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CONSELHO EDITORIAL
Alexandre Godoy Dotta – Doutor e mestre em Edu- Professor Adjunto de Direito Processual da Univer-
cação. Especialista em Administração, Metodologia sidade Federal Fluminense e membro do corpo per-
do Ensino Superior e em Metodologia do Conheci- manente do Programa de Mestrado e Doutorado
mento e do Trabalho Científico. Licenciado em So- em Sociologia e Direito da mesma universidade.
ciologia e Pedagogia. Bacharel em Tecnologia. Ligia Maria Silva Melo de Casimiro – Doutora em
Ana Claudia Santano – Pós-doutora em Direito Direito Econômico e Social pela PUC-PR. Mestre
Público Econômico pela Pontifícia Universidade em Direito do Estado pela PUC-SP. Professora de
Católica do Paraná. Doutora e mestre em Ciências Direito Administrativo da UFC-CE. Presidente do
Jurídicas e Políticas pela Universidad de Salamanca, Instituto Cearense de Direito Administrativo - ICDA.
Espanha. Diretora do Instituto Brasileiro de Direito Adminis-
Daniel Wunder Hachem – Professor de Direito trativo - IBDA e coordenadora Regional do IBDU.
Constitucional e Administrativo da Universidade Fe- Luiz Fernando Casagrande Pereira – Doutor e mes-
deral do Paraná e da Pontifícia Universidade Católi- tre em Direito pela Universidade Federal do Paraná.
ca do Paraná. Doutor e mestre em Direito do Estado Coordenador da pós-graduação em Direito Eleitoral
pela UFPR. Coordenador Executivo da Rede Docen- da Universidade Positivo. Autor de livros e artigos
te Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo. de processo civil e direito eleitoral.
Emerson Gabardo – Professor Titular de Direito Rafael Santos de Oliveira – Doutor em Direito pela
Administrativo da PUC-PR. Professor Associado de Universidade Federal de Santa Catarina. Mestre
Direito Administrativo da UFPR. Doutor em Direito e graduado em Direito pela UFSM. Professor na
do Estado pela UFPR com Pós-doutorado pela For- graduação e na pós-graduação em Direito da Uni-
dham University School of Law e pela University of versidade Federal de Santa Maria. Coordenador do
California - UCI (EUA). Curso de Direito e editor da Revista Direitos Emer-
Fernando Gama de Miranda Netto – Doutor em Di- gentes na Sociedade Global e da Revista Eletrônica
reito pela Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro. do Curso de Direito da mesma universidade.
EDITORA ÍTHALA
CURITIBA – 2023
Sumário
APRESENTAÇÃO............................................................................. 7
Como o título do livro destaca, os estudos publicados giram em torno dos eixos
temáticos do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unibrasil: Direitos Humanos e
Democracia. Mais especificamente, a obra organizada trata, como elementos centrais, do
Estado, da Democracia e do Desenvolvimento, com especial enfoque na eficácia dos direi-
tos fundamentais. Os temas estão evidentemente relacionados. Sem Estado, Democracia e
Desenvolvimento, não se pode conceber direitos fundamentais eficazes. Daí porque, com
este pano de fundo, o leitor encontrará textos que tratam de temas variados.
Resumo
O presente artigo visa compreender o que é um Código de Processo Constitucional e
seu objeto. O objetivo seguinte é estudar o Anteprojeto do Código Brasileiro de Processo
Constitucional, em especial, no que diz respeito ao remédio constitucional do mandado
de segurança, atualmente regido pela Lei n. 12.016, de 7 de agosto de 2009. Feitas as
compreensões gerais, o artigo busca estabelecer um paralelo entre a legislação vigente
e a futura normativa, apontando quais são e em que consistem as principais alterações
normativas sobre o processo constitucional do mandado de segurança.
1
Pós-doutor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutor e mestre pelo Programa de
Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Vice-coordenador do Programa de Pós-
graduação em Direito do Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil). Professor substituto de Direito
Processual Civil da UFPR. Coordenador da Especialização de Direito Processual Civil da Academia Brasileira
de Direito Constitucional (ABDConst). Advogado. E-mail: william@pxadvogados.com.br
2
Mestranda no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direitos Fundamentais e Democracia do Centro
Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil, 2021-2023), bolsista taxista da Capes/Prosup. Pós-graduada em
Direito Público pelo UniBrasil-Esmafe/PR (2014); Aperfeiçoamento em Direito pela Escola da Magistratura do
Paraná (Emap/PR, 2015). Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR,2013).
Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Jurisdição e Democracia do UniBrasil (2021-atual). Pesquisadora do Grupo
de Pesquisa Dirpol-CCONS-UFPR (06/2022-atual). Associada do Conpedi – Conselho Nacional de Pesquisa e
Pós-Graduação em Direito (2023). Assessora jurídica e chefe de gabinete de desembargadora substituta junto
ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) (2014-atual). camilasoarescjayme@hmail.com
10| William Soares Pugliese - Camila Soares Cavassin Jayme
1 INTRODUÇÃO
Da recente notícia3 quanto ao julgamento de milhares de processos no Supremo
Tribunal Federal e da constante vigilância da Corte em sua função de guarda da Constituição
da República Federativa do Brasil, desperta-se e instiga-se o interesse e estudo da promes-
sa do Código de Processo Constitucional.
O trabalho de pesquisa foi desenvolvido pelo método dedutivo e indutivo, com base
em análise documental indireta de artigos científicos de periódicos e doutrina nacional.
Também pelo método comparativo teve por fonte a análise da legislação atual aplicável ao
instituto em análise com a expectativa da legislação futura.
3
MINISTRO Luiz Fux encerra semestre judiciário com mais de 7 mil processos julgados em sessões colegiadas.
STF, 1 ago. 2022. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/internacional/content.asp?id=489908&ori=1&idio-
ma=pt_br. Acesso em: 27 ago. 2022.
O mandado de segurança e o anteprojeto para um Código Brasileiro... |11
4
OAB. Processo n. 49.0000.215.009467-9/Conselho Pleno. Código Brasileiro de Processo Constitucional.
Relatório. As Bases Doutrinárias do Anteprojeto da Ordem dos Advogados do Brasil. Relator: Conselheiro
Federal Sérgio Eduardo Freire Miranda. 2015 Disponível em: https://www.oab.org.br/arquivos/anteprojeto-co-
digo-de-processo-constitucional-1336318980.pdf. Acesso em: 27 ago. 2022. p. 4; 81.
5
OAB. Processo n. 49.0000.215.009467-9/Conselho Pleno. Código Brasileiro de Processo Constitucional.
Relatório. As Bases Doutrinárias do Anteprojeto da Ordem dos Advogados do Brasil. Relator: Conselheiro
Federal Sérgio Eduardo Freire Miranda. 2015 Disponível em: https://www.oab.org.br/arquivos/anteprojeto-co-
digo-de-processo-constitucional-1336318980.pdf. Acesso em: 27 ago. 2022. p. 5.
6
MITIDIERO, Daniel. Processo constitucional: do controle ao processo, dos modelos ao sistema. São Paulo:
Thomson Reuters, 2022. [E-book]. local. RB-1.1.
7
MITIDIERO, Daniel. Processo constitucional: do controle ao processo, dos modelos ao sistema. São Paulo:
Thomson Reuters, 2022. [E-book]. local. RB 1.2.
8
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão AgRg no Recurso Especial n. 1.119.872 – RJ (2009/0015615-
7). Relator: Ministro Benedito Gonçalves. DJe: 30/11/2010. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/Get
InteiroTeorDoAcordao?num_registro=200900156157&dt_publicacao=30/11/2010. Acesso em: 27 ago. 2022.
9
BRASIL. Superior Tribunal Federal. Súmula 266. Não cabe mandado de segurança contra lei em tese. Sessão
plenária de 13/12/1963. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/seq-sumula266/false.
Acesso em: 27 ago. 2022.
12| William Soares Pugliese - Camila Soares Cavassin Jayme
10
SILVA, Elcio Domingues da; JAYME, Camila Soares Cavassin. A relevância dos princípios na construção, inter�-
pretação e aplicação do Código de Processo Constitucional Brasileiro. In: CUNHA, José Sebastião Fagundes
(coord.). Elementos para um Código de Processo Constitucional Brasileiro. Londrina: Thoth, 2022. p. 106-107.
11
MITIDIERO, Daniel. Processo constitucional: do controle ao processo, dos modelos ao sistema. São Paulo:
Thomson Reuters, 2022. [E-book]. local. RB-1.3.
12
OAB. Processo n. 49.0000.215.009467-9/Conselho Pleno. Código Brasileiro de Processo Constitucional.
Relatório. As Bases Doutrinárias do Anteprojeto da Ordem dos Advogados do Brasil. Relator: Conselheiro
Federal Sérgio Eduardo Freire Miranda. 2015 Disponível em: https://www.oab.org.br/arquivos/anteprojeto-co-
digo-de-processo-constitucional-1336318980.pdf. Acesso em: 27 ago. 2022. p. 6.
13
MITIDIERO, Daniel. Processo constitucional: do controle ao processo, dos modelos ao sistema. São Paulo:
Thomson Reuters, 2022. [E-book]. local. RB-2.5.
14
ABBOUD, Georges. Processo constitucional. 5. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021. [E-book]. local. RB-4.1.
15
SILVA, Elcio Domingues da; JAYME, Camila Soares Cavassin. A relevância dos princípios na construção, inter�-
pretação e aplicação do Código de Processo Constitucional Brasileiro. In: CUNHA, José Sebastião Fagundes
(coord.). Elementos para um Código de Processo Constitucional Brasileiro. Londrina: Thoth, 2022. p. 108.
O mandado de segurança e o anteprojeto para um Código Brasileiro... |13
O alerta serve para que não se descuide no foco de que o Código de Processo
Constitucional abordará somente os procedimentos de controle de constitucionalidade,
mas também às ações de defesa dos direitos e garantias fundamentais.
3 DO MANDADO DE SEGURANÇA
A doutrina registra que, apesar dos mais de oitenta anos de aplicação do mandado
de segurança, ainda há desafios e motivos para o estudo do instrumento. O mandado
de segurança, desde a sua criação pela Constituição de 1934, vem se desenvolvendo e
se aperfeiçoando quanto a pontos essenciais de sua constituição. Há uma tentativa de
aproximar e ajustar o writ brasileiro as premissas da Declaração Universal dos Direitos
Humanos e o Pacto de San José da Costa Rica, quanto a capacidade de “amparar toda
pessoa contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição
e pela lei”, vindo a corresponder à um instrumento simples, rápido e efetivo para a proteção
em face de tais atos ou mesmo para a proteção em face de iminente ameaça de que estes
se consolidem18.
16
MARINONI, Luiz Guilherme. Processo constitucional e democracia. São Paulo: Thomson Reuters, 2021.
[E-book]. local. RB-8.1.
17
OAB. Processo n. 49.0000.215.009467-9/Conselho Pleno. Código Brasileiro de Processo Constitucional.
Relatório. As Bases Doutrinárias do Anteprojeto da Ordem dos Advogados do Brasil. Relator: Conselheiro
Federal Sérgio Eduardo Freire Miranda. 2015 Disponível em: https://www.oab.org.br/arquivos/anteprojeto-co-
digo-de-processo-constitucional-1336318980.pdf. Acesso em: 27 ago. 2022.
18
MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Mandado de segurança: o incessante aperfeiçoamento do instituto. In:
PESSOA, Paula; CREMONESE, Cleverson (org.); MARINONI, Luiz Guilherme; SARLET, Ingo Wolfgang (coord.).
14| William Soares Pugliese - Camila Soares Cavassin Jayme
Processo constitucional. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021. [E-book]. local. RB-45.1.
19
MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de. Mandado de segurança individual e coletivo: comen-
tários à Lei 12.016/2009. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021. [E-book]. local. RL-1.2.
20
MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de. Mandado de segurança individual e coletivo: comen-
tários à Lei 12.016/2009. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021. [E-book]. local. RL-1.2.
21
ABBOUD, Georges. Processo constitucional. 5. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021. [E-book]. local. RB-4.6.
22
ABBOUD, Georges. Processo constitucional. 5. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021. [E-book]. local. RB-4.5.
23
ABBOUD, Georges. Processo constitucional. 5. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021. [E-book]. local. RB-4.6.
24
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência
da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.
htm. Acesso em: 27 ago. 2022.
O mandado de segurança e o anteprojeto para um Código Brasileiro... |15
mente fundamentado”25. O conceito, propriamente dito, é até hoje fonte de debates, inclusive
pela discordância quanto à sua natureza, se direito material ou processual. O objetivo é de
se tutelar fato sobre o qual não se reste dúvida, que deve ser provado documentalmente26.
Passado pelo plano material do mandado de segurança, veja-se seu aspecto pro-
cessual. Algumas normas processuais quanto ao julgamento do mandado de segurança
constam da Constituição da República Federativa do Brasil. Nos termos do artigo 102,
inciso I, alínea d), o mandado de segurança contra atos do Presidente da República, das
Mesas da Câmaras dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do
procurador-geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal serão de competência
de julgamento do Supremo Tribunal Federal. Cabe também ao Supremo Tribunal Federal o
25
CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo. Comentários ao art. 1º. In: GOMES JUNIOR, Luiz Manoel et al.
Comentários à Lei do Mandado de Segurança. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2020. [E-book]. local.
RB-2.3.
26
CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo. Comentários ao art. 1º. In: GOMES JUNIOR, Luiz Manoel et al.
Comentários à Lei do Mandado de Segurança. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2020. [E-book]. Local.
RB-2.3.
27
BRASIL. Superior Tribunal Federal. Acórdão RMS 36954 AgR/DF. Primeira Turma. Relator(a): Min. Luiz Fux.
Julgamento: 29 maio 2020. DJe: 17/06/2020. p. 10. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/
search/sjur426546/false. Acesso em: 30 ago. 2022.
28
MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de. Mandado de segurança individual e coletivo: comen-
tários à Lei 12.016/2009. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021. [E-book]. local. RL-1.2.
29
MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de. Mandado de segurança individual e coletivo: comen-
tários à Lei 12.016/2009. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021. [E-book]. local. RL-1.2.
30
ABBOUD, Georges. Processo constitucional. 5. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021. [E-book]. local. RB-4.5.
16| William Soares Pugliese - Camila Soares Cavassin Jayme
Para além dessas previsões, as demais regras processuais que disciplinam o man-
dado de segurança estão previstas na Lei n. 12.016, de 7 de agosto de 200933. É impor-
tante registrar que o mandado de segurança, como instrumento de amparo aos direitos
fundamentais, tem caráter processual e é essencialmente uma ação. Uma ação consti-
tucional como a ação popular, o mandado de injução, o habeas data e o habeas corpus,
dentre outras34.
31
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência
da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.
htm. Acesso em: 27 ago. 2022..
32
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência
da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.
htm. Acesso em: 27 ago. 2022.
33
BRASIL. Lei n. 12.016, de 7 de agosto de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e
dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm. Acesso em: 27 ago. 2022.
34
MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Mandado de segurança: o incessante aperfeiçoamento do instituto. In:
PESSOA, Paula; CREMONESE, Cleverson (org.); MARINONI, Luiz Guilherme; SARLET, Ingo Wolfgang (coord.).
Processo constitucional. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021. [E-book]. local. RB-45.2.
O mandado de segurança e o anteprojeto para um Código Brasileiro... |17
35
“O mandado de segurança precisa ser visto, pois, como uma ação, a que corresponde um processo subordina�-
do às regras do processo civil comum, não podendo ser tratado, por conseguinte, como medida de cabimento
excepcional, a despeito dos pressupostos a que deve atender, como ocorre, aliás, com referência a tantas outras
ações” MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Mandado de segurança: o incessante aperfeiçoamento do institu-
to. In: PESSOA, Paula; CREMONESE, Cleverson (org.); MARINONI, Luiz Guilherme; SARLET, Ingo Wolfgang
(coord.). Processo constitucional. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021. [E-book]. local. RB-45.2.
36
MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Mandado de segurança: o incessante aperfeiçoamento do instituto. In:
PESSOA, Paula; CREMONESE, Cleverson (org.); MARINONI, Luiz Guilherme; SARLET, Ingo Wolfgang (coord.).
Processo constitucional. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021. [E-book]. local. RB-45.2.
37
BRASIL. Lei n. 12.016, de 7 de agosto de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e
dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm. Acesso em: 27 ago. 2022.
38
Como o Anteprojeto é anterior ao atual Código de Processo Civil de 2015, constaram nas remissões os dis�-
positivos pertinentes ao Código de 1973, os quais, provavelmente serão atualizados no decorrer da revisão e
aprovação do texto, para atualização aos dispositivos correspondentes no atual Código de 2015.
18| William Soares Pugliese - Camila Soares Cavassin Jayme
Uma primeira, e se não a mais significativa alteração legislativa que pode ser indi-
cada aparece já nos primeiros dispositivos, quanto ao conceito expresso de direito líquido
e certo. A Lei n. 12.016/2009 não dispôs de forma expressa o que é direito líquido e certo,
incumbindo na atualidade a doutrina e a jurisprudência em fazê-lo, conforme já sustentado.
O Anteprojeto se preocupou em expressamente registrar, no artigo 15, §1º que se caracte-
riza como direito líquido e certo aquele que se origina de um fato cuja ocorrência é, desde
logo, provada pelo impetrante, através de prova documentada. Ou seja, direito líquido e
certo é aquele direito que desde já é documentalmente provado.
39
OAB. Processo n. 49.0000.215.009467-9/Conselho Pleno. Código Brasileiro de Processo Constitucional.
Relatório. As Bases Doutrinárias do Anteprojeto da Ordem dos Advogados do Brasil. Relator: Conselheiro
Federal Sérgio Eduardo Freire Miranda. 2015 Disponível em: https://www.oab.org.br/arquivos/anteprojeto-co-
digo-de-processo-constitucional-1336318980.pdf. Acesso em: 27 ago. 2022. p. 16.
40
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência
da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.
htm. Acesso em: 27 ago. 2022.
O mandado de segurança e o anteprojeto para um Código Brasileiro... |19
pelo magistrado ao impetrante a emenda à inicial com a correção do polo passivo, desde
que não esgotado o prazo decadencial. A alteração do polo passivo será possível mesmo
que implique alteração da competência, quando o magistrado irá remeter o feito ao juízo
competente, sem prejuízo dos atos já praticados (artigo 20, §§ 4º e 5º, do Anteprojeto).
A expressão vem de encontro com o que hoje está previsto no artigo 339, do Código de
Processo Civil41.
41
BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília: Presidência da República,
2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em:
27 ago. 2022.
42
BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília: Presidência da República,
2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em:
27 ago. 2022.
20| William Soares Pugliese - Camila Soares Cavassin Jayme
5 CONCLUSÃO
Em que pese a grande importância da iniciativa e instauração de um Código de
Processo Constitucional Brasileiro, indicado pela necessidade de esquematização e com-
pilação dos procedimentos constitucionais no nosso ordenamento jurídico, nesse estudo
comparativo entre a norma vigente e a proposta apurou-se que muito pouco se propõem
alterar no procedimento que já conhecemos especificamente quanto ao processo constitu-
cional do mandado de segurança.
REFERÊNCIAS
ABBOUD, Georges. Processo constitucional. 5. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021. [E-book].
BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília: Presidência
da República, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/
l13105.htm. Acesso em: 27 ago. 2022.
43
BRASIL. Superior Tribunal Federal. Acórdão Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.296 Distrito Federal.
Plenário. Relator: Min. Alexandre de Moraes. Julgado em 09 jun. 2021. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/
processos/downloadPeca.asp?id=15348211716&ext=.pdf. Acesso em: 27 ago. 2022.
O mandado de segurança e o anteprojeto para um Código Brasileiro... |21
BRASIL. Lei n. 12.016, de 7 de agosto de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e co-
letivo e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2009. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm. Acesso em: 27 ago. 2022.
BRASIL. Superior Tribunal Federal. Acórdão Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.296 Distrito Federal.
Plenário. Relator: Min. Alexandre de Moraes. Julgado em 09 jun. 2021. Disponível em: https://portal.stf.
jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15348211716&ext=.pdf. Acesso em: 27 ago. 2022.
BRASIL. Superior Tribunal Federal. Acórdão RMS 36954 AgR/DF. Primeira Turma. Relator(a): Min. Luiz
Fux. Julgamento: 29 maio 2020. DJe: 17/06/2020. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/
pages/search/sjur426546/false. Acesso em: 30 ago. 2022.
BRASIL. Superior Tribunal Federal. Súmula 266. Não cabe mandado de segurança contra lei em tese.
Sessão plenária de 13/12/1963. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/seq-su-
mula266/false. Acesso em: 27 ago. 2022.
CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo. Comentários ao art. 1º. In: GOMES JUNIOR, Luiz Manoel et al.
Comentários à Lei do Mandado de Segurança. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2020. [E-book].
MARINONI, Luiz Guilherme. Processo constitucional e democracia. São Paulo: Thomson Reuters,
2021. [E-book].
MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de. Mandado de segurança individual e coletivo:
comentários à Lei 12.016/2009. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021. [E-book].
MINISTRO Luiz Fux encerra semestre judiciário com mais de 7 mil processos julgados em sessões
colegiadas. STF, 1 ago. 2022. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/internacional/content.asp?i-
d=489908&ori=1&idioma=pt_br. Acesso em: 27 ago. 2022.
MITIDIERO, Daniel. Processo constitucional: do controle ao processo, dos modelos ao sistema. São
Paulo: Thomson Reuters, 2022. [E-book].
SILVA, Elcio Domingues da; JAYME, Camila Soares Cavassin. A relevância dos princípios na cons-
trução, interpretação e aplicação do Código de Processo Constitucional Brasileiro. In: CUNHA, José
Sebastião Fagundes (coord.). Elementos para um Código de Processo Constitucional Brasileiro.
Londrina: Thoth, 2022.
APONTAMENTOS SOBRE UMA
ADEQUADA INTERPRETAÇÃO
CONSTITUCIONAL
Resumo
O presente artigo tem como objetivo discutir premissas para que a interpretação consti-
tucional seja realizada de forma adequada. O pano de fundo do texto é o cenário de judi-
cialização da política ou, visto sob outra perspectiva, de ativismo judicial. Em verdade, o
exercício do poder jurisdicional está condicionado à motivação racional das decisões, o
que pressupõe a exposição de fundamentos jurídicos que fundamentem aquilo que foi deci-
dido. Para tanto, o artigo é estruturado nos seguintes tópicos. Em primeiro lugar, trata-se do
voluntarismo judicial e da decisão. Em seguida, examina-se a diferença entre interpretação
e decisão. Por fim, questiona-se o que seria uma adequada interpretação constitucional.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, com seu texto e fun-
damento de validade, trouxe um novo modelo de Estado para o cenário nacional. Para
1
Pós-doutor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutor e mestre pelo Programa de
Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Vice-coordenador do Programa de Pós-
graduação em Direito do Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil). Professor substituto de Direito
Processual Civil da UFPR. Coordenador da Especialização de Direito Processual Civil da Academia Brasileira
de Direito Constitucional (ABDConst). Advogado. E-mail: william@pxadvogados.com.br
2
Doutorando do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro
Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil/PR). Mestre pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em
Direitos Fundamentais e Democracia pelo UniBrasil/PR. E-mail: marcelo@ng.adv.br
24| William Soares Pugliese - Marcelo Fonseca Gurniski
sua concretização, fez-se necessária uma mudança do perfil dos juristas, que precisaram
enfrentar a (re)construção do horizonte axiológico na hercúlea tarefa da interpretação cons-
titucional da Carta e de toda a legislação infraconstitucional que a ela devia se submeter.
Além disso, aperfeiçoaram sua formação, naquilo que os colocavam refratários às prescri-
ções constitucionais3.
Esse fenômeno expressa uma tendência mundial que, no caso brasileiro, encon-
tra-se favorecido pelo modelo institucional de redemocratização do país que fortaleceu e
expandiu o Poder Judiciário e aumentou a demanda por justiça na sociedade. O fenômeno
também se explica pela constitucionalização abrangente, que levou ao texto constitucional
inúmeras matérias que antes eram exclusivas do processo político e da legislação ordiná-
ria; e pelo controle de constitucionalidade, que permite que qualquer questão, política ou
moralmente relevante, possa ser levada ao Judiciário, em especial o STF5.
3
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista de Direito do
Estado, Salvador, v. 4, n. 13, p. 71-91, jan./mar. 2009. p. 24-25.
4
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista de Direito do
Estado, Salvador, v. 4, n. 13, p. 71-91, jan./mar. 2009.
5
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista de Direito do
Estado, Salvador, v. 4, n. 13, p. 71-91, jan./mar. 2009. p. 24-25.
