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Vice-Reitor
Pe. Francisco Ivern Simó SJ
Decanos
Prof. Júlio Cesar Valladão Diniz (CTCH)
Prof. Luiz Roberto A. Cunha (CCS)
Prof. Luiz Alencar Reis da Silva Mello (CTC)
Prof. Hilton Augusto Koch (CCBS)
CRIMINALIZAÇÃO DO R A C I S M O :
Thula Pires
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Revisão de texto
Lunde Braghini Júnior
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ISBN: 978-85-69175-05-6
1. Direito 2. Racismo
Direito: 340
Racismo-política: 320.56
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À Dandara, a quem eu devo meus mais genuínos
sentimentos e as mais incríveis sensações.
Agradecimentos
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a discriminação racial? A aplicação da pena funciona como um mecanismo
simbólico da consciência jurídica? É possível um uso alternativo do poder
punitivo, como mecanismo de transformação social?
Encontrar a solução do dilema através das respostas a perguntas tão instigantes é
o que espera o leitor desse trabalho realizado por uma pesquisadora comprometida
com a atividade intelectual e com a militância no movimento negro. Thula Pires,
atualmente professora do quadro permanente do Programa de Pós–Graduação
da PUC–Rio, nos oferece um texto escrito com invejável competência acadêmica
e forte compromisso pessoal.
Gisele Cittadino
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Introdução
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O objetivo não foi o de esgotar toda e qualquer referência à temática racial no
âmbito da Constituinte, mas situar o principal tema do livro – “a criminalização
do racismo” – no processo de elaboração do texto constitucional. Buscando
identificar o grau de mobilização política orientada à sua incorporação no texto
final, bem como as possíveis resistências encontradas no tratamento dessa e de
outras importantes reivindicações levadas pelo movimento negro.
Um dos problemas levantados pelos teóricos da criminologia crítica para
não considerar a criminalização do racismo como uma política pública de
reconhecimento é a ineficácia histórica das normas criminalizadoras no combate
à discriminação. Essa hipótese parece confirmada pelos dados apresentados pelo
Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil (2011), em que a equipe
do LAESER[6] demonstra que as vítimas perdem a maioria dos processos
envolvendo discriminação racial. Como o levantamento feito é eminentemente
quantitativo, antes de partir para a afirmação a priori da impossibilidade de essas
legislações tratarem o tema, optou-se por desenvolver uma pesquisa jurisprudencial
que pudesse demonstrar em que medida os agentes públicos responsáveis pela
aplicação da legislação de combate penal ao racismo, notadamente os magistrados,
contribuem para a inefetividade crônica do Direito nessa área.
Quanto ao recorte temporal, a pesquisa jurisprudencial pautou-se em processos
criminais julgados em segunda instância pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro no período de 1989, ano da promulgação da Lei Caó (Lei 7.716/89)
até 2011. Para escolha dos processos, foram selecionadas seis palavras–chave [7]
(“racismo”, “preconceito”, “injúria”, “discriminação racial”, “preconceito racial” e
“injúria racial”) que deram origem à primeira leva de acórdãos, que consistiu em
355 processos criminais e 175 processos cíveis. Depois de desconsiderados todos
os casos que não se relacionavam diretamente a formas de discriminação contra
negros e negras, restaram 51 processos criminais. Desses, 46 tiveram os acórdãos
analisados. Isso porque dois processos foram arquivados nas duas instâncias, não
tendo acórdãos disponíveis, e os demais tratavam de recursos em processos que
já haviam sido analisados.
Com o objetivo de aperfeiçoar a análise dos casos, foram elaboradas seis
questões que deveriam nortear a leitura de cada processo: I) Qual o tempo total
de tramitação do processo até o julgamento em 2ª instância? II) Qual o tipo de
defesa utilizada pelo autor: advocacia privada, advocacia popular ou Defensoria
Pública? III) Nos casos em que o réu era branco, como a conduta foi tipificada?
