo, estando certa a abordagem da MMT, pode-se solucionar o desemprego no capitalismo


sem mudar de maneira significativa as estruturas sociais, através de um Estado transformado no
mágico Deus ex machina que arruma o prejuízo provocado pelo sistema desordenado. Para isso,
bastaria com superar a “déficit-fobia”, criada artificialmente pelo monetarismo neoliberal e pela
ortodoxia neoclássica, e relacionar o gasto público com a criação de empregos. Como pode ver,
peccata minuta.

Você falou das críticas da ortodoxia neoliberal, mas também existem críticas desde
campos muito distantes. Desde o marxismo, por exemplo. Como Rolando Astarita
em a “A MMT e os argumentos monetaristas” (https://rolandoastarita.blog/2019/09
/19/la-tmm-y-los-argumentos-monetaristas/ ), e copio suas palavras finais: “É
necessário então demarcar, particularmente, a teoria marxista das propostas da
MMT. Especialmente porque a direita está empenhada em que todo o ‘heterodoxo’
apareça mais ou menos igual. Ressalto então: Marx ou Engels nunca alegaram que o
valor pudesse ser criado emitindo moedas. Não existe forma de vinculá-los a
semelhante tolice”.

É isso, Salvador. Igual que no caso de Roberts, não posso deixar de aderir à maior parte das críticas
de Astarita que, aliás, tem um dos melhores textos sobre a teoria keynesiana e pós-keynesiana e é
um excelente conhecedor das mesmas. Não somente Astarita – que os qualifica com razão como
curandeiros sociais e feiticeiros monetários -, também outros economistas marxistas como o
mencionado Michael Roberts, Anwar Shaikh ou Michel Husson têm sido críticos com as propostas
reformistas e idealistas da MMT. Não é de estranhar essa reação crítica diante das extravagantes
afirmações pelos seguidores da teoria.

Por que não é estranho?

Na minha opinião, por três motivos fundamentais: sua falta de compreensão – como toda a escola
keynesiana – da dinâmica de fundo e da evolução histórica da acumulação de capital; seu
idealismo, fundamentado na sua concepção do papel do Estado e sua confiança nas regras do jogo
da democracia formal; e, last but not least, sua distorção do papel do desemprego – o exército
industrial de reserva marxiano, como mencionamos antes – nas relações capitalistas de produção e
na relação, substancialmente simbiótica, entre os setores público e privado na dinâmica da
acumulação.

Para não me estender e evitar repetições, dois casos sobre o anterior. Por exemplo, essa proposta
de um novo socialismo (sic), não baseado na propriedade dos meios de produção senão em um
controle da autoridade fiscal, que propõem Estaban Cruz e Parejo Moruno, alterando sem nenhum

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pudor a teoria da exploração marxiana: “a tese sobre a exploração do trabalho aqui apresentada
pode descrever, não como uma consequência da propriedade privada dos meios de produção, mas
antes o controle da moeda em uma economia monetária de produção, que os capitalistas adotam
graças a uma elaboração de umas regras arbitrárias para restringir a ação do Estado”. Quer dizer,
retirando o controle da emissão de moeda dos capitalistas bancários e assumindo o controle do
Estado de bem-estar social temos já o “novo socialismo”. Tudo às mil maravilhas.

E, a respeito do idealismo implícito na concepção do Estado como instrumento para a reforma do


sistema contra a “vontade das classes poderosas”, valem os seguintes apelos, extraídos do mesmo
texto, de libertar o Estado de sua “captura” pelos capitalistas: “A Teoria Monetária Moderna
oferece de alguns sólidos argumentos para realizar efetivamente a ‘reforma crucial’ que defendiam
Kalecki e Kowalik: a imposição contra a vontade das classes poderosas da estabilização do sistema,
abrindo novas perspectivas para o futuro desenvolvimento das forças produtivas (…). Contudo, o
uso efetivo dos mecanismos que dispõe o Estado para a administração da economia se encontram
capturados pelos capitalistas. Os aspectos políticos de pleno emprego, o poder dos interesses
criados, são mais importantes para os capitalistas que os rentáveis efeitos produzidos pela boa
marcha da economia”.

Assim, poderia inclusive ser conciliador e tentar convencer as “classes poderosas” da bondade de
suas propostas para que desistam na sua absurda atividade de resistência à elas. Sua leit motiv de
fundo se trata então de dizer: a austeridade neoliberal gera recessão, desigualdade e dívida
crescentes e é irracional; portanto é uma política que prejudica a todos.. E temos as chaves para
revertê-la! A “reforma crucial” que propõe a MMT consiste então em tomar o Estado das mãos dos
capitalistas que está capturado, para colocá-lo à serviço de uma “estabilização do sistema” através
de um bom uso do monopólio de emissão monetária. Lembram nisso, inclusive desmerecendo-os,
aos antigos socialistas utópicos pré-marxistas. E não dão respostas convincentes a nenhuma das
questões chave sobre as relações de poder realmente existentes sobre a égide da acumulação de
capital.

