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ANO 1 • EDIÇÃO 12 • FEV/2021

LIVRO DIDÁTICO:
PARA QUE
TE QUERO?
Márcia Mendonça
PÁGINA 2

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ATALIBA TEIXEIRA DE 18
CASTILHO, O LINGUISTA MITOS CULTURAIS
LIBERTÁRIO SOBRE A ORTOGRAFIA

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ATALIBA TEIXEIRA DE
CASTILHO, O LINGUISTA 24
O QUE FAZ AFINAL
LIBERTÁRIO
UM PROFISSIONAL

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GEOPOLÍTICA,
DE LETRAS?

GEOLINGUÍSTICA
E TERMINOLOGIA)
LIVRO DIDÁTICO:
PARA QUE TE QUERO?
Márcia Mendonça
(Departamento de Linguística Aplicada da Unicamp)

O
s livros didáticos são tão próprios dático de língua portuguesa”. Estudos Linguísti-
das escolas brasileiras quanto o qua- cos, v. 34, p. 557-562, 2005) é que o LD (seu
dro, as carteiras e o giz. Parte da pai- apelido acadêmico) interessa à pesquisa bra-
sagem pedagógica, eles não só a compõem, sileira, especialmente nos campos da Linguísti-
como permeiam e medeiam práticas sociais ca Aplicada e da Educação.
nas quais a leitura e a escrita constituem as in- Todo início de ano, naqueles 1970 e 1980 do
terações, as tais práticas de letramento. E isso século passado, receber os LDs era um evento
extrapola o contexto da sala de aula. Pela am- marcante na minha vida de estudante. Encapá-
plitude do seu alcance pedagógico e por sua -los e etiquetá-los era um ritual que anunciava
complexidade teórico-metodológica inerente a fieira de dias escolares à frente. E como cê-
(sim, o livro didático é um objeto complexo, -dê-efe que eu era, isso me deixava animada.
como diz Clecio Bunzen em “Construção de Com os livros de português, a exploração ia
um objeto de investigação complexo: o livro di- muito além: ler os textos e, pasmem, até as ati-

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vidades! O trabalho com leitura prometido pela parte de famílias brasileiras com menos recur-
escola já tinha começado, e minha professora sos, tal como fizeram Roxane Rojo e Antonio
nem desconfiava. Na verdade, eu lia e relia to- Augusto Gomes Batista em 2003 [“Cultura da
dos os textos do LD no primeiro trimestre de escrita e livro escolar: propostas para o letra-
aula. Voracidade leitora à parte, é inegável o pa- mento das camadas populares no Brasil”. In
pel crucial do LD nas práticas de leitura dos es- Rojo e Batista (org.). Livro didático de língua
tudantes brasileiros. Mesmo eu, criança privile- portuguesa, letramento e cultura da escrita.
giada, de classe média, com livros em casa e Campinas: Mercado de Letras, 2003, p. 7-24].
pais leitores, me beneficiava muito de ter à mão O interesse pelos livros didáticos na pesquisa
esse impresso da vida escolar, todos os dias do brasileira beira mais de trinta anos, e a produção
ano e em todos os anos do ensino fundamen- resultante disso é muito potente. Os focos são
tal e do ensino médio. Podemos estimar o im- os mais diversificados, como a organização pe-
pacto do livro didático no acesso à leitura por dagógica do material — princípios teórico-meto-

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dológicos, natureza das atividades, conceitos e desses avanços, como a Lei 10.639/03, que
habilidades mobilizados —, as interfaces com obriga as escolas de ensino fundamental e mé-
políticas públicas de educação (documentos dio a ensinarem história e cultura afro-brasileira
curriculares, políticas de formação docente, e, incluindo estudo da África e dos africanos, a
etc.), os usos efetivamente construídos em tor- luta dos negros no Brasil, a cultura afro-brasilei-
no desse material. ra e o negro na formação da sociedade nacio-
No final dos anos 1990, o Programa Nacio- nal. Cito ainda a Lei 11.645/08, que também
nal do Livro Didático (PNLD), do MEC, passou a tornou obrigatório o estudo da história e da cul-
garantir aos estudantes brasileiros o direito de tura indígena, incluindo a contribuição desses
acessar materiais didáticos de qualidade. Rom- povos originários na formação da sociedade
peu com a antiga lógica do Fundo Nacional de brasileira, conforme a lei anterior.
Desenvolvimento da Educação (FNDE), que ad- As atividades de leitura presentes nos LDs
quiria os LDs por cotação de preço e sem avalia- recobrem localização, inferência e extrapola-
ção técnica. Sim, quase uma xepa em feira livre: ção e costumam mimetizar interações em que
É quanto? Faz menos? Levo! E nem tínhamos a
os estudantes são interlocutores do texto e não
chance de escolher a melhor barraca, com as
meros receptores. Na produção de texto, os
melhores frutas.
LDs há muito superaram a exclusividade da es-
Fui professora de português da rede pública
crita de redações escolares e têm buscado
entre 1992 e 1997. Não era incomum encontrar
orientar os alunos quanto a condições de pro-
textos com cortes incompreensíveis e pergun-
dução e circulação dos textos, construindo pro-
tas que simplesmente não podiam ser respondi-
postas em que eles se constituam como locu-
das. Além de uma qualidade gráfica e editorial
tores do seu próprio discurso, produzindo
vergonhosa. Mas encontrar esses absurdos só
textos de gêneros variados. O repertório dos
ocorria se houvesse na escola alguns exempla-
textos oferecidos se ampliou muito, tanto em
res de LDs surradíssimos para usar com os alu-
termos de esferas, para além da literária, da jor-
nos, algo bem raro, já que não existiam nem di-
nalística e da escolar; quanto em termos de lin-
retrizes nem orçamento para uma distribuição
nacional dos livros. Desde o final dos anos 1990, guagens e mídias. Mais recentemente, os alu-
o PNLD vem avaliando, adquirindo e distribuindo nos têm tido acesso ao patrimônio artístico
LDs por todo o território nacional. Ainda que te- afro-brasileiro e indígena de autoras e autores
nha atravessado percalços nessa longa história, brasileiros e de outros países de língua portu-
o programa tem atravessado diversas gestões guesa. Mesmo com tais avanços, há muito o
da União, algo raro no Brasil. Permanece como que aprimorar nos LDs, como o trabalho com a
uma política pública educacional das mais im- língua portuguesa falada no Brasil contempo-
portantes, em que pesem ajustes necessários. râneo e a exploração de conhecimentos lin-
A propósito, temos visto avanços significati- guísticos em uma perspectiva mais reflexiva.
vos no âmbito da coerência pedagógica e da Corta para cenas de escola. Foco em usos e
conceitual dos LDs de português, tanto graças culturas escolares.
às exigências do PNLD quanto a outras políti- Como adultos trabalhadores matriculados
cas públicas que impactam currículos e, por- na Educação de Jovens e Adultos (EJA) da
tanto, materiais didáticos. Menciono alguns zona rural de uma cidade do Espírito Santo se

