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Livro Didático do 9º ano do Ensino

Fundamental: reflexões sobre leitura e


ensino de língua portuguesa no contexto
educacional de São Félix do Xingu

Sara Layana Maciel¹


Luciana de Barros Ataide²
Anna Beatriz Moura Duarte³

Resumo:
Este artigo traz reflexões sobre uma análise feita de uma das unidades do Livro Didático (LD)
de Língua Portuguesa utilizado na rede pública municipal de ensino de São Félix do Xingu –
Pará. Esta análise teve como objetivo observar os níveis de leitura explorados nas propostas
de compreensão de textos. Tendo em vista que o LD é uma ferramenta que deve ser capaz
de auxiliar na aprendizagem eficaz do aluno, o presente artigo baseia-se nos conceitos de
níveis de leitura do linguista Luiz Antônio Marcuschi (1996) e aprofundados por Maria Angéli‐
ca Freire de Carvalho (2016). Cabe salientar que a pesquisa não tem por objetivo defender a
tese de que o LD é um material que deve ser eliminado do processo de ensino-aprendiza‐
gem, mas mostrar, por meio de análises e opiniões de profissionais da livre docência, que o
material possui entraves no que diz ao respeito ao desalinho do conteúdo e das atividades
propostas quando pensamos a realidade dos alunos da rede pública de ensino do município
e/ou da região.

Palavras-chave:
Ensino. Leitura. Livro didático.

1) Estudante do Curso de Letras - Língua Portuguesa (Licenciatura), da Faculdade de Letras e Educação, da Uni‐
versidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, turma 2019. Foi bolsista de Extensão do projeto "I Antologia Poética
do Xingu", coordenado pela professora Luciana de Barros Ataide. Desenvolve pesquisa na área de Literatura Por‐
tuguesa.
2) Graduada em Letras – Língua Portuguesa (2003 – 2008) e Doutora em Letras: Estudos Literários (2016 – 2019),
pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professora do Curso de Letras – Língua Portuguesa (Licenciatura) na
Faculdade de Letras e Educação (FALED) da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. Atua nas áreas de Li‐
teraturas de Língua Portuguesa e Literatura e Ensino. Coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas Escritoras
Paraenses (GEPEPs).
3) Estudante do Curso de Letras - Língua Portuguesa (Licenciatura), da Faculdade de Letras e Educação, da Uni‐
versidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, turma 2019.

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Textbook for the 9th grade of Elementary Eduation: reflections on reading and teaching
the portuguese language in the educacional contexto of São Félix do Xingu

Abstract:
This article brings brings reflections on na analysis made of one of the units of the Portugue‐
se Language Textbook (LD) used in the municipal public teaching network of São Félix do
Xingu. This analysis aimed to observe the levels of reading explored in the proposals for rea‐
ding and understanding texts. Bearing in mind that the textbook is a tool that should be able
to help students learn effectively, this article is based on the concepts of reading levels by
the linguist Luiz Antônio Marcuschi (1969) end deepenned bay Maria Angélica Freire de Car‐
valho (2016). It should be noted that the research does not aim to defend the thesis that
textbook is a material that should be eliminated from the teaching-learning process, but to
show, through analyzes and opinions of teaching professionals, that the material has obsta‐
cles with regard to the misalignment of content and proposed activities when we think about
the reality of students in the public school network in the municipality and/or region.

Keywords:
Teaching. Reading. Textbook.

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Introdução Para desenvolver esta pesquisa, usare‐
mos como base de discussão o LD do
O Programa Nacional do Livro e do Ma‐ quadriênio 2020, 2021, 2022 e 2023, da dis‐
terial Didático (PNLD), regulamentado pela ciplina de Língua Portuguesa (LP), utilizado
normativa do Decreto n° 9.009, de 18 de ju‐ pelas turmas de 9° ano da rede pública de
lho de 2017, unificou as ações de aquisição e ensino do município de São Félix do Xingu.
distribuição de livros didáticos, pedagógicos, Município este localizado na região Norte do
literários dentre outros materiais de apoio à país, sul paraense. O referido LD faz parte
educação brasileira. Este programa, inclui da coleção Geração Alpha. Escolhemos,
uma série de ações e tem como público-alvo para a análise a primeira unidade deste que
a formação de alunos e professores nas es‐ traz como proposta de gênero o estudo so‐
colas públicas de ensino fundamental do bre contos psicológicos e sociais. Tal
país. Todos os anos, cerca de 150 milhões de unidade possui 16 páginas de conteúdos
livros didáticos são distribuídos para mais de que exercitam o conhecimento e compreen‐
140.000 escolas brasileiras em uma ação que são do gênero escolhido.
beneficia 40 milhões de alunos da rede públi‐
ca de ensino. Ademais, em anúncio recente, Ao contemplar o enquadre da atual situ‐
o escopo do PNLD de 2017 foi ampliado para ação das práticas de ensino-aprendizagem
permitir a inclusão de outros materiais de de língua portuguesa de São Félix do Xingu,
apoio à prática educativa como: obras instru‐ notamos que a cidade enfrenta uma situa‐
cionais, softwares e jogos educativos, ção de estagnação quase estrutural. Ao
materiais para aprimorar e corrigir processos, observarmos os dados do último resultado
treinamentos, por exemplo, para materiais e do Índice de Desenvolvimento da Educação
materiais administrados pela escola4. Básica (Ideb), realizado em 2019, veremos
que houve uma queda percentual contínua.
Nesse ínterim, percebemos que o papel O exame estabelece como parâmetro máxi‐
do Livro Didático (LD) na educação básica mo a nota 5 e o município de São Félix do
brasileira tem grande importância no desen‐ Xingu nos anos de 2017 e 2019 atingiu res‐
volvimento intelectual do aluno e esse auxílio pectivamente as notas 3, 3 e 2,9, ou seja,
ocorre desde meados dos anos de 1960, pe‐ utilizamos como referência resultados antes
ríodo em que a educação no país se tornou do isolamento social causado pelo COVID-
mais democrática e permitiu o acesso de 19.
pessoas de outras estratificações sociais. A
partir de então, o LD passou a ser o material Não podemos deixar de mencionar que
“estruturador das práticas docentes” (TAGLI‐ a situação ganha contornos maiores quando
ANI,2011, p.137). Ao inspecionar o uso dos trazemos para a discussão os impactos do
LD’s na disciplina de Língua Portuguesa (LP), período pandêmico na educação xinguense,
nosso foco principal, nota-se sobretudo a re‐ visto que os alunos enfrentaram um proces‐
levância do material didático, visto que so em que para continuar assistindo às
competências como as práticas de leitura, aulas ofertadas remotamente dependiam
escrita, análise linguística e oralidade traba‐ das Tecnologias da Informação e Comunica‐
lhadas pelos professores da rede pública de ção (TICs) e “as diversas desigualdades
ensino, conforme orienta a Base Nacional socioeconômicas que caracterizam o Brasil
Curricular Comum (BNCC), encontram-se determinam fortemente as condições de
quase que exclusivamente nos LD’s. acesso aos benefícios das modernas tecno‐

