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Regular a “aldeia global”?

Este ensaio tem como objetivo geral a discussão sobre a regulamentação da opinião na
internet através de uma abordagem ética e a tentativa de chegar a uma conclusão nesta
polémica.
Nesta introdução procuro explicar algumas das ideias que vão ser desenvolvidas ao longo
do ensaio.
Uma das questões levadas a debate no início do século XX, e no interior da própria
comunidade virtual, foi a de saber se o ciberespaço deveria ou não ser regulamentado.
Do mesmo modo que a convivência social no mundo real é regulada, no sentido de proteger
as liberdades individuais, também as redes sociais virtuais, de modo a evitar alguns riscos
(boatos; cyberbullying; dominação- domínio quase monopolístico das potências económicas
sobre importantes funções da rede; exploração- em certos casos de teletrabalho vigiado ou
de descentralização de atividades no Terceiro Mundo; etc.), devem ser reguladas?
Quando se discutem problemas como a «censura» e «regulação» no que diz respeito a
conteúdos e atividades na internet, estamos a examinar a legitimidade da intervenção de
uma autoridade no sentido de «filtrar» conteúdos. Por «filtrar» entende-se o ato de
selecionar o que pode ou não ser dito ou feito e de que forma o pode efetivamente ser.
Não se confunda com legalidade, pois para que uma intervenção de uma autoridade possa
ser legal é apenas necessário que uma lei precedente o autorize.
O problema coloca-se não na legalidade, mas em que medida a intervenção legal pode
estar ou não autorizada em «território moral».
Alguns autores assumem uma posição libertária, que parte do pressuposto de que a
Internet não se encontra dentro de fronteiras de qualquer país e que, portanto, sendo um
mundo à parte, sem fronteiras, não deveria ser regulada por leis elaboradas por este ou
aquele país. O ciberespaço deve ter o direito a criar as suas próprias regras, leis e contratos
sociais.
Ao contrário, e alegando matéria de segurança e defesa nacional e internacional bem como
de direito civil e penal, os Estados e as organizações internacionais entendem que é
necessário estabelecer regras e definir um quadro de medidas que permita combater a
criminalidade no ciberespaço. A 23 de novembro de 2001, em Budapeste, na Hungria, dá-
se a Convenção sobre Cibercrime, que propõe precisamente definir as linhas centrais de
combate à criminalidade na rede (web). Esta convenção funcionou como base para a
criação de leis em todos os países, não só da União Europeia. Em Portugal, a Lei
nº109/2009 respeita e adapta os princípios do tratado à realidade do nosso país e
contempla a cooperação internacional no combate ao cibercrime.
O combate ao cibercrime não depende apenas de leis e tratados ou dos esforços
desenvolvidos pelas entidades oficiais competentes. As empresas, sobretudo as que vivem
da exploração do mundo virtual, e os utilizadores de Web, em geral, têm um papel
fundamental na prevenção dos riscos e perigos que ela pode comportar. Por isso, as
empresas tendem cada vez mais a desenvolver estratégias e tecnologias defensivas, assim
como os utilizadores também reconhecem que a permanente atualização dos seus
conhecimentos e competências tecnológicas os torna mais bem preparados para navegar
no universo virtual.