6
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista de Direito do
Estado, Salvador, v. 4, n. 13, p. 71-91, jan./mar. 2009.
Apontamentos sobre uma adequada interpretação Constitucional |25
mento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam
atendidas de maneira efetiva”7.
O ativismo judicial possui uma dimensão positiva, de um juiz ativista que busca
proteção aos direitos fundamentais e garantias da supremacia da Constituição, adotando
postura concretizadora frente a abstração dos princípios constitucionais. Assim, a “realiza-
ção da Constituição passa pela atividade intelectual de interpretar/aplicar conceitos e cate-
gorias jurídicas de elevado grau de generalidade e abstração”11 sendo necessário, segundo
Teixeira, envolver competências institucionais que tocam a outros Poderes.
7
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista de Direito do
Estado, Salvador, v. 4, n. 13, p. 71-91, jan./mar. 2009.
8
Sobre o tema ver: BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática.
Revista de Direito do Estado, Salvador, v. 4, n. 13, p. 71-91, jan./mar. 2009.
9
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 26603-Distrito Federal. Plenário. Relator: Min.
Celso de Mello. Julgado em 04 de outubro de 2007. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.
asp?incidente=2513846. Acesso em: 29 ago. 2022.
10
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista de Direito do
Estado, Salvador, v. 4, n. 13, p. 71-91, jan./mar. 2009. p. 26.
11
TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Ativismo judicial: nos limites entre racionalidade jurídica e decisão polícia.
Revista Direito GV, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 37-58, jan./jun. 2012. p. 48-49. Disponível em: https://www.scielo.
br/j/rdgv/a/dr6L3MVvFz4MsrCShHytnrQ/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 10 ago. 2023.
12
TRINDADE, André Karam; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. O ativismo judicial na débâcle do sistema político: sobre
uma hermenêutica da crise. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, v. 11, n. 2, p. 751-772, 2016. p.
764. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/22912. Acesso em: 29 ago. 2022.
26| William Soares Pugliese - Marcelo Fonseca Gurniski
13
TRINDADE, André Karam; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. O ativismo judicial na débâcle do sistema político: sobre
uma hermenêutica da crise. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, v. 11, n. 2, p. 751-772, 2016. p.
765. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/22912. Acesso em: 29 ago. 2022.
14
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015. p. 102.
15
CLÈVE, Clèmerson Merlin; LORENZETTO, Bruno Meneses. Teorias interpretativas, capacidades institucionais
e crítica. Revista Direitos Fundamentais e Democracia, v. 19, n. 19, p. 131-168, jan./jun. 2016. p. 161-162.
Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/691. Acesso em: 29
ago. 2022.
16
HART, Herbert L. A. The concept of law. 3. ed. Oxford: Oxford University Press, 2012.
Apontamentos sobre uma adequada interpretação Constitucional |27
O ponto principal não está no exegetismo, no positivismo fático e nem nas teorias
de argumentação jurídica, enxergadas como um avançar da retórica e como um modo de
“corrigir as insuficiências do direito legislado”. A questão de “como se interpreta” e “como
se aplica” situa-se no sujeito da modernidade. Apenas na modernidade, com o iluminismo,
é que ocorre a ruptura do objetivismo. A partir daí se fundamenta a explicação na razão do
homem e seu subjetivismo, não se tratando mais de essência nem se sujeitando a estru-
turas. No século XX, essa subjetividade foi suplantada pelo “giro linguístico”19, onde o fun-
damento deixa de ser o sujeito, sendo o compreender um existencial da própria condição
17
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015. p. 103-104.
18
ABBOUD, Georges. Onde a discricionariedade começa, o direito termina: comentário ao voto proferido por
Alexandre Freitas Câmara sobre penhora on-line. Revista de Processo, Distrito Federal, v. 41, n. 251, jan. 2016.
Disponível em: https://www.academia.edu/download/51903609/ABBOUD-Georges_Discricionariedade-e-
penhora.pdf. Acesso em: 29 ago. 2022.
19
Com o giro linguístico acontece uma mudança radical na forma de entender o conhecimento. “Refletindo sobre
o ato inicial de nomear, quando o primeiro homem deu o nome a uma árvore ao vê-la pela primeira vez, aquele
nome passou a significar alguma coisa em determinado contexto linguístico. Aquela árvore necessariamente
não passou a existir porque lhe foi conferida uma denominação, tampouco a sua nomeação estaria vinculada a
uma essência ou ideal daquela árvore, mas o nome árvore, em determinado contexto passou a significar algo,
uma imagem inconsciente em determinada comunicação intersubjetiva. Destarte, quando se fala a palavra
árvore diante de alguém, esse alguém cria uma imagem inconsciente de determinada árvore, baseado em
suas memórias acerca daquela representação linguística desde quando ele passou a ter acesso a um mundo
linguístico, repleto de significações e interpretações acerca da palavra árvore. [...] A linguagem aqui não é
mais um instrumento, mas verdadeiro ‘fio condutor’ e se torna imperioso observar, sobretudo, que sujeito/
objeto-árvore estão inseridos em um contexto linguístico, um mundo linguístico que dita as possibilidades de
determinada interlocução e do conhecimento acerca de algo. Ludwig Wittgenstein defendia a ideia de que não
existia uma coisa em si, um mundo em si, mas sim um mundo linguístico. Assim a linguagem deixa de ser um
instrumento de comunicação e passa a ser condição de possibilidade para a constituição do conhecimento”
(LOPES, Tomás Jobin Coutinho. Filosofia metafísica-transcendental, fenomenologia e giro linguístico: reflexões
sobre hermenêutica clássica e filosófica. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 20, n. 4256, 25 fev. 2015.
Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32380. Acesso em: 29 ago. 2022).
28| William Soares Pugliese - Marcelo Fonseca Gurniski
Assim, o ativismo judicial brasileiro resulta de todo ato decisório fundado na von-
tade do juiz e, portanto, a partir das convicções pessoais, escolhas políticas, argumentos
morais, enfim, elementos metajurídicos22 que se deparam com o problema da diferença en-
tre atos de “escolher” e “decidir”, pois se o ato de escolha é dependente da subjetividade,
das preferências do sujeito, o ato de decidir, ao contrário, “se dá na intersubjetividade, uma
vez que toda decisão é antecipada por algo, que é a compreensão daquilo que a comuni-
dade política constrói como Direito”23. Portanto, “qualquer fórmula hermenêutico-interpre-
tativa solipsista dependerá de um subjetivo individual, como que a repristinar a fonte do
positivismo por meio do nominalismo”24. Está-se diante de rupturas paradigmáticas locais
que fundamentam o conhecimento em diferentes períodos da história25. Suprimir o livre
convencimento não equivale à proibição de interpretar. “Não se reproduz sentido nem se o
atribui livremente”. Streck lembrando Gadamer assevera que: “antes de dizer algo sobre o
texto deve-se deixar que o texto diga algo”26.
20
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015. p. 104.
21
KREMER, Bianca; PARAGUASSU, Mônica. Hermenêutica, jurisdição e discricionariedade judicial: desafios tra�-
zidos pela crise dos métodos de interpretação jurídica no Brasil. Revista Brasileira de Direito, Passo Fundo, v.
13, n. 1, p. 131-160, jan./abr. 2017. p. 157. Disponível em: https://seer.atitus.edu.br/index.php/revistadedirei-
to/article/view/1153/1101. Acesso em: 10 ago. 2023.
22
TRINDADE, André Karam; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. O ativismo judicial na débâcle do sistema político: sobre
uma hermenêutica da crise. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, v. 11, n. 2, p. 751-772, 2016. p.
765. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/22912. Acesso em: 29 ago. 2022.
23
TRINDADE, André Karam; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. O ativismo judicial na débâcle do sistema político: sobre
uma hermenêutica da crise. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, v. 11, n. 2, p. 751-772, 2016. p.
765. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/22912. Acesso em: 29 ago. 2022.
24
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015. p. 105.
25
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015.
26
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015.
Apontamentos sobre uma adequada interpretação Constitucional |29
27
MARTINS, Ricardo Marcondes. Teoria dos princípios e função jurisdicional. Revista de Investigações
Constitucionais, Curitiba, v. 5, n. 2, p. 135-164, maio/ago. 2018. p. 158-159. Disponível em: https://www.
scielo.br/j/rinc/a/F66fxBT8QWWhKVQ7QyVm9Gn/?lang=pt. Acesso em: 29 ago. 2022.
28
COSTA, Cesar Augusto Nardelli. Perspectivas para a interpretação constitucionalista: a contribuição da her�-
menêutica filosófica na atualização crítica do direito. Direito Público, v. 8, n. 39, p. 29-68, maio/jun. 2011. p.
60. Disponível em: https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/ direitopublico/article/view/1933. Acesso em:
29 ago. 2022.
29
ABBOUD, Georges. Onde a discricionariedade começa, o direito termina: comentário ao voto proferido por
Alexandre Freitas Câmara sobre penhora on-line. Revista de Processo, Distrito Federal, v. 41, n. 251, jan. 2016.
Disponível em: https://www.academia.edu/download/51903609/ABBOUD-Georges_Discricionariedade-e-
penhora.pdf. Acesso em: 29 ago. 2022.
30
ABBOUD, Georges. Onde a discricionariedade começa, o direito termina: comentário ao voto proferido por
Alexandre Freitas Câmara sobre penhora on-line. Revista de Processo, Distrito Federal, v. 41, n. 251, jan. 2016.
Disponível em: https://www.academia.edu/download/51903609/ABBOUD-Georges_Discricionariedade-e-
penhora.pdf. Acesso em: 29 ago. 2022.
31
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015. p. 107-108.
32
DELGADO, Ana Paula Teixeira. Perspectivas para a justiça constitucional em tempos de pós-positivismo: legi�-
timidade, discricionariedade e papel dos princípios. Revista Interdisciplinar do Direito, Valença, v. 9, n. 1, p.
30| William Soares Pugliese - Marcelo Fonseca Gurniski
Uma vez que o Direito não é uma mera racionalidade instrumental, há de superar
o “decido conforme minha consciência”35. Diante da constatação de que os “inimigos”
ainda são os mesmos: “filosofia da consciência e behaviorismo” e a relação Direito-Moral,
tem-se que questionar o empirismo jurídico. Contra o estado de exceção interpretativo, a
hermenêutica deve respeitar, de forma democrática e republicana, os limites interpretativos
de um texto jurídico.
37
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teoria discursivas. Da possibilidade à
necessidade de respostas corretas em direito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 97.
38
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teoria discursivas. Da possibilidade à
necessidade de respostas corretas em direito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 97.
39
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teoria discursivas. Da possibilidade à
necessidade de respostas corretas em direito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 96-97.
40
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teoria discursivas. Da possibilidade à
necessidade de respostas corretas em direito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 97.
32| William Soares Pugliese - Marcelo Fonseca Gurniski
Sem texto não há interpretação. Da relação entre texto, norma e âmbito da norma,
descreve-se um movimento circular que vai da concretude do caso para a dimensão mais
abstrata do programa da norma. Não existe norma sem texto, não é possível, hermeneu-
ticamente, supor que a interpretação desconsidere o texto, até porque se assim o fizesse
estaria mediando o quê? Qual sentido? De algum modo, há um texto legal e/ou constitucio-
nal. O texto sempre vem primeiro44.
41
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teoria discursivas. Da possibilidade à
necessidade de respostas corretas em direito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 98.
42
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teoria discursivas. Da possibilidade à
necessidade de respostas corretas em direito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 98-99.
43
STRECK, Lenio Luiz. Precisamos falar sobre direito e moral: os problemas da interpretação e da decisão
judicial. Florianópolis: Tirant Lo Blanch, 2019. p. 91-92.
44
STRECK, Lenio Luiz. Precisamos falar sobre direito e moral: os problemas da interpretação e da decisão
judicial. Florianópolis: Tirant Lo Blanch, 2019. p. 92.
45
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015. p. 111.
Apontamentos sobre uma adequada interpretação Constitucional |33
desse sujeito onde reside a razão prática, como daquelas posturas que buscam substituir
esse sujeito por estruturas ou sistemas46.
É tarefa contínua que se mostre como persistem equívocos nas construções epis-
têmicas atuais e como tais equívocos se dão em virtude do uso aleatório das posições que
compõem o chamado pós-positivismo. O caráter normativo dos princípios – das teorias
pós-positivistas – não pode ser encarado como um álibi para a discricionariedade. Com
isso está-se a dizer que a tese da abertura (semântica) dos princípios – com que trabalha a
teoria da argumentação – é incompatível com o modelo pós-positivista de teoria do direito47.
46
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015. p. 111-112.
47
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015. p. 112.
48
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução
de Flávio Paulo Meurer. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 432-433.
49
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015. p. 112.
34| William Soares Pugliese - Marcelo Fonseca Gurniski
A decisão jurídica não pode ser entendida como um ato em que o juiz, diante de
várias possibilidades possíveis para a solução de um caso concreto, escolhe aquela que
lhe parece mais adequada. A escolha é sempre parcial e seu sinônimo técnico no direito
é discricionariedade e, possivelmente, arbitrariedade. Como dito, a decisão se dá, não a
partir de uma escolha, mas, sim, a partir do comprometimento com algo que se antecipa.
No caso da decisão jurídica é a compreensão daquilo que a comunidade política constrói
como direito50.
Tornando mais claro, toda decisão deve se fundar em um compromisso pré com-
preendido. Esse compromisso passa pela reconstrução da história institucional do direito
e pelo momento de colocação do caso julgado dentro da cadeia da integridade do direito.
Portanto, a decisão jurídica não se apresenta como um processo de escolha do julgador
das diversas possibilidades de solução de demanda. Ela se dá como um processo em que
o julgador deve estruturar sua interpretação – como a melhor, a mais adequada – de acordo
com o sentido do direito projetado pela comunidade jurídica51.
50
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015. p. 112-113.
51
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015. p. 113.
52
BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília: Presidência da República,
2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em:
27 ago. 2022.
53
Sobre o tema, vide PUGLIESE, William Soares. Princípios da jurisprudência. Belo Horizonte: Arraes, 2017.
54
Sobre o tema, vide: GURNISKI, Marcelo Fonseca. Integridade do Direito como meio de controle da discricio�-
nariedade judicial. In: ALVITES, Elena, POMPEU, Gina; SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Anais da VII Jornada da
Rede Interamericana de Direitos Fundamentais e Democracia. 1. ed. Porto Alegre: Fundação Fênix, 2021. v. II.
p. 495-512.
Apontamentos sobre uma adequada interpretação Constitucional |35
política para “não ultrapassar a sua competência e ferir os ideais democráticos”55, mas sim
num argumento de princípio.
Assim, a integridade vela pela impossibilidade de que juízes profiram decisões po-
líticas e jurídicas e que deixem de entender o Direito como um sistema único e coerente de
justiça e equidade na correta proporção. E mais, obriga os juízes a interpretar o direito com
fundamento no sistema de princípios que a comunidade adota, vedando as decisões que
não as observem pelo motivo de que o Direito tem que ser visto em sua integridade; sendo
essa, a exata compreensão do romance em cadeia, no qual a interpretação das regras
jurídicas decorre dos ideais de justiça, da igualdade e da própria integridade58.
55
CHUEIRI, Vera Karam de; SAMPAIO, Joanna Maria de Araújo. Coerência, integridade e decisões judiciais.
Revista de Estudos Jurídicos da Unesp, Franca, v. 16, n. 23, p. 367-391, 2012. DOI: 10.22171/rej.v16i23.572.
p. 388-389. Disponível em: https://ojs.franca.unesp.br/index.php/estudosjuridicosunesp/article/view/572.
Acesso em: 29 ago. 2022.
56
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e princípios da interpretação constitucional. In: CANOTILHO, José J.
Gomes et al. (coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva; Almedina, 2013. p. 83.
57
PEDRON, Flávio Quinaud Pedron; OMMATI, José Emílio Medauar. Teoria do direito contemporâneo: uma análi-
se de teorias jurídicas de Robert Alexy, Ronald Dworkin, Jürgen Habermas, Klaus Günther e Robert Brandom.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 97.
58
GURNISKI, Marcelo Fonseca. Integridade do Direito como meio de controle da discricionariedade judicial. In:
ALVITES, Elena, POMPEU, Gina; SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Anais da VII Jornada da Rede Interamericana
de Direitos Fundamentais e Democracia. 1. ed. Porto Alegre: Fundação Fênix, 2021. v. II. p. 495-512.
59
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015. p. 13.
36| William Soares Pugliese - Marcelo Fonseca Gurniski
[...] o juiz ativista decide para depois fundamentar, isto é, ao receber determinado
caso, identificando sua “dificuldade”, de imediato aplica um princípio axiológico que
irá nortear o roteiro de sua fundamentação, com efeito, é neste quadro que a lingua-
gem se torna um álibi teórico dos valores intersubjetivos do intérprete63.
60
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015.
61
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015. p. 13-14.
62
PERES, Fernando Reis de Carvalho. Ativismo judicial: quem poderá nos defender da bondade dos bons?
Iurisprudentia, Juína/MT, v. 2, n. 4, p. 25-36, jun./dez. 2013. p. 33. Disponível em: https://www.revista.ajes.
edu.br/index.php/iurisprudentia/article/view/114/84. Acesso em: 10 ago. 2023.
63
PERES, Fernando Reis de Carvalho. Ativismo judicial: quem poderá nos defender da bondade dos bons?
Iurisprudentia, Juína/MT, v. 2, n. 4, p. 25-36, jun./dez. 2013. p. 33. Disponível em: https://www.revista.ajes.
edu.br/index.php/iurisprudentia/article/view/114/84. Acesso em: 10 ago. 2023.
64
PERES, Fernando Reis de Carvalho. Ativismo judicial: quem poderá nos defender da bondade dos bons?
Iurisprudentia, Juína/MT, v. 2, n. 4, p. 25-36, jun./dez. 2013. p. 33. Disponível em: https://www.revista.ajes.
edu.br/index.php/iurisprudentia/article/view/114/84. Acesso em: 10 ago. 2023.
65
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015. p. 14-15.
Apontamentos sobre uma adequada interpretação Constitucional |37
66
OLIVEIRA, Guilherme Fonseca de Oliveira; CAMACHO, Matheus Gomes. Reviravolta linguística-pragmática e
esboços de uma nova teoria hermenêutica jurídica. Revista de Argumentação e Hermenêutica Jurídica, Minas
Gerais, v. 1, n. 2, p. 228-243, jul./dez. 2015. p. 233. Disponível em: https://www.indexlaw.org/index.php/
HermeneuticaJuridica/article/view/800. Acesso em: 29 ago. 2023.
67
OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. 3. ed. São
Paulo: Edições Loyola, 2006. p. 143-144.
68
CLÈVE, Clèmerson Merlin; LORENZETTO, Bruno Meneses. Interpretação constitucional: entre dinâmica e inte�-
gridade. Sequência, Florianópolis, n. 72, p. 67-91, abr. 2016. p. 70-71. Disponível em: https://www.scielo.br/j/
seq/a/xy56KDyMBZW3L6m3sNJKw5B/?lang=pt. Acesso em: 29 ago. 2022.
69
CLÈVE, Clèmerson Merlin; LORENZETTO, Bruno Meneses. Interpretação constitucional: entre dinâmica e in�-
tegridade. Sequência, Florianópolis, n. 72, p. 67-91, abr. 2016. p. 71. Disponível em: https://www.scielo.br/j/
seq/a/xy56KDyMBZW3L6m3sNJKw5B/?lang=pt. Acesso em: 29 ago. 2022.
38| William Soares Pugliese - Marcelo Fonseca Gurniski
regras para cada jogo de linguagem específico, mas indica o caráter convencional
dessa atividade humana70.
De outro lado, Heidegger buscou desvelar aquilo que ficou impensado durante toda
a tradição metafísica: o sentido do ser72. Heidegger realocou a questão sobre o sentido do
ser para superar a metafísica tradicional do sujeito-objeto, a partir da analítica existencial
do Dasein (ser-aí, pre-sença)73. O Dasein deve ser compreendido como “ente que cada
um de nós somos e que, entre outras, possui em seu ser a possibilidade de questionar”74.
70
CLÈVE, Clèmerson Merlin; LORENZETTO, Bruno Meneses. Interpretação constitucional: entre dinâmica e in�-
tegridade. Sequência, Florianópolis, n. 72, p. 67-91, abr. 2016. p. 71. Disponível em: https://www.scielo.br/j/
seq/a/xy56KDyMBZW3L6m3sNJKw5B/?lang=pt. Acesso em: 29 ago. 2022.
71
PABLOS, Mayara Roberta. As contribuições de Wittgenstein para a filosofia do direito: uma análise da lingua-
gem e suas regras. 2013. 125f. Tese (Doutorado) – Pós-graduação em Filosofia, Universidade Federal de Santa
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72
LIMA, Danilo Pereira. Discricionariedade judicial e resposta correta: a teoria da decisão em tempos de pós-po�-
sitivismo. NOMOS: Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, Fortaleza, v. 34, n. 2, p. 127-
148, jul./dez. 2014. p. 137. Disponível em: https://repositorio.ufc.br/ri/bitstream/riufc/12058/1/2014_art_dpli-
ma.pdf. Acesso em: 10 ago. 2023.
73
OLIVEIRA, Guilherme Fonseca de Oliveira; CAMACHO, Matheus Gomes. Reviravolta linguística-pragmática e
esboços de uma nova teoria hermenêutica jurídica. Revista de Argumentação e Hermenêutica Jurídica, Minas
Gerais, v. 1, n. 2, p. 228-243, jul./dez. 2015. p. 234. Disponível em: https://www.indexlaw.org/index.php/
HermeneuticaJuridica/article/view/800. Acesso em: 29 ago. 2023.
74
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo: parte 1. 11. ed. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante. Petrópolis: Vozes,
2002. p. 33, § 2.
75
LIMA, Danilo Pereira. Discricionariedade judicial e resposta correta: a teoria da decisão em tempos de pós-po�-
sitivismo. NOMOS: Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, Fortaleza, v. 34, n. 2, p. 127-
148, jul./dez. 2014. p. 138. Disponível em: https://repositorio.ufc.br/ri/bitstream/riufc/12058/1/2014_art_dpli-
ma.pdf. Acesso em: 10 ago. 2023.
Apontamentos sobre uma adequada interpretação Constitucional |39
76
LIMA, Danilo Pereira. Discricionariedade judicial e resposta correta: a teoria da decisão em tempos de pós-po�-
sitivismo. NOMOS: Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, Fortaleza, v. 34, n. 2, p. 127-
148, jul./dez. 2014. p. 138. Disponível em: https://repositorio.ufc.br/ri/bitstream/riufc/12058/1/2014_art_dpli-
ma.pdf. Acesso em: 10 ago. 2023.
77
Sobre o tema, vide PUGLIESE, William Soares. Princípios da jurisprudência. Belo Horizonte: Arraes, 2017.
78
STRECK, Lenio Luiz. Bases para a compreensão da hermenêutica jurídica em tempos de superação do es�-
quema sujeito-objeto. Sequência, Florianópolis, v. 28, n. 54, p. 29-46, jul. 2007. p. 32. Disponível em: https://
dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/2521149.pdf. Acesso em: 29 ago. 2022.
79
LIMA, Danilo Pereira. Discricionariedade judicial e resposta correta: a teoria da decisão em tempos de pós-po�-
sitivismo. NOMOS: Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, Fortaleza, v. 34, n. 2, p. 127-
148, jul./dez. 2014. p. 139. Disponível em: https://repositorio.ufc.br/ri/bitstream/riufc/12058/1/2014_art_dpli-
ma.pdf. Acesso em: 10 ago. 2023.
80
STRECK, Lenio Luiz. Bases para a compreensão da hermenêutica jurídica em tempos de superação do es�-
quema sujeito-objeto. Sequência, Florianópolis, v. 28, n. 54, p. 29-46, jul. 2007. p. 32. Disponível em: https://
dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/2521149.pdf. Acesso em: 29 ago. 2022.
40| William Soares Pugliese - Marcelo Fonseca Gurniski
81
Sobre o tema, ver: HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo: parte 1. 11. ed. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante.
Petrópolis: Vozes, 2002. p. 98-102, § 13.
82
MARRAFON, Marco Aurélio. O caráter complexo da decisão em matéria constitucional: discursos sobre a
verdade, radicalização hermenêutica e fundamentação ética na práxis jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010. p. 47.
83
MARRAFON, Marco Aurélio. O caráter complexo da decisão em matéria constitucional: discursos sobre a
verdade, radicalização hermenêutica e fundamentação ética na práxis jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010. p. 47.
84
MARRAFON, Marco Aurélio. O caráter complexo da decisão em matéria constitucional: discursos sobre a
verdade, radicalização hermenêutica e fundamentação ética na práxis jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010. p. 47.