4) http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=12391:pnld

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logias da informação” (WAISELFISZ, 2007, considerado um LD ocorreu então na déca‐
p.39). Todas essas questões afetam direta‐ da de 1930, com o Decreto-Lei 1.006,
mente o trabalho dos professores de LP, datado de 30 de dezembro de 1938, que ti‐
especificamente. Para melhor tratarmos so‐ nha como definição estabelecer as
bre os entraves enfrentados pelos/as condições de produção, importação e utili‐
professores/as nesse contexto, apresenta‐ zação dos LD 's. Em lei, assim ficou definido:
mos, a seguir, uma conversa com
professores da rede pública que lecionam a Art. 2º Para os efeitos da presente lei,
disciplina de LP para turmas dos anos finais são considerados livros didáticos os
do fundamental II. compêndios e os livros de leitura de
classe.
§ 1º Compêndios são os livros que ex‐
1. O uso do livro didático nas aulas de ponham, total ou parcialmente, a
Língua Portuguesa matéria das disciplinas constantes dos
programas escolares.
Nos dois tópicos a seguir, intenciona‐ § 2º Livros de leitura de classe são os
mos, no primeiro momento contextualizar livros usados para leitura dos alunos em
sobre a história do LD no Brasil, apresentan‐ aula. (BRASIL, 1938, p. 02)
do um breve histórico de sua trajetória, até a
criação do programa que atualmente o re‐ Após um longo período, na década de
presenta: o Programa Nacional do Livro e do 1970 são criados outros programas como o
Material Didático (PNLD). Logo após, no se‐ Programa do Livro Didático (PLID) e o Pro‐
gundo tópico será a vez de “ouvir” os grama do Livro Didático para o Ensino
professores de língua portuguesa da rede Fundamental (PLIDEF). Em 1976 criou-se a
municipal de ensino de São Félix do Xingu. Fundação Nacional do Material Escolar (FE‐
Serão apresentados seus relatos e com isso NAME), após a extinção do INL, que
buscaremos articular com alguns teóricos. ocorreu no mesmo ano. Somente na déca‐
Em seguida, faremos a análise da primeira da de 1980 que são criados o Programa do
unidade do LD utilizado nas turmas do 9º Livro Didático - Ensino Médio (PLIDEM) e o
ano do Ensino Fundamental a fim de fazer‐ Programa do Livro Didático - Ensino Suple‐
mos uma abordagem sobre os níveis de tivo (PLIDESU), objetivando a colaboração
leitura cobrados. no desempenho da política governamental
e cultural do país, dando assistência ao alu‐
1.1. Entendendo a história do Livro Didático nado carente de recursos financeiros5. Em
no Brasil 1983, é criada a Fundação de Assistência
ao Estudante (FAE), com a finalidade de
A história do LD no Brasil decorre de propiciar programas assistenciais aos estu‐
uma trajetória indefinida e seu processo vem dantes, auxiliando, assim, no processo
desde o Período Imperial com a importação pedagógico. Dois anos depois, em 1985, foi
dos manuais didáticos franceses utilizados criado o Plano Nacional do Livro Didático
no colégio Dom Pedro II, até a criação do (PNLD) a partir do decreto n° 91.542, de 19
Instituto Nacional do Livro (INL), na década de agosto de 1985, possuindo como metas
de 1930, como proposição do Estado Novo propostas o estabelecimento de parâme‐
para distribuição de obras com fins educaci‐ tros para a avaliação e escolha de livros
onais. O entendimento sobre o que seria didáticos.