Como por exemplo…

Como mudar substancialmente o papel do setor bancário privado e dos fundos privados de
investimento, centro nevrálgico da atual matriz de rentabilidade do capitalismo neoliberal,
baseada na hipertrofia do empréstimo pessoal hipotecário e na multiplicação do capital fictício, no
cassino global, para sustentar a maltratada taxa de lucro? Como poderiam coordenar-se
harmoniosamente os dois focos geradores de atividade econômica: o Estado soberano, no qual o
Tesouro estaria integrado com um Banco Central financiador do pleno emprego, através do EG, e o
setor bancário comercial, financiador do investimento privado e das descomunais bolhas de ativos,
cujos interesses – interesse público redistributivo e o voraz lucro privado na esfera especulativa –
são objetivamente contrapostos? Sobre essas “insignificantes” questões, a MMT, para além de
louváveis declarações de boas intenções de combater a especulação e as más práticas dos
depravados tubarões financeiros, fica em silêncio.

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O distinto economista marxista Anwar Shaikh, que desenvolve uma profunda teoria do dinheiro e
da inflação no seu texto “Capitalismo: competição, conflito e crises”, expõe as razões que impedem
que “um sábio e benevolente Estado pode emitir moedas para alcançar o pleno emprego com
inflação moderada”, o pressuposto central da MMT:

“Em primeiro lugar, a MMT ignora os efeitos da taxa de lucro em crescimento, o emprego e a
inflação. Em segundo lugar, desconsidera completamente o conflito de classe entre capital e
trabalho. Em terceiro lugar, ignora a teoria marxista do exército de reserva de trabalho que, no
longo prazo, tende a reduzir os salários. E, por último, omite que o Estado, como empregador de
último recurso, seria uma ameaça para os negócios se pudesse contrariar a disciplina salarial”.

E, por último, gostaria de me referir aos argumentos do economista marxista Xabier Arrizabalo
que, em um recente debate sobre a MMT entre Eduardo Garzón e Mario del Rosal organizado pela
associação Economia Alternativa, lançou uma série de críticas ao idealismo das propostas da MMT
que acredito que resumem todo o anterior:

Não podemos fazer o que queremos, mudando as regras do jogo do capitalismo à vontade, porque
são expressão de relações sociais profundas. A MMT é a negação da economia política que explica
o conflito distributivo entre classes antagônicas. A teoria social não é um pudim, mas tem um
núcleo que, no caso da economia, é como se produz e se distribui o valor criado em uma sociedade
de classes. É absurda a ideia de “livre” condução do Estado, negando que seja uma expressão das
relações de produção. A MMT omite a luta de classes e reduz tudo ao marco institucional,
propondo que se trata somente de alterar a condução.

Tais ilusões lembram nitidamente a “hipótese populista” do primeiro Podemos, popularizada pelo
ilustre Errejón grande especialista “laclauliano”, e baseado na estratégia idealista de autonomia
das estruturas sociopolíticas – do Estado, como espaço destacado -, cuja natureza profunda não se
define e se torna só um produto “relacional”, resultado da articulação de diferentes elementos. Tal
política não tem outro objetivo além de tomar a máquina do Estado para dar um giro nas políticas
do neoliberalismo e usá-lo contra a minoria dirigente – a casta ou as elites que o capturaram -,
para colocá-lo a serviço do povo.

Essas sensatas críticas revelam o “idealismo” da MMT, baseado na sua incapacidade para
incorporar o conflito social em seus provetes financeiros de laboratório e, na minha opinião,
justificam a necessidade, enfatizada por Astarita, de delimitar claramente as abismais diferenças
com o marxismo, que se refletem nas críticas mencionadas. Logo, obriga dar resposta negativa às
perguntas nevrálgicas sobre a viabilidade e o rigor de tais propostas: Refletem de forma realista a
engrenagem profunda da acumulação de capital e sua história recente; em outras palavras,
permitem compreender a marcha do capitalismo e sua lógica de fundo, profundamente predatória
e degenerativa? E, enfim, é útil, para avançar na urgente necessidade de uma transformação social
radical do ameaçador sistema econômico vigente, o projeto de propostas reformistas fictícias de
engenharia financeira implementadas por um Estado de bem-estar social que promovem a ilusão
de avanço sobre um idealizado e irrecuperável capitalismo agradável e redistributivo, com paz

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social e pleno emprego?

Não acho que me equivoco, mas suponho respostas negativas às duas perguntas.

Abusando mais de ti e pensando nos nossos leitores. Em 15 linhas, não te concedo


mais, quais seriam tuas principais críticas, incluindo virtudes se for o caso, da
Teoria Monetária Moderna?

De acordo Salvador, uma parte somente para evitar repetições…

Que às vezes ajudam a fundamentar conceitos e argumentos.