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A questão de saber se as liberdades virtuais devem ser limitadas no sentido de
proteger os seus utilizadores permanece em debate e continua em aberto.
A liberdade de expressão é importante para assegurar, ao cidadão comum, oportunidades
de intervenção nas discussões públicas e em negócios políticos. Estas opõem-se à
censura. Entende-se por censura a atividade de seleção praticada sobre publicações para
evitar que se publique aquilo que se considera indevido. A censura ganha duas formas: (a)
censura prévia, que consiste numa análise de conteúdos antes da publicação. (b) censura
repressiva, repreensão posterior, como uma possível exigência de proibição de circulação
de uma obra.
A liberdade de expressão pode ser bem ou mal-usada no “paraíso da internet”. A expressão
livre de ideias e a divulgação de informação através da web tanto pode constituir uma
poderosa arma na defesa dos direitos humanos e dos interesses do cidadão do mundo
como, pelo contrário promover a sua violação. A título do exemplo podemos referir o caso
da publicação de conteúdos racistas em sites nazis ou a prática de hackering nazi.
«A Internet tem um enorme potencial para a luta contra a discriminação, pelo que é
simplesmente errado entrar a pés juntos no debate centrando-o no uso que os militantes do
ódio racial fazem ou podem fazer das ferramentas eletrónicas no mundo globalizado... os
cidadãos podem interagir com os poderes públicos muito mais facilmente, havendo
exemplos notáveis de “ativismo antirracista” coroado de sucesso.», Homo Sapiens- Cenas
da Vida no Ciberespaço, pp.285-286.
Pierre Lévy (2000), Cibercultura, p.17.«O ciberespaço é o novo meio de comunicação
digital, mas também o universo oceânico das informações que ele alberga bem como os
seres humanos que nele navegam.»
A ética perguntará «O que é a justiça?» e a política perguntará «Como é a justiça possível
numa sociedade?». O grande desafio da experiência de vivermos uns com os outros é sem
dúvida a construção de uma sociedade politicamente organizada, estável e justa. A tarefa
da política é tentar conciliar as exigências pessoais com as da coletividade no sentido de
assegurar as melhores condições de justiça para todos.
O liberalismo é uma filosofia política baseada na liberdade, consentimento dos governados
e igualdade perante a lei. O filósofo John Locke é muitas vezes considerado o fundador do
liberalismo como uma tradição filosófica distinta, argumentando que cada ser humano tem
um direito natural, à vida, liberdade e propriedade, acrescentando que os governos não
devem violar esses direitos com base no contrato social.
Segundo as ideias de um contrato social a origem do Estado não é natural, resulta de um
contrato ou acordo de vontades.

John Perry Barlow é reconhecido como um ciberlibertário e é autor da controversa


declaração da independência do ciberespaço, em 1996. A declaração deixa claro, em 16
curtos parágrafos, que a internet não deve ser governada por qualquer força externa,
especialmente pelo governo dos Estados Unidos. Ele afirma que os Estados Unidos não
têm consentimento dos governados e que a internet está fora das fronteiras de qualquer
país. Como de esperar é um manifesto anti censura e anti governo.
«Governos do Mundo Industrial, gigantes adormecidos de carne e aço, venho do espaço
cibernético, o novo lar da Mente. Em nome do futuro, peço-vos do passado que nos deixem
em paz. Vocês não são bem-vindos entre nós. Vocês não têm independência que nos une.»