5) http://www.fnde.gov.br/component/k2/item/518-hist%C3%B3rico

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Ainda assim, só a partir de 1997 que o mos anos, no contexto educacional
PNLD foi ampliado e que as políticas públi‐ brasileiro, o Programa pode hoje ampliar
cas acerca do LD, lentamente, iniciam o seu suas ambições, de modo a contribuir, de
desenvolvimento e financiamento pelo Fun‐ maneira ainda mais decisiva, para a
do Nacional de Desenvolvimento da qualidade da educação brasileira. (BA‐
Educação (FNDE). Foi com a ação do FNDE TISTA; ROJO, 2003, p.41)
que o Ministério da Educação (MEC) iniciou a
distribuição dos livros de Alfabetização, Portanto, ao tomarmos conhecimento
Ciências, Estudos Sociais (História e Geogra‐ de toda trajetória do LD no Brasil, com a cri‐
fia), Matemática e Língua Portuguesa para ação de vários programas de
todos os anos do ensino fundamental. Nos disponibilização de materiais didáticos e a
anos 2000, o PNLD passa a incluir a distribui‐ reformulação do atual programa, podemos
ção de dicionários de Língua Portuguesa notar que em relação ao PNLD, muitos pas‐
para os alunos do ensino fundamental. Em sos foram dados em direção à melhoria da
2002, o programa começa a distribuir LD’s educação no país e também um maior apoio
em braile para estudantes com deficiência à prática docente. Um pouco mais adiante
visual, matriculados no ensino fundamental vamos refletir sobre a qualidade desses ma‐
regular de escolas públicas. No ano de 2009, teriais didáticos, especificamente, o LD de
o MEC, em parceria com o FNDE, busca atu‐ Língua Portuguesa, no que se refere às ativi‐
alizar o PNLD e cria o PNLD de Ensino de dades de prática leitora.
Jovens e Adultos (EJA), com o objetivo de
avaliar, adquirir e distribuir obras para todos 1.2. O que pensam os professores de Língua
os alunos do ensino fundamental público e o Portuguesa sobre o LD?6
Programa Brasil Alfabetizado (PBA). Já em
2012, o PLIDEM passa a contemplar a distri‐ Com a intenção de trazermos reflexões
buição de livros de todas as disciplinas, com sobre a importância do LD de Língua Portu‐
o acréscimo de Línguas Estrangeiras Moder‐ guesa durante as aulas, optamos com
nas (Inglês e espanhol), Sociologia e conversar com alguns professores da disci‐
Filosofia, que antes não eram oferecidos. plina e de acordo com os docentes
consultados, não há como desenvolver to‐
Pode-se perceber que o programa que das as propostas do LD especialmente
hoje distribui os LD’s, sofreu várias reformu‐ porque a maioria dos alunos estão em um ní‐
lações ao longo do tempo em busca de um vel de escolaridade abaixo dos conteúdos
ensino de melhor qualidade e nivelamento abordados nas unidades. Ou seja, os LD’s
dos materiais didáticos para todos os estu‐ utilizados neste momento de translado entre
dantes brasileiros de escolas públicas. Sobre a pandemia e o pós-pandemia não atendem
a necessidade de revitalização do PNLD, Ba‐ às necessidades enfrentadas em sala de
tista e Rojo (2003), afirmam que: aula, especialmente quando se trata de alu‐
nos que enfrentaram grandes dificuldades
[..] o Programa precisa sofrer reformula‐ de aprendizagem na pandemia.
ções. Seja em razão da própria dinâmica
do processo de avaliação, aquisição e Os professores entrevistados disseram
distribuição de livros didáticos, seja em ainda que o LD de Língua Portuguesa é de
razão das alterações ocorridas, nos últi‐ grande qualidade, no entanto, torna-se ine‐

6) Ao final deste artigo, deixaremos o apêndice com as questões que foram utilizadas na entrevista com os pro‐
fessores.