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apropriam das práticas de manuseio, consulta saparecer tão rápido. O Brasil é imenso e muito
e leitura dos LDs? desigual no acesso à internet, incluindo veloci-
Em uma escola de ensino médio distante da dade e banda, e a dispositivos digitais, além de
moradia dos seus estudantes, será que eles le- muito diverso em termos de culturas escola-
vam para a escola na mochila, pegando um bu- res, práticas leitoras e formação docente.
são (ou dois...), os quatro LDs em volume único Como qualquer recurso tecnológico, qual-
das quatro matérias do dia? Ou insistem em quer material didático, qualquer escolha meto-
deixar os LDs em casa, de um tanto que o pro- dológica no ensino, o uso do LD é atravessado
fessor surta? Detalhe: cada volume recobre os por afetos e desafetos, inscrições autorais, per-
três anos do ensino médio e, por isso, tem “tro- calços e atalhos. Sua organização teórico-meto-
centas” páginas.
dológica é dinâmica: reflete e refrata as discus-
A professora de português do 7º ano B de
sões da área e as realidades socioeducacionais
uma escola em Diamantina alterou a sequên-
do país. O tal do objeto complexo, ainda bem.
cia de atividades prevista no LD, conforme o
Termino com um episódio relatado por um
que considerou relevante e factível para essa
professor da rede municipal de ensino de São
turma. Mas manterá a sequência nas demais
Paulo, em 2008, ano em que a prefeitura ado-
classes do 7º ano em que atua?
tou, além dos LDs não consumíveis, cadernos
Todas as escolas estaduais do Ceará do en-
didáticos consumíveis, semelhantes aos LDs,
sino fundamental I permitem que os alunos de
mas organizados em sequências didáticas.
7 anos levem os LDs para casa, logo no primei-
ro mês de aulas, quando é novidade ter livros Um dos alunos, com olhos brilhando e abraça-
além de cadernos? Ou os LDs ficam na escola, do ao material, perguntou:
sendo utilizados durante o período de aulas, — Posso ficar com ele (o caderno didático)?
para não serem extraviados? Posso escrever nele? Posso botar meu nome
Não há respostas. E dá para marcar A alter- nele em vários lugares?
nativa correta. Com a confirmação do professor, abriu rápi-
Ainda que o LD impresso dispute ou divida do e, com capricho e canetinha especial, já es-
hoje espaço com outros materiais digitais ou creveu seu nome, série e turma, como eu fazia,
digitalizados — o próprio PNLD já adquire mate- também feliz, nas etiquetas dos meus LDs a
riais assim —, não aposto muito que ele irá de- cada início de semestre letivo, há 40 anos.

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CORRENTES DA
SOCIOLINGUÍSTICA,
ESTÁGIOS FORMATIVOS
E ESCOPOS
Stella Maris Bortoni-Ricardo (UnB)

N
o mundo atual, a convivência entre os turas. Passa a conhecê-las e a respeitá-las.
diferentes é questão de primordial re- Esse contato culturalmente sensível é exata-
levância. Nunca na história da huma- mente a postura que pode prevenir o conflito.
nidade houve tanto contato entre grupos distin- A Europa é o continente onde as diferenças
tos, entre pessoas diferentes. Esse contato se linguísticas mais se destacam, pois elas sim-
dá pela facilidade de transporte: terrestres, ma- bolizam também diferenças sociopolíticas. Ali
rítimos e aéreos – e é ampliado a níveis inima- muitas línguas passaram, desde o século XIX,
gináveis pelos recursos eletrônicos de comuni- por processos de estandardização, mas pre-
cação, como o cinema, a televisão transmitida servaram seus dialetos regionais, símbolos
por satélites e sobretudo com o advento da in- quase sempre de diferenças étnicas e cultu-
ternet. Amplia-se o contato também pela maior rais. Nos continentes asiático e africano, há
permeabilidade entre estamentos sociais, pro- também intenso contato de línguas, bem como
movida pela educação universal. Podemos di- línguas que resultaram desse contato, que são
zer que a palavra chave da sociedade contem- os pidgins e os crioulos.
porânea é contato. Nessas circunstâncias, a A colonização das Américas, a partir do sé-
Sociolinguística tornou-se uma disciplina cen- culo XVI, transferiu para o Novo Mundo o multi-
tral pela sua própria natureza, porque, desde o linguismo europeu, que se enriqueceu com o
seu surgimento, tem como principal objetivo contato com as muitas línguas aborígines e lín-
descrever e entender as diferenças entre as guas africanas para cá transplantadas.
pessoas, sejam elas diferenças linguísticas, se- Os primeiros estudos sistemáticos do con-
jam culturais, étnicas ou sociais. tato linguístico surgiram com Uriel Weinreich
Ao estudar as diferenças nos modos de fa- em 1953 e desde então têm-se expandido no
lar de grupos em contato, a Sociolinguística âmbito da Sociolinguística.
fornece as condições para que os ethos dos A Revolução Francesa em 1789, ao defender
grupos sejam mutuamente conhecidos. Mas o a igualdade entre grupos sociais, criou as bases
tratamento sociolinguístico vai ainda além, para o contato na democracia moderna. Não
quando propõe um contato culturalmente sen- há fraternidade, igualdade e liberdade, devemos
sível, ou seja, ao contatar os seus próximos, o sempre frisar, se não houver respeito pelas dife-
indivíduo interessa-se pelas sua crenças e cul- renças culturais e linguísticas de cada povo e
de cada grupo. Neste texto vamos recordar os uma comunidade de fala atende perfeitamente
pressupostos que deram origem à Sociolinguís- às necessidades comunicativas de seus mem-
tica e verificar como essa disciplina surgiu no bros, afirmou. Não há línguas naturais primiti-
mundo para tornar viável a convivência pacífica vas no sentido de exigirem dos falantes que re-
dos que são originalmente diferentes. Ela vem corram a gestos ou outros expedientes para se
atuando também para demonstrar como se es- fazerem entender (excluindo-se, naturalmente,
tabelece uma cultura hegemônica, atribuindo a as línguas de sinais). Se as necessidades co-
essa cultura hegemônica a responsabilidade de municativas da comunidade se diversificarem,
facilitar a ascensão social e o bem-estar de to- seja pelo contato com outros grupos seja por
dos, hegemônicos ou minoritários. outros motivos sócio-históricos, sua língua terá
A Sociolinguística costuma ser definida como condições de ajustar-se às novas circunstân-
um ramo interdisciplinar nos estudos da lingua- cias, ampliando seu léxico e diversificando
gem. Para entendermos onde repousa essa in- sua morfossintaxe.
terdisciplinaridade, vamos remontar sucintamen- Essa noção de relativismo cultural, que os
te a suas raízes e discutir as subáreas que se estruturalistas pioneiros aplicaram às diferen-
abrigam sob a denominação Sociolinguística. tes línguas, foi depois (por volta de 1960) apli-
Analisaremos também a relevância da disci- cada pelos sociolinguistas às variedades no
plina no rol das Ciências Humanas no mundo interior das línguas, ou seja, aos dialetos de
contemporâneo. cada língua.
Em meados do século XX, muitos estudio- Outra questão importante para os pioneiros
sos de Linguística na Europa, palco de duas naqueles tempos de colonização decorria de
guerras mundiais, fixaram residência nos Esta- sua própria formação estruturalista. O estudo de
dos Unidos. Eram pesquisadores renomados, qualquer código linguístico àquela altura des-
com formação advinda da linguística saus- considerava os usos desse código por seus fa-
suriana e do Círculo Linguístico de Praga. Uma lantes, que, segundo a dicotomia de Saussure,
vez no continente americano, foram confronta- pertenciam à província da fala. Era no campo da
dos com duas relevantes questões. A primeira língua, onde tudo são oposições, que as análi-
resultava da comparação entre suas línguas ses se processavam. Tal artifício metodológico
nacionais ou maternas e as múltiplas línguas permitiu um grande refinamento nas descrições
ameríndias encontradas nos territórios atuais teóricas, que, todavia, se provaram insuficien-
do Canadá, Estados Unidos e México. Estas úl- tes à luz dos resultados da dialetologia, ou geo-
timas eram usadas por populações muito dis- grafia linguística, trabalho que ia tomando cor-
tintas das europeias e em muitos aspectos, po, inicialmente na Europa, depois na América,
principalmente na amplitude lexical, diferiam e registrando muita heterogeneidade quando
daquelas que os cientistas tomavam como re- comparados os modos de falar em cada al-
ferência, incluindo aí línguas mortas como o la- deia, em cada região isolada. Um desses diale-
tim e o grego. Perguntavam-se, então, esses tólogos, radicado nos Estados Unidos, Uriel
linguistas, se as línguas com que iam-se de- Weinreich {*1926, +1967] e seus discípulos co-
frontando estariam em um estágio inferior de meçaram e se perguntar, então, se não seria pos-
desenvolvimento. Foi o antropólogo Franz Boas sível desenvolver uma dialetologia rigorosamen-
[*1858, +1942] quem primeiro forneceu uma res- te estruturalista. Seu aluno, William Labov,
posta a esse dilema, ao postular o conceito de conciliou tal reflexão com a pesquisa dialetoló-
relativismo cultural. Qualquer língua usada em gica de campo em comunidades: na ilha de