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«Os governos derivam o seu poder do consenso dos governados. Vocês não solicitaram ou
receberam o nosso. Não vos convidámos.»
«Não temos governos eleitos, nem é provável que tenhamos um, portanto, dirijo-me a vocês
sem autoridade maior do que aquela com a qual a liberdade por si só sempre manifesta.»
«Eu declaro o espaço social global, aquele que estamos construindo, naturalmente
independente das tiranias que vocês tentam impor-nos. Vocês não têm direito moral de nos
impor regras, nem ao menos de possuir métodos de coação que tenhamos real razão para
temer.»
«O espaço cibernético não se limita às suas fronteiras. Não pensem que vocês podem
construí-lo, como se fosse um projeto de construção pública. Ele é um ato da natureza e
cresce por si mesmo, por meio das nossas ações coletivas.»
«Vocês não conhecem a nossa cultura, os nossos códigos éticos ou falados que já
proveram a nossa sociedade com mais ordem do que se fosse obtida por meio de qualquer
das vossas imposições.»
«Estamos a formar o nosso Contrato Social. Essa maneira de governar surgirá de acordo
com as condições do nosso mundo, não do vosso. O nosso mundo é diferente.»
«O nosso mundo que está ao mesmo tempo em todos os lugares e em nenhum lugar, mas
não é onde vivem pessoas.»
«Estamos a criar um mundo em que todos poderão viver sem privilégios ou preconceitos de
raça, poder económico, força militar ou lugar de nascimento.»
«Estamos a criar um mundo onde qualquer um, em qualquer lugar, poderá expressar as
suas opiniões, não importando quão singular seja, sem temer ser coagido ao silêncio ou à
conformidade.»
«Os vossos conceitos legais sobre propriedade, expressão, identidade, movimento e
contexto não se aplicam a nós. Eles são baseados na matéria. Não há nenhuma matéria
aqui.»
«As nossas entidades não possuem corpos, então, diferentemente de vocês, não podemos
obter ordem por meio de coerção física. Acreditamos que a partir da ética, interesse próprio
da nossa comunidade, a nossa maneira de governar surgirá (…)»
«A única lei que todas as nossas culturas constituídas reconhecerão é o Código Dourado.»
«Na China, Alemanha, França, Rússia, Singapura, Itália e Estados Unidos, vocês estão a
tentar repelir o vírus da liberdade, erguendo postos de guarda nas fronteiras do espaço
cibernético.»
«Precisamente de nos declarar virtualmente imunes à vossa soberania, mesmo se
continuarmos a consentir as vossas regras sobre nós. Espalhar-nos-emos pelo mundo para
que ninguém consiga aprisionar os nossos pensamentos.»
«Criaremos a civilização da Mente no espaço cibernético. Ela poderá a ser mais humana e
justa do que o mundo que vocês governantes fizeram antes.»

Ideias de Barlow

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A declaração de John Barlow é um dos textos mais importantes na discussão sobre o
potencial utópico do ciberespaço. Uma das suas premissas principais é a independência do
ciberespaço em relação ao espaço real, por ter características que o diferenciam
profundamente deste.
Ele define o ciberespaço como sendo um novo espaço de habitação da «Mente» e fala
«sem autoridade maior do que aquela com a qual a liberdade por si só sempre manifesta.»
e em nome de uma comunidade inclusiva, enfatizando que não há lugar nela para a
censura ou discriminação. A construção deste espaço exclui qualquer função governativa,
sendo assim um espaço autónomo e independente em relação a todos os países «reais» e
«naturalmente independente das tiranias que vocês tentam impor-nos». Esta autonomia
deriva supostamente da sua suposta não existência geográfica.
Tenta assim mostrar uma naturalização das características do ciberespaço e da sua
existência o que impõe uma certa inevitabilidade da característica em questão.
A naturalização do ciberespaço contradiz a sua construção, pois a admissão da autoria
governamental e militar desta estrutura dificilmente conviveria com as ideias liberais da
declaração. Percebe-se então porque é que o «nós» que permeia o texto é deixado sempre
em aberto, se fosse um «nós» referindo-se aos criadores do ciberespaço, inevitavelmente
teria de incluir o governo ao qual se opõem o manifesto.
Barlow argumenta que a ordem do ciberespaço se vai refletir na deliberação ética da
comunidade em vez do poder coercitivo que caracterizou a governação no espaço real.
Apresenta o ciberespaço como um mundo de total liberdade de expressão, acessível a
todos sem discriminação, (uma sociedade ideal) enquanto o apresenta ao mesmo tempo
como um espaço simultaneamente «em todos os lugares e em nenhum lugar» uma espécie
de «lugar nenhum», cuja existência não é material.
Também afirma que é impossível que os governos possam controlar o ciberespaço, uma
vez que este tem uma natureza completamente diferente da que caracteriza o espaço
governado pelos governos.
Segundo Barlow a internet é imune à soberania governamental, mas é mais que evidente
que a internet também responde às pressões políticas e económicas. Ele enfatizou que a
imunidade da internet à intrusão dos governos não é automática e depende do esforço de
ativistas como ele próprio.

