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Assunto (Tema): Materiais didáticos como segunda língua para alunos surdos.

Daniele Brandão Araújo

BARBOSA, E. dos R. A. Materiais didáticos impressos e digitais de ensino de português


como segunda língua para alunos surdos. Revista De Ciências Humanas, v. 18, n. 1, 2019.
Disponível em: https://periodicos.ufv.br/RCH/article/view/6401

─ O objetivo dos autores é “focar a temática dos materiais didáticos para surdos,
considerando sua importância para um ensino efetivo de português para esses aprendizes,
além de seu papel como ‘“apoio’” para o professor que atua no ensino de PL2 para surdos.
Para tanto, inicialmente discutimos, de modo geral, a importância dos livros didáticos no
ensino de línguas e a situação da área de PL2 para surdos.” (p.79)
─ “Nos últimos anos, a comunidade surda usuária da Língua de Sinais Brasileira (Libras) e
pesquisadores da área têm militado a favor da Educação Bilíngue para surdos, como a melhor
proposta educacional para essa minoria linguística. Nessa perspectiva, a Libras é considerada
como a primeira língua (L1) dos surdos e o português, a segunda língua (L2), a ser ensinada
por meio de metodologias específicas (Ferreira-Brito 49; Quadros 21; entre outros).” (p. 79)
─ “No entanto, a proposta de educação bilíngue tem enfrentado inúmeros” (p.79)

● Livros didáticos e o ensino de PL2 para surdos

─ “o livro é o recurso mais encontrado em sala de aula, e sua história remonta há séculos
atrás, sendo que a indisponibilidade deste recurso ou sua presença em sala de aula influenciou
as metodologias de ensino de línguas. Atualmente, o livro didático pode ocupar um papel
central no ensino de línguas, determinando objetivos e conteúdos a serem priorizados, ou
mesmo pode ser utilizado de forma mais periférica, com o professor elaborando suas próprias
atividades e usando-o como apoio (Diniz et al. 266).” (p. 80)
─ “Diniz et al. (266) assumem que o livro didático não é, em si, bom ou ruim, mas é
importante considerar a forma como esse recurso é utilizado em sala de aula.” (p.80)
─ Os autores argumentam que, no contexto do ensino de português para falantes de outras
línguas e também para surdos, os livros didáticos desempenham um papel crucial devido à
falta de formação específica dos professores e à escassez de materiais didáticos adequados.
No caso do ensino de português como segunda língua para surdos, há uma notável ausência
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de materiais disponíveis, especialmente para crianças surdas usuárias da Libras, o que torna a
situação de aprendizagem ainda mais complexa, já que falam uma língua e precisarão
aprender a ler e escrever em sua L2.

● Uma experiência de desenvolvimento de materiais didáticos

─ “Considerando a importância e a escassez de materiais didáticos para a educação de


crianças surdas, iniciamos no ano de 2014 um projeto 16 que visa ao [...] desenvolvendo um
material independente, que se constitui de um livro didático em português e um DVD em
Libras. Apesar de o livro ser o recurso norteador, apresentando a sequência das atividades,
este, por sua vez, depende do material em DVD, que traz vídeos em Libras indispensáveis
para o desenvolvimento das atividades e sistematização dos conteúdos.” (81)
─ O autor conta como foi essencial definir o público-alvo antes de iniciar o
desenvolvimento do material, optando por criar materiais didáticos para crianças surdas a
partir de 8 anos de idade devido à importância da aprendizagem precoce de uma segunda
língua (L2) e ao atual nível precário de ensino e aprendizagem de Português como segunda
língua (PL2) para surdos. Uma equipe composta por professores e estudantes de Letras e
Design Visual está encarregada do desenvolvimento. O conteúdo é criado pela equipe de
Letras e posteriormente enviado à equipe de Design Visual para desenvolver o projeto
gráfico, com constante colaboração entre as duas equipes por meio de reuniões presenciais e
ferramentas online, permitindo revisões contínuas para atender às necessidades de
aprendizagem do público-alvo.