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quantitativo recebeu nome de Sociolinguística
Corrrelacional e é ainda hegemônico na área.
Paralelamente ao desenvolvimento do mo-
No Brasil, ambas as delo de raízes positivistas, outros campos foram
tendências estão muito bem criados na disciplina apoiando-se em modelos
representadas. Observe-se qualitativos e interpretativistas, associados à et-
nografia da fala, com Dell Hymes [*1927, +2009],
ainda que mesmo linguistas John Gumperz [*1922, +2013] e outros.
brasileiros, teóricos e Expandiu-se assim a Sociolinguística e, a
aplicados, que não se intitulam exemplo da Sociologia, disciplina mais tradicio-
sociolinguistas, valem-se nal, suas diversas subáreas foram classifica-
das em dois grupos: 1. pesquisas de natureza
de alguns dos princípios macro (acolhendo temas como multilinguis-
da disciplina na análise do mo, bilinguismo — inclusive pidgins e línguas
Português brasileiro e dos crioulas —, diglossia, planejamento, atitudes e
estandardização das línguas e 2. pesquisas de
nossos seríssimos problemas
natureza micro, que se ocupa da variação e
educacionais mudança, do discurso, da interação entre pes-
soas e da pragmática linguística. Essa divisão
também é referida como Sociolinguística da
Martha’s Vineyard e em bairros urbanos em Sociedade e Sociolinguística da Língua.
Nova York. No Brasil, ambas as tendências estão muito
O trabalho de Labov e de seus contemporâ- bem representadas. Observe-se ainda que mes-
neos, em Washington DC, que deu início à So- mo linguistas brasileiros, teóricos e aplicados,
ciolinguística, tinha como pressupostos o rela- que não se intitulam sociolinguistas, valem-se
tivismo cultural e a constatação de que toda de alguns dos princípios da disciplina na análise
língua natural é heterogênea. Diante deles ha- do Português brasileiro e dos nossos seriíssi-
via o desafio de tentar explicar essa heteroge- mos problemas educacionais.
neidade inerente e sistemática, bem como de Para concluir, não se pode esquecer que os
entender por que crianças de minorias étnicas sociolinguistas pioneiros, liderados por William
tinham desempenho escolar muito inferior ao Labov, também demonstraram que o mau de-
das crianças dos grupos não-minoritários de sempenho escolar de crianças oriundas de
maior prestígio. Surgiu daí uma metodologia grupos minoritários decorre de um duplo des-
sociolinguística que se valia da descrição de fa- conhecimento. Essas crianças desconhecem
tores linguísticos, particularmente os fonológi- os valores da cultura letrada vigentes na esco-
cos, e fatores étnicos e sociais para explicar a la. Essa, por sua vez, desconhece os modos de
variação na língua. A partir da década de 1970, falar, de construir narrativas e raciocínios lógi-
essa metodologia passou a incorporar sofisti- cos das crianças. Tal avanço da Sociolinguísti-
cados tratamentos estatísticos, em que os fe- ca tem tido grande influência no Brasil e resul-
nômenos linguísticos em variação, a serem ex- tado em pesquisas e livros relevantes, que
plicados, eram as variáveis dependentes e os alertam para preconceitos sociais e profecias
fatores postulados, as variáveis independentes autorrealizáveis, que poderíamos chamar, hoje
(de explicação ou antecedentes). Esse modelo em dia, de ‘profiling’.

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ATALIBA TEIXEIRA DE
CASTILHO, O LINGUISTA
LIBERTÁRIO
10
A
utodenominado caipira por ter nasci- Casado com a também linguista Célia Maria
do em Araçatuba e crescido em São Moraes de Castilho, três filhos e quatro netos,
José do Rio Preto, o linguista Ataliba Castilho recebeu a equipe de Pesquisa FAPESP
Teixeira de Castilho diverte-se com as mudan- na sua casa, em Campinas, próxima à Unicamp,
ças da língua. Uma das mais recentes é a trans- onde se aposentou em 1991 e continua como
formação do pronome “que” em palavra variá- professor colaborador voluntário.
vel, como em “Ques pessoas?”, identificada nas
redes sociais por um de seus estudantes de dou-
torado na Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp). Para ele, “ao se esforçarem para que QUEM FOI E COMO ERA SUA PRIMEIRA
as pessoas obedeçam às regras, os gramáti- PROFESSORA OU PROFESSOR
cos não viram que estavam dando um cala-bo- DE PORTUGUÊS?
ca no cidadão brasileiro”. A crítica aos gramáti- Foi o professor Amaury de Assis Ferreira [1920-
cos não significa que Castilho tenha alguma 1995], pai do apresentador de TV Amauri Jr. Era
aversão às normas da língua padrão, mas ape- um professor muito bom, lia e estudava muito,
nas que valoriza os limites geográficos e histó- mostrava os livros que comprava com muito en-
ricos do idioma. tusiasmo. De vez em quando, eu ia na casa dele.
Meu pai era eletricista e ia trocar a resistência de
seu fogão elétrico. Ele me chamava e mostrava
Ao se esforçarem para que as pessoas a biblioteca e os livros que tinha comprado. Ele
obedeçam às regras, os gramáticos não tinha muito prazer no que fazia. Pensei: “Quero
viram que estavam dando um cala- ser um cara assim”. Depois peguei outros profes-
boca no cidadão brasileiro. sores ótimos em São Paulo, como o Theodoro
Maurer, meu orientador de doutorado. Quietinho,
Professor da Universidade Estadual Paulista magrinho, filho de suíços, ele escreveu sozinho
(Unesp), de 1961 a 1975, da Unicamp, de 1975 um dos trabalhos mais extensos do mundo so-
a 1991, e da Universidade de São Paulo (USP), bre a gramática e a sintaxe do latim vulgar. Ele
de 1993 a 2006, Castilho coordenou grandes tinha outra liderança, que descobri por acaso, an-
projetos de pesquisa, que ajudaram a definir a dando no bairro da Consolação, em São Paulo.
identidade do português falado no Brasil. O Em frente a uma casa, ouvi uns cantos presbite-
mais recente, o Projeto para a História do Por- rianos. Olhei pela porta e estavam lá o Maurer e
tuguês Brasileiro (PHPB), reuniu duzentos pes- um professor de filologia, Isaac Nicolau Salum
quisadores de todo o país, e os resultados con- [1913-1993]. Eles estavam estudando o evange-
solidados estão sendo publicados agora. Para lho de São Mateus, todos lendo em grego! Eu fa-
entender melhor o português brasileiro, Casti- zia letras clássicas, latim e grego, e fiquei espan-
lho criou uma abordagem multissistêmica da tado ao ver os professores discutindo grego no
língua, um método de análise segundo o qual original. Perguntei: “Por que o senhor não chama
qualquer expressão linguística mobiliza simul- os alunos?”. “Não posso”, ele disse, “a universida-
taneamente quatro sistemas (léxico, gramáti- de é leiga”. Além de ser catedrático em línguas
ca, semântica e discurso), que deveriam ser românicas e pastor evangélico que sabia latim,
vistos de modo integrado. grego e hebraico, ele era presidente do diretório

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de São Paulo de um partido político. E não conta- do Clube do Livro. Os alunos gostavam muito.
va nada disso na universidade. Foi em São Miguel que conheci minha mulher.
Ela estudava lá, mas não dei aula para ela.