Críticas à declaração da independência do ciberespaço


A política do ciberespaço, da qual Barlow fala, é utópica, e não se aplicar nenhuma
jurisdição à internet faz com que se possam cometer crimes sem nenhum medo de
punições.
Sabemos que existe a presença efetiva de normas morais instituídas na sociedade. Não
está certo mentir, roubar, difamar alguém, plagiar um documento… sabemos que devemos
respeitar os outros e que as regras são para se cumprir. Mas nem todos os seres humanos
agem em conformidade com estas normas morais. Assim não podemos confiar a harmonia
de qualquer lugar a um pressuposto de que as ações de todos vão cumprir determinados
padrões éticos.
As normas morais instituídas na sociedade não permitem resolver todos os conflitos e
problemas que surgem nas relações dos indivíduos entre si, nem tão pouco a reflexão sobre

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esses mesmos problemas parece poder resolvê-los com eficácia e a rapidez que muitas
vezes exigem. Por isso torna-se necessário criar um conjunto de regras que regulem o
comportamento dos indivíduos no espaço público de forma clara e eficaz. Estas regras
encontram-se formalizadas em leis que vinculam os indivíduos através de penas igualmente
definidas. Assim, pelas mesmas razões que existem regras no mundo real, estas também
seriam necessárias no ciberespaço, tendo em vista a defesa dos assuntos públicos, e a
harmonia dos seus comportamentos (salvaguarda que os outros não violam a liberdade de
cada um- para todos os seres humanos poderem ser tratados com dignidade máxima).
Também acho que é bem evidente que a existência de regras não implica a inexistência de
liberdade de expressão.

Há vários níveis de objeção da regulação dos conteúdos da Internet. O mais elementar


consiste em dizer que o Estado deve cuidar dos atos e deixar as opiniões pois afirmam que
«as palavras não perfuram, não cortam, nem explodem, portanto nem ferem, nem matam».
Mas antes de tudo quantos é que já morreram ou foram feridos por causa do que disseram
ou do que sobre eles foi dito- não podemos ignorar a importância que os seres humanos
dão às palavras. As palavras servem para realizar atos diferentes de matar e ferir, mas
igualmente errados como ofender, humilhar e ameaçar.
Argumentos a favor da total liberdade de expressão na internet
I. Se ao defender a liberdade de expressão então defendo o direito de expressar
opiniões erradas, desagradáveis. Isto não implica que estas devam ser toleradas,
devem ser combatidas, criticadas e recusadas, mas nunca censuradas.
II. A censura seria inútil. Pois um «site» censurado num país pode ser replicado e
aparecer noutro país.
III. Na internet a intervenção do Estado seria desnecessária para se assegurar um
equilíbrio. A razão disto são as características fundamentais da rede, pois as
opiniões erradas podem ser sempre combatidas, e geralmente são, pelos próprios
usuários.

Os liberais temem:
I. A intervenção do Estado na disputa da formação da opinião predominante.
II. A imposição da opinião dominante e o desrespeito pela multiplicidade de modos de
vida.
III. A possibilidade de perseguições políticas e religiosas por causa da expressão de
uma opinião divergente ou não autorizada, que uma autoridade pode considerar
ofensiva ou perigosa.

Críticas aos liberais


I. Será mesmo possível julgar de maneira consensual, pelos usuários da rede, sobre o
que é indevido, ofensivo…? Não terminaria isso também numa imposição de uma
tábua de valores predominante sobre todas as outras concorrentes, o que
representaria o fim da possibilidade da opinião discordante?

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II. Não há possibilidade de convivência entre o controlo da liberdade de expressão e o
modo de vida democrático?

Os defensores de uma censura temem:


i. Uma vida social onde qualquer um pode publicamente ofender e humilhar outro
indivíduo sem que o Estado proteja os mais fracos ou evite que os conflitos passem
para a «esfera das armas e da luta selvagem e muda»
ii. O desrespeito pela multiplicidade de modos de vida, principalmente das minorias e
subalternos, que são vítimas em geral, de sites de ódio e de perseguição como
resultado da opinião publicada na internet.
iii. Um mundo onde qualquer um pudesse publicar tudo, sem importar a qualidade
cognitiva ou moral das suas convicções. Imaginamos um lugar onde qualquer um
possa pintar num muro em frente à casa de alguém com expressões como «negro
imundo», «judeu sujo», «morte aos homossexuais» sem que nada lhe aconteça.
Ainda mais assustador parece ser um mundo onde alguém pudesse disponibilizar
instantaneamente em rede, para milhões de pessoas, tais expressões e de forma
igualmente impune.