● Elaboração do Conteúdo

─ “Conforme Leffa (15), a produção de materiais de ensino deve seguir minimamente as


seguintes etapas: análise, desenvolvimento, implementação e avaliação.” (p. 82) “Esse
processo foi feito de forma recursiva, como sugere Leffa (16), além de ocorrer também em
conjunto com a equipe da área de Design Visual, como iremos detalhar mais adiante.” (p. 82)
(destaques adicionados)
● Análise das especificidades e necessidades do aprendiz surdo
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─ “Apesar de comparável com o aprendiz ouvinte de PL2, o aprendiz surdo apresenta


algumas especificidades relativas a sua condição sensorial, ao uso de uma língua espaço-
visual e ao pertencimento a uma comunidade linguística minoritária. É muito importante que
o ensino de PL2 para esses aprendizes considere de forma adequada tais especificidades.”
(82)
─ Antes de desenvolver o material didático, foi crucial entender as especificidades e
necessidades dos aprendizes surdos. Eles não apenas aprendem uma segunda língua (L2), mas
também uma segunda modalidade de língua, já que a língua de sinais (Libras) difere
sintaticamente do português. O material inclui vídeos em Libras comparando gramática com o
português, reconhecendo a cultura surda e oferecendo textos escritos variados para promover
o letramento. Dada a predominância do uso de Libras nas interações face a face, o material
foca na interação escrita em português para promover o desenvolvimento linguístico dos
aprendizes surdos. Gêneros textuais diversos são incluídos, considerando as interações
cotidianas dos aprendizes e a importância da escola na expansão de seu repertório de leitura e
escrita. O foco na aprendizagem da língua escrita é destacado como uma questão crucial no
material para crianças surdas.
─ “No caso dos surdos brasileiros, aprender a ler e a escrever coincide com aprender uma
nova língua, já que a escrita da Libras ainda não é suficientemente difundida e faltam
trabalhos sobre o ensino da escrita de sinais para crianças surdas no Brasil. A esse respeito, G.
Silva explica:” (p.83)
─ “Em geral, os surdos brasileiros iniciam seu contato com a língua escrita em eventos de
letramento nos quais o material escrito está em LP [língua portuguesa], uma língua oral cujo
sistema conceitual não corresponde ao sistema de sua L1 e cuja representação gráfica está
relacionada à cadeia sonora da língua falada. (SILVA 13). Considerando a complexidade do
processo de alfabetização de crianças surdas,” (p. 84) os autores então decidem “[...]
contemplar, no material didático, crianças surdas, com cerca de 8 anos de idade, que já
tenham iniciado seu processo de alfabetização. Para utilizar de forma satisfatória o material,
essa criança já deve ter algumas habilidades descritas abaixo conforme a Matriz de Referência
do Programa de Avaliação da Alfabetização da Secretaria de Estado da Educação de Minas
Gerais, a saber: (i) habilidades relativas ao reconhecimento dos sistemas de convenção da
escrita, tais como: identificar as letras do alfabeto; diferenciar letras de outros sinais gráficos,
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distinguir, como leitor, diferentes tipos de letras; conhecer as direções e o alinhamento da
escrita do português; compreender a função da segmentação de espaços em branco na
delimitação de palavras em textos escritos. (ii) habilidades relativas à apropriação do
sistema alfabético, tais como: compreender a função da segmentação de espaços em branco
na delimitação de palavras em textos escritos; ler palavras. (iii) habilidades relativas à
produção escrita, tal como escrever palavras. (Minas Gerais; UFJF/CAED 15) Produzir um
livro para crianças surdas com certas habilidades na escrita alfabética, voltado para a
aprendizagem de uma L2 tem o objetivo também de responder à demanda de outro público
usuário do material didático – os professores de surdos. Muitos deles, mesmo com ampla
experiência na educação de crianças surdas ou, mais especificamente, na alfabetização, não
têm formação em ensino de L2, sendo que um material didático pode ajudar a complementar
as atividades de ensino, focando propriamente no ensino de L2.” (p. 84)

● Definição da abordagem de ensino

─ O ensino de português para surdos historicamente adotou uma abordagem oralista,


priorizando o desenvolvimento da fala em detrimento da escrita. No entanto, recentemente,
houve uma mudança para uma abordagem mais interacionista, enfatizando o uso significativo
da língua em diferentes contextos sociais. O material didático busca atender a essa nova
demanda, proporcionando atividades que promovam a interação em português por meio da
escrita, tanto dentro quanto fora da sala de aula, utilizando dinâmicas variadas e tecnologias
modernas.

● Desenvolvimento do material

─ “Após definir o público ao qual se destinaria o material e a abordagem que seria adotada,
iniciamos o processo de desenvolvimento propriamente dito que culminou na avaliação, a
qual se deu por meio da aplicação do material numa turma de alunos surdos numa escola da
rede pública para posterior revisão.” (p. 85)
─ O material foi organizado em unidades e lições, abordando temas como identidade,
família e rotina. Vídeos em Libras complementam o material impresso, sistematizando
conceitos, apresentando glossários e explicando o funcionamento do português. Como
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exemplo, a unidade 2, "Minha família", inclui lições sobre membros da família, convites e
numerais, com atividades baseadas em textos autênticos simplificados para atender às
necessidades linguísticas dos aprendizes surdos no início do processo de aprendizagem de
PL2.
─ Foram desenvolvidas atividades que abordam habilidades de leitura e escrita em textos
variados, integrando o ensino de gramática e a identificação de nomes próprios em português.
Utilizou recursos da internet para promover interações por meio da língua escrita,
considerando vantagens para aprendizes surdos. Buscaram contemplar especificidades como
aprendizagem visual da língua escrita, mediação da Libras e análise contrastiva Libras-
português. Adotaram estratégias para potencializar a aprendizagem visual da língua escrita e
utilizamos a Libras como mediadora no processo de aprendizagem, incluindo vídeos
explicativos e atividades em grupo. Proporam discussões em Libras para construir
coletivamente o conhecimento e negociar sentidos com pares surdos.