A universidade é leiga.

A primeira coisa que notei ao chegar


no colégio de São Miguel foi que não
O SENHOR FOI PARA A USP COM BOLSA DA
tinha biblioteca. Como vou dar aula de
PREFEITURA DE RIO PRETO?
Fui. Minha família era muito modesta e eu português sem biblioteca?
tinha de pagar pensão na capital. Um colega
meu disse que a prefeitura de Rio Preto dava
bolsa para quem entrasse na USP ou na então O QUE O SENHOR ENSINAVA EM SÃO
chamada Universidade Nacional do Rio de Ja- MIGUEL?
neiro. Logo depois de entrar, em 1956, levei o Eu imitava meu professor de Rio Preto. Pro-
documento de matrícula e deram a bolsa na curava dar aulas animadas, dava serviço para
hora. Eram 200 cruzeiros, dado tudo de uma os alunos, valorizava o que eles faziam, aperta-
vez, para passar o ano inteirinho. A partir do ter- va quando não estava certo.
ceiro ano, aumentou a inflação e a bolsa só
dava para meio ano. Aí comecei a lecionar, para
complementar. Em 1959 e 1960, dei aula de Procurava dar aulas animadas, dava
português no ginásio estadual Francisco Ros- serviço para os alunos, valorizava o
well Freire, em São Miguel Paulista, e em 1960
que eles faziam, apertava quando não
lecionei latim no Ginásio Estadual e Escola Nor-
estava certo. Gramática não dava
mal de Suzano, na Grande São Paulo. Adorei
tanto... Ênfase na leitura.
essa experiência. São Miguel era um bairro in-
dustrial e a escola, para os alunos, era a saída
para terem uma profissão e não ficarem na-
quele mundo. Tratavam os professores muito Gramática não dava tanto. Fazia o que o
bem. A primeira coisa que notei ao chegar no programa exigia, mas com ênfase na leitura.
colégio de São Miguel foi que não tinha bibliote- Depois fui convidado para trabalhar no que se-
ca. Como vou dar aula de português sem bi- ria a Unesp de Marília. Cidade pequena, grupo
blioteca? Mas tinha um órgão de cooperação pequeno, com pessoas procurando um desti-
escolar, que recolhia um dinheirinho dos pais no. O professor de latim, Enzo Del Carratore, ti-
que pudessem dar. Perguntei para o diretor se nha sido meu colega de turma na USP. Éramos
podia usar o dinheiro para comprar livros e ele todos jovens e procuramos criar um programa
disse que podia. Eu morava na rua Guaianazes, de trabalho. Víamos o que estavam estudando
em frente à Editora Nacional, e comprava os li- na USP. Linguística histórica? Então vamos fa-
vros com desconto, deixava na escola e um zer linguística descritiva. Concentravam-se na
aluno tomava conta. Comprava romances his- língua escrita? Então vamos estudar a língua
tóricos de Paulo Setúbal [1893-1937] e de Mon- falada. Aquilo definiu as nossas vidas, porque
teiro Lobato [1882-1948] e os livros da coleção decidimos logo o que fazer. Queríamos pesqui-

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sar temas diferentes. Grandes linguistas, Mau- choro. Uma colega de Minas, Maria Antonieta
rer, Mattoso Camara Júnior, Nelson Rossi, vie- Cohen, ia no começo para ver o museu e de-
ram apresentar seus textos, a nosso convite. pois para ver as pessoas quando chegavam no
espelho. Ela me perguntou: “Por que será que
QUAL SUA PARTICIPAÇÃO NO MUSEU DA elas choram?”. Fiquei pensando muito naquilo.
LÍNGUA PORTUGUESA? As pessoas choravam, decerto, porque viam ali
Em 2004, Jarbas Mantovanini, que atuava na sua identidade. O que é a língua portuguesa?
Fundação Roberto Marinho, apareceu na USP, Sou eu, que represento agora todo esse percur-
apresentou o projeto do museu e disse que so. A língua é minha identidade.
queria me fazer dois pedidos. O primeiro era dar
ideias para o museu. O segundo era para fazer
a linha do tempo sobre a história do português.
“O que é a língua portuguesa? Sou
Aryon Dall’Igna Rodrigues iria fazer a parte das
eu, que represento agora todo esse
línguas indígenas e Yeda Pessoa de Castro, da
percurso. A língua é minha identidade”
Universidade Federal da Bahia, se ocuparia das
línguas africanas. Jarbas disse para chamar
quem eu quisesse. Chamei Mário Viaro e Maril-
za de Oliveira, os dois da USP, para fazer outras
partes. Jarbas me perguntou como eu queria
representar a linha do tempo, se com filmes ou Este texto é a primeira parte da trilogia de
painéis fixos. Preferi os painéis, porque já have- entrevistas concedidas pelo Prof. Ataliba T. de
ria filmes do outro lado da sala. Entreguei o pro- Castilho a Carlos Fioravanti, da revista “Pequisa
jeto, ele gostou: “Está tudo muito bonito, mas Fapesp”, em setembro de 2017. Todas as par-
no lugar do último quadro vou colocar um es- tes serão divulgadas aqui na Revista Parabóli-
pelho. Todos vão percorrer aquela baita história cos. Agradecemos à “Pesquisa Fapesp” e a
de 2 mil anos e quando chegarem no final vão Paula Iliadis, a licença de reprodução, a Carlos
ver a si mesmos”. Sabe que ele acertou na Fioravanti, a colaboração, a Fernando Cunha, a
mosca? Muita gente que via a própria imagem, mediação para a liberação da matéria para a
depois de fazer o percurso histórico, caía no Parábola Editorial.
GEOPOLÍTICA,
GEOLINGUÍSTICA
E TERMINOLOGIA
John Schmitz

A
s línguas se assemelham a esponjas. mas se enraízam enquanto outras são descar-
Elas absorvem palavras para preen- tadas [um bom exemplo é a palavra “hudsô”
cher lacunas. Não há idiomas “puros”. que achei na leitura de um romance de Jorge
Eles são todos híbridos, misturados. As pala- Amado. Infelizmente, não me lembro o nome
vras de um idioma x ingressam no idioma da obra. O vocábulo se refere à marca de auto-
como “empréstimos”; nunca são “devolvidas” e móvel Hudson importado dos EUA e usado por
por isso, o termo neologismo procede. Algu- certos indivíduos endinheirados no Brasil]. O in-