Sentido do Estado
a. Como é que se pode chegar a uma situação em que não se consegue distinguir a
diferença na dignidade entre uma opinião apresentada com honra e a mais vil
ofensa e completa difamação? Para que o respeito ao bem comum possa ter
legitimidade social é necessário que a democracia estabeleça um patamar mínimo e
que converta a sua pretensão em palavras e argumentos. Não seria, portanto, contra
a democracia homogeneizar todas as formas de expressão linguística, ao igualar a
opinião formulada com lealdade e os textos ofensivos e desrespeitosos da dignidade
dos indivíduos?
b. Se o Estado não é capaz de garantir às minorias o direito à existência sem
discriminação, qual é que é ainda o sentido de nos submetermo-nos ao contrato
social.
Na época atual, há uma opinião dominante pouco refletida e argumentada onde existe
como que uma sensibilidade social para a qual é desagradável o controlo ou censura
quando este é exercido por uma entidade exterior ao próprio indivíduo.
De qualquer modo a intervenção de uma autoridade é precedida por uma avaliação na
qual se decide não só o que pode ou não ser feito, mas o que deve ou não o deve ser.
Mas será 1- que se pode admitir a possibilidade de uma censura eticamente justificada
dos conteúdos de opinião da internet? 2- Em caso de resposta afirmativa, em que
condições tais justificações são moralmente válidas?
Para alguns podemos avaliar negativamente determinadas opiniões publicadas na
internet (por exemplo, sites em que se manda espancar os negros ou gays, etc.), o juízo

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de valor é, portanto, legítimo. Não devemos, no entanto, passar da negativa avaliação
moral para a intervenção de uma autoridade que impede a presença online destas
ideias que são consideradas inadequadas.
O que fundamenta o paradoxo em que a existência da opinião injusta e ofensiva é
tolerável, mas a censura a esta opinião não o é? O primeiro juízo que decide que a
ofensa e a humilhação são imorais funda-se na dignidade humana como valor, o
segundo juízo que decide que a censura é sempre um mal, apoia-se no valor da
liberdade de expressão. Segundo os defensores destas ideias, quando estes dois
valores se confrontam o segundo vale mais.
Observa-se que a maior parte dos argumentos contra a regulação da internet parecem
compreender a liberdade de expressão como um valor absoluto (um bem que não está
submetido a qualquer limitação e tão grande que não e condicionado por nenhum outro
valor).
Mas seria está posição sustentável? Podemos começar as objeções pelo facto de que
as restrições a que a liberdade de expressão se submete decorrem da sua acomodação
a outros valores que lhe são equivalentes ou, até mesmo superiores. Por exemplo os
outros seres humanos têm direitos importantes que, por vezes, podem ser prejudicados
pela minha opinião livremente expressa, de tal forma que para assegurar tais direitos, é
a liberdade que precisa de ser controlada. As exigências do bem comum previsto no
contrato social ou mesmo a segurança de todos podem valer mais que a expressão livre
da opinião singular.
Até a constituição americana que considera a liberdade de expressão um
importantíssimo valor, assegura que os indivíduos que se expressam livremente podem
ser censurados repressivamente, ou seja, responsabilizados pela publicação de material
ofensivo, que vai contra os direitos dos outros.
Na verdade, nem mesmo os outros valores que se respeitam na cultura liberal, a
propriedade e a vida, parecem ser absolutos, isto é, independentes de um contexto de
validação.
A propriedade é um valor, mas admitimos, até de um modo legal, que os indivíduos
possam perder a sua propriedade em determinadas circunstâncias, como punição por
algum ato.
Em relação à vida humana é de um consenso quase universal o princípio que «a vida é
preferível à morte», mas aceitamos exceções legais a este princípio em determinadas
circunstâncias.
O único valor que parece ter um consenso fundamentado é da dignidade humana,
(todos os seres humanos pelo simples facto de serem um ser humano são merecedores
de total respeito e consideração).
Assim se considerarmos a dignidade humana como o único valor absoluto, mesmo os
valores liberais perdem a sua legitimidade. O sentido e legitimidade destes valores
mantém-se até produzirem efeitos contrários à dignidade humana.