85
LIMA, Danilo Pereira. Discricionariedade judicial e resposta correta: a teoria da decisão em tempos de pós-po�-
sitivismo. NOMOS: Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, Fortaleza, v. 34, n. 2, p. 127-
148, jul./dez. 2014. p. 139. Disponível em: https://repositorio.ufc.br/ri/bitstream/riufc/12058/1/2014_art_dpli-
ma.pdf. Acesso em: 10 ago. 2023.
86
LIMA, Danilo Pereira. Discricionariedade judicial e resposta correta: a teoria da decisão em tempos de pós-po�-
sitivismo. NOMOS: Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, Fortaleza, v. 34, n. 2, p. 127-
148, jul./dez. 2014. p. 138. Disponível em: https://repositorio.ufc.br/ri/bitstream/riufc/12058/1/2014_art_dpli-
ma.pdf. Acesso em: 10 ago. 2023.
Apontamentos sobre uma adequada interpretação Constitucional |41
Assim, o intérprete atua sobre o texto, recriando-o a cada nova experiência, numa
espécie de movimento em espiral, porquanto a “pre-sença, enquanto promotora do sentido
do ser, modifica-se”93 a cada rodada. Para Gadamer, cada volta pressupõe o reajuste das
87
MELLO, Cleyson de Moraes. A hermenêutica de Has-Georg Gadamer. Revista Interdisciplinar do Direito,
Valença, v. 9, n. 1, p. 47-56, dez. 2012. p. 49. Disponível em: http://revistas.faa.edu.br/index.php/FDV/article/
view/503. Acesso em: 29 ago. 2022.
88
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução
de Flávio Paulo Meurer. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 356.
89
MELLO, Cleyson de Moraes. A hermenêutica de Has-Georg Gadamer. Revista Interdisciplinar do Direito,
Valença, v. 9, n. 1, p. 47-56, dez. 2012. p. 49. Disponível em: http://revistas.faa.edu.br/index.php/FDV/article/
view/503. Acesso em: 29 ago. 2022.
90
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução
de Flávio Paulo Meurer. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 356.
91
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução
de Flávio Paulo Meurer. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 358.
92
MARRAFON, Marco Aurélio. Hermenêutica e sistema constitucional: a decisão judicial entre o sentido da
estrutura e a estrutura do sentido. Florianópolis: Habitus, 2008. p. 176.
93
MARRAFON, Marco Aurélio. Hermenêutica e sistema constitucional: a decisão judicial entre o sentido da
estrutura e a estrutura do sentido. Florianópolis: Habitus, 2008. p. 178.
42| William Soares Pugliese - Marcelo Fonseca Gurniski
Importante ressaltar que conhecer é interpretar, é compreender, uma vez que a bus-
ca do conhecimento é também um ato contínuo de interpretar aquilo que se quer conhecer.
Porém, conhecer não se reduz ao mundo da natureza, propaga-se para o campo da cultura,
das relações sociais, das normas e das instituições que as disciplinam. “É neste terreno
que se faz presente a interpretação jurídica, detestada pelos defensores do autoritarismo,
porém valorizada e defendida pelos construtores da democracia”98.
94
MARRAFON, Marco Aurélio. Hermenêutica e sistema constitucional: a decisão judicial entre o sentido da
estrutura e a estrutura do sentido. Florianópolis: Habitus, 2008.
95
MARRAFON, Marco Aurélio. Hermenêutica e sistema constitucional: a decisão judicial entre o sentido da
estrutura e a estrutura do sentido. Florianópolis: Habitus, 2008. p. 178.
96
MARRAFON, Marco Aurélio. Hermenêutica e sistema constitucional: a decisão judicial entre o sentido da
estrutura e a estrutura do sentido. Florianópolis: Habitus, 2008. p. 172.
97
MARRAFON, Marco Aurélio. Hermenêutica e sistema constitucional: a decisão judicial entre o sentido da
estrutura e a estrutura do sentido. Florianópolis: Habitus, 2008. p. 173-174.
98
GOMES, Sergio Alves. Hermenêutica constitucional: um contributo à constituição do estado democrático de
direito. Curitiba: Juruá, 2008. p. 292.
Apontamentos sobre uma adequada interpretação Constitucional |43
5 CONCLUSÃO
A partir do desenvolvimento acima apresentado, pode-se concluir que a ideia da
decisão conforme a consciência do intérprete deve ser abandonada. A hermenêutica deve
respeitar, de forma democrática e republicana, os limites interpretativos de um texto jurídico.
Por fim, interpretar o Direito não equivale a decidir conforme a consciência do intér-
prete, uma vez que para se guindar a legitimidade do Poder Judiciário deve-se assimilar que
a hermenêutica estabelece critérios e procedimentos que limitam o aplicador, especialmen-
te aqueles imanentes das próprias constituições que demarcam a legitimidade do Direito
(procedimento e substância constitucional), obrigando-o à democracia.
99
LIMA, Danilo Pereira. Discricionariedade judicial e resposta correta: a teoria da decisão em tempos de pós-po�-
sitivismo. NOMOS: Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, Fortaleza, v. 34, n. 2, p. 127-
148, jul./dez. 2014. p. 140. Disponível em: https://repositorio.ufc.br/ri/bitstream/riufc/12058/1/2014_art_dpli-
ma.pdf. Acesso em: 10 ago. 2023.
100
LIMA, Danilo Pereira. Discricionariedade judicial e resposta correta: a teoria da decisão em tempos de pós-po�-
sitivismo. NOMOS: Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, Fortaleza, v. 34, n. 2, p. 127-
148, jul./dez. 2014. p. 141. Disponível em: https://repositorio.ufc.br/ri/bitstream/riufc/12058/1/2014_art_dpli-
ma.pdf. Acesso em: 10 ago. 2023.
44| William Soares Pugliese - Marcelo Fonseca Gurniski
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em: 29 ago. 2022.
A INTERNACIONALIZAÇÃO DO
DIREITO À SAÚDE
Resumo
Este estudo tem por objetivo abordar a questão do direito à saúde no tocante a sua uni-
versalidade. Uma breve explanação do respaldo constitucional à luz dos tratados interna-
cionais que asseguram o acesso à saúde a todo e qualquer cidadão, de modo especial, o
acesso dos imigrantes e estrangeiros. Com isso, o Sistema Único de Saúde deve atender
qualquer pessoa que necessite de atendimento sanitário, seja este nacional seja estrangei-
ro. Em respeito aos princípios da universalidade e integralidade, compreender a cobertura
do sistema sanitário brasileiro em sua análise histórica, sua origem e suas funções sociais.
Ainda, reiterar o papel do Estado como propiciador dessa garantia fundamental, sendo,
através da arrecadação de impostos, destinado determinada porcentagem para custeio
dos programas preventivos e remediadores do sistema público de saúde. Breve comentário
sobre a judicialização da saúde comumente pleiteados no Brasil visando o financiamento
de medicamentos, insumos, cirurgias e afins, aos cidadãos que não possuem recursos
suficientes para sobrevivência digna.
1 INTRODUÇÃO
Sabe-se que a sociedade é detentora de direitos fundamentais, e dentre eles
o direito à saúde, cuja disposição é passível de ser localizada junto ao rol artigo 6º da
Constituição Federal (CF).
1
Mestrando em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil).
Especialista em Direito pela Fundação de Estudos Sociais do Paraná (FESP/PR). Especialista em Direito
Constitucional pela Faculdade Focus. Bacharel em Direito pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP).
E-mail: wlademirfilho.adv@gmail.com
48| Wlademir Junior Lucietti Filho
Não obstante, o ordenamento jurídico impõe ao Estado2, aqui leia-se União, esta-
do, município, e Distrito Federal, o dever de garantir ao indivíduo o acesso à saúde no intuito
de reservar o mínimo essencial para a cidadã e o cidadão sobreviverem de forma digna.
Outrossim, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado3 a fim promover ações,
proteger e prevenir a saúde pública, possibilitando ao indivíduo o acesso universal e integral
dos serviços disponibilizados pelo SUS.
Nessa toada, cumpre questionar à legislação brasileira, dentro desta seara sanitária
se o acesso à saúde é uma garantia aos brasileiros natos e naturalizados, ou uma garantia
global, no sentido de que todo o indivíduo residente no Brasil ou que aqui esteja apenas de
forma transitória poderá fazer uso dos serviços públicos sanitários brasileiras.
Pois bem, muitos recordam-se de dois eventos de grande relevância ocorridos no
Brasil – sendo um de forma global – que levantaram ainda mais o questionamento sobre a
funcionalidade do sistema público de saúde, sendo:
1) a “invasão” dos Venezuelanos às cidades brasileiras de fronteira, buscando mo-
radia, trabalho e principalmente acesso à saúde; e
2) a pandemia da Covid-19 no âmbito mundial, mas que de certa forma colocou a
necessidade de atendimento sanitário de estrangeiros no território brasileiro para
tratamento do vírus SARS-CoV-2.
Assim, cumpre-se fazer um apanhado do direito à saúde no âmbito brasileiro e glo-
bal, para o fim de se compreender o status internacional deste direito fundamental à socieda-
de e tão essencial, uma vez que íntimo ao direito à vida e imprescindível para a democracia.
2
Art. 196 e 198, §2º da Constituição Federal de 1988.
3
Art. 200 da Constituição Federal de 1988 e Lei n. 8080/1990
4
GEBRAN NETO, João Pedro; SCHULZE, Clenio Jair. Direito à saúde: análise à luz da judicialização. Porto Alegre:
Verbo Jurídico, 2015.
A internacionalização do Direito à saúde |49
Essa reforma foi de grande relevância em prol dos direitos sociais, uma vez que, se
antes era necessário ser contribuinte da previdência, agora esse direito seria de todos, sem
qualquer distinção de classe ou ainda uma exigência direta de contraprestação5. Assim,
este direito foi inserido no rol do artigo 6º da CF6, a fim de constitucionalizá-lo. Desse
modo, a saúde foi enfim incorporada aos elementos básicos e necessários ao indivíduo
para a sobrevivência de maneira digna7.
Além disso, com a inclusão desse direito ao rol do art. 6 da CF/1988, se tronou
necessário estabelecer os responsáveis pela garantia deste direito, assim, o artigo 196 da
CF foi criado para determinar o dever do Estado de garantir através de políticas públicas
sociais e econômicas a assistência sanitária ao indivíduo.
Para não incorrer em novas e maiores burocracias, a Constituição definiu como
dever do Estado o dever da União, estados, municípios e do Distrito Federal, sendo solidários
entre si no atendimento à saúde no intuito de promover, proteger e recuperar à saúde pública.
Uma vez ciente do dever instituído pelo art. 196 da CF, para racionalizar o atendi-
mento sanitário ao indivíduo é que foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS) mediante Lei
n. 8.080/1990, sendo uma rede orientada pelo Ministério da Saúde (MS) como principal
objetivo o acesso universal e integral à saúde.
Assim, o SUS foi contemplado pela Constituição Federal de 88, em seu artigo 200,
o qual delimitou as competências deste sistema, onde se destacam a organização dos ser-
viços, o modelo de atenção, o financiamento, a gestão, a governança e a regulação a fim
de atender a universalidade do direito à saúde tratando da seguridade social8.
Temos ainda leis complementares e ordinárias relacionadas ao direito à saúde,
que são: Lei n. 8.142/1990 (que dispõe sobre qual é o papel da comunidade com relação
ao SUS e as migrações financeiras intergovernamentais); e também a Lei Complementar
5
INTRODUÇÃO. In: ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA SERGIO AROUCA. Assistência farmacêutica em foco
no Estado do Rio de Janeiro: normas e documentos para ação. Rio de Janeiro: Fiocruz, [s.d.]. p. 1. Disponível
em: http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/judicializacao/pdfs/introducao.pdf. Acesso em: 09 jul. 2020.
6
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência
da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.
htm. Acesso em: 10 ago. 2023.
7
GEBRAN NETO, João Pedro; SCHULZE, Clenio Jair. Direito à saúde: análise à luz da judicialização. Porto Alegre:
Verbo Jurídico, 2015.
8
Diferentemente da educação, o arranjo constitucional do direito fundamental à saúde não o trata de forma au�-
tônoma como se fora uma política pública isolada, ao contrário, a saúde foi inserida em um sistema protetivo
integrado que o Constituinte de 1988 denominou de “seguridade social”. Esse é o teor do caput do art. 194 da
Constituição, segundo o qual “a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa
dos Poderes Público e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à
assistência social” (PINTO, Élida Graziane. Financiamento dos direitos à saúde e à educação: uma perspectiva
constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 84-85).
50| Wlademir Junior Lucietti Filho
141/2012 (que regula o §3º do artigo 198 da Constituição Federal no tocante aos valores
mínimos exigidos e destinados à saúde pelos entes públicos).
Com isso, a Reforma Sanitarista tronou a saúde um direito social9, e nesta toada
o direito sanitário é acompanhado de um dever, momento em que se denota a participação
dos três poderes na positivação destes direitos estabelecendo um equilíbrio em atenção ao
estado político, social, temporal e econômico10. Através da Constituição de 1988 se esta-
beleceu o dever do Estado em relação aos direitos sociais – como é o caso da saúde – na
atuação direta, devendo promover ao menos um auxílio mínimo ao indivíduo11.
3 DIREITO À SAÚDE
De acordo com uma previsão Constitucional, o direito à saúde possui o status
fundamental, portanto, assegurado pelo Poder Público e garantido à sociedade.
O direito sanitário possui vital relação com a vida, assim, recebe a condição de ser
exigido com base no princípio do mínimo existencial, o qual visa a obtenção de condições
básicas ao indivíduo sobreviver de maneira digna.
Ademais, sabendo do respaldo constitucional deste direito, a necessidade de cria-
ção de uma política pública para atender este direito se fez necessária, por isso houve a
implementação do SUS com o objetivo maior de promover o acesso à sociedade como um
todo12. Regra esta que deve ser respeitada para não incorrer uma afronta à Constituição
Federal e ao princípio da impessoalidade.
Doutro modo, o poder público é submisso aos deveres de proteção deste direito,
quais sejam o respeito e a garantia dos direitos fundamentais e a obrigação de promover
o acesso à saúde13.
9
Na definição de José Afonso da Silva, os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do ho�-
mem, “são prestações positivas estatais, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores
condições da vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações desiguais. Valem
como pressuposto de gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais pro-
pícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o
exercício efetivo da liberdade” (GOTTI, Alessandra. Direitos sociais. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 49).
10
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris, 1991.
11
HACHEM, Daniel Wunder. A noção constitucional de desenvolvimento para além do viés econômico – reflexos
sobre algumas tendências do Direito Público brasileiro. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo
Horizonte: Fórum, ano 13, n. 53, p 133-168, jul./set. 2013. Disponível em: https://www.revistaaec.com/index.
php/revistaaec/article/view/126/289. Acesso em: 10 ago. 2023.
12
Art. 2º, §1º da Lei n. 8.080/1990
13
MERMELSTEIN apud GEBRAN NETO, João Pedro; SCHULZE, Clenio Jair. Direito à saúde: análise à luz da
judicialização. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2015.
A internacionalização do Direito à saúde |51
14
“[...] Esquece-se que, muitas vezes, que na essência da dignidade da pessoa humana deve estar a solidarie�-
dade e não ao egoísmo ou o individualismo. O que é essencial reter, nesse ponto, é que não é a necessidade
individual que determina o socialmente disponível” (CAÚLA, César. Dignidade da pessoa humana, elementos
do estado de Direito e exercício da jurisdição: o caso do fornecimento de medicamentos excepcionais no
Brasil. Salvador: Juspodivm, 2010. p. 125).
15
BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Direito à saúde: para entender a gestão do SUS. 1.
ed. Brasília: CONASS, 2015. Disponível em: https://www.conass.org.br/biblioteca/pdf/DIREITO-A-SAUDE.pdf.
Acesso em: 10 ago. 2023.
16
CANOTILHO, 2017 apud FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito à saúde. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2018.
17
“Assim, quando se defende um direito fundamental ao mínimo existencial, está se afirmando, em outras palavras,
que precisam ser asseguradas as condições básicas de vida digna ao ser humano” (DANIELI, Ronei. A judiciali-
zação da saúde no Brasil: do viés individualista ao patamar de bem coletivo. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 84).
52| Wlademir Junior Lucietti Filho
18
“É preciso que os direitos fundamentais sejam entendidos não como obrigação apenas do Estado, mas como
obrigação de cada cidadão. E é a partir daí que podemos conceber o direito da dignidade da pessoa humana,
porque o direito não faz milagre, mas existe para que as pessoas tenham a oportunidade de conviver de forma
harmônica” (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. A dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial. Revista
de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: FGV, n. 252, p. 15-24, 2009. p. 19. Disponível em: https://periodicos.
fgv.br/rda/article/view/7953. Acesso em: 10 ago. 2023).
19
“Não é de todo nova a compreensão de que o Estado e a sociedade devem prover as condições materiais
básicas para os necessitados, que não tenham condições de se sustentar” (SARMENTO, Daniel. O mínimo
existencial. Revista de Direito da Cidade, Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, p. 1644-1689, 2016. p.1645. Disponível
em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/viewFile/26034/19156. Acesso em: 04 jul. 2020).
20
“[...] o mínimo existencial, que corresponde às condições elementares de educação, saúde e renda que per�-
mitam, em uma determinada sociedade, o acesso aos valores civilizatórios e a participação esclarecida no
processo político e no debate público. Os três Poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário – têm o dever de
realizar os direitos fundamentais, na maior extensão possível, tendo como limite mínimo o núcleo essencial
desses direitos” (BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Rio de Janeiro: Procuradoria
Geral do Estado do Rio de Janeiro; Instituto Ideias, 2007. p. 10-11. Disponível em: https://www.conjur.com.br/
dl/estudobarroso.pdf. Acesso em: 07 jul. 2020).
21
“[...] compreende ser relevante o papel dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para a concretização dos
direitos fundamentais na maior extensão possível, observado como parâmetro mínimo o núcleo essencial desses
direitos – a dignidade humana, doravante sintetizado como mínimo existencial” (DANIELI, Ronei. A judicialização
da saúde no Brasil: do viés individualista ao patamar de bem coletivo. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 85)
22
“[...] no sentido de que os órgãos judiciais podem aplicar tais normas ainda que não tenham sido objeto de
regulamentação legislativa” (SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais e mínimo existencial – notas
sobre um possível papel das assim chamadas decisões estruturais na perspectiva da jurisdição constitucional. In:
ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (org.). Processo estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 218).
23
“[...] doutrina e jurisprudência que em boa medida dão suporte à tese de que o mínimo existencial – compre�-
endido como todo o conjunto de prestações materiais indispensáveis para assegurar a cada pessoa uma vida
condigna representa o núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais” (SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos
fundamentais sociais e mínimo existencial – notas sobre um possível papel das assim chamadas decisões
estruturais na perspectiva da jurisdição constitucional. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (org.).
Processo estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 216).
A internacionalização do Direito à saúde |53
Importante reiterar que a saúde possui viés democrático, haja vista que os demais
direitos inerentes ao indivíduo só poderão ser realizados/vividos a partir do momento que
o indivíduo tenha condições, quiçá, mínimas de sobrevivência para exprimir suas vontades
e exercer os atos civis24.
Ampliando o mínimo essencial para a sua internacionalização, há na Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948 expressa a importância de garantia do direito à
saúde ao indivíduo e sua família25.
Assim, preciso é mencionar direitos fundamentais em correlação com o mínimo
existencial, uma vez que este princípio é fundamento básico para a positivação de garan-
tias fundamentais.
Desta forma, os direitos fundamentais são significativos para a coletividade, haja
vista que o desenvolvimento do ser humano depende intimamente de suas condições vida.
Com isso, o direito à saúde se mostra imprescindível de forma vital ao ser humano.
Cumpre salientar que nenhum direito fundamental possui relevância sobre o outro,
embora se possa sopesar a vida. Contudo, do ponto de vista jurídico todos os direitos funda-
mentais possuem a mesma importância. Portanto, necessário enfatizar que o direito à saúde
não se sobressai perante os demais, o que seria uma visão imprecisa dos direitos sociais.
Em que pese a educação não seja o direito fundamental em análise, preciso se
torna trazê-lo para este estudo, haja vista que foi o direito norteador do mínimo existencial.
Isso porque sua origem se deu pelo marco histórico de acesso à educação, fato esse ocor-
rido em 1960 na Alemanha, onde um grupo de estudantes que não haviam sido admitidos
na universidade de medicina em Hamburgo e Munique, devido a uma política que limitava
as vagas de cursos superiores26.
Isto posto, com a necessidade de garantir o acesso à educação, os alunos peti-
cionaram em juízo a garantia do acesso à universidade. O Tribunal Constitucional Alemão,
24
“A dignidade da pessoa humana, imperativo ético existencial, é também princípio e regra constitucional1 contem� -
plado na ordem jurídica brasileira como fundamento da República, perpassando, por sua força normativa, toda a
racionalidade do ordenamento jurídico nacional” (FACHIN, Luiz Edson; PIANOVSKI, Carlos Eduardo. A dignidade
da pessoa humana no direito contemporâneo: uma contribuição à crítica da raiz dogmática do neopositivismo
constitucionalista. Revista trimestral de direito civil: RTDC, v. 9, n. 35, p. 101-119, jul./set. 2008.p. 101).
25
Artigo 25. “1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde
e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispen-
sáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos
de perda dos meios de subsistência fora de seu controle” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU.
Declaração universal dos direitos humanos. Assembléia Geral das Nações Unidas, 10 dez. 1948. Brasília:
Unesco no Brasil, 1998. p. 5. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf.
Acesso em: 10 ago. 2023).
26
SEVERO, 2001, p. 28 apud DANIELI, Ronei. A judicialização da saúde no Brasil: do viés individualista ao pata-
mar de bem coletivo. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 87.
54| Wlademir Junior Lucietti Filho
por sua vez, compreendeu que o pleito era plausível, e com isso deveria a educação ser
concretizada com base na medida do possível.
Apesar disso, o mínimo essencial não tornou o direito a educação absoluto, mas
possibilitou ao ente público, dentro dos seus limites, incluir os respectivos alunos em
seus Cursos.
Sarmento compreendeu que a ideia de mínimo existencial no Brasil foi claramente
incorporada pela Constituição de 1988 de forma que se compreende a ideia em conexão
com o princípio da dignidade da pessoa humana27.
Como já abordado, a garantia do mínimo existencial, tal qual os direitos fundamen-
tais, passa pela necessidade de recursos para sua confirmação, assim, notório no ponto de
vista social que as políticas públicas encontram limites na escassez de recursos28.
Deste modo, espera-se com este princípio de que o indivíduo encontre meios que lhe
proporcionem uma vida digna, razão esta que se encontra no direito um viés social, como
uma autoajuda, concepção essa muito utilizada na Alemanha (Hife zur Selbsthilfe), de modo
que a dignidade não se estabelece em si, mas o Estado visa protegê-la e promovê-la29.
27
SARMENTO, Daniel. O mínimo existencial. Revista de Direito da Cidade, Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, p. 1644-1689,
2016. p. 1647. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/viewFile/26034/19156.
Acesso em: 04 jul. 2020.
28
SARMENTO, Daniel. O mínimo existencial. Revista de Direito da Cidade, Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, p. 1644-1689,
2016. p. 1672. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/viewFile/26034/19156.
Acesso em: 04 jul. 2020.
29
FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner; SARLET, Ingo Wolfgang. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à
saúde: algumas aproximações. Revista de Doutrina da 4ª Região, n. 24, 02 jul. 2008. p. 9. Disponível em: https://
bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/61269/reserva_possivel_minimo_existencial.pdf. Acesso em: 09 jul. 2020).
A internacionalização do Direito à saúde |55
30
FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito à saúde. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2018.
31
LIMA NETO, Jorge Nogueira de. Expressões e termos latinos para juristas. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
32
LIMA NETO, Jorge Nogueira de. Expressões e termos latinos para juristas. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
33
FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito à saúde. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2018.
34
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que inte�-
gram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da
Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de
saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado
e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em
todos os níveis de complexidade do sistema;
35
HACHEM, Daniel Wunder. A noção constitucional de desenvolvimento para além do viés econômico – reflexos
sobre algumas tendências do Direito Público brasileiro. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo
Horizonte: Fórum, ano 13, n. 53, p 133-168, jul./set. 2013. Disponível em: https://www.revistaaec.com/index.
php/revistaaec/article/view/126/289. Acesso em: 10 ago. 2023.
36
GEBRAN NETO, João Pedro; SCHULZE, Clenio Jair. Direito à saúde: análise à luz da judicialização. Porto Alegre:
Verbo Jurídico, 2015.