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teressante aqui é que os próprios falantes não
têm controle nem plena consciência do fenô-
meno. Um(a) usuário(a) ouve ou lê determina-
da palavra estrangeira e, na maior parte das dir e manipular. Diria que em todos os países os
instâncias, ele ou ela inconscientemente a re- políticos agitam bandeiras para fins eleitoreiros.
pete ou a escreve. Assim o vocábulo é lançado A linguagem e as diferentes línguas são en-
em outros terrenos. A única intervenção possí- tidades políticas, ideológicas e emotivas, liga-
vel por parte dos usuários, especialmente gra- das às construções de “pátria”, “país” e “nação”,
máticos, filólogos, lexicógrafos, é a fixação da inclusive os vocábulos derivados desta última:
ortografia e o registro (ou não) dos neologis- nacional, nacionalizar e nacionalismo. Existe
mos em vocabulários, glossários e dicionários. aqui um perigo porque os conceitos nação,
Os idiomas funcionam como bandeiras (Raja- nosso país e nossa pátria e nossa língua podem
gopalan, 2002, 2004). Na verdade, os idiomas ser utilizados por manipuladores da linguagem
nada fazem. São os usuários que se apropriam com o propósito de fomentar um nacionalismo
da linguagem com o intuito de convencer, persua- ou patriotismo exagerado, por exemplo, “meu

15
país, certo ou errado”. Um candidato que plei- passar fronteiras e alfândegas sem a necessi-
teia um cargo político, ao prometer fazer com dade de vistos, sem passaportes. As línguas
que determinado país se torne “grandioso no- entre si são inerentemente permeáveis. Os ja-
vamente”, facilmente seduz alguns cidadãos. poneses se referem aos neologismos como
Os idiomas são instrumentos de poder e ferra- gairaigo, palavras japonesas de origem estran-
mentas de sedução (Grijelmo, 2000). geira. Eis alguns exemplos: aisukurimu do in-
Me pergunto o que é uma palavra verdadeira- glês “ice cream” [sorvete]; anketo do francês
mente brasileira ou portuguesa. Vocábulos como “enquête” [“enquete”]; birododo português “velu-
rua, betoneira e bagatela são registrados nos di- do”; buranko do português “balanço”. A lista de
cionários de português, mas eles são originários vocábulos usados no japonês de origem es-
de outras línguas; os dois primeiros do francês e trangeira de fato contém um número grande de
o último do italiano e “revestidos” graficamente. neologismos do inglês. Mas do ponto de vista
Afianço que não seja improcedente dizer que as geopolítico e geográfico, os estrangeirismos
diferentes línguas nos respectivos léxicos ten- são incorporados naturalmente e não são vis-
dem a compartilhar um bom número de pala- tos como “abusos” ou “invasões” que maculem
vras, respeitando diferenças gráficas. a língua japonesa. Não existe no Japão a políti-
Cabe observar que o Brasil não é a única na- ca de caçar para cassar vocábulos neológicos.
ção que tentou banir por lei a presença de es- Diria que não se perde(m) a(s) identidade(s) uti-
trangeirismos, particularmente os de língua in- lizando neologismos vindos dos quatro cantos
glesa, devido ao grande número deles. Argentina, do mundo.
Polônia e França são alguns dos países que Todos sabemos da grande presença de pa-
propuseram legislação e ou movimentos con- lavras japonesas no Brasil, a maior parte ligada
tra a presença de palavras alienígenas. A dificul- à culinária, um exemplo de “gastroglobaliza-
dade é que todas as propostas fracassaram ção” (outro neologismo, imagino) A metáfora
porque mesmo tentando cunhar palavras equi- bélica invasão, utilizada nos discursos contra
valentes e fazendo listas para eventual implan- as palavras de língua inglesa (delivery, deletar),
tação, os mesmos estrangeirismos nos diferen- não se ouve no caso de vocábulos japoneses:
tes países como playoff, pole position, catering temaki, sushi, teppanyaki, shitake, e sashimie
“resistem”, pois os usuários em cada localidade muitos outros. Problemas políticos e ideológi-
divulgam o que ouvem e leem. Os idiomas são cos relacionados a palavras de origem desapa-
veículos de socialização, interação e conscienti- recem quando se trata dos prazeres da mesa.
zação (Vygotsky). O estômago “fala” mais alto! (Schmitz, 2012).
Uma sociedade antiga como a japonesa Há na Universidade de São Paulo o Observa-
conseguiu, ao longo de séculos e séculos, pro- tório de Neologismos do Português Brasileiro
teger com firmeza e manter suas respectivas Contemporâneo da Faculdade de Filosofia, Le-
culturas e identidades. O Japão também man- tras e Ciências Humanas (FFLCH). Observa-se
teve a soberania frente às tentativas de domí- no título a palavra observatório. O objetivo das
nio político dos países ocidentais. Mas mesmo pesquisas sobre a linguagem é descrever o lé-
assim, é da natureza da linguagem humana xico do português (e não prescrever ou extirpar

16
vocábulos), mas procurar e valorizar termos (ou não) observada nos países y e z. Daí se vê
usados em diferentes disciplinas como a medi- que a terminologia é uma prática interdiscipli-
cina, economia, química, biologia, linguística, nar que recebe insumos das áreas de lexico-
física, psicologia e psicanálise, entre outros. grafia, lexicologia e estudos da tradução. Um
Muitos termos se originam de outras línguas e alvo muito importante da disciplina é a elabora-
pode ser que existam equivalentes (ou não) ção de glossários, vocabulários e dicionários
nas disciplinas em língua portuguesa. O termi- (ora monolíngues ou bilíngues, em português e
nólogo interage com os especialistas em dife- n idiomas). O empreendimento contribui para
rentes áreas com o intuito de identificar os ter- acompanhar a rápida expansão do léxico do
mos em uso e os termos originários de outras português, um idioma de amplo acesso, plena-
línguas para, por exemplo, aquilatar se determi- mente globalizado, falado e usado nas Améri-
nada doença observada no país x é a mesma cas, na Europa e na Ásia.

17
MITOS CULTURAIS
SOBRE A ORTOGRAFIA
Marcos Bagno

18
P
ara as pessoas que vivem em cultu- tipo de entidade dotada de um saber inalcan-
ras grafocêntricas, isto é, em cultu- çável para os meros mortais.
ras em que a escrita desempenha Nesse aspecto, a ortografia anda de
um papel central nas relações sociais de mãos dadas com a gramática, mais espe-
toda natureza, a ortografia assume uma cificamente com a gramática normativa.
proeminência que tem muito mais a ver Não por acaso, na história das línguas, es-
com construções ideológicas do que pro- ses dois construtos culturais foram elabo-
priamente com a real importância da orto- rados simultaneamente. No caso da lín-
grafia no funcionamento da sociedade. gua portuguesa, por exemplo, foi no século
Podemos dizer que existe uma fetichiza- 16 que se produziram as primeiras obras
ção da ortografia, como se ela não fosse o gramaticais que, além de tratarem da fo-
que de fato é — um sistema artificial criado nética e da morfossintaxe, também se
pelo entrecruzamento de forças culturais, ocuparam de temas relacionados à grafia
sociais e históricas as mais variadas —, e da língua — até mesmo porque, naquela
como se fosse algo que não é: uma espécie época, como até hoje para a maioria das
de lei transcendental, promulgada por algum pessoas, não se fazia distinção entre letra