Como acho que já expus as principais críticas nas respostas anteriores, vou me limitar, para
terminar, com as virtudes e vou agregar, se me permite, uma última reflexão crítica de tipo mais
geral.

De acordo, seguimos teu esquema.

Então te faria, de novo me desculpando pela prolixidade – causada pela intenção, não sei se
realizada, de combinar o caráter didático com a argumentação crítica -, uma enumeração resumida
das virtudes da MMT.

Uma correta descrição do funcionamento da geração de moeda-dívida – sem coincidir com a teoria
estatal cartalista da origem do dinheiro, na minha opinião, bastante unilateral – em uma economia
monetária com completa desmaterialização do dinheiro desde o Nixon Shock de 1971. Essa teoria
do dinheiro endógeno – parte essencial da perspetiva pós-keynesiana – explica o papel centro do
setor bancário na criação de bolhas de ativos, através da geração de crédito de “puro ar” diante da
enganosa teoria tradicional da ortodoxia neoclássica, que descreve os bancos como intermediários
financeiros.

E, relacionado ao anterior, uma crítica esmagadora à austeridade neoliberal e ao monetarismo


friedmaniano, revelando seus fundamentos pseudocientíficos e sua conivência com a “música
celestial” da ortodoxia econômica.

Colocar em destaque esse temas, acredito, que já é motivo suficiente – o cortês não remove o
valente – para reconhecer uma relevante contribuição positiva.

Muito justo da tua parte. Gostaria de agregar algo mais, querido Alfredo?

Além de te agradecer de novo pela oportunidade de explicar essas questões e de te felicitar pela
perspicácia das perguntas, simplesmente trataria de resumir, abusando mais uma vez da tua
paciência, o que foi exposto em uma reflexão crítica final.

Não abuse.

O problema principal de propostas como a MMT – e também de outras reformas paliativas como a
renda básica ou o imposto sobre riquezas do Piketty – é que não registram que a degradação desta
sociedade capitalista é estrutural, global, em todos os seus âmbitos, e também, como lugar

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destacado, o estatal. E, portanto, que a emissão de moeda é a encarnação do poder social a serviço
do interesse privado, e não uma ferramenta técnica que, nas mãos de um Estado democrático e
soberano, pode ser colocado a serviço das classes populares.

Assim, se torna ingênuo politicamente e totalmente errôneo pedagogicamente oferecer soluções


“dentro do sistema” para problemas estruturais do capitalismo, como o desemprego ou a pobreza.
O certo é que, apesar de sua aparência de respeitabilidade e pragmatismo, talvez suas disposições
sejam mais utópicas e desnorteadas que a defesa da “socialização do setor bancário e dos meios de
produção”, defendida pelos radicais anti-sistema. Por esse motivo, é necessário se distanciar de
tais vãs ilusões e revelar a falsa miragem dos “reguladores”, crentes em um capitalismo com rosto
humano. Porque essas ilusões, baseadas em fazer retornar o “gênio mal para a garrafa”, não são
somente vazias, são também, infelizmente, pedagogia popular ruim e representam, portanto,
obstáculos para o surgimento de movimentos e lutas verdadeiramente antagonistas, que
construam alternativas radicais contra as desmanteladas relações sociais no capitalismo
desequilibrado. Se trata, por fim, dos velhos “contos da carochinha” reformistas, dos que falava
Sacristán, porque quando o negócio é realmente sério – como dizia Joan Robinson, nada suspeita,
ademais, de radicalismo extremista – cortam direto pela raíz, e não parece ser o caso: “Qualquer
governo que tenha tanto o poder como a vontade solucionar os principais defeitos do sistema
capitalista, teria a vontade e o poder de aboli-lo completamente”.

Anteriores:

Primeira parte desta entrevista: “Hay dos paradigmas monetarios que determinan la visión del
sistema económico y de las políticas públicas” http://www.rebelion.org/noticia.php?id=261945

Segunda parte: “La escuela busca convertirse en un programa de política económica para la
izquierda reformista en oposición frontal al monetarismo neoliberal” http://www.rebelion.org
/noticia.php?id=262139

[1] Apresentação do próprio autor: Sou economista de formação – ainda que, para dizer a verdade,

isso é mais uma desonra – , professor de ciências sociais em um centro de estudos e escritor de
artigos de história, teoria econômica e finanças no blog Trampantajos e Embelecos. Ali, trato de
colocar um grãozinho de areia na crítica do discurso do capital – encarnado pela teoria econômica
ortodoxa e no paradigma político neoliberal – e na defesa da necessidade de construir novos
sujeitos e práticas emancipatórias. Sou membro, além disso, da Associação 500×20, um humilde,
mas valente, coletivo que luta contra a violência imobiliária, principalmente no âmbito dos
aluguéis no distrito de Nou Barris de Barcelona.

[2] [N.T] Izquierda Unida, partido no qual participa Eduardo Garzón.

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