37
O princípio por si só não gera uma razão definitiva, afinal, os princípios não possuem em sua simples exis�-
tência um dever ser (FERREIRA, Natália Braga. Notas sobre a teoria dos princípios de Robert Alexy. Revista
56| Wlademir Junior Lucietti Filho
realização prestacional de seu direito, pois os princípios de uma lei não podem perder a sua
força, sob pena de perder seu caráter, ou seja, a perda do direito pelo não uso38.
Outro critério importante na busca por localizar a fonte originária do acesso universal
à saúde é a correlação com o direito à vida, pois não se fala de vida sem saúde. Tal direito
também é de caráter constitucional, ou seja, a Lei n. 8.080/90 pode até mencionar o acesso
universal e integral à saúde, mas o seu principal fundamento vem da Constituição Federal.
Assim, a Lei do SUS é entendida como uma disposição complementar39, sendo uma
política pública desenvolvida para atender a sociedade. Desta forma, esta política visa atender a
todos que mais necessitem por meio de ações universalizadas buscando efetivar o direito fun-
damental ao indivíduo com o emprego de recursos necessários para a satisfação do direito40.
O crescimento do caminho traçado pela Constituição no Brasil efetivou os Direitos
Humanos elencando-os como fundamentais à sobrevivência digna de cada indivíduo41.
Por sua vez, o artigo 5º, § 1º da CF/1988 respalda tais direitos em nosso ordenamento,
merecendo aplicação imediata no tocante às garantias fundamentais42.
Nessa toada, cumpre trazer no âmbito global que os Tratados Internacionais aceitos
por decreto em nosso ordenamento jurídico possuem vital importância no implemento do
acesso à saúde aos não nacionais, ainda que a constituição Federal garanta a todo e qual-
quer cidadão que necessite do acesso à saúde pública brasileira43, 44.
Eletrônica do Curso de Direito (PUC Minas Serro), v. 2, p. 117-142, 2010. p. 122. Disponível em: http://perio-
dicos.pucminas.br/index.php/DireitoSerro/article/viewFile/1290/1853. Acesso em: 12 jul. 2020).
38
JHERING, Rudolph Von. A luta pelo direito. São Paulo: Hunterbooks, 2015.
39
BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Direito à saúde: para entender a gestão do SUS. 1.
ed. Brasília: CONASS, 2015. Disponível em: https://www.conass.org.br/biblioteca/pdf/DIREITO-A-SAUDE.pdf.
Acesso em: 10 ago. 2023.
40
HACHEM, Daniel Wunder. A noção constitucional de desenvolvimento para além do viés econômico – reflexos
sobre algumas tendências do Direito Público brasileiro. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo
Horizonte: Fórum, ano 13, n. 53, p 133-168, jul./set. 2013. Disponível em: https://www.revistaaec.com/index.
php/revistaaec/article/view/126/289. Acesso em: 10 ago. 2023.
41
DANIELI, Ronei. A judicialização da saúde no Brasil: do viés individualista ao patamar de bem coletivo. Belo
Horizonte: Fórum, 2018.
42
Art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade” §1º:” As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
43
Art. 24. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança de gozar do melhor padrão possível de saúde e
dos serviços destinados ao tratamento das doenças e à recuperação da saúde. Os Estados Partes envidarão
esforços no sentido de assegurar que nenhuma criança se veja privada de seu direito de usufruir desses
serviços sanitários. (Decreto n. 99.710, de 21/11/1990).
44
Art. 12. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado
nível possível de saúde física e mental” (Decreto n. 591, de 06/07/1992).
A internacionalização do Direito à saúde |57
45
Já revogado pela Lei n. 2017/13.445.
46
“[...] Ressaltou-se que, em princípio, pareceria que a norma excluiria de sua tutela os estrangeiros não resi�-
dentes no país, porém, numa análise mais detida, esta não seria a leitura mais adequada, sobretudo porque
a garantia de inviolabilidade dos direitos fundamentais da pessoa humana não comportaria exceção baseada
em qualificação subjetiva puramente circunstancial. Tampouco se compreenderia que, sem razão perceptível,
o Estado deixasse de resguardar direitos inerentes à dignidade humana das pessoas as quais, embora estran-
geiras e sem domicílio no país, se encontrariam sobre o império de sua soberania” (BRASIL. Superior Tribunal
Federal. HC 97.147. Segunda Turma. Relator para o acórdão: Ministro Cezar Peluso. Julgamento em 4.8.2009;
acórdão ainda não publicado; informação extraída do Informativo STF n. 554. Disponível em: http://www.stf.
jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo554.htm. Acesso em: 10 ago. 2023).
47
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. TRANSPLANTE DE MEDULA. TRATAMENTO GRATUITO PARA ESTRANGEIRO. ART.
5º DA CF. O art. 5º da Constituição Federal, quando assegura os direitos garantias fundamentais a brasileiros e
58| Wlademir Junior Lucietti Filho
estrangeiros residente no País, não está a exigir o domicílio do estrangeiro. O significado do dispositivo consti-
tucional, que o estrangeiro esteja sob a ordem jurídico-constitucional brasileira, não importa em que condição.
Até mesmo o estrangeiro em situação irregular no país encontra-se protegido e a ele são assegurados os direitos
e garantias fundamentais. (BRASIL. Justiça Federal. TRF4. AG 2005040132106/PR. Julgado em 29/8/2006).
48
Lei n. 9.474/1997: art. 1º: Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I – devido a fundados temores
de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se
fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; II – não tendo
nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regres-
sar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; III – devido a grave e generalizada violação
de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país. Art. 2º:
Os efeitos da condição dos refugiados serão extensivos ao cônjuge, aos ascendentes e descendentes, assim
como aos demais membros do grupo familiar que do refugiado dependerem economicamente, desde que se
encontrem em território nacional. Cf.: MELO, Leticia. O SUS deve garantir atendimento ao estrangeiro não re-
sidente? JusBrasil, 25 mar. 2015. Disponível em: https://leticiammelo.jusbrasil.com.br/artigos/176637472/o-
-sus-deve-garantir-atendimento-ao-estrangeiro-nao-residente. Acesso em: 12 jul. 2020.
49
Para Sarmento, “Não é de todo nova a compreensão de que o Estado e a sociedade devem promover as condições
materiais básicas para os necessitados, quem não tenham condições de se sustentar” (SARMENTO, Daniel. O mí-
nimo existencial. Revista de Direito da Cidade, Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, p. 1644-1689, 2016. p. 1645. Disponível
em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/viewFile/26034/19156. Acesso em: 04 jul. 2020).
50
Artigo 25. 1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde
e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispen-
sáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de
perda dos meios de subsistência fora de seu controle.
A internacionalização do Direito à saúde |59
51
Flávia Piovesan: Com o fim das Grandes Guerras, a sociedade se reorganizou com o propósito de se esta�-
belecerem em regimes constitucionais democráticos, baseados no respeito e proteção dos direitos humanos
(PIOVESAN, Flávia. A Constituição de 1988 e os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos.
Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n. 47/48, jan./dez. 1997. Disponível em: https://www.
pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista3/rev6.htm. Acesso em: 13 jul. 2020).
52
Para Andressa Gotti: “No estado brasileiro, a redemocratização ocorreu na década de 80, sendo a Constituição
Da República Federativa do Brasil de 1988 o marco desse novo modelo estatal, baseado na dignidade da
pessoa humana, que por sua vez é o núcleo dos direitos fundamentais” (GOTTI, Alessandra. Direitos sociais.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 49).
53
GOTTI, Alessandra. Direitos sociais. São Paulo: Saraiva, 2012: “Assim, mesmo não havendo dispositivo ex-
presso acerca do dever fundamental de pagar imposto depreende-se da Constituição da República de 1988
que ele existe em nosso ordenamento jurídico. Deve-se ter em mente que o Estado Democrático de Direito
(art.1º, CR) não está simplesmente pautado no “império da lei” (Estado de Direito), mas almeja superar o
Estado de Direito, garantindo não somente a liberdade individual (com a proteção aos direitos de propriedade),
como também o respeito por todos os direitos e garantias fundamentais, baseadas no princípio da dignidade
da pessoa humana (art.1º, III, CF). Nesse novo modelo não se verifica a tributação, simplesmente, como a
clássica relação de poder entre o Estado e os indivíduos, mas uma relação baseada no estatuto constitucional
do indivíduo, com a necessidade de concretização dos direitos fundamentais previstos no ordenamento jurídi-
co e com os deveres fundamentais a serem prestados pelo cidadãos”.
54
Cármen Lúcia: É preciso que os direitos fundamentais sejam entendidos não como obrigação apenas do
Estado, mas como obrigação de cada cidadão. E é a partir daí que podemos conceber o direito da dignidade
da pessoa humana, porque o direito não faz milagre, mas existe para que as pessoas tenham a oportunidade
de conviver de forma harmônica (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. A dignidade da pessoa humana e o mínimo
existencial. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: FGV, n. 252, p. 15-24, 2009. p. 19. Disponível
em: https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/7953. Acesso em: 10 ago. 2023).
60| Wlademir Junior Lucietti Filho
55
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. A dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial. Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro: FGV, n. 252, p. 15-24, 2009. p. 23. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/
rda/article/view/7953. Acesso em: 10 ago. 2023
56
O direito à saúde está expresso em seu artigo 12. A palavra saúde se origina do latim salutIe, que significa
“salvação, conservação da vida, cura, bem-estar” e, preservando este sentido, o conceito de saúde, segundo
definição apresentada pela Organização Mundial da Saúde, “é um estado de completo bem-estar físico, mental
e social e não apenas a ausência da doença ou enfermidade”.
57
Art. 2º: Cada Estado parte do presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio
como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o
máximo de seus recursos disponíveis, que visem assegurar, progressivamente, por todos os meios apro-
priados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no Presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de
medidas legislativas.
58
Art. 5º: Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais reconhecidos ou
vigentes em qualquer país em virtude de leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob pretexto de que o
pressente Pacto não os reconheça ou os reconheça em menor grau.
A internacionalização do Direito à saúde |61
5 CONCLUSÃO
Diante do exposto, temos que o não nacional possui as mesmas garantias funda-
mentais no Estado brasileiro que um nacional, respaldo previsto no artigo 5º da CF/1988,
no Pacto Internacional Sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, na Lei do Refugiado
(9.474/1997), Decreto n. 591/1992 e Pacto de San José da Costa Rica. Enfim, garantia
jurídica não falta para a positivação dos direitos sociais, em especial o da saúde.
O Sistema Único de Saúde foi desenvolvido pelo Estado para viabilizar o acesso do
indivíduo, portanto, o direito material se equipara à Constituição Federal, que busca propor
a universalidade do direito e a integralidade do atendimento.
A sociedade por sua vez, possui importante papel para a concretização dos direitos
fundamentais. Haja vista que tudo demanda custo, e o financiamento advindo dos cofres do
Estado – leia-se: União, estados, municípios e Distrito Federal – só serão possíveis devido
à arrecadação de tributos. Como já abordado, as verbas são finitas e as necessidades são
muitas. Assim, o cidadão que contribui devidamente está ao mesmo tempo viabilizado o
custeio das políticas públicas, ou seja, as mantendo ativas.
Embora se fale de obrigação social, não podemos esquecer que o garantidor prin-
cipal é o Estado, sendo ele o responsável por programar e orientar o funcionamento das
políticas públicas. Lembra-se que, havendo falha na política implementada e possuindo o
indivíduo o direito, é plenamente plausível buscar a efetivação nas vias judiciárias.
Outrossim, os direitos sociais são intimamente ligados aos princípios basilares da
proteção à vida, o caráter jurídico e social os tornam os elementos principais da vida humana.
O exercício da democracia, o direito ao trabalho, o ir e vir, o direito ao desenvol-
vimento, enfim, um vasto campo de direitos assegurados à sociedade, seja coletivos ou
individuais, só podem ser executados se garantido o mínimo existencial. Sem isso, não há
o que se falar em dignidade da pessoa.
Nessa toada é que os direitos fundamentais são tão importantes e respaldados
juridicamente em várias fontes normativas. Então, assegurar estes direitos aos nacionais e
negá-los aos não nacionais soa, além de inconstitucional e fora dos padrões jurídicos, uma
afronta à ética e aos valores sociais.
Destarte, não há que se admitirem distinções raciais, culturais, e toda e qualquer di-
ferença possível no momento de fornecer condições básicas para as pessoas sobreviverem.
Assim, não há que se restringir o acesso à saúde aos não nacionais, pois o que
vale aqui é o sentido de pessoa, de vida, e todos merecem viver dignamente, lembrando
que a condição de cada um não o torna especial perante os outros, pois a lei nos coloca
em condição de igualdade, principalmente no direito de viver e exercer nossos direitos.
62| Wlademir Junior Lucietti Filho
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, forneci-
mento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Rio de Janeiro: Procuradoria
Geral do Estado do Rio de Janeiro; Instituto Ideias, 2007. Disponível em: https://www.conjur.com.br/
dl/estudobarroso.pdf. Acesso em: 07 jul. 2020.
BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Direito à saúde: para entender a gestão do SUS.
1. ed. Brasília: CONASS, 2015. Disponível em: https://www.conass.org.br/biblioteca/pdf/DIREITO-A-
SAUDE.pdf. Acesso em: 10 ago. 2023.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília:
Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/
ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 10 ago. 2023.
BRASIL. Decreto-lei n. 591, de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. Promulgação. Brasília: Presidência da República, 1992. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm. Acesso em: 06 jul. 2020.
BRASIL. Justiça Federal. TRF4. AG 2005040132106/PR. Julgado em 29/8/2006.
BRASIL. Lei Complementar n. 141, de 13 de janeiro de 2012. Regulamenta o § 3º do art. 198 da
Constituição Federal para dispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela
União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos de saúde [...]. Brasília:
Presidência da República, 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp141.
htm. Acesso em: 13 jul. 2020.
BRASIL. Lei n. 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. Brasília: Presidência
da República, 2017. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/
l13445.htm. Acesso em: 04 jul. 2020.
BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, pro-
teção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá
A internacionalização do Direito à saúde |63
Resumo
O presente artigo buscou, por meio de um estudo explicativo e exploratório, analisar o
Direito Tributário como sendo um mecanismo para a materialização dos direitos funda-
mentais em face à crise socioeconômica no Brasil. Faz-se pertinente tal análise, na medida
em que o Estado, muitas vezes, torna-se ineficaz em garantir a efetivação dos diversos
direitos fundamentais de caráter tributário, reconhecendo-se a escassez de recursos, o que
suscita em uma urgente análise econômica. Para isso, sucede-se um exame do processo
de constitucionalização do Direito Tributário, para após retratar e analisar a ordem tributária
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Universitário
Autônomo do Brasil (UniBrasil). Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná
(EMAP), Núcleo de Curitiba (2021). Graduada pela Universidade de Passo Fundo (UPF, 2020). Estagiária de
pós-graduação no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. E-mail: luizabofflorenzon@hotmail.com
2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Universitário
Autônomo do Brasil (UniBrasil). Bolsista Prosup/Capes. Especialista em Direito Aplicado pela Escola da
Magistratura do Paraná (Emap), Núcleo de Curitiba (2006) e em Direito Notarial e Registral pelo grupo IBMEC
(2021). Aprovada no 3º Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Serventias
Notariais e Registrais no Estado do Paraná. Advogada. E-mail: laine.adv@gmail.com
3
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Universitário
Autônomo do Brasil (UniBrasil). Bolsista Prosup/Capes Especialista em Direito Privado. Advogado.
E-mail: ramongconti@gmail.com
66| Luiza Boff Lorenzon - Marilaine Moreira de Jesus - Ramon Gabriel Conti
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo o estudo do Direito Tributário como sendo
um mecanismo para a materialização dos direitos fundamentais em meio a instabilidade
econômica e social presente na realidade brasileira, levando-se em consideração que a
Constituição Federal de 1988 (CF/88), prevê em seu artigo 3, incisos I a IV, a construção
de uma sociedade livre, justa e solidária, a promoção do bem estar de todos, sem precon-
ceitos de origem, raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação, a erra-
dicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais,
bem como o desenvolvimento nacional4.
Faz-se pertinente tal análise, na medida em que o Estado, muitas vezes, se torna
ineficaz em garantir a efetivação dos diversos direitos fundamentais de caráter tributário, re-
conhecendo-se a escassez de recursos, o que suscita em uma urgente análise econômica.
Assim, em um primeiro momento se faz necessário uma análise do Direito Tributário
à luz da visão constitucional atual, a qual atribuiu status de norma jurídica às normas cons-
titucionais, sendo dotadas de força normativa, e condicionadas às realidades sociais e polí-
ticas. Paralelamente a isso, mostra-se fundamental estabelecer instrumentos que garantam
o seu cumprimento obrigatório.
Nessa lógica, o Direito Tributário sofre mudanças com o processo de constitucio-
nalização dos temas por si só na medida em que elenca em suas normas infraconstitucio-
nais, buscando trazer dispositivos à luz da Constituição Federal e pautado na preocupação
de sua legitimação e aplicação.
Diante disso, pretende-se a construção desse ramo mais condizente com a realidade
econômica e social vivenciada pelo Brasil, a qual é pautada atualmente por uma ambivalência
e insegurança, o que surte a necessidade de se buscar novos princípios ou consagrá-los de
maneira mais coerente. A ordem tributária é entrelaçada com às questões sociais, de modo
que cabe ao Estado viabilizar e implementar direitos fundamentais, mas para isso faz-se opor-
tuno mecanismos válidos como instrumentos de concretização das previsões constitucionais.
4
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência
da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.
htm. Acesso em: 23 set. 2022.
O Direito tributário como mecanismo para a materialização dos Direitos... |67
Nesse sentido, observa-se que as questões tributária devem ser ferramentas ca-
pazes de viabilizar a promoção de uma justiça social, bem como a efetivação de direitos
fundamentais, no entanto, isso traz consigo uma série de necessidades financeiras, que
importam em despesas para a coletividade.
O que se pretende ao final deste artigo é analisar se o Estado é eficaz em garantir
o exercício de direitos fundamentais de caráter tributário, especialmente no que tange às
políticas públicas e a prestação de serviços essenciais, sendo necessário para tanto uma
análise econômica da legislação aplicável à tributação, para que não gere mais despesas
aos contribuintes e também, não cause onerosidade aos cofres públicos, como maneira de
alcançar a máxima eficácia de tais direitos.
Nesse sentido, faz-se necessário considerar o tema relacionado ao que está previsto
no texto legal, além de se averiguar as posições doutrinárias e os conceitos técnicos acerca
dos entendimentos, para isso vale-se de uma análise indutiva e pesquisa bibliográfica.
Seja qual for o nome que se queira empregar, a verdade é que o direito constitu-
cional sofreu e continua a sofrer profundas alterações nos últimos tempos, sendo que a
constitucionalização dos direitos o resultado dessa expansão que, conforme Luís Roberto
Barroso, possui três marcos fundamentais para delimitar: o histórico, teórico e filosófico10.
5
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,
2008.
6
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
7
ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Ley, derecho, justicia. Madrid: Trota, 2009.
8
Para estudo sobre o tema, vide: CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo: elementos para uma definição. In:
MOREIRAM Eduardo R.; PUGLIESI, Márcio (coord.). 20 Anos da Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 2009.
9
BARBOSA, Marcus V. Constitucionalização do direito tributário e o Supremo Tribunal Federal: aportes doutriná�-
rios e jurisprudenciais para um direito tributário renovado. Revista EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, p. 394-
442, set./dez. 2019. p. 399-400. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/
revista_v21_n3/tomo2/revista_v21_n3_tomo2_394.pdf. Acesso em: 14 set. 2022.
10
Sobre este tema, ver: BARROSO, Luís R. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito (o triunfo
tardio do direito constitucional no Brasil). Revista de Direito Administrativo, v. 240, p. 1-42, abr./jun. 2005. p. 22.
Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/43618. Acesso em: 15 set. 2022.
68| Luiza Boff Lorenzon - Marilaine Moreira de Jesus - Ramon Gabriel Conti
Luís Roberto Barroso descreve todo esse fenômeno como uma nova forma de
enxergar e interpretar o direito, por meio de um direito constitucional, de modo que todo
ato, implica na aplicação direta ou indireta da Constituição. O autor ainda sintetiza, expondo
que “a Constituição figura hoje no centro do sistema jurídico, de onde irradia sua força
normativa, dotada de supremacia formal e material. Funciona, assim, [...] como um vetor
de interpretação de todas as normas do sistema”15.
11
BARBOSA, Marcus V. Constitucionalização do direito tributário e o Supremo Tribunal Federal: aportes dou�-
trinários e jurisprudenciais para um direito tributário renovado. Revista EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3,
p. 394-442, set./dez. 2019. p. 403. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/
revista_v21_n3/tomo2/revista_v21_n3_tomo2_394.pdf. Acesso em: 14 set. 2022.
12
“A Constituição jurídica não significa simples pedaço de papel, tal como caracterizada por Lassalle. Ela não afigu�-
ra “impotente para dominar, efetivamente a distribuição de poder”, tal como ensinado por Georg Jellinek e como,
hodiernamente, divulgado por um naturalismo e sociologismo que se pretende cético. A Constituição não está
desvinculada da realidade histórica concreta de seu tempo. Todavia, ela não está condicionada, simplesmente,
por essa realidade. Em caso de conflito, a Constituição não deve ser considerada, necessariamente, a parte
mais fraca. Ao contrário, existem pressupostos realizáveis (realizierbave Vorausstzungen) que, mesmo em caso
de confronto, permitem assegurar a força normativa da Constituição” (HESSE, Konrad. A força normativa da
Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991. p. 25).
13
BARBOSA, Marcus V. Constitucionalização do direito tributário e o Supremo Tribunal Federal: aportes dou�-
trinários e jurisprudenciais para um direito tributário renovado. Revista EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3,
p. 394-442, set./dez. 2019. p. 404. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/
revista_v21_n3/tomo2/revista_v21_n3_tomo2_394.pdf. Acesso em: 14 set. 2022.
14
BARROSO, Luís R. Doze anos da Constituição brasileira de 1988 – uma breve e acidentada história de suces�-
so. In: BARROSO, Luís R. Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 68-69.
15
BARROSO, Luís R. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito (o triunfo tardio do direito cons�-
titucional no Brasil). Revista de Direito Administrativo, v. 240, p. 1-42, abr./jun. 2005. p. 22. Disponível em:
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/43618. Acesso em: 15 set. 2022.
O Direito tributário como mecanismo para a materialização dos Direitos... |69
A mudança política, social e fática levou a uma mudança de mentalidade que re-
percutiu no modo pelo qual devem ser compreendidas as condutas do Fisco e do
contribuinte. Em relação à conduta do Fisco questionam-se as finalidades de sua
ação, bem como a destinação e a aplicação dos recursos arrecadados e sua com-
patibilidade efetiva com as políticas públicas que devem subsidiar; em relação à
conduta do contribuinte questiona-se a existência de um fundamento substancial
que a justifique (razão ou motivo para o exercício da liberdade de contratar).
16
“A constitucionalização do Direito vai desafiar antigas fronteiras como Direito Público/ Direito Privado e Estado/
sociedade civil. Isso porque, numa ordem jurídica constitucionalizada, a Constituição não é apenas a lei funda-
mental do Estado”. “Ela é a lei fundamental do Estado e da sociedade” (SARMENTO, Daniel. Ubiquidade cons-
titucional: os dois lados da moeda. In: SARMENTO, Daniel. Livros e iguais – estudos de direito constitucional.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 177).
17
“Há agora um centro de gravidade, capaz de recolher e juridicizar os valores mais importantes da comunidade
política, no afã de conferir alguma unidade axiológica e teleológica ao ordenamento” (SARMENTO, Daniel.
Ubiquidade constitucional: os dois lados da moeda. In: SARMENTO, Daniel. Livros e iguais – estudos de direito
constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 177).
18
RIBEIRO, Ricardo L. A constitucionalização do direito tributário. In: RIBEIRO, Ricardo L. Temas de direito
constitucional tributário. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2009.
19
GRECO, Marco Aurélio. Crise do Formalismo no direito tributário brasileiro. Revista da PGFN, Brasília: PGFN,
v. 1, n. 1, p. 9-18, jan./jun. 2011. p. 15, Disponível em: https://www.gov.br/pgfn/pt-br/central-de-conteudo/
publicacoes/revista-pgfn/revista-pgfn/ano-i-numero-i/revista.pdf. Acesso em: 17 set. 2022.