19
e som, visto que se acreditava na possibilidade cadas na educação linguística se conscienti-
de transcrever de maneira fiel a pronúncia por zassem de que saber ortografia não é saber a
meio da escrita. língua. São dois tipos diferentes de conheci-
Desse modo, é importante enfatizar que a mento, controlados, aliás, por partes diferentes
presença da escrita na vida de muitas comuni- do cérebro. Saber ortografia é como tocar pia-
dades humanas é restrita ou quase nula, e isso no, dançar balé, dirigir um automóvel, manejar
depende do grau de desenvolvimento social e um programa de computador — são atividades
econômico de cada país, bem como, repeti- que exigem treinamento, prática constante,
mos, da natureza do regime político que o go- memorização consciente, automatização dos
verna. O Brasil, por exemplo, que é uma das na- gestos. Saber a língua é outra coisa. Afinal, mi-
ções mais desiguais do planeta, apresenta lhões de pessoas nascem, crescem, vivem e
verdadeiros abismos sociais: algumas restritas morrem sem jamais aprender a ler/escrever
camadas urbanas, essencialmente brancas, sendo, no entanto, conhecedoras perfeitas da
têm acesso aos bens culturais prestigiados, gramática de sua língua, isto é, do funciona-
entre eles o acesso à cultura letrada, enquanto mento de sua língua como sistema, capazes
a grande maioria da população, majoritaria- de distinguir com clareza uma construção
mente negra e mestiça, é totalmente analfabe- agramatical de uma gramatical.
ta ou com domínio muito escasso e rudimen- É comum os linguistas se referirem aos idio-
tar das tecnologias da leitura e da escrita. mas humanos como línguas naturais. Pode-
A manutenção dessa maioria populacional no mos então, em contraposição a isso, afirmar
analfabetismo pleno ou funcional se revela, de que a ortografia é artificial, depende da vontade
fato, como um projeto das elites para preservar das pessoas e, principalmente, das pessoas
seus privilégios de toda ordem. que legislam sobre ela. Com muita frequência,
No que diz respeito especificamente ao en- a ortografia fica sujeita aos gostos pessoais ou
sino, seria fundamental que as pessoas impli- às interpretações dos fenômenos linguísticos
por parte dos filólogos que ajudam a estabele-
cê-la. Por exemplo: por que escrevemos um
<m> no final das palavras em português, se
Desse modo, é importante esse <m> nunca foi uma consoante bilabial,
enfatizar que a presença da nem mesmo em períodos mais antigos da lín-
escrita na vida de muitas gua? Por que, quando a vogal nasal é [ã], como
em maçã, manhã, irmã, escrevemos com <a> e
comunidades humanas é til, mas quando é [ĩ] [õ] e [ũ], não se usa til, mas
restrita ou quase nula, e <m>, como em fim, som, algum? Por que escre-
isso depende do grau de vemos mobília, família, exílio com <li>, e não
desenvolvimento social e com <lh> como em maravilha, filho, gatilho, se
a pronúncia é a mesma? Por que o nome pró-
econômico de cada país. prio Júlio se escreve com <li> e o nome do mês
julho, com <lh>, se ambos têm o mesmo étimo,
o latim Juliu-?

20
No que diz respeito às sociedades em que a No caso da ortografia do português, entram
escrita ocupa um lugar central, algo que tam- em jogo, entre outros, os seguintes critérios:
bém escapa à percepção dos falantes comuns O critério fonético: as letras <f>, <p> e <v>
é que a ortografia convencional é uma tentativa representam sempre o mesmo som, havendo
de “resolver” um suposto “problema” que é, de portanto uma correspondência um-a-um entre
fato, insolúvel: a variação e a mudança linguísti- letra e som;
cas. Não existe absolutamente nenhuma lín- O critério fonêmico: a letra <l> representa
gua humana, por menor que seja o número de uma abstração, um fonema, que se realiza con-
seus falantes, que não apresente variação, isto cretamente, por exemplo, no português brasilei-
é, que seja falada exatamente do mesmo modo ro, de diversas maneiras, de acordo com sua po-
por todas as pessoas que se servem dela: a he- sição na palavra e/ou com a origem regional do
terogeneidade é intrínseca à própria natureza falante; temos assim [falta], [fawta], [faƚta], [faɹta]
das línguas humanas, porque as línguas são etc., para o que se escreve oficialmente <falta>;
O critério morfofonêmico: o morfema -s de
faladas em sociedade, e não existe sociedade
plural é um [s] em meus cães, mas é um [z] em
homogênea. Nem existe língua parada no tem-
meus gatos, podendo também ser um [ʃ] ou
po, que não sofra mudanças, a menos que dei-
um [ʒ] nas variedades que apresentam o cha-
xe de ter falantes vivos.
mado “S chiado” (como a do Rio de Janeiro, en-
A fixação de uma norma gramatical e, por
tre outras); apesar dessa diferença, sempre se
extensão, de uma norma ortográfica resulta da
escreve <s>;
convergência de diversos fatores sociais, cultu-
O critério etimológico: escrevemos mau,
rais, políticos. Uma vez que toda e qualquer lín-
com <u>, porque provém de malu, com sínco-
gua é variável e mutante, sempre tem sido ne-
pe do [l] intervocálico; mas escrevemos mal
cessário definir critérios para a seleção do que
com <l> porque provém de male, com apócope
vai e do que não vai entrar na gramática e na
do [e], morfema latino formador de advérbios
ortografia. Esses critérios variam muito de lu- — no entanto, as duas palavras, na grande
gar para lugar, de língua para língua. Em geral, é
a variedade falada no centro do poder político
e/ou cultural aquela que vai servir de base para
a elaboração das normas gramaticais e orto- A ortografia oficial, ao
gráficas. Mas essa elaboração é complexa. servir de sistema único
A ortografia oficial, ao servir de sistema úni-
para representar todas
co para representar todas as variedades da lín-
gua, exibe uma falsa aparência de “neutralida-
as variedades da língua,
de” que está longe de ser o que realmente exibe uma falsa aparência
determina sua elaboração e instituição. Mes- de “neutralidade” que está
mo as ortografias mais próximas do “ideal” —
longe de ser o que realmente
aquelas em que a relação letra/som é mais ra-
cional — estão sujeitas aos diversos critérios
determina sua elaboração
que se confundem no momento de determinar e instituição.
as formas oficiais de escrever.

21
maioria das variedades linguísticas brasileiras, do Norte. A discrepância se torna ainda mais
têm pronúncia idêntica [maw]; o emprego do radical no caso das ex-colônias, que tiveram de
<h> inicial só atende ao critério etimológico; as adotar essa norma lisboeta mesmo depois de
grafias sessão, seção, cessão também se de- se terem desenvolvido normas locais nos dife-
vem exclusivamente à etimologia, assim como rentes países. No caso do Brasil, sofremos até
cesta e sexta; hoje com a imposição, já não de uma pronún-
O critério anacronístico: apesar das refor- cia lisboeta, mas de uma norma gramatical ain-
mas ocorridas ao longo do século 20, ainda es- da muito arraigada aos usos característicos da
crevemos as vogais finais <e> e <o>, tal como fala culta urbana da capital portuguesa.
eram pronunciadas antes do século 18; ainda A “neutralidade” da ortografia, portanto, é
escrevemos o falso ditongo <ou>, que também mais um mito (assim como a ilusão de que é
desapareceu da norma-padrão portuguesa e possível “falar sem sotaque”), pois o que seu
de todo o português brasileiro no mesmo perío- exame revela é, muitas vezes, uma clara arbi-
do, e também escrevemos o <ch> que nas pa- trariedade nas decisões tomadas para oficiali-
lavras escritas até o século 15 apresentavam a zá-la. Nada justifica, por exemplo, que se escre-
consoante [ʧ] e que hoje poderiam tranquila- va extravagante, extrovertido, extraordinário
mente ser escritas com <x>; com <x>, mas estranho e estrangeiro com <s>,
O critério sociolinguístico: a ortografia oficial se na etimologia dessas palavras todas está o
se baseia em determinada(s) variedade(s) li- elemento extra- do latim. Nem que se escreva
guística(s) e não em outras; por isso não existe, estender com <s> e extensão com <x>, se são
no caso do português brasileiro, uma grafia palavras da mesma família, assim como expri-
para o “R retroflexo” [ɹ], (porta, garfo, arma) para mir e espremer, que são meras formas diver-
as vogais pretônicas abertas das variedades gentes do latim exprimere. O mesmo vale para
nordestinas ([tɛlɛˈfõni], telefone), para o [ʧ] da espraiar, escarrar, esmurrar, escavar, esfiapar,
região de Cuiabá (Mato Grosso) de [ˈʧuva] (chu- escusar que, pelo rigor etimológico, deveriam
va), para o “S chiado” presente em diversas va- ser escritas com <ex>.
riedades, para o [ʤ] amplamente generalizado Por isso, no processo de alfabetização, o
no português brasileiro ([ˈʤia], dia) e assim agente alfabetizador precisa ter plena consciên-
por diante. cia de que nem tudo o que se escreve se pronun-
Esse último critério, o sociolinguístico, é ain- cia, nem tudo o que se pronuncia se escreve e de
da mais evidente no caso das línguas trans- que a ortografia é um conjunto de símbolos, em
plantadas durante o processo colonial-impe- boa medida arbitrariamente escolhidos, empre-
rial. A ortografia do português tem por base a gados para escrever, os quais, como todo sím-
pronúncia do centro de Portugal, mais especifi- bolo, exigem um conhecimento prévio para sua
camente a de Lisboa, que se tornou o centro do interpretação, uma iniciação, uma vez que seu
poder político no século 14. Com isso, à medi- significado não pode ser deduzido apenas de
da que o tempo foi passando, as normas gra- sua figura. Nem tudo que parece um <s> soa
matical e ortográfica foram adquirindo feições como [s]. Por isso, a ortografia nunca deve ser
lisboetas e, nesse processo, marginalizando as considerada como um “retrato fiel” da língua fa-
características morfossintáticas e fonéticas lada, embora circule na sociedade o mito de
das outras regiões de Portugal, especialmente que “é preciso falar como se escreve”.