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ficaz por não atender uma realidade educa‐ série de processos que modificaram os ma‐
cional como a de São Félix do Xingu. Sendo teriais didáticos ao longo das décadas.
assim, ao retornarem para as aulas presenci‐ Seguindo o viés, se houve mudanças nas
ais, os professores se viram na urgente metodologias do livro, por consequência
necessidade de implementação de materiais também há mudança na metodologia dos
complementares que precisam ser trabalha‐ professores. Nessa perspectiva, os profes‐
dos para que então possa haver a inserção sores que atualmente lecionam a disciplina
do LD nas aulas. Isso se deve ao fato de que de língua portuguesa no município vivem um
a maioria dos alunos que estão em sala de dilema: a de seguir o roteiro programado
aula apresentam uma grande discrepância pelo LD, que direciona e norteia, mas que
de aprendizagem em relação à série que elimina toda a práxis pedagógica7 em rela‐
atualmente cursam. ção ao nivelamento da realidade dos alunos,
ou assumir um método de ensino autônomo
Embora os LD’s sejam notórios por sua que se utiliza de outros recursos para aten‐
relevância em sala de aula, os usuários da der de forma assertiva as necessidades da
ferramenta devem questionar o que a cons‐ turma.
titui, desde o texto até a forma como as
perguntas são feitas, para que haja explica‐ Conjecturando sobre isso, Batista
ções profundas e significativas tanto para (1999) diz que “os livros didáticos são a
professores quanto para alunos. Nesse âm‐ principal fonte de informação impressa utili‐
bito, é necessário que haja uma revisão no zada por parte significativa de alunos e
processo de ensino de língua materna “já professores brasileiros [..]” (p. 531). Pela
que ainda persistem práticas inadequadas e conversa que tivemos, os docentes ainda
irrelevantes, não condizentes com as mais consideram o LD como o único método pro‐
recentes concepções de língua e, conse‐ dutivo, pensamento reforçado pela
quentemente, com os objetivos mais amplos necessidade de “obrigatoriedade” de utiliza‐
que legitimamente se pode pretender” (AN‐ ção do material e a prevalência cultural de
TUNES, 2003, p. 13). É válido ressaltarmos que somente ele é o que legitima o processo
ainda que na visão docente, o LD utilizado de ensino-aprendizagem, especialmente
pelo 9º ano pode ser classificado como mui‐ porque “[..]o livro tem que ser utilizado na
to bom por abordar os conteúdos através de totalidade pelos professores, caso contrário,
textos simples e abrangentes, de fácil com‐ há cobrança dos pais e dos elementos liga‐
preensão e com assuntos sociais hodiernos, dos ao organismo escolar [..]” (FREGONEZI,
que suscita nos alunos o interesse pela leitu‐ 1997, p.131). Um dos professores entrevista‐
ra literária. Esse interesse é fundamental dos informou que a escola cobra que o LD
para romper com a tradição na educação seja utilizado em sala (grifo nosso) e que
brasileira de que o ensino da língua portu‐ essa “cobrança” advém de vários organis‐
guesa se pauta somente pelo ensino da mos escolares (pais, coordenação,
gramática normativa, e descarta todas as diretores), o que confirma as palavras de
outras esferas. Fregonezi (1997) referenciadas acima.

Pensar sobre o uso de LD na educação Apesar dos percalços históricos dentro


brasileira, de certa forma, é pensar em uma do ensino através dos LD’s, pode-se analisar

7) Segundo Paulo Freire, na obra Pedagogia do Oprimido (1998), na práxis pedagógica, o educador é aquele que,
tendo adquirido o nível de cultura necessário para o desempenho de sua atividade, dá direção ao ensino e à
aprendizagem.

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que neste momento os livros são adequados analisar a primeira unidade do LD para ob‐
para suas respectivas turmas, desenvolvi‐ servarmos como são os direcionamentos à
dos de forma que são capazes de auxiliar no interpretação de texto no que se refere ao
engrandecimento do potencial dos alunos, nível de compreensão leitora privilegiado.
trazendo consigo as práticas inerentes ao
ensino de língua como prática de leitura dos 2.1. O Livro Didático de Língua Portuguesa
mais diversos gêneros textuais, prática de do 9° do fundamental II
escrita, prática de oralização e prática de
análise linguística. Como dissemos anteriormente, o LD de
Língua Portuguesa é o "Geração Alpha Lín‐
Cabe ainda mencionarmos que durante gua Portuguesa: ensino fundamental: anos
nossa conversa com professores da rede finais: 9° ano”, cujos autores são Everaldo
pública do município, todos relataram a im‐ Nogueira, Greta Marchetti e Mirella L. Cleto,
portância e a necessidade de participação todos profissionais licenciados em Letras.
em cursos de formação continuada, especi‐ Usaremos como método de análise, os con‐
almente neste cenário educacional em que ceitos de níveis de leitura propostos por
a maioria dos alunos estão com o desenvol‐ Marcuschi (1996) quanto às questões vei‐
vimento abaixo da série que estão culadas pelos LD’s que os classifica como:
realmente matriculados e cursando. Essa questões óbvias, questões cópias, ques‐
necessidade de participação nesses cursos tões objetivas, questões inferenciais,
está ligada ao fato de que muitas vezes os questões globais, questões subjetivas,
docentes se veem sem saber o que fazer questões vale-tudo e questões metalin‐
para resolver grandes dificuldades enfren‐ guísticas. De maneira mais simplificada,
tadas em sala, como alunos que já estão mas dialogando com as questões propos‐
matriculados nos anos finais do ensino fun‐ tas do Marcuschi (1996), Carvalho (2006)
damental, mas que não passaram pelo aponta quatro categorias distintas de per‐
processo de alfabetização.. Maiores infor‐ guntas que auxiliam na avaliação da prática
mações sobre os questionamentos de leitura e compreensão de textos em sala
direcionados aos professores encontram- de aula, sendo: Nível 1 - A resposta está ex‐
se no apêndice, final deste artigo. plícita na superfície textual. O aluno precisa
localizar a resposta e transcrevê-la; Nível 2
- As respostas não estão óbvias na super‐
2. A prática de leitura no livro didáti- fície textual. O aluno precisa gerar uma
co de Língua Portuguesa: análise, pequena conclusão ou inferência com base
resultados e discussões em informações do próprio texto; Nível 3 -
O aluno precisa expressar as inferências
Pela conversa que tivemos com os pro‐ ancoradas em seus conhecimentos prévios,
fessores acerca da eficácia do LD de vinculando-os ao texto e oferecendo uma
Língua Portuguesa do 9º ano do Ensino conclusão lógica como resposta para ques‐
Fundamental, há que se destacar a qualida‐ tões sobre determinado fato, parte ou
de na abordagem dos conteúdos da série, personagem do texto; Nível 4 - Permite ex‐
especialmente em relação à variedade de pressar reflexões sobre o texto como um
gêneros textuais. Destaca-se também, nes‐ todo. As questões referentes a esse nível
se LD, a presença das práticas do ensino estão voltadas para as ideias centrais do
de língua materna. No entanto, como a mai‐ texto e exigem que o leitor se posicione cri‐
oria das queixas dos professores, podemos ticamente sobre o tópico em questão,
dizer do país, reside na dificuldade de com‐ apoiado no seu conhecimento de mundo e
preensão leitora dos alunos, optamos por nas situações descritas no texto.