70| Luiza Boff Lorenzon - Marilaine Moreira de Jesus - Ramon Gabriel Conti
à luz dessas novas premissas20. Assim, o debate tributário reside hoje em saber quais os
parâmetros constitucionais e critérios devem ser adotados neste novo contexto em que os
princípios constitucionais, impõe ao aplicador do direito a construção de um complexo de
normas que obrigam o Estado à preservação dos indivíduos, garantindo-lhes condições
mínimas de vida e integração na sociedade21.
20
BARBOSA, Marcus V. Constitucionalização do direito tributário e o Supremo Tribunal Federal: aportes dou�-
trinários e jurisprudenciais para um direito tributário renovado. Revista EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3,
p. 394-442, set./dez. 2019. p. 409. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/
revista_v21_n3/tomo2/revista_v21_n3_tomo2_394.pdf. Acesso em: 14 set. 2022.
21
ALVES, Geovane M.; OLIVEIRA FILHO, Ivan de. A Constituição Federal e a defesa dos direitos dos contribuintes:
apontamentos sobre o princípio da dignidade da pessoa humana e suas implicações no direito tributário. Revista
Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 17, n. 17, p. 145-167, jan./jun. 2015. p. 156. Disponível em:
https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/564. Acesso em: 20 set. 2022.
22
Sobre sociedade de riscos: BECK, Ulrich. Sociedade de risco. rumo a uma outra modernidade. Tradução de
Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2010.
23
BARBOSA, Marcus V. Constitucionalização do direito tributário e o Supremo Tribunal Federal: aportes dou�-
trinários e jurisprudenciais para um direito tributário renovado. Revista EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3,
p. 394-442, set./dez. 2019. p. 410. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/
revista_v21_n3/tomo2/revista_v21_n3_tomo2_394.pdf. Acesso em: 14 set. 2022.
24
RIBEIRO, Ricardo L. A segurança jurídica do contribuinte. Legalidade, não-surpresa e proteção à confiança
legítima. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 263.
25
BARBOSA, Marcus V. Constitucionalização do direito tributário e o Supremo Tribunal Federal: aportes dou�-
trinários e jurisprudenciais para um direito tributário renovado. Revista EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3,
p. 394-442, set./dez. 2019. p. 411. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/
revista_v21_n3/tomo2/revista_v21_n3_tomo2_394.pdf. Acesso em: 14 set. 2022.
26
RIBEIRO, Ricardo L. A segurança jurídica do contribuinte. Legalidade, não-surpresa e proteção à confiança
legítima. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 263.
O Direito tributário como mecanismo para a materialização dos Direitos... |71
destaca, no Brasil há uma tensão dialética entre uma sociedade carente e desigual, bem como
o extenso rol de direitos fundamentais que é consagrado na Constituição Federal. Ocorre que,
“administrar é, por essência, gerir recursos finitos para demandas ilimitadas. A cada decisão
alocativa explícita, o administrador se vê diante de uma decisão desalocativa implícita”27.
27
BARBOSA, Marcus V. Constitucionalização do direito tributário e o Supremo Tribunal Federal: aportes dou�-
trinários e jurisprudenciais para um direito tributário renovado. Revista EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3,
p. 394-442, set./dez. 2019. p. 411. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/
revista_v21_n3/tomo2/revista_v21_n3_tomo2_394.pdf. Acesso em: 14 set. 2022.
28
BARBOSA, Marcus V. Constitucionalização do direito tributário e o Supremo Tribunal Federal: aportes dou�-
trinários e jurisprudenciais para um direito tributário renovado. Revista EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3,
p. 394-442, set./dez. 2019. p. 412. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/
revista_v21_n3/tomo2/revista_v21_n3_tomo2_394.pdf. Acesso em: 14 set. 2022.
72| Luiza Boff Lorenzon - Marilaine Moreira de Jesus - Ramon Gabriel Conti
Os traços dessa sociedade, pautados em uma ambivalência e insegurança, faz com que
surja a necessidade de se buscar novos princípios ou consagrá-los de maneira mais coerente,
com o sentido de fundamentar o ordenamento jurídico e as relações entre sociedade e Estado.
29
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional, financeiro e tributário: valores e princípios constitu-
cionais tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. v. II. p. 177.
30
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1999. p. 9.
31
DOMINGOS, Terezinha de O.; CUNHA, Leandro R. da. A tributação como instrumento de concretização da
dignidade da pessoa humana em face do desenvolvimento. In: TAVARES NETO, José Q.; FEITOSA, Raymundo
J. R. (coord.). 25 anos da Constituição Cidadã: os atores sociais e a concretização sustentável dos objetivos
da República. Florianópolis: FUNJAB, 2013. p. 48-71. p. 51. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/
artigos/?cod=154aa6866aefb6f8. Acesso em: 17 set. 2022.
32
JONER, Gabriel. O direito tributário como instrumento de concretização de direitos fundamentais: Diálogos
entre tributação e liberdade religiosa. Revista Diálogo Jurídico, Centro Universitário Farias Brito, v. 16, n. 2,
p. 21-33, 2018. p. 25. Disponível em: http://dialogojuridico.fbuni.edu.br/index.php/dialogo-juridico/article/
view/9. Acesso em: 17 set. 2022.
O Direito tributário como mecanismo para a materialização dos Direitos... |73
devem ser ferramentas capazes de viabilizar a promoção de uma justiça social, bem como
contribuir com a efetivação de direitos fundamentais, como uma maneira de garantir a
manutenção do Estado e obstar a transgressão do tecido social33.
Assim, a existência do Estado resulta do fato de que a sociedade deve ser organi-
zada para subsistir, e deve ser pautada à realização de determinados objetivos. Para isso,
o Estado precisa de meios financeiros para poder cumprir com seus propósitos, neces-
sitando realizar atividades financeiras com o intuito de arrecadar, administrar e utilizar os
recursos para cumprir estes objetivos37.
33
DOMINGOS, Terezinha de O.; CUNHA, Leandro R. da. A tributação como instrumento de concretização da
dignidade da pessoa humana em face do desenvolvimento. In: TAVARES NETO, José Q.; FEITOSA, Raymundo
J. R. (coord.). 25 anos da Constituição Cidadã: os atores sociais e a concretização sustentável dos objetivos
da República. Florianópolis: FUNJAB, 2013. p. 48-71. p. 51. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/
artigos/?cod=154aa6866aefb6f8. Acesso em: 17 set. 2022.
34
SILVA, Sergio A. R. G da. A tributação na sociedade de risco. In: PIRES, Adilson R.; TÔRRES, Heleno T.
Princípios de direito financeiro e tributário: estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. 1. ed.
São Paulo: Renovar, 2006. p. 179- 223. p. 187.
35
JONER, Gabriel. O direito tributário como instrumento de concretização de direitos fundamentais: Diálogos
entre tributação e liberdade religiosa. Revista Diálogo Jurídico, Centro Universitário Farias Brito, v. 16, n. 2,
p. 21-33, 2018. p. 25. Disponível em: http://dialogojuridico.fbuni.edu.br/index.php/dialogo-juridico/article/
view/9. Acesso em: 17 set. 2022.
36
Sobre esse assunto, ver: SARLET, Ingo W. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
37
DOMINGOS, Terezinha de O.; CUNHA, Leandro R. da. A tributação como instrumento de concretização da
dignidade da pessoa humana em face do desenvolvimento. In: TAVARES NETO, José Q.; FEITOSA, Raymundo
J. R. (coord.). 25 anos da Constituição Cidadã: os atores sociais e a concretização sustentável dos objetivos
da República. Florianópolis: FUNJAB, 2013. p. 48-71. p. 51-52. Disponível em: http://www.publicadireito.com.
br/artigos/?cod=154aa6866aefb6f8. Acesso em: 17 set. 2022.
38
Para mais informações veja: HERNÁNDEZ, Javier G. V.; GARCIA, Denise S. S.; GARCIA, Heloise S. Revisitando
o ODS 1 pós pandemia: o papel das políticas econômicas. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v.
27, n. 2, p. 187-209, maio/ago. 2022. DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v27i22463. Disponível em: https://
revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/2463. Acesso em: 20 set. 2022.
74| Luiza Boff Lorenzon - Marilaine Moreira de Jesus - Ramon Gabriel Conti
(IPEA) houve um aumento significativo de preços para as indústrias no ano de 2020, o que
acaba por se refletir diretamente no consumidor final, além de que as taxas de juros subi-
ram, suscitando na aplicação de dinheiro na economia como forma de política monetária,
ocasionando uma inflação nacional39.
Outro fator impeditivo para a restauração econômica e social do país diz respeito
ao afastamento à gestão das empresas públicas e privadas, pois somente empresas bem
desenvolvidas e consolidas no país conseguem resistir ao problemas financeiras, o que
acaba por oportunizar ainda mais o aumento de desemprego, diminuição de arrecadação e,
por consequência menor redistribuição de recursos e maior afastamento das perspectivas
de desenvolvimento e manutenção dos direitos fundamentais42, 43.
39
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA – IPEA. Carta de conjuntura: n. 50, jan./mar. 2021. p. 4-6.
Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/10472. Acesso em: 14 set. 2022.
40
DOMINGUES, Eduardo A.; MARCELLOS, Lincoln N.; PILEGGI, Luís C. Os direitos fundamentais sobre uma aná�-
lise tributária: em tempos de instabilidade política, crise econômica e pandemia. South American Development
Society Journal, v. 8, n. 22, p. 264-285, maio 2022. p. 277. Disponível em: http://www.sadsj.org/index.php/
revista/article/view/498. Acesso em: 15 set. 2022.
41
DOMINGUES, Eduardo A.; MARCELLOS, Lincoln N.; PILEGGI, Luís C. Os direitos fundamentais sobre uma aná�-
lise tributária: em tempos de instabilidade política, crise econômica e pandemia. South American Development
Society Journal, v. 8, n. 22, p. 264-285, maio 2022. p. 277-278. Disponível em: http://www.sadsj.org/index.
php/revista/article/view/498. Acesso em: 15 set. 2022.
42
Sobre outros problemas acarretados pela Covid-19, ver reportagem: FORD encerra a produção de veículos no
Brasil. G1, 11 jan. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/01/11/ford-fecha-fabri-
cas-e-encerra-producao-no-brasil-em-2021.ghtml. Acesso em: 20 set. 2022.
43
HENRIQUES, Cláudio M. P.; VASCONCELOS, Wagner. Crises dentro da crise: respostas, incertezas e desen�-
contros no combate à pandemia da Covid-19 no Brasil. Estudos Avançados, São Paulo, v. 34, n. 99, p. 25-44,
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ea/a/BWWTW6DL7CsVWyrqcMQYVkB/?lang=pt. Acesso em: 17 set. 2022.
O Direito tributário como mecanismo para a materialização dos Direitos... |75
Nesse sentido, além da tributação funcionar como uma forma de custeio das ati-
vidades estatais, essa também desempenha um papel relevante no que se refere às con-
dições para o desenvolvimento econômico, “sendo certo que um sistema tributário mal
administrado pode funcionar como entrave ao crescimento de uma nação ou bloco econô-
mico, agravando as condições de vida dos indivíduos”46.
44
LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Tradução de Renato Aguiar. 1. ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2018.
45
DOMINGUES, Eduardo A.; MARCELLOS, Lincoln N.; PILEGGI, Luís C. Os direitos fundamentais sobre uma aná�-
lise tributária: em tempos de instabilidade política, crise econômica e pandemia. South American Development
Society Journal, v. 8, n. 22, p. 264-285, maio 2022. p. 282. Disponível em: http://www.sadsj.org/index.php/
revista/article/view/498. Acesso em: 15 set. 2022.
46
SILVA, Sergio A. R. G da. A tributação na sociedade de risco. In: PIRES, Adilson R.; TÔRRES, Heleno T.
Princípios de direito financeiro e tributário: estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. 1. ed.
São Paulo: Renovar, 2006. p. 179- 223. p. 189.
47
BOUVIER, Michel. As transformações contemporâneas do tributo: em direção a uma outra cultura? As exo�-
nerações tributárias e a concorrência fiscal no âmbito interno e internacional. Revista Internacional de Direito
Tributário, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 3-26, jul./dez. 2004. p. 06.
48
ALVES, Geovane M.; OLIVEIRA FILHO, Ivan de. A Constituição Federal e a defesa dos direitos dos contribuintes:
apontamentos sobre o princípio da dignidade da pessoa humana e suas implicações no direito tributário. Revista
Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 17, n. 17, p. 145-167, jan./jun. 2015. p. 147. Disponível em:
https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/564. Acesso em: 20 set. 2022.
76| Luiza Boff Lorenzon - Marilaine Moreira de Jesus - Ramon Gabriel Conti
Conforme análise realizada por Ricardo Lobo Torres, é preciso ir além da cren-
ça um tanto quanto ingênua na possibilidade de fechamento permanente dos conceitos
tributários, como se nesse ramo do direito subsistisse uma perfeita harmonia entre pen-
samento e linguagem, e que houvesse a plenitude na aplicação dos conceitos. O direito
tributário, como os outros ramos do direito, opera por meio de conceitos abertos, que
devem ser sanados por meio de interpretações administrativas e argumentações jurídicas
democraticamente desenvolvidas49, 50.
49
TORRES, Ricardo L. Legalidade tributária e riscos sociais. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.
59, p. 95-112, 2000. p. 96.
50
Sobre a utilização de conceitos indeterminados no campo do Direito Tributário, ver: RIBEIRO, Ricardo L.
Justiça, interpretação e elisão tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 44.
51
CALIENDO, Paulo. Direitos fundamentais, direito tributário e análise econômica do Direito: Contribuições e limi�-
tes. Revista Brasileira de Direitos Fundamentais & Justiça, v. 3, n. 7, p. 203-222, 2009. p. 216. DOI: 10.30899/
dfj.v3i7.486. Disponível em: https://dfj.emnuvens.com.br/dfj/article/view/486. Acesso em: 20 set. 2022.
52
ALVES, Geovane M.; OLIVEIRA FILHO, Ivan de. A Constituição Federal e a defesa dos direitos dos contribuintes:
apontamentos sobre o princípio da dignidade da pessoa humana e suas implicações no direito tributário. Revista
Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 17, n. 17, p. 145-167, jan./jun. 2015. p. 157. Disponível em:
https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/564. Acesso em: 20 set. 2022.
O Direito tributário como mecanismo para a materialização dos Direitos... |77
maiores da sociedade, sendo que a consecução desses objetivos está atrelado ao cumpri-
mento de limites impostos pela ordem constitucional e os direitos e garantias nela previs-
tos. É um tema de grande preocupação, e ao mesmo tempo, de interesse para a sociedade,
principalmente pelo conteúdo da discussão que envolve, conflitos entre princípios e bens
jurídicos tutelados constitucionalmente53.
Outro critério citado por Caliendo é o dinheiro, mas com o inconveniente de que
para isso
53
BOGO, Luciano Alaor. Elisão tributária: licitude e abuso de direito. Curitiba: Juruá, 2006. p. 352.
54
BOGO, Luciano Alaor. Elisão tributária: licitude e abuso de direito. Curitiba: Juruá, 2006. p. 216
55
MARSHAL, Alfred. Princípios de economia. São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Col. Os Economistas, v. 1). p. 62.
56
CALIENDO, Paulo. Direitos fundamentais, direito tributário e análise econômica do Direito: Contribuições e limi�-
tes. Revista Brasileira de Direitos Fundamentais & Justiça, v. 3, n. 7, p. 203-222, 2009. p. 216. DOI: 10.30899/
dfj.v3i7.486. Disponível em: https://dfj.emnuvens.com.br/dfj/article/view/486. Acesso em: 20 set. 2022.
57
CALIENDO, Paulo. Direitos fundamentais, direito tributário e análise econômica do Direito: Contribuições e limi�-
tes. Revista Brasileira de Direitos Fundamentais & Justiça, v. 3, n. 7, p. 203-222, 2009. p. 216. DOI: 10.30899/
dfj.v3i7.486. Disponível em: https://dfj.emnuvens.com.br/dfj/article/view/486. Acesso em: 20 set. 2022.
58
CALIENDO, Paulo. Direitos fundamentais, direito tributário e análise econômica do Direito: Contribuições e limi�-
tes. Revista Brasileira de Direitos Fundamentais & Justiça, v. 3, n. 7, p. 203-222, 2009. p. 217. DOI: 10.30899/
dfj.v3i7.486. Disponível em: https://dfj.emnuvens.com.br/dfj/article/view/486. Acesso em: 20 set. 2022.
78| Luiza Boff Lorenzon - Marilaine Moreira de Jesus - Ramon Gabriel Conti
O autor ainda aponta que o dinheiro tem sido o critério mais eficiente ao contrário
da utilidade, já que com o dinheiro é possível se conceber comparações entre os indivíduos,
além do que é intuito admitir que os mesmo optem por ter mais dinheiro do que menos.
Ademais, as críticas ao uso desses dois critérios têm sido enormes, especialmente por auto-
res como Ronald Dworkin e Martha Neussbaum. Para Martha, o comportamento humano é
complexo demais para ser entendido simplesmente por um critério de utilidade ou monetário.
Dworkin ainda enfatiza que, a disposição de “pagar pode esbarrar na impossibilidade de pagar
dos mais pobres, gerando indagações sobre a justiça da distribuição dos recursos”59.
A dificuldade na escolha desses critérios reside no fato de que a doutrina não con-
segue encontrar alternativas consensuais ao critério monetário ou de utilização, principal-
mente porque esses dão estabilidade, objetividade e simplicidade. Como se vê, nenhum
dos critérios explicitados acima pode responder plenamente ao desafio de constitui interes-
ses individuais e coletivos60.
Nesse sentido, para que se tenha uma compreensão dos direitos fundamentais
em caráter tributário, nota-se que o direito não procurar apenas tratar de eficiência, se-
não também de justiça, que em diversos casos, é necessário o diálogo de ambos.
Consequentemente, reconhecendo-se a escassez dos recursos para a efetivação dos di-
versos direitos fundamentais de natureza tributária, além dos demais interesses pretendido
pelo Estado, urge que a sociedade faça escolhas entre opções razoáveis, o que suscita a
racionalidade do comportamento humano diante da escassez61.
59
CALIENDO, Paulo. Direitos fundamentais, direito tributário e análise econômica do Direito: Contribuições e limi�-
tes. Revista Brasileira de Direitos Fundamentais & Justiça, v. 3, n. 7, p. 203-222, 2009. p. 217. DOI: 10.30899/
dfj.v3i7.486. Disponível em: https://dfj.emnuvens.com.br/dfj/article/view/486. Acesso em: 20 set. 2022.
60
CALIENDO, Paulo. Direitos fundamentais, direito tributário e análise econômica do Direito: Contribuições e limi�-
tes. Revista Brasileira de Direitos Fundamentais & Justiça, v. 3, n. 7, p. 203-222, 2009. p. 218. DOI: 10.30899/
dfj.v3i7.486. Disponível em: https://dfj.emnuvens.com.br/dfj/article/view/486. Acesso em: 20 set. 2022.
61
RIBEIRO, Maria Carla P.; CAMPOS, Diego C. da S. Análise econômica do direito e a concretização dos direitos
fundamentais. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 11, n. 11, p. 304-329, jan./jun. 2012.
p. 317. Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/266. Acesso
em: 20 set. 2022.
62
CALIENDO, Paulo. Direitos fundamentais, direito tributário e análise econômica do Direito: Contribuições e limi�-
tes. Revista Brasileira de Direitos Fundamentais & Justiça, v. 3, n. 7, p. 203-222, 2009. p. 203. DOI: 10.30899/
dfj.v3i7.486. Disponível em: https://dfj.emnuvens.com.br/dfj/article/view/486. Acesso em: 20 set. 2022..
O Direito tributário como mecanismo para a materialização dos Direitos... |79
Dessa forma, é necessário por parte do Estado como gestor e provedor de direitos,
uma análise econômica da legislação aplicável à tributação, como maneira de alcançar a má-
xima eficácia dos direitos fundamentais, especialmente nas políticas públicas e prestação de
serviços essenciais, de forma que onere menos a classe que possui menos poder aquisitivo,
para que sejam livres e possam desfrutar de uma vida digna com a máxima promoção de
bem-estar social, ao menor custo possível, sem que isso afete também os cofres públicos.
5 CONCLUSÃO
No decorrer deste artigo buscou-se apresentar em breves linhas a problemática
do Estado em garantir a efetivação dos diversos direitos fundamentais de caráter tributá-
rio, diante da escassez de recursos e dos problemas socioeconômicos vividos no Brasil.
Isso faz suscitar, em caráter urgente, uma análise econômica como forma de alcançar a
máxima eficácia dos direitos, especialmente em políticas públicas e prestação de serviços
essencial, de maneira que os indivíduos possam gozar de uma vida digna com a máxima
proteção do bem-estar social.
63
RIBEIRO, Maria Carla P.; CAMPOS, Diego C. da S. Análise econômica do direito e a concretização dos direitos
fundamentais. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 11, n. 11, p. 304-329, jan./jun. 2012.
p. 322. Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/266. Acesso
em: 20 set. 2022.
80| Luiza Boff Lorenzon - Marilaine Moreira de Jesus - Ramon Gabriel Conti
No entanto, é evidente que a atividade arrecadatória do país não é suficiente para resol-
ver todos os problemas de justiça social, isso porque apenas um dos alicerces para se buscar
a eficácia dos direitos fundamentais. Além do ente estatal criar mecanismos eficazes para a ar-
recadação tributária, cabe ao mesmo determinar parâmetros adequados para o enquadramen-
to dos valores obtidos, levando-se em consideração a busca por um desenvolvimento social.
A satisfação dos anseios sociais à garantia de uma vida mais digna para todos
(longe da mera ideia de sobrevivência), deve ser o objetivo principal de um Estado que é
regido por uma constituição cidadã, e para isso além do correto emprego da arrecadação,
faz-se necessário uma análise econômica da legislação aplicável à tributação, de modo a
enquadrar seus conceitos à realidade brasileira.
Certamente há limites para a aplicação de uma análise econômica, assim como para
muitos dos elementos abordados neste artigo, porém, crê-se na significante relevância des-
te estudo para a construção de mecanismos e uma ordem tributária mais justa e eficiente, de
modo a conseguir alcançar todos os objetivos pretendidos na Constituição Federal.
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O DIREITO FUNDAMENTAL AO NOME
E AS IMPLICAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI
14.382/2022 À SEGURANÇA JURÍDICA
Resumo
Este artigo tem por objetivo realizar uma análise do direito fundamental ao nome, suas
características e quais as implicações trazidas pela Lei 14.382/2022 à segurança jurídica,
visto que a referida lei possibilitou a alteração do nome da pessoa natural de forma imoti-
vada, diretamente na esfera extrajudicial (cartório), em qualquer tempo após a maioridade
civil. Foram realizadas buscas nos bancos de dados do Capes, Google Acadêmico e SciELO
através das seguintes palavras-chave: Direito ao nome; Direitos da personalidade; Direito
fundamental; Imutabilidade do nome. Por se tratar de uma novidade legislativa, há pouco
material sobre o tema, contudo, foi possível constatar que a possibilidade de modificação
1
Mestranda em Direitos Fundamentais e Democracia do Programa de Pós-graduação em Direito do Centro
Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil). Bolsista Prosup/Capes. Especialista em Direito Aplicado pela
Escola da Magistratura do Paraná (Emap), núcleo de Curitiba (2006) e em Direito Notarial e Registral pelo
grupo IBMEC (2021). Aprovada no 3º Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de
Serventias Notariais e Registrais no Estado do Paraná. Advogada. E-mail: laine.adv@gmail.com
2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Universitário
Autônomo do Brasil (UniBrasil). Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná
(Emap), núcleo de Curitiba (2021). Graduada pela Universidade de Passo Fundo (UPF, 2020). Estagiária de
pós-graduação no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. E-mail: luizabofflorenzon@hotmail.com
3
Mestrando em Direito pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil). Bacharel em Direito pela
Faculdade de Direito de Francisco Beltrão (Cesul). Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Estadual
do Centro-Oeste (Unicentro). Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Francisco
Beltrão (Cesul). Especialista em Direito Notarial e Registral pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus.
Id Lattes: http://lattes.cnpq.br/1858016693442887. Id Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6075-9252
E-mail: souza.advocacia.sj@gmail.com.
84| Marilaine Moreira de Jesus - Luiza Boff Lorenzon - Jocimar Pereira de Souza
1 INTRODUÇÃO
O direito ao nome é um dos atributos mais importantes da personalidade, trata-se
de um direito fundamental que possibilita a identificação de uma pessoa, tanto no seio da
sua família, quando no meio social em que vive. Consiste em um direito fundamental e, por
consequência, inerente à toda pessoa natural.