22
Por isso, no processo de
alfabetização, o agente
alfabetizador precisa ter plena
consciência de que nem tudo
o que se escreve se pronuncia,
nem tudo o que se pronuncia
se escreve.

Também é preciso estar ciente de que não é


a escrita que determina a fala, mas exatamente
o contrário: para tentar registrar a língua falada
é que surgiu a escrita. E não há nada na escrita
que faça dela uma entidade supostamente
mais importante e mais organizada do que a
língua falada. Essa suposta importância é fruto
exclusivo de fenômenos socioculturais e políti-
co-ideológicos relacionados à natureza grafo-
cêntrica das sociedades ocidentais.
Outra ideia sem fundamento — ou seja, mais
um mito — é a de que uma ortografia “simplifi-
cada” facilita a aprendizagem da leitura e da es-
crita. Ora, se fosse assim, as línguas mais fala-
das e escritas internacionalmente — o francês
e, ainda mais, o inglês —, com suas ortografias
ilógicas e complicadíssimas, jamais teriam al-
cançado a difusão que alcançaram. A realidade
nos mostra que é preciso inverter esse mito: é
a educação de qualidade que leva um povo a
se apoderar de seu patrimônio letrado e a ser
capaz de ler e de escrever bem, independente-
mente do tipo de sistema de escrita emprega-
do. É perfeitamente possível alfabetizar todo
um povo, desde que haja investimentos consis-
tentes em educação — se eles existirem, a orto-
grafia pode ser de qualquer tipo.

23
O QUE FAZ AFINAL
UM PROFISSIONAL
DE LETRAS?
Adail Sobral
N
ão se pode avaliar a utilidade de uma
profissional usando critérios de outras
que não sejam compatíveis com ela.
Quem, como nós,
Assim, não podemos comparar o curso de trabalha com pessoas
Computação com o de Letras. Mas podemos no campo da expressão
avaliar o curso de Letras considerando o curso tem responsabilidades
de Computação. Explico-me: o profissional de
computação, em algum momento de sua vida,
maiores, porque a expressão
recebeu a contribuição direta ou indireta do insuficiente ou errônea pode,
profissional de Letras. Porque ele teve de apren- num caso extremo, chegar a
der a ler e a escrever. Por outro lado, como pro-
ser a diferença entre a vida e a
fissionais de Letras, contamos com a contribui-
ção de diversos profissionais em vários aspectos morte.
de nossa vida. Seja como for, a presença da lín-
gua/linguagem em praticamente todos os atos
lidade de ser exemplo para os afilhados. Os afi-
humanos torna o profissional de Letras presen-
lhados esperam isso do padrinho, ou não o te-
te em praticamente todos esses atos. Busco
riam escolhido. Como se pode ver, as honras,
aqui definir o que faz afinal um profissional
assim como a liberdade e, a bem dizer, tudo na
de Letras.
vida humana, são coisas que requerem
Este texto é constituído em larga medida
responsabilidade.
pelo discurso de paraninfo que fiz na cerimônia
Nossa responsabilidade de profissionais de
de formatura da turma de Letras 2016/2 da
Universidade Católica de Pelotas. Para deixar Letras consiste em ser exemplos de pessoas e
bem claro qual meu principal interlocutor, os de profissionais. Creio que ser exemplo resu-
formandos, assim como pessoas que desejem me o que é ser um profissional, especialmente
se formar em Letras, mantenho aqui os aspec- de Letras, que lida com o que há de mais pre-
tos relevantes da relação enunciativa em que cioso no ser humano, aquilo que o define como
estive envolvido. Sem prejuízo de minha inten- tal: a capacidade de expressão. Privado da ca-
ção de me dirigir a outros interlocutores possí- pacidade de expressão, o ser humano se torna
veis neste novo gênero e nesta nova relação um objeto. Quem, como nós, trabalha com pes-
enunciativa, ou situação de interlocução. soas no campo da expressão tem responsabi-
Antes de tudo, devo dizer que me senti extre- lidades maiores, porque a expressão insufi-
mamente honrado e feliz por ter sido escolhido ciente ou errônea pode, num caso extremo,
paraninfo. Ao contrário de outros padrinhos, es- chegar a ser a diferença entre a vida e a morte.
colhidos necessariamente por terceiros, esse Logo, cabe-nos ser exemplos de comporta-
tipo de padrinho é escolhido diretamente pelos mento ético, humano, sensível, sem prejuízo da
afilhados. Os afilhados são pessoas que vão se capacidade técnica.
tornar profissionais na mesma área desse pa- Falo aqui coisas que falam todos os para-
drinho. Logo, ser escolhido padrinho é ser agra- ninfos, porque a condição de paraninfo o re-
ciado por uma homenagem ao profissional quer. Mas o que falo não é o mesmo que outros
que se é, mas é também receber a responsabi- falaram, pois o que falo vem de mim, em rela-