● Elaboração do Design Visual

─ “A programação visual é etapa importante no desenvolvimento deste material didático,


tanto do livro (que terá saída inicialmente digital e, eventualmente, impressa) quanto do DVD.
Como o público-alvo são crianças usuárias da Libras, e a oralização não é pré-requisito para a
utilização do material, o aprendizado do português escrito como L2 se apoia exclusivamente
em estímulos visuais. Essa é uma das especificidades que afetam o modo como a publicação
vem sendo trabalhada visualmente.Sem a fonetização no aprendizado da língua escrita, as
crianças precisam decodificar as palavras utilizando apenas o input visual.” (p. 90-91)
─ O projeto gráfico busca soluções específicas que consideram as experiências e
conhecimentos prévios do público-alvo, adotando uma abordagem centrada no usuário.
Aspectos objetivos incluem o formato da publicação, o uso de letras grandes e espaçamentos
generosos para facilitar a decodificação visual do texto. Aspectos subjetivos englobam a
representação do público-alvo por meio de marca, paleta de cores, pictogramas e ilustrações,
visando envolvimento emocional e eficiência no uso do material. A interação entre o livro e
os vídeos complementares em DVD também é considerada, visando facilitar o acesso ao
conteúdo.
─ Isso é alcançado através da marca do projeto, paleta de cores, pictogramas e personagens
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exclusivos. A marca reflete a abordagem visual de ensino da língua escrita, com base na
Libras. A paleta de cores é inspirada em materiais escolares comuns para identificar as
diferentes unidades do material. Os pictogramas indicam tipos de atividades diretamente,
facilitando a comunicação com os alunos. Os personagens principais, Lili e Guto, foram
criados para estabelecer empatia e guiar os alunos nas atividades. Outras ilustrações seguem o
mesmo estilo para garantir coerência visual. O uso consistente desses elementos visa tornar o
livro atraente e facilitar o aprendizado. O acesso aos materiais de apoio em vídeo
complementares também é importante para enriquecer a experiência de aprendizado dos
alunos. Lili e Guto aparecem em todas as unidades, incentivando o envolvimento dos alunos e
fornecendo orientações sobre o uso do material. Suas características visuais, como cabeças
grandes, rostos expressivos e mãos grandes para facilitar os gestos em Libras, foram
projetadas para criar identificação e tornar o aprendizado mais agradável. Outras ilustrações,
incluindo aquelas relacionadas ao vocabulário, seguem o mesmo estilo visual para garantir
consistência ao longo da publicação. Esses elementos visuais coerentes visam tornar o livro
atrativo e facilitar o processo de aprendizagem, especialmente considerando que será o
principal meio de contato dos alunos com o português no nível básico. O acesso facilitado aos
materiais de apoio em vídeo também é fundamental, permitindo uma integração eficaz entre o
livro e os vídeos complementares.
─ Conclusões:
─ “De modo geral, a produção de materiais didáticos para crianças surdas tem sido uma
experiência muito rica para os membros do projeto, professores e bolsistas de graduação.
Elaborar propostas de conteúdo e design e implementar considerando as especificidades do
público-alvo é uma tarefa que exige constante discussão e revisão do trabalho por toda a
equipe de forma integrada.” (p.94)
─ “Alguns desafios têm se colocado ao longo do processo de construção de um material
independente, como a falta de verbas para a impressão e produção de DVDs. Outra questão
bastante problemática é a obtenção de direitos autorais e uso de imagens, considerando a
importância de se utilizarem materiais autênticos, presentes no cotidiano, para se
desenvolverem habilidades de leitura e escrita das crianças surdas.”
─ “No que tange à elaboração do conteúdo, alguns desafios metodológicos têm inquietado a
equipe, tais como; (i) a construção de atividades interativas por meio da língua escrita; (ii) o
uso de textos autênticos condizentes com o nível de conhecimento linguístico de crianças
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surdas; (iii) a construção de textos didáticos em Libras de forma adequada à faixa etária das
crianças, entre outros.”
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