Por muitos anos, até o advento da Lei 14.382/2022, o nome era regido pelo
Princípio da Imutabilidade ou, como alguns autores defendiam, Princípio da Definitividade,
pois em alguns casos a lei autorizava sua alteração. Entretanto, a referida lei alterou a
redação do art. 56 da Lei 6015/73 para possibilitar que toda pessoa, após ter atingido a
maioridade civil, possa requerer pessoalmente e de forma imotivada a alteração de seu
prenome (primeiro nome) diretamente no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais.
Dessa forma, o legislador ordinário modificou uma regra antiga, trazendo, a priori,
dúvidas em relação à segurança das relações jurídicas que envolvam a pessoa que alterou
ou resolver alterar o nome.
A presente pesquisa não pretende esgotar o tema, visto que consiste em uma re-
cente alteração legislativa, mas trazer ao leitor uma posição concisa sobre a possibilidade
ou não de alterar o nome, sem colocar em risco a segurança jurídica das relações envol-
vendo o seu portador e terceiros.
O Direito fundamental ao nome e as implicações trazidas pela Lei 14.382/2022... |85
Como regra, levando em consideração a teoria natalista adotada pelo Código Civil
de 2002, a pessoa natural carrega consigo os direitos da personalidade desde o seu nas-
cimento até o momento da sua morte. Trata-se do chamado “patrimônio mínimo”, ou seja,
de um mínimo imprescindível para pessoa natural desenvolver-se com dignidade.
O direito ao nome constitui um direito fundamental na medida que sem ele a pessoa
humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive5. A pessoa huma-
na sem nome figura como um indigente para o Estado, isto é, ela simplesmente não existe
e, por consequência, torna-se insuscetível de qualquer política pública.
Segundo ensina Ferrajoli, os direitos fundamentais são todos aqueles direitos sub-
jetivos que correspondem universalmente a “todos” os seres humanos enquanto pessoas,
cidadãos ou pessoas com capacidade de agir; entendido por direito subjetivo qualquer ex-
pectativa positiva (de prestações) ou negativa (de não sofrer lesões) ligada a um indivíduo
por uma norma jurídica6.
Para Ingo Wolfgang Sarlet os direitos fundamentais são todas aquelas posições
jurídicas relativas às pessoas, que, do ponto de vista do Direito Constitucional positivo,
foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade material), integradas ao texto da
4
FRANÇA, Rubens Limongi. Do nome civil das pessoas naturais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1958. p. 22.
5
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 178.
6
FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantias: la ley del más débil. Tradução de Perfecto Andrés Ibánez e Andrea
Greppi [espanhol]. Madri: Trotta, 2004. p. 37.
86| Marilaine Moreira de Jesus - Luiza Boff Lorenzon - Jocimar Pereira de Souza
No direito germânico antigo era necessário somente o nome (primeiro nome) para
identificar uma pessoa, o sobrenome, também chamado nome de família, era mais uma
7
SARLET, Ingo W. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspec-
tiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 90.
8
SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
9
FERRO JUNIOR, Izaías Gomes; SCHNEIDER, Analice Morais. Introdução ao estudo do nome. In: FERRO JUNIOR,
Izaías Gomes (coord.). O registro civil das pessoas naturais: novos estudos. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 123.
10
FRANÇA, Rubens Limongi. Do nome civil das pessoas naturais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1958. p. 25.
O Direito fundamental ao nome e as implicações trazidas pela Lei 14.382/2022... |87
questão de status do que uma forma de identificação. Naquele tempo já havia previsão de
sanções para aquele que trocasse de nome11.
Entre os germanos a tradição de escolha do nome era realizada com uma festa,
onde o pai era o responsável por lançar seu filho na água e dar-lhe um nome. Na escolha
do nome os pais expressavam em alta voz o que gostariam que o filho se tornasse ou da
qualidade a qual desejavam que lhe fosse característica13.
A origem dos nomes de língua portuguesa possui ligação com a própria história
da língua. Os nomes medievais (período das Navegações) possuem origem nos nomes
adotados pelos povos que habitavam a Península, lusitanos e hispanos, dominados e in-
fluenciados pelos fenícios, gregos e em seguida pelos romanos, que, por sua vez, cederam
o território aos povos germânicos (já latinizados) e posteriormente aos árabes. Os romanos
possuíam um sistema de nomeação tríplice, isto é, utilizavam três nomes (triplex nomen);
entretanto, entre os séculos V e VIII, quando o cristianismo já mostrava sua força, o sistema
dos três nomes começou a enfraquecer. Os nomes, então, passaram a ser mais simples e,
por influência germânica, era escolhido somente um nome. Exemplos de origens variadas
de nomes usados na referida época oferece-nos uma pequena ideia da confusão de raças:
havia os de proveniência latina (Paulus, Tyberius, Amanda, Donata), grega (Andreas, de
Satirio, de) e germânica (Sisenandus, de sis e nanths). Contudo, do final da idade média até
o século XIX, tornaram-se mais frequentes os nomes de santos e santas da Igreja Católica
e nomes hebreus de origem bíblica14.
11
MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado – parte geral. Tomo I. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970. p. 238.
12
FERRO JUNIOR, Izaías Gomes; SCHNEIDER, Analice Morais. Introdução ao estudo do nome. In: FERRO JUNIOR,
Izaías Gomes (coord.). O registro civil das pessoas naturais: novos estudos. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 121.
13
MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado – parte geral. Tomo I. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970. p. 209.
14
CARVALHINHOS, Patrícia de Jesus. As origens dos nomes de pessoas. Revista Domínios de Linguagem,
ano 1, n. 1, p. 1-18, jan./jun. 2007. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem/article/
download/11401/6686/42466. Acesso em: 25 set. 2022.
88| Marilaine Moreira de Jesus - Luiza Boff Lorenzon - Jocimar Pereira de Souza
era nesse momento que a pessoa natural recebia oficialmente um nome e passava a existir
para Deus e para o Estado.
Por todos esses anos, a competência do registro de nascimento era da Igreja Católica,
a qual possuía o monopólio dos Registros Públicos no Brasil. Com esse registro, o nome do
recém-nascido era inscrito no chamado Registro Eclesiástico, sendo que as anotações e
retificações eram feitas nos livros paroquiais, sob direção dos sacerdotes responsáveis.
No entanto, após muita resistência por parte da população que não era reconhecida
pelo Estado, foi editado o Decreto n. 1.144/61 que obrigou a Igreja Católica a realizar os
registros de nascimentos, casamentos e óbitos de pessoas que não seguiam a religião
oficial e professavam outra fé.
Nos termos da legislação vigente, o nome deve ser formado por um prenome (pri-
meiro nome) e um sobrenome (nome de família) ao menos. O nome é tido como um
instituto pré-jurídico, que surge com a necessidade social de identificar cada pessoa dentro
da sua comunidade15.
No que tange aos elementos formadores do nome, a doutrina diverge sobre o as-
sunto. O Código Civil de 1916 não possuía um conceito esclarecedor, confundindo, dessa
forma, os doutrinadores e operadores do direito, pois, ora utilizava o termo nome represen-
tando o nome completo, ora utilizava os termos nomes e prenomes e, ainda, outras vezes,
utilizava-se dos termos nomes e sobrenomes16.
15
FERRO JUNIOR, Izaías Gomes; SCHNEIDER, Analice Morais. Introdução ao estudo do nome. In: FERRO JUNIOR,
Izaías Gomes (coord.). O registro civil das pessoas naturais: novos estudos. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 124.
16
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: parte geral. v. 1. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 210-211.
17
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília: Presidência da República, 2002.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 25 set. 2022.
18
CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS. 1969, p. 1.
O Direito fundamental ao nome e as implicações trazidas pela Lei 14.382/2022... |89
O nome também pode ser formado por elementos acessórios, ou seja, além do
prenome e do sobrenome, também podem ser utilizados o agnome, nome vocatório, apeli-
do ou alcunha, hipocorístico, pseudônimo, títulos eclesiásticos e de identidade acadêmica.
O nome vocatório é o nome pelo qual uma pessoa é de fato conhecida, a exemplo
de Carlos Eduardo dos Santos Galvão Bueno, o qual é conhecido simplesmente como
Galvão Bueno; Olavo Braz Martins dos Santos Guimarães Bilac, conhecido popularmente
por Olavo Bilac ou de Dilma Vana Rousseff, conhecida como Dilma Rousseff.
Apelido ou alcunha são termos que também identificam a pessoa no meio social
em que vivem, geralmente são conferidos por terceiros e possuem caráter pejorativo. Em
regra, são ligados a características físicas, mentais, trabalho exercido, local de nascimento
de origem ou residência do seu portador.
Segundo Amorim “os nomes hipocorísticos são aqueles em que se retira parte do
nome original, de modo a reduzi-lo, mantendo-se a sílaba mais forte, ou, termos diminu-
tivos utilizados para exprimir carinho”. Pode-se citar como exemplo os nomes Zé, Chico,
Chiquinho, Joãozinho, Pedrinho, Mariazinha, Ronaldinho, dentro outros20.
O pseudônimo serve para ocultar a real identidade do seu portador, bem como
para identificar os atos praticados em determinada condição. Existem vários exemplos de
pseudônimos, principalmente no meio artístico, à exemplo de Faustão, cujo nome é Fausto
Corrêa da Silva e Ratinho que se chama Carlos Roberto Massa.
Os títulos eclesiásticos são representados pelos termos como cardeal, bispo, arce-
bispo, padre, pastor, irmão, irmã, madre, dentre outros. Já os de identidade acadêmica são
representados pelos termos professor, mestre e doutor.
19
AMORIM, José Roberto Neves. Direito ao nome da pessoa física. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 04.
20
AMORIM, José Roberto Neves. Direito ao nome da pessoa física. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 16.
90| Marilaine Moreira de Jesus - Luiza Boff Lorenzon - Jocimar Pereira de Souza
interesse de todos que os indivíduos que compõem uma sociedade sejam identificados. O nome
é indisponível, ou seja, o nome é um instituto insuscetível de ser cedido, alienado ou renunciado.
Deve ser exclusivo, isto é, o nome pertencente a uma pessoa só pode pertencer a ela, a ocor-
rência de homonímia não afasta a exclusividade, pois, somando-se ao nome outros elementos,
como a filiação, é possível individualizar a pessoa. É inalienável e intransmissível, na medida que
não pode ser vendido ou transferido a qualquer forma. É também irrenunciável21.
Interessante notar que existia um limite temporal para a alteração, somente no pri-
meiro ano após ter atingido a maioridade civil é que o interessado, pessoalmente ou por
procurador, poderia alterar o nome. Existia uma dúvida se havia a necessidade de motivação
e se o processo poderia ser realizado diretamente em cartório ou era necessário realizar um
pedido judicial, assim, na maioria das vezes os casos eram resolvidos na esfera judicial.
21
FERRO JUNIOR, Izaías Gomes; SCHNEIDER, Analice Morais. Introdução ao estudo do nome. In: FERRO
JUNIOR, Izaías Gomes (coord.). O registro civil das pessoas naturais: novos estudos. Salvador: Juspodivm,
2020. p. 143-150.
O Direito fundamental ao nome e as implicações trazidas pela Lei 14.382/2022... |91
Farias e Rosenvald destacam que embora se trate de previsão legal de 1973, isto é,
anterior à Constituição de 1988, a referida norma se harmoniza com a concepção que en-
xerga o nome como um direito da personalidade. Respeita-se a autonomia da pessoa, suas
escolhas e seu percurso existencial. Abre a possibilidade que a própria pessoa redefina sua
trajetória em algo tão importante como é o nome22.
Contudo, a Lei 14.382/2022 alterou a redação do art. 56 da Lei 6015/73 para dizer
que a pessoa devidamente registrada poderá, após ter atingido a maioridade civil, requerer
pessoalmente e imotivadamente a alteração de seu prenome, independentemente de deci-
são judicial, ou seja, diretamente no Registro Civil das Pessoas Naturais.
O aludido artigo também dispõe que a alteração imotivada do prenome poderá ser
feita na via extrajudicial apenas 1 (uma) vez, e sua desconstituição dependerá de sentença
judicial, bem como a alteração deve ser averbada e publicada em meio eletrônico.
22
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoria geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006. p. 208.
23
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n. 1.905.614-SP. Terceira Turma. Relatoria:
Ministra Nancy Andrighi. DJe 06/05/2021. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/
stj/1205793241/inteiro-teor-1205793249. Acesso em: 25 set. 2022.
92| Marilaine Moreira de Jesus - Luiza Boff Lorenzon - Jocimar Pereira de Souza
Nos termos do art. 58 da Lei 6015, é possível alterar o nome para incluir apelidos
públicos e notórios, como ocorreu no caso do ex-presidente Luiz Inácio da Silva que inclui
em seu nome o apelido Lula, passando a se chamar Luiz Inácio Lula da Silva.
O nome também pode ser alterado nos casos de erro gráfico, nos termos do art.
110 da Lei 6.015/73. Trata-se de situação fática que, considerando documentos que com-
provem o erro, é possível retificar o registro independentemente de autorização judicial,
exigindo-se, contudo, a prévia oitiva do Ministério Público.
O art. 71, § 1º, da Lei 13.445/2017 (Lei de Migração), dispõe que qualquer du-
rante o processo de naturalização, o interessado poderá requerer ao juízo a tradução ou
adaptação do seu nome ao idioma oficial brasileiro. Entretanto, o § 2º do artigo 71 traz
a necessidade da manutenção de um cadastro contendo o nome traduzido ou adaptado
associado ao nome anterior.
Em 2018, ao julgar ADI 4.275 do Distrito Federal, de relatoria do Ministro Marco Aurélio,
O Supremo Tribunal Federal, conferindo interpretação conforme a Constituição e ao Pacto de
São José da Costa Rica ao art. 58 da Lei 6.015/73, com fundamento no princípio da dignidade
da pessoa humana, reconheceu o direito dos transgêneros, independentemente da cirurgia de
transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, o direito à
substituição de prenome e sexo diretamente no Registro Civil das Pessoas Naturais. O referido
procedimento foi regulamento através do Provimento 73 do Conselho Nacional de Justiça24.
24
LINS JÚNIOR, George Sarmento; MESQUITA, Lucas Isaac Soares. Neoconstitucionalismo ou supremocracia? Uma
análise do ativismo judicial no reconhecimento do nome social de pessoas trans na ação direta de inconstitucionali-
dade n. 4.275. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 24, n. 1, p. 161-190, jan./abr. 2019. Disponível em:
https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/1442. Acesso em: 25 set. 2022.
O Direito fundamental ao nome e as implicações trazidas pela Lei 14.382/2022... |93
Moraes escreve que o nome, para além de um direito, é também um dever. Se, por
um lado, o nome é um direito da personalidade identificador da pessoa em relação a ela
mesma e a sua dignidade, por outro lado, o nome também possui uma função identificadora
do indivíduo em relação à comunidade em que se encontra inserido e ao Estado – de onde
decorre o princípio da imutabilidade do nome. O princípio da imutabilidade, ainda que relati-
va, visa impedir que o nome seja alterado por malícia, má-fé ou capricho do seu portador26.
Por outro lado, existiam juristas que considerando a constante evolução social,
admitiam a possibilidade de alteração do nome sem qualquer restrição, desde que fossem
observados os ditames legais, como é o caso do jurista argentino Adolfo Pliner, o qual já
defendia a relativização da imutabilidade do nome:
25
SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 187.
26
MORAES, Maria Celina Bodin de. Sobre o nome da pessoa humana. Revista da EMERJ, v. 3, n. 12, p. 48-74.
2000. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista12/revista12_48.pdf
Acesso em: 25 Set. 2022. p. 48-74.
27
FARAJ, Friedrich; FERRO JÚNIOR, Izaías G. O fim da imutabilidade do nome civil das pessoas naturais. Migalhas
Notariais e Registrais, 12 jul. 2022. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-re-
gistrais/369545/o-fim-da-imutabilidade-do-nome-civil-das-pessoas-naturais. Acesso em: 25 set. 2022.
94| Marilaine Moreira de Jesus - Luiza Boff Lorenzon - Jocimar Pereira de Souza
ses públicos y privados, em cuanto apunta al orden y a la seguridade jurídica, que son
los fines de la norma y las razones que la hacen valiosa. Pero la regla no puede consi-
derarse absoluta, carácter que acomoda muy raramente a las creaciones del hombre,
y mucho menos em matéria de ordenamentos normativos de la conducta humana28.
A novidade legislativa deve ser vista com bons olhos, na medida em que aproxima
cada vez mais o direito ao nome aos direitos da personalidade. Com isso, fica garantida,
de forma ampla, a dignidade da pessoa humana, e, ao mesmo tempo, resguardada a
segurança jurídica, já que, apesar da alteração, o nome fica vinculado ao CPF- Cadastro
Nacional de Pessoas Físicas e a outros cadastros, evitando-se, dessa forma, fraudes e
prejuízos a terceiros29.
Atualmente existem várias tecnologias que nos permitem identificar pessoas com
alto grau de segurança. São exemplos disso a identificação biométrica em diversas for-
mas (leitura facial, íris, impressão digital, curvatura das mãos, voz), além das certifi-
cações digitais - avançada, qualificada e simples, conforme dispõe a Lei 14.063/2020,
dentro outros mecanismos30.
Dessa forma, é possível afirmar que a referida alteração legislativa trouxe um gran-
de avanço para o exercício do direito fundamental ao nome, aproximando muito mais a pes-
soa natural do seu direito a ter um nome que lhe garanta dignidade e, também, segurança
jurídica, tanto para o seu portador, como para sociedade e o Estado.
28
PLINER, Adolfo. El nombre de las personas. 2. ed. actual. Buenos Aires: Astrea de Alfredo Y Ricardo De Palma,
1989. p. 281.
29
FARAJ, Friedrich; FERRO JÚNIOR, Izaías G. O fim da imutabilidade do nome civil das pessoas naturais. Migalhas
Notariais e Registrais, 12 jul. 2022. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-re-
gistrais/369545/o-fim-da-imutabilidade-do-nome-civil-das-pessoas-naturais. Acesso em: 25 set. 2022.
30
GERMANO, José Luiz; NALINI, José Renato; NOSCH, Thomas. Alteração do nome e a mutabilidade extraju�-
dicial – insegurança ou efetivação de direitos fundamentais? Migalhas Notariais e Registrais, 13 jul. 2022.
Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/369616/alteracao-do-no-
me-e-a-mutabilidade-extrajudicial. Acesso em: 25 set. 2022.
O Direito fundamental ao nome e as implicações trazidas pela Lei 14.382/2022... |95
4 CONCLUSÃO
O ordenamento jurídico, como um todo, busca garantir a segurança jurídica das rela-
ções sociais, logo, qualquer alteração legislativa que de alguma forma possa mitigar ou pre-
judicar essa segurança, causa preocupação para a doutrina e para os operadores do direito.
REFERÊNCIAS
AMORIM, José Roberto Neves. Direito ao nome da pessoa física. São Paulo: Saraiva, 2003.
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília: Presidência da
República, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.
htm. Acesso em: 25 set. 2022.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n. 1.905.614-SP. Terceira Turma. Relatoria:
Ministra Nancy Andrighi. DJe 06/05/2021. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurispruden-
cia/stj/1205793241/inteiro-teor-1205793249. Acesso em: 25 set. 2022.
FARAJ, Friedrich; FERRO JÚNIOR, Izaías G. O fim da imutabilidade do nome civil das pessoas naturais.
Migalhas Notariais e Registrais, 12 jul. 2022. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/
96| Marilaine Moreira de Jesus - Luiza Boff Lorenzon - Jocimar Pereira de Souza
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FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantias: la ley del más débil. Tradução de Perfecto Andrés Ibánez e
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FERRO JUNIOR, Izaías Gomes; SCHNEIDER, Analice Morais. Introdução ao estudo do nome.
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FRANÇA, Rubens Limongi. Do nome civil das pessoas naturais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
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extrajudicial – insegurança ou efetivação de direitos fundamentais? Migalhas Notariais e Registrais,
13 jul. 2022. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-regis-
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LINS JÚNIOR, George Sarmento; MESQUITA, Lucas Isaac Soares. Neoconstitucionalismo ou supre-
mocracia? Uma análise do ativismo judicial no reconhecimento do nome social de pessoas trans na
ação direta de inconstitucionalidade n. 4.275. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 24, n.
1, p. 161-190, jan./abr. 2019. Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/
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SARLET, Ingo W. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na
perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: parte geral. v. 1. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
RODA RODA VIRA:
A EFETIVAÇÃO DE CIDADES
SUSTENTÁVEIS AO SOM
DE MAMONAS ASSASSINAS
Sumário: 1. Introdução. 2. Direito à cidade: o direito fundamental good que ‘nóis’ não have.
3. 1406: adira já ao desenvolvimento sustentável. 4. Desafios para cumprimento da Agenda
2030. 5. Conclusão. Referências.
Resumo
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são uma agenda global adotada pela
Organização das Nações Unidas (ONU) para promover o desenvolvimento sustentável em
diversas áreas, incluindo a redução da pobreza, a promoção da saúde e o combate às
mudanças climáticas. Para a efetivação de cidades sustentáveis, é preciso que haja um
compromisso com os ODS e ações concretas para alcançá-los. As músicas de Mamonas
Assassinas nos permitem analisar as letras de algumas músicas da banda sob a perspec-
tiva de promover o desenvolvimento sustentável. Por exemplo, na música “Pelados em
Santos”, há uma crítica ao consumismo e à ostentação, o que pode ser relacionado com
o ODS 12, que trata da produção e consumo responsáveis. Já na música “Vira-Vira”, a
letra fala sobre a importância de buscar soluções criativas e inovadoras para problemas
cotidianos, o que pode estar relacionado ao ODS 9, que trata da inovação e infraestrutura.
O presente artigo visa abordar a questão das cidades e pobreza, alinhado aos desafios dos
ODS, sugerindo formas de superar as mazelas sociais.
1
Mestrando em Direitos Fundamentais e Democracia (Linha de Pesquisa em Constituição e Condições Materiais
da Democracia) pelo Programa de Pós-Graduação do Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil).
Bolsista Prosup/Capes. Advogado. E-mail: lucasmano.adv@gmail.com.
2
Mestre em Direitos Fundamentais e Democracia (Linha de Pesquisa em Jurisdição e Democracia)
pelo Programa de Pós-Graduação do Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil). Advogado.
E-mail: gabrielzapa@gmail.com.
98| Lucas Raphael de Souza Mano - Gabriel Victor Zaparoli de Oliveira
1 INTRODUÇÃO
A Constituição de 1988 (CRFB/88) trouxe diversos direitos individuais que visam a
garantia à pessoa humana, incluindo liberdades sociais e econômicas, com reivindicações de
melhores condições de vida3. Portanto, deveria causar espanto aos nascidos até a década de
90, que as letras das músicas mais tocadas, pela banda mais famosa da época fossem: “Eu
queria um apartamento no Guarujá, mas o melhor que eu consegui foi um barro em Itaquá” e
“Chegando na capital, uns puta predião legal […] hoje to arrependido de ter feito migração”.
Afinal, o que a banda Mamonas Assassinas não retratava músicas sem sentido com o
intuito de humor. Suas obras abordavam as mazelas de uma sociedade em desenvolvimento,
porém, ainda extremamente desigual, no qual a “felicidade é um crediário nas Casas Bahia”.
A banda – tragicamente – terminou, mas suas letras ainda exprimem uma realidade
gritante da sociedade brasileira: o acesso à moradia digna aliada a grande desigualdade social
e econômica do país não encontraram resposta definitiva e, nos últimos anos, a ausência de
desenvolvimento de forma ampla, vem forçando inúmeros brasileiros a largarem a ‘profissão
de boia fria, trabalhando noite e dia’ e irem embora em busca de uma condição melhor de vida.
O presente artigo visa analisar como o desenvolvimento sustentável, hoje uma das prio-
ridades do mundo através da agenda 2030, precisa ser pensada pela lógica do direito à cidade,
visando a garantia de trabalho, lazer, moradia e segurança. Sem esse quadripé, será impossível
o alcance de moradia digna e o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
3
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista de
Informação Legislativa, Brasília, ano 35, n. 138, p. 39-48, abr./jun. 1998. Disponível em: https://www2.sena-
do.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/364/r138-04.pdf?sequence=4&isAllowed=y. Acesso em: 13 ago. 2023.
Roda roda vira: a efetivação de cidades sustentáveis... |99
Além disso, ainda existe o inchaço das cidades, resultado da migração provocada
pela falta de desenvolvimento de regiões mais pobres, favorecendo a disputa por territórios
a fim de moradia por pessoas que, na ânsia de ter o mínimo, se sujeitam a condições de
trabalho precárias8.
4
MELO, Ligia. Direito à moradia no Brasil: política urbana e acesso por meio da regularização fundiária. Belo
Horizonte: Fórum, 2010. p. 29.