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Tomando como ponto de referência os conto se confirmou após a leitura? Expli‐
níveis apresentados por Carvalho (2006), que.
vamos apresentar a análise de algumas
questões. A unidade escolhida para a análi‐ 2. A notícia da viagem, dada pela mãe do
se possui dois capítulos, o primeiro aborda o menino, desperta nele que tipo de emoção?
conto psicológico e o segundo o conto soci‐
al. No que se refere aos textos-base para as 3. O menino demonstra autonomia no mo‐
atividades, eles não são extensos, cansati‐ mento em que está no mar? Justifique.
vos e dialogam com várias áreas do
conhecimento e com o meio cultural em que 4. A idade do menino não é mencionada no
o aluno está inserido, portanto, são bem conto.

QUADRO 1 - Textos-base para o “Texto em estudo: para entender o texto”

Texto Autor Gênero Esfera

Aquela água toda João Anzanello Carrascoza Conto psicológico Literária

Por um pé de feijão Antônio Torres Conto social Literária

Uma esperança Clarice Lispector Conto psicológico Literária

contextualizados, com um vocabulário que


preza pela norma padrão, mas que não torna a) Que ações dos pais criam a imagem
as leituras tão rebuscadas para o dia a dia. do menino como uma criança?
Há em todos os textos verbais ou não-ver‐
bais (como as pinturas/imagens /fotografias) b) A passagem abaixo contradiz essa
uma proposta de discussão que motiva o imagem do menino? Explique.
aluno a sair do senso comum. O quadro
abaixo dará uma visão dos textos e autores
trabalhados na unidade em questão, os gê‐ [...] aquela água toda pedia uma entrega
nero e esfera a que pertencem. maior. E ele queria se dar, inteiramente,
como um homem.
Em relação às atividades acerca dos
contos que fazem parte dos dois capítulos, Nos primeiros exemplos citados, é pos‐
umas das estratégias para envolver o aluno sível observar que as perguntas estão nos
na temática psicológica é a antecipação das níveis 1 e 2, ou seja, para respondê-las o
discussões e o primeiro texto conto8 de Car‐ aluno precisa somente localizar as informa‐
rascoza. Iniciaremos com as 5 primeiras ções no texto e fazer inferências pontuais.
questões, são elas: De acordo com a BNCC, essas atividades
fazem parte do campo artístico-literário e
1. O que você entendeu sobre o título do exigem dos alunos a habilidade (EF89LP33)

8) MARINHO, Fernando: Gênero literário de narrativa curta, contendo um só conflito, poucos personagens,
formado por uma situação inicial, desenvolvimento e desfecho.

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Ler, de forma autônoma, e compreender a) Copie, em seu caderno, a alternativa
– selecionando procedimentos e estraté‐ correta. O adjetivo menores indica:
gias de leitura adequados a diferentes
objetivos e levando em conta característi‐ I. O relógio marcava as horas de modo
cas dos gêneros e suportes – romances, errado.
contos contemporâneos, minicontos, fá‐
bulas contemporâneas, romances juvenis, II. Ao despertar, o menino passou a inti‐
biografias romanceadas, novelas, crôni‐ mamente ressignificar as horas.
cas visuais, narrativas de ficção científica,
narrativas de suspense, poemas de for‐ III. O menino percebeu que as horas
ma livre e fixa (como haicai), poema que vivia tinham importância menor em
concreto, ciberpoema, dentre outros, ex‐ sua vida.
pressando avaliação sobre o texto lido e
estabelecendo preferências por gêneros, b) Implicitamente, quais eram as horas
temas, autores. (BNCC, 2017, p.187). consideradas “maiores”?

Pela orientação apresentada na BNCC, a c) Na expressão “de súbito, se viu”,


leitura de forma autônoma fica comprometida qual percepção do menino se eviden‐
quando se prevalece questões que abrangem cia em relação ao tempo? A percepção
apenas os níveis 1 e 2. Com relação às próxi‐ dele em relação ao tempo está ligada a
mas questões, optamos por destacar as 5,6,8 quê?
e 9, pois seguindo a progressão da tipologia
das perguntas elas atendem aos níveis 2 e 3. 8. Como as falas em discurso direto são re‐
São elas: presentadas no conto “Aquela água toda”?
Em sua opinião, por que o autor faz essa
5. Releia este trecho: opção?

9. A respeito do tipo de narração presente


A viagem longa, o menino nem a sentiu,
no conto, responda:
o tempo em ondas, ele só percebia que
o tempo era o que era quando já passa‐
ra, misturando-se a outras águas. a) Qual é o foco narrativo desse texto:
em primeira ou em terceira pessoa?
Justifique com um trecho do conto.
• O tempo que vinha em ondas era o
tempo cronológico ou o interior? Justifique b) Qual é o tipo de narrador presente
sua resposta. no conto: onisciente ou observador?
Explique sua resposta e justifique por
6. Releia este trecho: que esse tipo de narrador foi utilizado.