25
ção a vocês, em nosso contexto específico. É uma dimensão da expressão que escapa às
uma resposta específica ao ato de enunciação palavras, mas que, dado o milagre que é a lín-
específico que me pronunciou paraninfo. Como gua/linguagem, precisa da linguagem para ser
se pode ver, as palavras são poderosas; elas descrita, para ser socializada, levada a outras
me tornaram paraninfo, assim como os tornou pessoas. Disso fica mais uma lição: as pes-
professores. Sim, elas também podem servir soas com que os profissionais de Letras lidam
para enganar, destruir, mas o mesmo ocorre são coração, emoção, expectativas, capacida-
com uma faca, que pode servir para salvar ou de intelectual; são um misto de sensibilidade e
para matar. E é isso precisamente que me inte- capacidade de aprendizagem, são, precisa-
ressa: o que se espera que vocês façam com mente, pessoas. Jamais devemos perder de
as armas metafóricas que a universidade lhes vista que o mais importante são as pessoas.
concedeu hoje? Temos de nos perguntar, talvez todos os dias:
Essa resposta específica, transposta para tornei-me uma pessoa melhor? Depois então
outro contexto, vai se tornar uma nova respos- poderemos nos perguntar: que profissional me
ta, sem perder a influência do contexto original.
tornei e/ou sou? Porque ensinamos muito com
Essa alegação já traz algo do que faz um pro-
aquilo que somos, e não só o que dizemos e
fissional de Letras: entender essas relações e
fazemos na aula.
torná-las compreensíveis para outras pessoas.
Chegando a um tópico mais específico, per-
Nesse sentido, as mesmas palavras podem
guntaram-me um dia o que faz de útil um pro-
se fazer presentes, mas a expressão muda,
fissional de Letras. Minha primeira reação foi
porque a expressão depende de nossas rela-
dizer: talvez evitar que mais pessoas façam
ções específicas. Não somos todos os para-
esta pergunta. Mas depois pensei que fosse
ninfos nem todos os afilhados. Somos este pa-
um problema de expressão. Perguntei: “Útil em
raninfo e estes afilhados. Não há apenas
que sentido?”. Se for no sentido de produzir um
repetição de palavras, mas uma nova expres-
produto físico, também o fazemos. Produzi-
são específica, um tom específico, algo que
mos, por exemplo, traduções de livros, que não
vem de meu perfil profissional e se dirige ao
que espero que os profissionais de Letras que são bens materiais, mas que vêm num produto
vocês passaram a ser tenham, algo que vem material, um livro. Produzimos livros originais.
de minha atitude perante vocês, e que espero Produzimos textos de diversos tipos, revisões
que vocês tenham perante seus alunos. Mas de textos de outros profissionais, identificamos
que vem, especialmente, de minha emoção, problemas de expressão em textos alheios e
pretendendo alcançar a de vocês, que vem, na colaboramos para saná-los. Além disso, prepa-
verdade, de meu coração, e se dirige ao de vo- ramos outros profissionais para ler e escrever
cês. Eis mais uma característica do profissio- com eficácia, para entender o que leem, para
nal de Letras: perceber que a língua/linguagem ter condições de lidar com as “armadilhas” dos
depende das palavras e frases, mas está além textos, especialmente oficiais, para poder repli-
delas em seu exercício cotidiano. car a sugestões esdrúxulas sobre o sentido de
Essa dimensão cordial, do coração, também textos, em vez de aceitar versões fantasiosas
é responsabilidade dos profissionais de Letras ou tendenciosas. Essas são algumas ativida-
na sala de aula e na vida. Vemos assim que há des úteis que desenvolvemos.

26
Um profissional de Letras é um leitor arguto, Considerando a gama de atividades que po-
um redator eficaz e uma pessoa capaz de se demos desenvolver, creio poder afirmar, enfati-
defender de absurdos linguísticos. Que não camente: a responsabilidade que temos como
são apenas linguísticos, mas também, e espe- profissionais de Letras é defender intransigen-
cialmente, revelam posições, distorções, ten- temente o caráter humano dos alunos e, claro,
denciosidades etc. que precisamos combater. de nós professores. Sua formação humanísti-
A capacidade de compreensão e expressão via ca. A ética. É reconhecer que não existe a alu-
linguagens, objeto do profissional de Letras, é na/o aluno genéricos, mas alunos, todos distin-
fator de cidadania, de progresso social. Produ- tos uns dos outros, ainda que compartilhem,
zimos de úti lcoisas imateriais que produzem como seres humanos, aquilo que os define
efeitos materiais os mais diversos. Utilidade como tais.
não se mede apenas em termos materiais, eis Eis o que faz um profissional de Letras: res-
algo que um profissional de Letras aprende – gatar e defender intransigentemente nossa hu-
ou deveria aprender. manidade, opondo-se a todo tipo de barbárie.
Talvez possamos dizer, trazendo um dito de Um profissional de Letras está sempre na linha
outro campo do saber, que antes de falar, de de frente da defesa da liberdade de expressão.
ouvir, de ler e de escrever muitas coisas, as pes- Um profissional de Letras é um paladino da ex-
soas deveriam consultar um profissional de Le- pressão. Em suma, o profissional de Letras de-
tras. Não por questões de gramática, mas para fende a humanidade das pessoas, opondo-se à
auxílio nos campos da compreensão e da ex- sua desumanização.
pressão. Faladas e escritas. Tiremos a expressividade dos seres huma-
Assim, dada a relevância do que faz um pro- nos, e o que nos restará? Nada, ou, o que é o
fissional de Letras, cabe-me dizer que, sem dú- mesmo, números!
vida, a maior lição que eu posso dar, na condi-
ção de paraninfo, mas principalmente de
profissional de Letras, seja dizer que, para além
da formação técnica, importantíssima, a for-
mação humanística é a mais relevante. Porque,
sem essa formação, teremos pessoas adestra-
das, mas não profissionais preparados. Ainda
mais nessa época tecnicista, que pretende me-
dir tudo com números, como se a grandeza da
condição humana pudesse ser reduzida
a números.
Não podemos nos esquecer de que em todo
empreendimento humano há pessoas, “tem
gente dentro”, como dizem alguns. E que a di-
mensão humana, expressiva, que vem do cora-
ção, é a mais relevante. Entender essa dimen-
são humanística é o que se espera de um
profissional de Letras. E isso tem implicações.
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DICAS DE
LEITURA

Sete erros
aos quatro Educação em
ventos: a língua materna:
variação a sociolinguística
linguística na sala de aula
no ensino
Stella Maris
de português Bortoni-Ricardo
Marcos Bagno

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Gramáticas
contemporâneas
do português: Geolinguística:
com a palavra, tradição
os autores e modernidade
Maria Helena de Suzana Alice
Moura Neves e Marcelino Cardoso
Vânia
Cristina Casseb-
Galvão

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CONFIRA OS TEXTOS DO
BLOG DA PARÁBOLA EDITORIAL

Necrolinguagem. Breve
apontamento glotopolítico
É em Rayuela (O jogo da amarelinha), se não sam afastadas do seu uso, isoladas de qual-
me lembro mal, que o escritor argentino Julio quer contexto, imobilizadas em seus significa-
Cortázar define os dicionários como cemité- dos comuns.
rios de palavras. Além da irônica referência a As palavras adquirem sentidos diversos nas
certa tradição lexicográfica conservadora que práticas linguísticas concretas e nunca andam
demorava para incluir novos verbetes nas pá- sozinhas. Mas existem também dicionários
ginas desses instrumentos linguísticos, tal de- destinados a mostrar suas combinações mais
finição também revela a artificialidade desses habituais: são os chamados “dicionários de
repositórios de palavras, onde elas descan- combinatórias”. [...]

Leia na íntegra aqui: Necrolinguagem. Breve apontamento glotopolítico – Blog


da Parábola Editorial (parabolablog.com.br)

REVISTA DIGITAL PARÁBOLA A REVISTA DIGITAL PARÁBOLA é uma revista mensal da Pará-


Ano 1 • Edição 12 • fevereiro de 2021 bola Editorial. Os artigos publicados com assinatura não traduzem
Editora: Talita Benegra a opinião da Parábola Editorial. Sua publicação obedece ao propó-
sito de estimular o debate e de refletir as diversas tendências do
Diagramação: Jônatas Jacob
pensamento contemporâneo.
Revisão: Gisele Massaki
Parábola Editorial LTDA
Colaboradores: Adail Sobral, John Schmitz, Marcos Bagno e Rua Dr. Mario Vicente, 394 – Ipiranga
Stella Maris Bortoni-Ricardo 04270-000 São Paulo, SP
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Imagens e ilustrações: Freepik www.parabolaeditorial.com.br

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