5
DOTA, Ednelson Mariano; QUEIROZ, Silvana Nunes de. Migração interna em tempos de crise no Brasil.
Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, São Paulo, v. 21, n. 2, p. 415-430, maio/ago. 2019.
DOI:.22296/2317-1529.2019v21n2p415. Disponível em: https://rbeur.anpur.org.br/rbeur/article/view/5854/
pdf. Acesso em: 13 ago. 2023.
6
BODNAR; Zenildo; ALBINO, Priscilla Linhares. As múltiplas dimensões do direito fundamental à cidade. Revista
Brasileira de Políticas Públicas, v. 10, n. 03, p. 109-124 2020. p. 111. DOI: 10.5102/rbpp.v10i3.7193.
Disponível em: https://www.publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/view/7193. Acesso em: 13 ago. 2023.
7
BRAGA, Emanuel O. Gentrificação. In: IPHAN. Dicionário do Patrimônio Cultural. [S.d.]. Disponível em: http://
portal.iphan.gov.br/dicionarioPatrimonioCultural/detalhes/78/gentrificacao. Acesso em: 20 jan. 2023.
8
Sobre o tema: GARCIAS, Carlos M.; BERNARDI, Jorge L. As funções sociais da cidade. Revista Direitos
Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 4, n. 4, p. 1-15, 2008. Disponível em: https://revistaeletronicardfd.
unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/48. Acesso em: 14 ago. 2023.
100| Lucas Raphael de Souza Mano - Gabriel Victor Zaparoli de Oliveira
Ainda que o acesso à internet estivesse disponível, em razão do custo dos produtos
tecnológicos (celular, tablets, computadores, notebooks etc.) nem todos conseguem ter
acesso a um aparelho que possa se conectar a aludida tecnologia. Estudos mostram que
em 2020, 66% dos jovens entre 9 até 17 anos não possuíam acesso à internet10.
Claro, não basta o texto constitucional prever a proteção e manutenção dos direitos
fundamentais. Também se faz necessário que o povo reconheça a importância de tais direi-
tos, pressionando seus representantes com o intuito de garantir o acesso destes.
9
GARCIAS, Carlos M.; BERNARDI, Jorge L. As funções sociais da cidade. Revista Direitos Fundamentais &
Democracia, Curitiba, v. 4, n. 4, p. 1-15, 2008. Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/
index.php/rdfd/article/view/48. Acesso em: 14 ago. 2023.
10
TENENTE, Luiza. 30% dos domicílios no Brasil não têm acesso à internet; veja números que mostram dificul�-
dades no ensino à distância. G1: Educação, 26 maio 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/
noticia/2020/05/26/66percent-dos-brasileiros-de-9-a-17-anos-nao-acessam-a-internet-em-casa-veja-nume-
ros-que-mostram-dificuldades-no-ensino-a-distancia.ghtml. Acesso em: 18 abr. 2023.
11
NOVAIS, Jorge Reis. Direitos fundamentais: trunfos contra a maioria. Coimbra: Almedina, 2006. p: 06.
12
HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. Tradução de Jefferson Camargo.
São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 14.
13
MORIN, Edgar. A via para o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2015. p. 142.
14
MAMONAS ASSASSINAS. Jumento celestino. São Paulo: EMI, 1995. CD (2:37).
15
MAMONAS ASSASSINAS. Jumento celestino. São Paulo: EMI, 1995. CD (2:37).
Roda roda vira: a efetivação de cidades sustentáveis... |101
No debate voltado para a cidade, em uma análise ampliada, também vale o que está no
rol contido no art. 5º da CRFB/88, que recebeu status jurídico reforçado, incluídos as cláusulas
pétreas do art. 60, §4º, impedindo a supressão ou desgaste do poder constituinte derivado19.
Desta forma, o direito à cidade aglutina os direitos fundamentais, pois para a sua
concretização, se faz necessária a harmonização de vínculos de direitos históricos, sociais
e econômicos21.
16
BARBOSA, Álvaro Carlos Ramos. Desafios para a efetividade da função social da propriedade urbana: pro-
postas e perspectivas. 2022. 314f. (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2022. p. 10. Disponível em: https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/19008.
Acesso em: 13 ago. 2023.
17
SARLET, Ingo W. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspec-
tiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 62.
18
AFONSO DA SILVA, Virgílio. Interpretação constitucional e sincretismo metodológico. In: AFONSO DA SILVA,
Virgílio (org.). Interpretação constitucional. 1. ed. 2. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 481.
19
BODNAR; Zenildo; ALBINO, Priscilla Linhares. As múltiplas dimensões do direito fundamental à cidade. Revista
Brasileira de Políticas Públicas, v. 10, n. 03, p. 109-124 2020. p. 112. DOI: 10.5102/rbpp.v10i3.7193.
Disponível em: https://www.publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/view/7193. Acesso em: 13 ago. 2023.
20
BODNAR; Zenildo; ALBINO, Priscilla Linhares. As múltiplas dimensões do direito fundamental à cidade. Revista
Brasileira de Políticas Públicas, v. 10, n. 03, p. 109-124 2020. p. 113. DOI: 10.5102/rbpp.v10i3.7193.
Disponível em: https://www.publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/view/7193. Acesso em: 13 ago. 2023.
21
BODNAR; Zenildo; ALBINO, Priscilla Linhares. As múltiplas dimensões do direito fundamental à cidade. Revista
Brasileira de Políticas Públicas, v. 10, n. 03, p. 109-124 2020. p. 113. DOI: 10.5102/rbpp.v10i3.7193.
Disponível em: https://www.publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/view/7193. Acesso em: 13 ago. 2023.
102| Lucas Raphael de Souza Mano - Gabriel Victor Zaparoli de Oliveira
Comparato adverte:
Desta forma, ainda que não esteja disposta taxativamente em nossa Constituição,
mas palpável na concepção internacional do qual o direito brasileiro se inspira, é possível
afirmar que o Direito à Cidade possui proximidade com os direitos humanos fundamentais
22
BODNAR; Zenildo; ALBINO, Priscilla Linhares. As múltiplas dimensões do direito fundamental à cidade. Revista
Brasileira de Políticas Públicas, v. 10, n. 03, p. 109-124 2020. p. 114. DOI: 10.5102/rbpp.v10i3.7193.
Disponível em: https://www.publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/view/7193. Acesso em: 13 ago. 2023.
23
BODNAR; Zenildo; ALBINO, Priscilla Linhares. As múltiplas dimensões do direito fundamental à cidade. Revista
Brasileira de Políticas Públicas, v. 10, n. 03, p. 109-124 2020. p. 114. DOI: 10.5102/rbpp.v10i3.7193.
Disponível em: https://www.publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/view/7193. Acesso em: 13 ago. 2023.
24
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 541.
25
MARQUES, José Roberto. Meio ambiente urbano. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 91-92.
Roda roda vira: a efetivação de cidades sustentáveis... |103
Um dos requisitos basilares é o respeito ao Plano Diretor, previso no art. 182 e 183
da CRFB/88, respeitando o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir
o bem-estar de seus habitantes, o que inclui o combate à desigualdade, o desenvolvimento
com respeito ao quadripé de direitos já abordado aqui e a redução da poluição.
26
BODNAR; Zenildo; ALBINO, Priscilla Linhares. As múltiplas dimensões do direito fundamental à cidade. Revista
Brasileira de Políticas Públicas, v. 10, n. 03, p. 109-124 2020. p. 115. DOI: 10.5102/rbpp.v10i3.7193.
Disponível em: https://www.publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/view/7193. Acesso em: 13 ago. 2023.
27
BODNAR; Zenildo; ALBINO, Priscilla Linhares. As múltiplas dimensões do direito fundamental à cidade. Revista
Brasileira de Políticas Públicas, v. 10, n. 03, p. 109-124 2020. p. 115. DOI: 10.5102/rbpp.v10i3.7193.
Disponível em: https://www.publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/view/7193. Acesso em: 13 ago. 2023.
28
MAMONAS ASSASSINAS. 1406. São Paulo: EMI, 1995. CD (4:08).
29
O nome “1406” faz alusão ao número de telefone “(011) 1406”, pertencente aos infomerciais do Teleshop, exi�-
bidos pelo já extinto Grupo Imagem em comerciais da também extinta Rede Manchete, que vendiam produtos
ao estilo dos atuais comerciais da Polishop ou do canal de televendas Shoptime, da Globosat. Disponível em:
https://genius.com/Mamonas-assassinas-1406-lyrics. Acesso em: 18 abr. 2023
30
GARCIAS, Carlos M.; BERNARDI, Jorge L. As funções sociais da cidade. Revista Direitos Fundamentais &
Democracia, Curitiba, v. 4, n. 4, p. 1-15, 2008. Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/
index.php/rdfd/article/view/48. Acesso em: 14 ago. 2023.
104| Lucas Raphael de Souza Mano - Gabriel Victor Zaparoli de Oliveira
Foi o Estatuto da Cidade que trouxe novos caminhos para o desenvolvimento urba-
no a partir da confirmação de diretrizes, princípios e instrumentos voltados à promoção do
direito à cidade e à governabilidade democrática31.
31
SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos; MONTANDON, Daniel Todtmann (org.). Os planos diretores municipais
pós-Estatuto da Cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital; IPPUR/UFRJ, 2011. p. 14.
32
SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos; MONTANDON, Daniel Todtmann (org.). Os planos diretores municipais
pós-Estatuto da Cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital; IPPUR/UFRJ, 2011. p. 14.
33
SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos; MONTANDON, Daniel Todtmann (org.). Os planos diretores municipais
pós-Estatuto da Cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital; IPPUR/UFRJ, 2011. p. 14.
34
SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos; MONTANDON, Daniel Todtmann (org.). Os planos diretores municipais
pós-Estatuto da Cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital; IPPUR/UFRJ, 2011. p. 14.
35
SARLET, Ingo Wolfgang; WEDY, Gabriel de Jesus Tedesco. Algumas notas sobre o direito fundamental ao
desenvolvimento sustentável e a sua dimensão subjetiva e objetiva. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v.
10, n. 3, p. 21-40, dez. 2020. p. 22. DOI: 10.5102/rbpp.v10i3.7272. Disponível em: https://www.publicacoes.
uniceub.br/RBPP/article/view/7272. Acesso em: 13 ago. 2023.
Roda roda vira: a efetivação de cidades sustentáveis... |105
Ainda que a eficácia dos direitos fundamentais entre particulares não seja linear e ab-
soluta, conforme ensinamento de Virgílio Afonso da Silva36, se faz necessária a observância de
que os imóveis disponíveis nas cidades são limitados e ainda muitos deles não estão atendendo
sua função social. Além disso, a expansão das populações, o inchaço das cidades e os padrões
de consumo superam a capacidade de disponibilidade dos recursos naturais do planeta37.
Esses problemas são apenas alguns dos desafios que a cidade precisa enfrentar.
Para uma realidade de moradia digna, vinculada a uma cidade inteligente e sustentável, a
referência se encontra nos art. 3º, 170 e 225 da CRFB/88.
Desta forma, o Estado Democrático, Social e Ecológico do Direito, não poderá ser
um Estado Mínimo, mas antes, deve ser um Estado Regulador, objetivando o desenvolvi-
mento humano e social de forma sustentável41.
36
SILVA, Virgílio Afonso da. Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 25.
37
SOUZA, Mônica Teresa Costa. Direito e desenvolvimento. Curitiba: Juruá, 2011. p. 142. GIDDENS, Anthony.
Sociology. Cambridge: Polity Press, 2006. p. 614.
38
ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. Direito ao desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 268-269.
39
MAMONAS ASSASSINAS. Chopis centis. São Paulo: EMI, 1995. CD (2:46).
40
SARLET, Ingo Wolfgang; WEDY, Gabriel de Jesus Tedesco. Algumas notas sobre o direito fundamental ao
desenvolvimento sustentável e a sua dimensão subjetiva e objetiva. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v.
10, n. 3, p. 21-40, dez. 2020. DOI: 10.5102/rbpp.v10i3.7272. p. 26. Disponível em: https://www.publicacoes.
uniceub.br/RBPP/article/view/7272. Acesso em: 13 ago. 2023.
41
SARLET, Ingo Wolfgang; WEDY, Gabriel de Jesus Tedesco. Algumas notas sobre o direito fundamental ao
desenvolvimento sustentável e a sua dimensão subjetiva e objetiva. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v.
106| Lucas Raphael de Souza Mano - Gabriel Victor Zaparoli de Oliveira
10, n. 3, p. 21-40, dez. 2020. DOI: 10.5102/rbpp.v10i3.7272. p. 26. Disponível em: https://www.publicacoes.
uniceub.br/RBPP/article/view/7272. Acesso em: 13 ago. 2023.
42
BARROSO, Luís Roberto. Revolução tecnológica, crise da democracia e mudança climática: limites do direito
num mundo em transformação. Revista Estudos Institucionais, v. 5, n. 3, p. 1262-1313, set./dez. 2019. DOI:
10.21783/rei.v5i3.429. Disponível em: https://estudosinstitucionais.com/REI/article/view/429/444. Acesso
em: 04 abr. 2023.
Roda roda vira: a efetivação de cidades sustentáveis... |107
É nas relações de poder que se encontra a raiz dos problemas apontados. Inclusive,
o assunto não é novo, conforme amplamente demonstrado por David Harvey43. A pobreza
aumenta junto com a cidade e a transferência de culpa entre os entes municipais, estaduais
e federal para dirimir o problema só agrava a situação já delicada.
Essa ação do Estado não precisa ser unicamente de cunho social. Conforme pre-
conizado pela autora Adriana Schier, uma política pública pode atender uma necessidade
do Estado e ainda incentivar a atividade privada, mediante o fomento:
Fomento enquanto uma atividade administrativa que permite aos particulares atua-
rem na satisfação de interesses públicos vinculados à realização de direitos funda-
mentais, mediante incentivo do Estado.
[…] Esse mecanismo permite incrementar o desenvolvimento econômico, princi-
palmente a partir das subvenções ou das facilidades criadas para a livre iniciativa
que aderir aos programas de fomento45.
Na prática, não é este equilíbrio que vem sendo aplicado. Mediante um constante
e intenso lobby, o interesse do mercado e de seus agentes financeiros, a cidade passa
a ser espaço de disputa e poder e o povo, que é protegido “apenas” pelas palavras da
Constituição, perdem. Afinal, a democracia é construída no dia-a-dia, reforçada pelo amor
de seu povo que, arduamente trabalha pela sua manutenção46.
Alguns dos desafios enfrentados no Brasil para a produção dos indicadores são:
1. Fragilidade institucional na produção de parte das informações ambientais e
primárias;
2. Pulverização de informação por número grande de instituições;
3. Estatísticas dependentes de esforço despedindo para obtenção de informações;
43
HARVEY, David. O enigma do capital e as crises do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2011. p. 180-181.
44
KAUCHAKJE, Samira; SCHEFFER, Sandra Maria. Políticas públicas sociais: a cidade e a habitação em questão.
Curitiba: InterSaberes, 2017. p. 17.
45
SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento: administração pública, direitos fundamentais e desenvolvimento.
Curitiba: Íthala, 2019. p. 42.
46
MASTRODI, Josué; ROSSI, Renan A. Direito fundamental social à moradia: aspectos de efetivação e sua
autonomia em relação ao direito de propriedade. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 17,
n. 17, p. 168-187, jan./jun. 2015. Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/
article/view/549. Acesso em: 13 ago. 2023.
108| Lucas Raphael de Souza Mano - Gabriel Victor Zaparoli de Oliveira
Exemplo disso, é o caso das cidades: a meta 15.2 do ODS 15 (Vida Terrestre)
objetiva “até 2020, promover a implementação da gestão sustentável de todos os tipos de
florestas, deter o desmatamento, restaurar florestas degradadas e aumentar substancial-
mente o florestamento e o reflorestamento globalmente”. Além do fato de o Brasil já estar
atrasado50, as informações dispostas demonstram apenas sobre a Amazônia, não levando
em consideração as invasões na periferia das grandes cidades.
Atrelado a estes desafios, a aludida meta possui apenas um indicador, sendo este
o 15.2.1 – Progressos na gestão florestal sustentável, contribuindo para a ausência de
material direcionado.
47
KRONEMBERGER, Denise Maria Penna. Os desafios da construção dos indicadores ODS globais. Cienc. Cult.,
São Paulo, v. 71, n. 1, jan./mar. 2019. p. 4. DOI: 10.21800/2317-66602019000100012. Disponível em: http://
cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252019000100012&lng=pt&tlng=pt.
Acesso em: 20 abr. 2023.
48
FAO. Mountain Partneship. Monitoring progress on mountains in the SDGs: Mountain Green Cover Index
(MGCI). 2015. Disponível em: https://www.fao.org/mountain-partnership/our-work/advocacy/2030-agenda�-
-for-sustainable-development/mountain-green-cover-index/en/. Acesso em: 15 abr. 2023..
49
KRONEMBERGER, Denise Maria Penna. Os desafios da construção dos indicadores ODS globais. Cienc. Cult.,
São Paulo, v. 71, n. 1, jan./mar. 2019. p. 5. DOI: 10.21800/2317-66602019000100012. Disponível em: http://
cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252019000100012&lng=pt&tlng=pt.
Acesso em: 20 abr. 2023.
50
Ver: DESMATAMENTO da Amazônia brasileira bateu recorde do mês de fevereiro. Estado de Minas, 24
fev. 2023. Disponível: https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2023/02/24/interna_internacio-
nal,1461504/desmatamento-da-amazonia-brasileira-bateu-recorde-do-mes-de-fevereiro.shtml. Acesso em:
21 abr. 2023.
Roda roda vira: a efetivação de cidades sustentáveis... |109
Desta forma, para o combate das mazelas da cidade, além da interdependência dos
ODS, se faz necessário produzir indicadores ODS, mais apurados, com desenvolvimen-
to metodológico, padrões, guias, métodos estatísticos, qualidade estatística, estruturas de
governança, capacitação, assistência técnica, colaboração interinstitucional, mobilização de
recursos, infraestruturas. Tudo isso alinhado a utilização por gestores, públicos e privados, no
planejamento de ações e empreendimento, para que possam surgir boas políticas públicas52.
5 CONCLUSÃO
Pelo presente artigo, busca-se demonstrar que os resultados esperados com
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que visam o desenvolvimento sustentável dos
países, garantindo condições palpáveis de existência para as gerações futuras, perpassam
pelas cidades.
Contudo, para a concretização das metas dos ODS, outro problema precisa ser
adicionado para um planejamento e conclusão: A ausência de direcionamento e trabalho
em conjunto dos entes federativos, estão contribuindo para o avanço da lógica liberal,
resultando na gentrificação e na migração de pessoas que saem de pequenas cidades,
sentido cidades já superpovoadas.
Em que pese a Constituição Brasileira, em seus art. 182 e 183, já abordar e des-
crever sobre as cidades, e contar com outras diretrizes como o Estatuto da Cidade e a
criação dos Planos Diretores dos municípios, sem um trabalho em conjunto fica impossível
dar conta das mazelas sociais e dos novos desafios que surgem, como resultado de um
mundo cada vez mais conectado e digital.
Além disso, os centros urbanos estão sofrendo com as ações agressivas e cons-
tantes dos agentes financeiros, transformando as cidades em grandes espaços de brigas
políticas, forçando a população mais pobre para as periferias, acarretando desmatamento
e construções em locais irregulares, tais como: morro, encostas, ribeiras etc.
51
KRONEMBERGER, Denise Maria Penna. Os desafios da construção dos indicadores ODS globais. Cienc. Cult.,
São Paulo, v. 71, n. 1, jan./mar. 2019. p. 5. DOI: 10.21800/2317-66602019000100012. Disponível em: http://
cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252019000100012&lng=pt&tlng=pt.
Acesso em: 20 abr. 2023.
52
KRONEMBERGER, Denise Maria Penna. Os desafios da construção dos indicadores ODS globais. Cienc. Cult.,
São Paulo, v. 71, n. 1, jan./mar. 2019. p. 5. DOI: 10.21800/2317-66602019000100012. Disponível em: http://
cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252019000100012&lng=pt&tlng=pt.
Acesso em: 20 abr. 2023.
110| Lucas Raphael de Souza Mano - Gabriel Victor Zaparoli de Oliveira
Para que se possa superar as mazelas sociais, a cidade é o meio, mas a pesquisa
é a ferramenta. A realização de dados precisos, dotados de método e periodicidade, ne-
cessitam ainda do compromisso dos administradores públicos para a criação de políticas
públicas voltadas aos resultados obtidos.
Outra consideração que é importante para a boa aplicação dos ODS, é a interdepen-
dência entre cada grande área de concentração e suas metas.
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dificuldades no ensino à distância. G1: Educação, 26 maio 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/
educacao/noticia/2020/05/26/66percent-dos-brasileiros-de-9-a-17-anos-nao-acessam-a-internet-em-
-casa-veja-numeros-que-mostram-dificuldades-no-ensino-a-distancia.ghtml. Acesso em: 18 abr. 2023.
ENTRE RAZÕES E EMOÇÕES:
MOTIVOS PARA O USO DE PRECEDENTES
NO DIREITO BRASILEIRO
Resumo
O presente artigo aborda a construção de um sistema de precedentes no direito brasileiro,
e sustenta através de uma análise do funcionamento do judiciário e da lógica de construção
de decisões, motivos o uso de precedentes no direito brasileiro, com as principais vanta-
gens de uma adoção sistemática dos precedentes no dia-a-dia do judiciário. Utilizou-se a
revisão bibliográfica e o método lógico-dedutivo para a construção das ideias sustentadas
no presente trabalho.
1
Mestre em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Programa de Pós-graduação do Centro Universitário
Autônomo do Brasil (UniBrasil). Especialista em Direito Previdenciário e em Processo Civil pela Universidade
Cândido Mendes/RJ. Advogado. E-mail gabrielzapa@gmail.com.
2
Mestrando em Direitos Fundamentais e Democracia (Linha de Pesquisa em Constituição e Condições Materiais da
Democracia) pelo Programa de Pós-Graduação do Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil). Bolsista
Prosup/Capes. Advogado. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1913-9876. E-mail: lucasmano.adv@gmail.com.
114| Gabriel Victor Zaparoli de Oliveira - Lucas Raphael de Souza Mano
1 INTRODUÇÃO
Entre razões e emoções a saída é fazer valer a pena.
O presente artigo tem por objetivo analisar a construção das decisões no Brasil em
conjunto com a sistemática de precedentes, que fora definitivamente introduzida no Código de
Processo Civil de 2015. Para tanto, dividiu-se o trabalho em duas frentes: a construção de de-
cisões, com análises de casos práticos e contrapontos entre a sistemática dos precedentes,
e numa segunda parte a própria construção de decisões dentro do processo civil brasileiro.
Por fim, ainda que integrante da segunda parte, buscou-se analisar motivos de caráter legal
(em sentido amplo) e principiológicos que sustentam as vantagens do uso de precedentes.
3
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 58-59.
Entre razões e emoções: motivos para o uso de precedentes no Direito Brasileiro |115
Apesar do nome, a Corte de Cassação não era um órgão do Judiciário, e não pos-
suía função decisória, servindo única e exclusivamente para cassar as decisões dos juízes
que fossem contra a lei. Com o avanço e aprimoramento do sistema, no entanto, a Corte
passou a ser órgão do Poder Judiciário, e a última instância para definir a interpretação que
seria dada à vontade legislativa4.
Essa questão é vista a partir de uma evolução do processo civil atual e do próprio
constitucionalismo, que conferiram as cortes superiores a função de atribuir real sentido ao
direito, fazendo interpretações em casos reais e aplicação de princípios5.
4
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 60.
5
MARINONI, Luiz Guilherme. Da corte que declara o ‘sentido exato da lei’ para a corte que institui precedentes.
Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 103, n. 950, p. 165-198, dez. 2014. p. 166. Disponível em: https://www.
academia.edu/76337447/DA_CORTE_QUE_DECLARA_O_SENTIDO_EXATO_DA_LEI_PARA_A_CORTE_QUE_
INSTITUI_PRECEDENTES_DA_CORTE_QUE_DECLARA_O_SENTIDO_EXATO_DA_LEI_PARA_A_CORTE_
QUE_INSTITUI_PRECEDENTES. Acesso em: 15 ago. 2022.
6
CAMBI, Eduardo; HAAS, Adriana; SCHMITZ, Nicole Naiara. Uniformização da jurisprudência e precedentes
judiciais. Anais do Simpósio Brasileiro de Processo Civil, v. 1, p. 463-496, mar. 2017. p. 466. Disponível em:
https://www.abdconst.com.br/archives/pdfs/simposios/anais/2017/grupos-de-trabalho/processo-civil-e-pre-
cedentes/eduardocambi.pdf. Acesso em: 12 ago. 2022.