IV) Dos casos que o réu era negro, como foi tipificada? V) Foi aplicada a agravante
genérica do art. 61, II, “a” do Código Penal? e VI) Quem ganhou a ação?
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Dentre as principais dificuldades encontradas, destaca-se o tratamento
não detalhado do tema da discriminação racial nos acórdãos, bem como o
arquivamento de muitos dos processos em primeira instância, o que dificultava
a obtenção de informações adicionais envolvendo a lide. Assim, muitas das
questões não puderam ser respondidas, o que afetou a avaliação final dos dados
coletados, conforme será demonstrado oportunamente.
A complementação das referências teóricas para lidar com o tema da
criminalização do racismo veio a partir da realização de entrevistas com
importantes pensadores da criminologia crítica carioca, que informaram
basicamente as análises contidas no último capítulo. A escolha por entrevistas
semiestruturadas deveu-se ao fato de essatécnica combinar perguntas abertas e
fechadas, permitindo que o pesquisador oriente a conversa através de perguntas
previamente definidas, mas, principalmente, que o entrevistado possa discorrer
sobre o tema proposto. Em razão da excelência dos entrevistados, apresentou-se
como a opção mais produtiva e adequada.
Os sujeitos da pesquisa foram escolhidos entre autores tidos como referência
no debate da criminologia no Estado do Rio de Janeiro, procurando contemplar
análises provenientes de diferentes áreas do saber. A escolha dos entrevistados
considerou não apenas a produção dos pensadores no campo da criminologia
crítica, mas também a influência que exercem nessa área.
Foram entrevistados os seguintes professores: Nilo Batista (UERJ;UFRJ), Vera
Malaguti Batista (IBC, UERJ), Ester Kosovski (UERJ), Geraldo Prado (UFRJ),
Ana Lucia Sabadell (UFRJ) e Marildo Menegat (UFRJ) [8]. Inicialmente pensava-
se em entrevistar outros importantes representantes da criminologia crítica
nacional [9], mas, ao final, a pesquisa ficou restrita aos citados representantes em
atuação no Rio de Janeiro.
As tensões raciais presentes na sociedade brasileira perpassam boa parte
dos trabalhos desenvolvidos, pelo menos desde a criminologia positivista.
A criminologia crítica foi uma aliada fundamental na denúncia do mito da
democracia racial no Brasil ao provar a racialidade do sistema de justiça penal
brasileiro e o genocídio perpetrado contra os jovens negros nesse território.
No entanto, faltava uma sistematização do pensamento da criminologia crítica
brasileira acerca do tema específico da ‘criminalização do racismo’.
Foram preparadas previamente oito perguntas que pretendiam que os
pensadores identificassem seus marcos teóricos e analisassem as implicações do
tema proposto. Além da riqueza das análises, merece destaque a postura acadêmica
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dos entrevistados, representada pela disposição por trazer novas fontes, sugerir
outros nomes, disponibilizar o próprio acervo e manter em aberto a conversa,
apenas iniciada com a entrevista.
O último questionamento feito aos entrevistados dizia respeito à
autoidentificação. Aqueles que não faziam referência expressa a sua cor no
decorrer da entrevista eram perguntados, ao final, sobre como se viam em termos
raciais. Nenhum dos entrevistados se identificou como negro. Além dos que se
identificaram como brancos, um dos entrevistados se caracterizou como ‘mulato
embranquecido pelo sucesso profissional’ e outro como ‘moreno’.
Essa observação não tem a pretensão de desautorizar a contribuição dos
professores ou essencializar o debate. Apenas demonstrar que as interpretações
empreendidas decorrem da experiência de não negros em uma sociedade
fortemente racista. Assim como o lugar de fala e as contribuições teóricas
que se pretendem com esse trabalho partem de uma mulher negra brasileira
comprometida com a promoção da igualdade e respeito entre seres humanos
concretos e plurais.
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