Podemos observar que as questões 5 e


Ao despertar, saltou as horas menores -
6 estão em nível 2 já que o aluno precisa
o lanche no posto de gasolina, as curvas
gerar uma conclusão a partir de informa‐
na descida da serra, a garagem escura
do edifício, o apartamento com móveis ções do próprio texto; enquanto as
velhos e embolorados - e de súbito, se questões 8 e 9 estão no nível 3 por exigi‐
viu de sunga segurando a prancha, a rem que os alunos ativem o conhecimento
mãe a passar protetor em seu rosto, Sos‐ linguístico prévio a fim de que possam res‐
sega! Vê se fica parado! [..]. ponder às questões.

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Essas atividades demandam dos alu‐ de Antônio Torres, a narrativa é “Por um pé
nos, de acordo com a BNCC, a habilidade de feijão”9. As atividades estão segmenta‐
(EF69LP47): das em quatro seções, sendo elas: “Texto
em estudo: para entender o texto”; “Texto
Analisar, em textos narrativos ficcionais, em estudo: o contexto de produção”; “Tex‐
as diferentes formas de composição pró‐ to em estudo: a linguagem do texto” e
prias de cada gênero, os recursos “Texto em estudo: comparação entre os
coesivos que constroem a passagem do textos”, formando ao todo 19 questões que
tempo e articulam suas partes, a escolha exercitam o conto social e algumas ativida‐
lexical típica de cada gênero para a ca‐ des que promovem as semelhanças e as
racterização dos cenários e dos disparidades entre os contos de Torres e
personagens e os efeitos de sentido de‐ de Carrascoza. Bem como no primeiro capí‐
correntes dos tempos verbais, dos tipos tulo, optamos por analisar algumas
de discurso, dos verbos de enunciação e atividades, serão elas, as questões: 1, 3 e 7,
das variedades linguísticas (no discurso que de acordo com nossa inferência aten‐
direto, se houver) empregados, identifi‐ dem aos critérios do N1; as questões 17, 18
cando o enredo e o foco narrativo e e 19, estão no N2 e por último as questões
percebendo como se estrutura a narrati‐ 9 que atende ao N3 e a questão 16 atende
va nos diferentes gêneros e os efeitos de ao nível 4. Iniciaremos pelas três primeiras
sentido decorrentes do foco narrativo questões:
típico de cada gênero, da caracterização
dos espaços físico e psicológico e dos 1. A hipótese que você levantou a respeito
tempos cronológico e psicológico, das do nome do conto se confirmou? Explique.
diferentes vozes no texto (do narrador,
de personagens em discurso direto e in‐ 3. O narrador do conto, personagem da his‐
direto), do uso de pontuação expressiva, tória, organiza a narração dos fatos com que
palavras e expressões conotativas e pro‐ tempo verbal? Transcreva no caderno qua‐
cessos figurativos e do uso de recursos tro ocorrências desse tempo. O uso
linguístico-gramaticais próprios a cada recorrente desse tempo verbal torna as
gênero narrativo. (BNCC, 2017, p. 159). ações acabadas ou inacabadas?

É preciso mencionarmos que embora as 7. Para narrar o episódio principal, o incêndio


questões estejam articuladas às orientações nas vagens de feijão recém-colhido, não se‐
de exploração de habilidades apresentadas ria necessário mencionar a ausência escolar
pela BNCC, ainda não se explora a autonomia do menino. Copie, entre as declarações
leitura dos discentes de forma que ele possa abaixo, as que apresentam o efeito que a
se posicionar sobre o texto, recorrendo a co‐ opção do contista por fazer essa menção
nhecimentos extratextuais, ou seja, cria junto ao leitor.
articuladas à vivência, à exploração da leitura
enquanto prática social. I. Apresentar um quadro realista da situ‐
ação em que vive o grupo
No capítulo 2, que vai tratar sobre o socioeconômico ao qual as persona‐
conto social, com a apresentação do texto gens pertencem.

9) Uma narrativa que fala sobre prosperidade e esperança. Após perder toda a colheita em um incêndio, a
esperança ainda resiste no coração da família que vê no único pedacinho de terra que não foi destruído pelo fogo
a oportunidade de um recomeço.

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II. Alertar quanto à influência que a flita sobre a importância da literatura para a
condição socioeconômica desprivilegi‐ sociedade. Em sua opinião, o conto “Aquela
ada pode ter no desenvolvimento água toda” tem importância social? E o con‐
formal das crianças. to “Por um pé de feijão”, é importante
socialmente? Explique.
III. Propor que a educação formal não é
a principal atividade para as crianças do Aqui, já é possível observar o nível 4 de
grupo socioeconômico ao qual o menino leitura ao exigir do aluno um posicionamento
pertence, visto que seu meio de vida in‐ crítico acerca não apenas dos textos, mas
depende de escolarização. da função social desses textos. Logo, o alu‐
no precisa se posicionar para apresentar
IV. Criticar a atuação dos pais que indu‐ conclusões ancoradas em sua leitura de
zem os filhos a abandonar a escola para mundo. Quanto às questões 17, 18 e 19, te‐
ter uma ocupação rentável. mos a seguinte sequência:

