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Bruce Wayne era criança quando viu seus pais serem assassinados por um ladrão
que nunca foi pego. Sem ter fé no sistema de justiça que o deixou órfão, ele vira o Batman,
um super-herói que pode não ter os superpoderes, mas com certeza tem o dinheiro, para
conseguir lutar contra o crime. Seu trauma gera sua anomia, e sua riqueza o permite tomar
o rumo individualista do vigilantismo, e cumprir o papel da polícia apesar de ser um cidadão
comum.
O Twitter é a rede social conhecida por, entre dezenas de outras coisas, ser o berço
do que chamamos de “cultura do cancelamento”, uma denúncia civil pública baseada na lei,
na moral e na justiça social. Por exemplo, casos de famosos que, no seu passado, tenham
cometido algum crime pelo qual nunca responderam, como algum caso de assédio. A
revolta que isso gera no público é um tipo de anomia. Por ver aquele indivíduo de muito
sucesso e valor na sociedade e o atrelar a algo contra a norma, esse usuário precisa que as
regras também se apliquem ao famoso em questão. Caso contrário, o fato social deixa de
ter sentido. Empoderados pelas redes, nascem os vigilantes da internet, que dedicam horas
da sua vida para cumprir o papel de bússola moral pública e apontar os crimes impunes à
justiça. Quando “cancelam” centenas de famosos, os usuários do Twitter sentem que
cumprem o papel de juízes, apesar de serem cidadãos comuns.
Por último, “Todos os Homens do Presidente”, filme de 1976, conta a história de dois
jornalistas estadunidenses que trabalham juntos para desmascarar um crime de
espionagem federal do partido republicano com o democrata. Suas investigações resultam
na renúncia do presidente Nixon, que sabia dos crimes de Watergate o tempo todo. O
Jornalismo do século XX se aproxima, mais que antes, de um compromisso com a verdade.
Pode-se dizer, um vigilante da verdade. Isso porque, num mundo onde a informação é mais
ampla e acessível, a desconfiança pública nas instituições estatais - outro tipo de anomia -
torna-se consenso, e o Jornalismo vem como ferramenta de “justiça cidadã” organizada.
Isso é facilmente exemplificado pelo que ocorreu em Watergate, tanto pelo lado de que
membros do governo foram responsáveis pelos crimes, como também que as próprias
instituições de justiça, como o FBI, não fizeram seu trabalho em investigar o caso com
eficiência. Nos tempos recentes, os jornalistas se institucionalizaram como responsáveis de
um poder fiscalizador dos órgãos públicos, apesar de serem cidadãos comuns.
O que isso significa para a nossa sociedade? Tentei formular uma conclusão
sozinha, mas preciso convocar um último velho cabeça para a questão. Uma das maiores
investigações de Aristóteles é a “eudaimonia” - palavra grega que conceitua a vida plena,
bem vivida e feliz. Para ele, quando conseguimos usar nossa virtude moral para encontrar o
meio termo entre dois extremos - uma falta e um excesso -, encontramos a eudaimonia. Por
exemplo, mesmo que a coragem seja algo normalmente vista como virtuosa e a covardia
como fraqueza, na ocasião de uma pessoa ser atacada por um leão, é melhor que ela não
banque a corajosa, pois será comida pelo leão. Ela deve, analisando as circunstâncias,
achar o meio termo, o equilíbrio, para que ela também não paralise de medo e, de qualquer
forma, seja comida pelo leão.