O princípio que dá legitimidade moral à censura é a convicção de que ideias erradas ou


que induzem ao erro cognitivo/moral não deveriam vir a público.

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A liberdade de expressão é ela própria uma forte razão para a responsabilidade do
agente/opinante: ninguém o impediu ou forçou a publicar, por isso o indivíduo que o fez
tem de assumir as consequências do seu ato de expressão. A liberdade implica
responsabilidade.
Não se pode ficar preso na história da palavra «censura». Até porque há elementos
incluídos na sua definição que merecem especial atenção: (a) há intervenção de uma
autoridade, (b) esta autoridade orienta-se a partir de um quadro de valores capaz de
estabelecer o que «deve ou não deve» ser publicado e (c) a seleção tem como
finalidade prevenir o mal ou reprimi-lo, uma vez praticado.
Os problemas situam-se em quem autoriza a autoridade? Antigamente a parte que se
considerava autorizada julgava apenas a partir do seu quadro parcial/incompleto de
valores que impunha dogmaticamente. Resumindo, faltava a racionalidade e
universalidade que são aspetos essenciais para a fundamentação das normas morais.
No entanto, vivemos em sociedades democráticas onde algumas dessas dificuldades
dificilmente se podem pôr: a autoridade ganha a sua legitimidade através do contrato
social do tipo democrático. O estado visa assegurar que as avaliações se realizam no
interior de uma constituição leiga e apartidária e que possam ser revistas a qualquer
momento em que mude o equilíbrio das forças. Uma norma só é digna de consenso, se
se provar universalmente sustentável, através de argumentos e da racionalidade, ou
seja, se for devidamente fundamentada.

Os conteúdos polémicos como a expressão de opiniões tidas como desumanas,


antissociais, lesivas de honra e da dignidade de grupos, ódio racial ou de classe,
pedofilia, drogas e pornografia, práticas comerciais invasivas, spamming, manipulação e
comércio de dados pessoais, disputa dos direitos de autor online. Em muitos destes
campos, alguns países começaram a discutir regulações e até a intervir legalmente. Por
exemplo, na garantia do copyright, que interessa principalmente às grandes indústrias
de música e software; na luta contra o terrorismo de rede; defesa da privacidade dos
dados dos usuários nas suas transações em rede.
Como Barlow houve «quem encarasse a internet como um espaço natural de liberdade,
rebelde a qualquer tipo de normativa externa e apenas compatível com regras e
instituições geradas no seu próprio seio, isto é, com autorregulação. Não demorou, no
entanto, a afirmar-se a convicção da necessidade de validade, também aí, dos
princípios e regras reconhecidos pelas sociedades democráticas e da responsabilidade
dos Estados de os defenderem sob pena de serem postos em causa valores como a
ordem pública e as liberdades fundamentais dos cidadãos».
Assim a regulação da Internet vai envolver um misto de controlo estatal, de cooperação
internacional e de autorregulação. «É no plano europeu que se tem ido mais longe na
regulação da utilização da rede nas esferas económicas e social.»

Bibliografia
BORGES, J. e outros. Novos Contextos,10ºano. Porto Editora.
John Perry Barlow (1996), «Declaração da independência do ciberespaço»

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Maria Eduarda Gonçalves (2007), «Governar a Internet», JANUS 2008, Lisboa,
Universidade Autónoma de Lisboa/Jornal Público,pp.92-93.
BRISON, I. Ciberespaço e utopia: fronteiras e “lugares nenhuns”.
GOMES, W. Opinião política na Internet.

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