Como já foi exposto no texto, acredita‐ 17. A narrativa dos protagonistas dos dois
mos que as duas questões acima exigem contos revela realidades diversas. Para
pouco ou nenhuma inferência do aluno com você, como ficam caracterizadas no texto
seu conhecimento de mundo. Elas apenas essas diferenças? Descreva, em seu cader‐
estimulam o levantamento de uma hipótese no, as condições sociais das personagens
breve, o que defendemos que esteja aquém em cada uma delas.
do nível do aluno de 9° ano, e há ainda có‐
pias de informações já dadas no texto. 18. Nos dois contos desta unidade, são
apresentadas as famílias dos protagonistas.
Com relação à questão 9, temos: No primeiro, a família se prepara para uma
viagem de férias. No segundo, a família lida
9. O conto “Por um pé de feijão” foi publica‐ com o incêndio de sua colheita. Você gostou
do no livro Meninos, eu conto. O título do da caracterização das famílias? Justifique
livro evoca o verso “Meninos, eu vi”, do poe‐ sua resposta.
ma “I-Juca Pirama”, escrito pelo poeta
Gonçalves Dias (1823-1864). No poema, a 19. O que você mais gostou nos contos li‐
expressão é usada por um velho timbira ao dos? Justifique sua resposta.
contar às gerações mais novas a história do
jovem indígena I-Juca Pirama. Trata-se de Notamos que nessas três últimas ques‐
um verso que ganha o sentido de testemu‐ tões, as informações não estão óbvias no
nho. Ao tomar conhecimento disso, que texto, mas o aluno conseguirá recorrer a ele
hipótese você pode levantar acerca do con‐ para apresentar as respostas às questões,
teúdo do livro Menino, eu conto? logo, notamos a presença da exploração do
nível 2 de leitura.
Aqui notamos que o aluno vai precisar
fazer inferências, ativando o conhecimento Notamos, portanto, que as questões 9 e
prévio que possui sobre as informações vei‐ 16 demandam dos alunos uma capacidade
culadas pelos textos em diálogo, explorando, de análise dos efeitos de sentido decorren‐
com isso, o nível 3 de compreensão leitora. tes do uso de mecanismos de
Na questão 16 temos a seguinte orientação: intertextualidade (referências, alusões, reto‐
madas) entre textos literários, capacidade
16. Após ler os dois contos desta unidade e de expressar uma avaliação sobre o texto,
estudar sua linguagem e características, re‐ estabelecendo opinião. Tais explorações es‐

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tão articuladas com as habilidades do de formação de leitores e de uma
(EF89LP33) e (EF69LP44) da BNCC, já que verdadeira escolarização da literatura, como
exigem que o aluno tenha a capacidade de bem nos fala Magda Soares (2003). Essa es‐
colarização da literatura acontece por meio
Inferir a presença de valores sociais, do contato com a obra literária, por meio da
culturais e humanos e de diferentes vi‐ valorização dos conhecimentos prévios e
sões de mundo, em textos literários, dos horizontes de expectativas dos estu‐
reconhecendo nesses textos formas de dantes, por meio da aprendizagem de leitura
estabelecer múltiplos olhares sobre as em um contexto de letramento,
identidades, sociedades e culturas e
considerando a autoria e o contexto so‐ Sabe-se que o contato do aluno com a
cial e histórico de sua produção. leitura literária ocorre em grande maioria a
(BNCC, 2017, p.157). partir dos textos e das atividades inseridas
nas coletâneas LDs e como afirma Magda
O capítulo 2, assim como o capítulo 1, Soares (1988), o LD não é o instrumento
encerra com uma proposição de escrita de adequado para a escolarização da leitura li‐
um conto social na seção “Agora é com terária, pois quando aparece o texto literário
você!”, oferecendo todos os passos a serem no livro didático já há também as questões
seguidos. Optamos por não apresentar as que são direcionadas à compreensão do
atividades integradas relacionadas ao conto texto, com objetivos já definidos para os
“Uma esperança", de Clarice Lispector, visto quais o fim é a resolução das atividades pro‐
que a atividade seja concebida apenas postas. Podemos observar pelas análises
como completar e não seja propriamente que que Magda Soares tem razão com a re‐
trabalhada em sala de aula com os alunos. ferida afirmação. Se perguntarmos: será
que somente o livro didático supre as ne‐
2.1. Pensando a Língua Portuguesa: a fun‐ cessidades de leitura do aluno? Será que os
ção da leitura literária textos escolhidos no LD favorecem o traba‐
lho de formação do leitor literário? A partir
Após essa reflexão que trouxemos so‐ do diálogo com os Parâmetros Curriculares
bre as atividades de compreensão leitoras Nacionais (PCN’s) construiremos um debate
propostas pelo LD de Língua Portuguesa sobre como a disciplina de língua portugue‐
não pudemos deixar de notar que na Unida‐ sa influencia no surgimento e no
de I prevaleceu o gênero literário narrativo desenvolvimento do leitor literário.
(conto). No entanto, o texto literário, no LD,
tem uma função específica que é o desen‐ Sobre a relação entre leitura e compo‐
volvimento de habilidades e competências nente curricular, os PCN’s anunciam que a
ligadas à resolução de atividades, ou seja, literatura é uma ferramenta fundamental
não há uma orientação para o ensino de lite‐ para a formação do indivíduo, capaz de mo‐
ratura. Reconhecemos a importância do LD bilizar diálogos entre sujeito e mundo,
no ensino de Língua Portuguesa, mas tam‐ conferindo ao texto literário um caráter pró‐
bém precisamos ressaltar a importância do prio:
trabalho com o texto literário para o ensino
básico para além do cumprimento de ativi‐ A literatura não é cópia do real, nem
dades avaliativas, pois é preciso que se puro exercício de linguagem, tampouco
compreenda que o ensino de língua materna mera fantasia que se asilou dos senti‐
se efetiva em todos os campos de conheci‐ dos do mundo e da história dos
mento, inclusive no campo literário. E neste homens. Se tomada como uma maneira
campo é preciso haver um trabalho no senti‐ particular de compor o conhecimento, é

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necessário reconhecer que sua relação enfrentadas todos os dias são visíveis. No
com o real é indireta. (BRASIL, 1998, p. entanto, percebemos que, apesar das ten‐
29) sões que surgem, ainda não prevemos
mudanças necessárias. Essas mudanças
Conjecturando novamente com o que são discutidas e sugeridas ininterruptamen‐
preconiza os PCN’s, vê-se pela sua concep‐ te por diferentes órgãos do ensino, mas não
ção que a leitura “não se trata de extrair atendem às expectativas da sociedade de
informação, decodificando letra por letra, educação.
palavra por palavra” (BRASIL, 1998, p. 69), o
que dá uma constatação de ampliamento do Portanto, é importante observar a práti‐
papel da leitura, como um processo contí‐ ca estabelecida no campo escolar para que
nuo na vida acadêmica do aluno. Para que seja consolidado o desejo de um leitor efici‐
esse processo contínuo se perpetue, precisa ente, mas para isso é precise que se supere
ser amplamente trabalhado dentro de uma os défices educacionais. Pela análise que fi‐
formação leitora, reconhecendo a leitura lite‐ zemos, o LD de Língua Portuguesa dialoga
rária como fenômeno social de construção com as orientações de exploração de habili‐
de sentidos, destituída da mecanicidade, da dades apresentadas pela BNCC no que se
decodificação de palavras, do esvaziamento refere ao campo literário. Apesar de o nível
de significado, ou seja, trata-se de um tra‐ de compreensão leitora ter ficado entre o 2,
balho que priorize a leitura literária enquanto em sua maioria, concluímos, pela conversa
prática social. com professores, que o LD, em sua totalida‐
de, explora outros tipos e gêneros textuais e
são uma referência importante em relação à
Considerações finais exploração de conteúdos por série.

Ao pensarmos sobre a funcionalidade Claro, concluímos também pela conver‐


do ensino-aprendizagem da língua portu‐ sa com professores que no contexto
guesa, percebemos que se trata de um educacional de São Félix do Xingu, o LD não
ensino direcionado à função social da língua, tem sido muito explorado em sala de aula,
compreendendo a formação interpretativa, mas não é por razões de problemas ligados
discursiva e cultural. Aprofundando tal viés, à elaboração do livro, mas a uma realidade
nota-se que o conjunto de atividades esco‐ educacional, social e econômica do próprio
lares necessitam conter este fim capaz de município. Concluímos, portanto, que diante
entrelaçar-se entre diferentes moldes de en‐ de tal realidade, o professor de Língua Por‐
sino, voltados teoricamente para este tuguesa poderá, a partir do enfoque do LD
contexto. Nesse sentido, o LD tende a des‐ em níveis específicos, ampliar ou reformular
tacar-se como o principal mediador deste a condução proposta, conjugando-a a con‐
modelo de ensino, principalmente no que se dução metodológica e estratégica,
diz respeito ao livro analisado neste artigo. adequando-a à realidade da sala de aula
sem perder de vista os objetivos almejados
Considerando o contexto sócio-históri‐ nessa série final do Ensino Fundamental.
co de diferentes agentes e alunos ligados ao
sistema de atividade escolar, percebemos
que são inúmeras as tensões que podem se Referências
sobrepor a essa rede. Por exemplo, anali‐
sando o sistema de atividades cotidianas do ANTUNES, Irandé. Aula de Português - En‐
professor e do aluno no contexto educacio‐ contro e interação. São Paulo: Parábola
nal de São Félix do Xingu, as dificuldades editorial, 2003.

Baraquitã: Revista de Letras e Artes, Marabá, v. 1, n. 2, ago./dez. 2022. 23


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Baraquitã: Revista de Letras e Artes, Marabá, v. 1, n. 2, ago./dez. 2022. 24


Apêndice - Questões que orientaram a conversa com professores da rede
municipal de ensino de São Félix do Xingu:

1. Os Livros Didáticos são utilizados? É o único material didático


utilizado? Quais outros?

2. Você desenvolve todas as atividades do Livro Didático?

3. Usa algum critério de seleção? Qual?

4. Na sua visão, os gêneros textuais são adequados às séries?

5. Quantidades de propostas de produção de texto por unidade


são satisfatórias?

6. Quantidade de textos por unidade é satisfatória?

7. O livro traz proposta de algum projeto de ensino?

8. O livro traz proposta de jogos educativos?

9. O livro traz indicação de obras literárias para leitura? São


realizadas leituras dessas obras?

10. O livro traz indicações de filmes/vídeos para a turma?

11. Os livros atendem a realidade dos alunos?

12. Como você faz para adaptar o material didático à realidade


do aluno?

13. Sente a necessidade de participar de algum projeto e/ou


curso de atualização de conhecimentos?

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