7
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de
censura ou licença;
116| Gabriel Victor Zaparoli de Oliveira - Lucas Raphael de Souza Mano
Em um breve levantamento feito junto a 10ª Vara Federal de Curitiba, num total de
05 sentenças analisadas11, versando sobre a mesma matéria e após o pronunciamento do
STF sobre o tema, verificou-se que as sentenças ali proferidas, mesmo fazendo menção
à decisão do Supremo Tribunal Federal, afastavam a sua aplicação, conforme pode-se
exemplificar no seguinte excerto:
8
BRASIL. Superior Tribunal Federal. Petição 9.844/DF. Relator: Ministro Alexandre de Moraes. Julgado em 12
ago. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/alexandre-manda-prender-roberto.pdf. Acesso em:
24 nov. 2021.
9
Para maiores detalhes, ver: ARE 664.335/SC, STF, de Relatoria do Exmo. Min. Luiz Fux
10
Tese fixada: I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente no�-
civo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo
constitucional à aposentadoria especial; II - Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites
legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP),
no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço
especial para aposentadoria.
11
As sentenças foram analisadas a partir de levantamentos feitos em casos atuados como advogado, e levanta�-
mentos realizados através de consulta de publicações de sentenças da Justiça Federal do Paraná. Os autos ana-
lisados foram: 5052201-61.2012.4.04.7000; 5072360-54.2014.4.04.7000; 5028843-33.2013.4.04.7000;
5044513-77.2014.4.04.7000.
Entre razões e emoções: motivos para o uso de precedentes no Direito Brasileiro |117
Nesse sentido, a Juíza Patrícia Helena Daher Lopes ao julgar caso de desaposen-
tação perante o INSS, embora reconhecer entendimento do STJ, decide de forma
contrária aquele Tribunal: “O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento segundo
o qual a renúncia opera efeitos ex nunc. A devolução de proventos não é devida,
visto que os valores recebidos tinham natureza alimentar. [...] Entretanto, este Juízo
entende de forma diversa. A exigência de devolução não encontra obstáculo no fato
de as prestações recebidas terem caráter alimentar” JFPR – Vara Previdenciária de
Curitiba – AO 2008.70.00.008373-3/PR – DJ 14.10.200913.
O que se tem visto é que, baseados pelo princípio do livre convencimento, através
de argumentos como juízo pessoal, ou interpretação própria do precedente fixado, os tribu-
nais inferiores e os juízes em primeiro grau sentem-se autorizados a não seguir os prece-
dentes das cortes superiores, mesmo aqueles tidos como vinculantes, como as decisões
na sistemática da Repercussão Geral.14
12
BRASIL. Justiça Federal. TRF4. Apelação Cível n. 5072360-54.2014.4.04.7000 (Processo Eletrônico -
E-Proc V2 - TRF) – 10º Vara Federal de Curitiba. 5ª Turma. Relator: Alexandre Gonçalves Lippel. Data de
autuação: 08/03/2017. Disponível em: https://consulta.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=con-
sulta_processual_resultado_pesquisa&selForma=NU&txtValor=50723605420144047000&chkMos-
trarBaixados=S&todasfases=&todosvalores=&todaspartes=&txtDataFase=01/01/1970&selOrigem=T-
RF&sistema=&txtChave=&seq=. Acesso em: 13 ago. 2023.
13
BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Escrevendo um romance por meio dos precedentes judiciais –
uma possibilidade de segurança jurídica para a jurisdição constitucional brasileira. A&C Revista de Direito
Administrativo e Constitucional, Belo Horizonte, v. 14, n. 56, p. 177-207, abr./jun. 2014. p. 205. Disponível
em: https://www.editoraforum.com.br/wp-content/uploads/2015/01/Escrevendo-um-romance-por-meio-dos-
precedentes-judiciais.pdf. Acesso em: 13 ago. 2023.
14
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 97-98.
118| Gabriel Victor Zaparoli de Oliveira - Lucas Raphael de Souza Mano
Para que se obtenha êxito na construção de decisões uniformes, não basta que
elas existam, é necessário que elas se mantenham estáveis e sejam aplicadas com rigor,
tanto em sentido horizontal, isso é, pelas próprias Cortes que os proferem, como em sen-
tido vertical, onde os tribunais e juízos inferiores devem seguir os entendimentos firmados
pelas instâncias superiores.
Tal pensamento foi superado, e conforme explica Barboza, pensar desse modo se-
ria como aceitar que a segurança jurídica não alcança todos os órgãos do poder público18.
15
STRECK, Lênio. O “decido conforme a consciência” dá segurança a alguém? Consultor Jurídico, 15 maio
2014. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2014-mai-15/senso-incomum-decido-conforme-conscien-
cia-seguranca-alguem. Acesso em: 12 ago. 2022.
16
STRECK, Lênio. O “decido conforme a consciência” dá segurança a alguém? Consultor Jurídico, 15 maio
2014. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2014-mai-15/senso-incomum-decido-conforme-conscien-
cia-seguranca-alguem. Acesso em: 12 ago. 2022.
17
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 381.
18
BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Escrevendo um romance por meio dos precedentes judiciais –
uma possibilidade de segurança jurídica para a jurisdição constitucional brasileira. A&C Revista de Direito
Administrativo e Constitucional, Belo Horizonte, v. 14, n. 56, p. 177-207, abr./jun. 2014. p. 183. Disponível
em: https://www.editoraforum.com.br/wp-content/uploads/2015/01/Escrevendo-um-romance-por-meio-dos-
precedentes-judiciais.pdf. Acesso em: 13 ago. 2023.
Entre razões e emoções: motivos para o uso de precedentes no Direito Brasileiro |119
José Augusto Delgado bem aponta em seu artigo intitulado “A imprevisibilidade das
decisões judiciárias e seus reflexos na segurança jurídica”, abordando a questão da impre-
visibilidade e seus reflexos, citando o ex-Ministro da Justiça Thomas Bastos, aponta que
Há estatísticas que mostram que a economia e o direito têm que andar cada vez
mais entrelaçados para fazer o país crescer, bem como que a possibilidade de cada
tribunal decidir de forma isolada gera insegurança nas relações financeiras. A im-
previsibilidade das decisões impede, por exemplo, que existam linhas de crédito de
longo prazo no país19.
essa falta de previsibilidade jurídica leva à falta de segurança por parte daqueles que
investem no País, tornando-se empecilho ao desenvolvimento nacional, e afetando
também o cidadão, que não sabe quais as regras do jogo que vão prevalecer20.
19
DELGADO, José Augusto. A imprevisibilidade das decisões judiciárias e seus reflexos na segurança jurídica.
BDJur, p. 1-75, 2007. p. 2. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/74120. Acesso em: 16
ago. 2022.
20
DELGADO, José Augusto. A imprevisibilidade das decisões judiciárias e seus reflexos na segurança jurídica.
BDJur, p. 1-75, 2007. p. 2. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/74120. Acesso em: 16
ago. 2022.
21
DELGADO, José Augusto. A imprevisibilidade das decisões judiciárias e seus reflexos na segurança jurídica.
BDJur, p. 1-75, 2007. p. 6. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/74120. Acesso em: 16
ago. 2022.
22
BITTON, Daniele Vaz. Segurança jurídica e imprevisibilidade nas decisões judiciais: um desafio para os ma-
gistrados. 2015. 17f. Artigo (Pós-Graduação Lato Sensu) – Escola da Magistratura do Estado do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/2se-
mestre2015/pdf/DanielleVazBitton.pdf. Acesso em: 16 ago. 2022.
120| Gabriel Victor Zaparoli de Oliveira - Lucas Raphael de Souza Mano
Alexandre Câmara indica que são conhecidos e aceitos dois tipos de precedentes
na sistemática processual brasileira: os precedentes vinculantes e os não vinculantes, tam-
bém chamados de persuasivos ou argumentativos24.
23
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão
enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes
que motivaram sua criação.
24
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 439.
25
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 440.
26
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em
julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal
de Justiça em matéria infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
27
PAIXÃO, Shayane do Socorro de Almeida da; SILVA, Sandoval Alves da; COSTA, Rosalina Moitta Pinto da. A
superação dos precedentes na teoria dos diálogos institucionais: análise do caso da Vaquejada. Revista de
Investigações Constitucionais, Curitiba, v. 08, n. 01, p. 275-301, jan./abr. 2021. p. 279. DOI: 10.5380/rinc.
v8i1.71072. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/rinc/article/view/71072. Acesso em: 23 ago. 2022.
Entre razões e emoções: motivos para o uso de precedentes no Direito Brasileiro |121
A primeira parte da doutrina entende que o rol trazido no art. 927 do CPC é integral-
mente vinculante, como defendem, por exemplo, Luiz Roberto Barroso e Patrícia Perrone
Campos Mello:
De outra parte uma segunda corrente, como Fredie Didier Jr. prevê a existência de um
rol vinculante de caráter semântico, ao defender que os tribunais devem manter um sistema
de precedentes, incluindo aí súmulas e jurisprudências, sejam eles persuasivos ou obriga-
tórios, e todos esses ditames seriam apenas observações de princípios constitucionais29.
A quarta corrente doutrinária entende que o rol do art. 927 não poderia sequer
criar precedentes, por entender que uma lei ordinária não poderia criar tal instrumento sem
previsão constitucional31 como é o caso de Lênio Streck:
28
BARROSO, Luís Roberto; MELLO, Patrícia Perrone Campos. Trabalhando com uma nova lógica: a ascensão
dos precedentes no Direito brasileiro. Revista da AGU, Brasília, v. 15, n. 03, p. 09-52, jul./set. 2016. p. 18.
Disponível em: https://revistaagu.agu.gov.br/index.php/AGU/article/view/854. Acesso em: 13 ago. 2023.
29
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Sistema brasileiro de precedentes judiciais obrigatórios e os deveres institucionais
dos tribunais: uniformidade, estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência. Revista do Ministério
Público do Rio de Janeiro, n. 64, p. 135-147, abr./jun. 2017. p. 136. Disponível em: https://www.mprj.mp.br/
documents/20184/1255811/Fredie_Didier_Jr.pdf. Acesso em: 16 ago. 2022.
30
PAIXÃO, Shayane do Socorro de Almeida da; SILVA, Sandoval Alves da; COSTA, Rosalina Moitta Pinto da. A
superação dos precedentes na teoria dos diálogos institucionais: análise do caso da Vaquejada. Revista de
Investigações Constitucionais, Curitiba, v. 08, n. 01, p. 275-301, jan./abr. 2021. p. 279. DOI: 10.5380/rinc.
v8i1.71072. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/rinc/article/view/71072. Acesso em: 23 ago. 2022.
31
BERTAGNOLLI, Ilana; BAGGIO, Andreza Cristina. Os precedentes vinculantes do Novo Código de Processo Civil
e a aproximação entre common law e civil law no direito brasileiro. Ius Gentium, Curitiba, v. 8, n. 1, p. 162-181,
jan./jun. 2017. p. 174. Disponível em: https://www.revistasuninter.com/iusgentium/index.php/iusgentium/arti-
cle/view/325. Acesso em: 13 ago. 2023.
122| Gabriel Victor Zaparoli de Oliveira - Lucas Raphael de Souza Mano
a criação de instrumentos de vinculação decisória, o que faz parecer que essa doutrina
ignora que a própria Constituição e a legislação que lhe é conforme vinculam efetiva-
mente a atuação do Judiciário antes de tudo. E não o contrário32.
Há ainda uma quinta parte da doutrina que defende a mera observação das deci-
sões presentes no art. 927, classificando-as como decisões persuasivas, como defendem
Adriano Pinto e Nilo de Mello:
“a palavra “observar”, por sua vez presente no art. 927, não possui em suas acep-
ções mais comuns a definitiva obrigatoriedade que enseja “dever”. Com sentido
de “tomar por modelo”, “olhar com atenção para”, “notar”, “examinar” ou, ainda,
“ponderar”, não se encontram palavras como “obrigatoriedade” ou “vinculatividade”
nas acepções mais utilizadas do verbo. A mera observação semântica do dispositi-
vo em comento, portanto, enseja um entendimento de que não seriam as decisões
mencionadas nos incisos do art. 927 obrigatórias, mas devem simplesmente serem
levadas em consideração, ponderadas ou examinadas anteriormente33.
Tal lógica decorre dos conceitos já vistos, e trazidos pelo texto do art. 926 do
Código de Processo Civil, de integridade e coerência, que em muito se assemelha à tese de
Dworkin de integridade do direito.
32
STRECK, Lênio; ABBOUD, Georges. O que é isto — o sistema (sic) de precedentes no CPC? Consultor
Jurídico, 18 ago. 2016. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-ago-18/senso-incomum-isto-siste-
ma-sic-precedentes-cpc. Acesso em: 14 nov. 2021.
33
PINTO, Adriano Moura da F.; MELLO, Nilo Rafael B. de. O microssistema de precedentes no novo processo civil
brasileiro: uma interpretação. Revista Internacional Consinter de Direito, Vila Nova de Gaia, ano 5, n. 8, p. 525-
541, jan./jun. 2019. p. 537. Disponível em: https://revistaconsinter.com/index.php/ojs/article/view/239/458.
Acesso em: 13 nov. 2021.
34
VIANA, Aurelio; NUNES, Dierle. Precedentes – a mutação do ônus argumentativo. São Paulo: Forense, 2018.
p. 221-223.
Entre razões e emoções: motivos para o uso de precedentes no Direito Brasileiro |123
Ademais, a mera alegação de que a lei ordinária não poderia criar um sistema
processual de precedentes, pois seria contrário à Constituição Federal é um argumento
que não se sustenta. O uso do sistema de precedentes, pelo contrário, é uma das formas
de garantir os princípios fundamentais protegidos pela Constituição, como a dignidade da
pessoa humana, o devido processo legal, respeito ao contraditório e à ampla defesa, e em
especial, a segurança jurídica – princípios estes que estão resguardados ao longo de todo
o texto constitucional e foram replicados no texto do código processual.
35
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
[...]
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de in-
constitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito
vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas
esferas federal, estadual e municipal.
36
Se está ciente das críticas doutrinárias quanto ao sistema de súmulas vinculantes não ser propriamente um
componente do sistema de precedentes, em especial pelas falhas na identificação da ratio decidendi que as
deram origem, porém não se filia à esta tese doutrinária no presente trabalho, uma vez que entende-se, por se
tratar de um sistema Civil Law, a sua previsão codificada à insere neste sistema.
37
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços
dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de
sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e
à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua
revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
124| Gabriel Victor Zaparoli de Oliveira - Lucas Raphael de Souza Mano
38
VIANA, Aurelio; NUNES, Dierle. Precedentes – a mutação do ônus argumentativo. São Paulo: Forense, 2018.
p. 224.
39
PUGLIESE, William Soares. Formalismo valorativo e a fundamentação das decisões no código de processo
civil de 2015. Revista de Processo, v. 47, n. 328, p. 89-104, jun. 2022. p. 92.
40
PUGLIESE, William Sores. Teoria dos precedentes e interpretações legislativas. 2011. 108f. Dissertação
(Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011. p.
48-79. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/32233/R%20-%20D%20-%20
WILLIAM%20SOARES%20PUGLIESE.pdf. Acesso em: 10 ago. 2023.
41
PUGLIESE, William Sores. Teoria dos precedentes e interpretações legislativas. 2011. 108f. Dissertação
(Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011. p.
48-79. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/32233/R%20-%20D%20-%20
WILLIAM%20SOARES%20PUGLIESE.pdf. Acesso em: 10 ago. 2023.
Entre razões e emoções: motivos para o uso de precedentes no Direito Brasileiro |125
apesar de não abordar o tema diretamente, trata da estrutura do Poder Judiciário, e conferiu
a instância final e irrecorrível aos Tribunais Superiores, sejam nas justiças especializada,
seja o Supremo Tribunal Federal.
Isso reflete uma necessidade de integridade, que somente será alcançada com
a repetibilidade de pronunciamentos judiciais que levem em considerações os mesmos
princípios e resultados ao proferir decisões, em respeito a própria história da sociedade e
do direito.
Seguir precedentes, aborda uma questão de inclusão dos princípios dentro das
decisões. Isso porque, num contexto atual do direito, onde a supremacia da Constituição
e sua aplicação frente aos demais diplomas legais é indissociável, a atividade jurisdicional
também deve ser. Viana e Nunes corroboram com tal ideia no sentido que
42
ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. 2011. 440f. Tese
(Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito Processual Civil, Faculdade de Direito,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011. p. 125. Disponível em: https://www.lume.
ufrgs.br/handle/10183/194323#:~:text=Resumo%20O%20presente%20trabalho%20objetivou%20estru-
turar%20uma%20teoria,orientadores%20para%20aplica%C3%A7%C3%A3o%20e%20supera%C3%A7%-
C3%A3o%20dos%20precedentes%20judiciais.. Acesso em: 13 ago. 2023.
43
PUGLIESE, William Soares. Formalismo valorativo e a fundamentação das decisões no código de processo
civil de 2015. Revista de Processo, v. 47, n. 328, p. 89-104, jun. 2022. p. 94.
126| Gabriel Victor Zaparoli de Oliveira - Lucas Raphael de Souza Mano
Pelo que expõem os autores, identificamos mais alguns benefícios no uso dos
precedentes, como o aprimoramento das garantias constitucionais e seu resguardo, bem
como o poder de fiscalização das decisões e de sua qualidade.
Nesse sentido, Fogaça e Fogaça explicam como seguir precedentes pode (e deve)
facilitar as partes compreender a aplicação do direito no caso, através de uma fundamen-
tação linear dentro do ordenamento.
44
VIANA, Aurelio; NUNES, Dierle. Precedentes – a mutação do ônus argumentativo. São Paulo: Forense, 2018.
p. 378.
45
ROSA, Viviane Lemes da; PUGLIESE, William Soares. A advocacia na era dos precedentes vinculantes: uma
análise do contraditório e ampla defesa. Revista da Advocacia Brasileira, São Paulo: RT, ano 2, n. 6, p. 225-
246, jul./set. 2017. p. 235-236.
46
FOGAÇA, Mateus Vargas; FOGAÇA, Marcos Vargas. Sistema de precedentes judiciais obrigatórios e a flexi�-
bilidade no novo Código de Processo Civil. Revista da Faculdade de Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 66, p.
509-533, jul./dez. 2015. p. 529. Disponível em: https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/
view/1726#:~:text=Apresenta%20as%20bases%20da%20flexibilidade%20do%20sistema%20de,preceden-
Entre razões e emoções: motivos para o uso de precedentes no Direito Brasileiro |127
50
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 380.
51
MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da segurança jurídica. In: MARINONI, Luiz Guilherme
(org.). A força dos precedentes. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 220.
52
MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da segurança jurídica. In: MARINONI, Luiz Guilherme
(org.). A força dos precedentes. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 222.
Entre razões e emoções: motivos para o uso de precedentes no Direito Brasileiro |129
Conforme bem aponta Marinoni, a igualdade que é tão resguardada em vários ele-
mentos processuais, como o contraditório e ampla defesa, o acesso à justiça pelas partes
hipossuficientes, paridade de técnica e tratamento, somente pode ser alcançada quando
toda essa igualdade é correlacionada na decisão55.
Ainda, Marinoni identifica que o problema da não isonomia não está apenas no
poder conferido ao juiz de decidir, mas na compreensão da lei e do seu subjetivismo,56 que
é agravado pela compreensão a partir da compreensão da lei a partir da Constituição,57
sendo estritamente necessário a padronização das decisões à partir do uso das técnicas
dos precedentes.58
53
PEREIRA, Paulo Pessoa. Legitimidade dos precedentes: universalidade das decisões do STJ. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2014. p. 69.
54
SARTURI, Cláudia. A teoria dos precedentes judiciais e o novo código de processo civil brasileiro. Publicações
da Escola da AGU, v. 9, n. 2, p. 25-46, jun. 2017. p. 39. Disponível em: https://revistaagu.agu.gov.br/index.
php/EAGU/article/view/1956. Acesso em: 13 ago. 2023.
55
MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da igualdade. In: MARINONI, Luiz Guilherme (org.). A
força dos precedentes. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 228-230.
56
MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da igualdade. In: MARINONI, Luiz Guilherme (org.). A
força dos precedentes. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 234.
57
MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da igualdade. In: MARINONI, Luiz Guilherme (org.). A
força dos precedentes. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 241.
58
MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da igualdade. In: MARINONI, Luiz Guilherme (org.). A
força dos precedentes. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 246-247.
130| Gabriel Victor Zaparoli de Oliveira - Lucas Raphael de Souza Mano
Pugliese trabalha esse conceito, abordando um sentido inverso da ordem dos re-
cursos nos tribunais, onde “para evitar a reforma, o magistrado ou o colegiado deve se-
guir os precedentes estabelecidos pelos tribunais que lhe são superiores”59. E aponta que
“mesmo sem a estrita vinculação hierárquica entre os tribunais, o respeito aos precedentes
é uma prática positiva”60.
Não há racionalidade na decisão ordinária que atribui à lei federal interpretação dis-
tinta da que lhe foi dada pelo órgão jurisdicional incumbido pela Constituição Federal
de uniformizar tal interpretação, zelando pela unidade do direito federal. A irracio-
nalidade é ainda mais disfarçada na decisão que se distancia de decisão anterior,
proferida pelo mesmo órgão jurisdicional em caso similar, ou melhor, em caso que
exigiu a apreciação de questão jurídica que o órgão prolator da decisão já definira61.
3 CONCLUSÃO
Seguir precedentes é mais que um mero gosto ou vontade do magistrado. É uma
determinação de caráter legal e constitucional, que privilegia o resguardo a Constituição e
seus princípios como a isonomia e a segurança jurídica, e mais além, garante ao sistema
uma agilidade e economicidade processual, custo direto ao erário público de um valor que
59
MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da igualdade. In: MARINONI, Luiz Guilherme (org.). A
força dos precedentes. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 50.
60
MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da igualdade. In: MARINONI, Luiz Guilherme (org.). A
força dos precedentes. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 53.
61
MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da igualdade. In: MARINONI, Luiz Guilherme (org.). A
força dos precedentes. Salvador: JusPodivm, 2010, p. 230.
Entre razões e emoções: motivos para o uso de precedentes no Direito Brasileiro |131
pode ser empenhado em outras despesas e políticas públicas de maior relevância para o
desenvolvimento do país.
Com a construção feita no presente trabalho, indicou-se que ainda existem ques-
tões deficitárias no uso de precedentes por parte dos magistrados em amplo sentido. Em
momento algum buscou-se esgotar o assunto, mas trazer uma reflexão sobre o uso e a
aplicação de um sistema de precedentes, que mais que um mero capricho do legislador,
como já exposto, indica a construção de um sistema justo e equânime.
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A RESSIGNIFICAÇÃO DA LEGITIMIDADE
DO ESTADO ADMINISTRATIVO:
UMA TEORIA DA RACIONALIDADE
SUSTENTÁVEL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS1
Resumo
O presente trabalho tem por objetivo desenvolver uma releitura de alguns dos postulados
do Direito Administrativo, estabelecendo um novo paradigma de legitimação do Estado, e
culminando no reconhecimento de um dever do Estado em criar políticas públicas funda-
mentadas na soberania popular e na promoção do desenvolvimento nacional sustentável.
Reforça-se, assim, a necessidade de refrear o autoritarismo estatal remanescente do sé-
culo XIX – pautada na ideia de livre discricionariedade. Reconhecendo o desenvolvimento
e a sustentabilidade como valores fundamentais, parte a presente pesquisa das ideias de
Amartya Sen e de Juarez Freitas, de desenvolvimento sustentável como um processo de
expansão multidimensional de capacidades. Para isso, o presente estudo tem por objetivos
específicos o exame do conceito e a evolução da sociedade civil e o surgimento do Estado
moderno, a partir das teorias liberais burguesas, influenciadas pelo Iluminismo, e a inves-
tigação do problema da legitimidade do Estado reconhecida por Habermas, através da ten-
são entre facticidade e validade. Além disso, o presente artigo ainda tem por objetivo espe-
cífico identificar outros fundamentos da legitimação do Estado Administrativo, através dos
1
Trabalho apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina ‘Administração Pública e
Desenvolvimento Nacional Sustentável: o Direito administrativo e a realização de Direitos Fundamentais”, do
Programa de Mestrado em Direitos Fundamentais e Democracia, Centro Universitário Autônomo do Brasil –
UniBrasil, Professora Dra. Adriana da Costa Ricardo Schier.
2
Mestrando em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil).
Especialista em Direito Tributário Empresarial e Processo Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná
(PUCPR). Advogado. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1528711136619490. E-mail: maxwelldias_8hotmail.com
136| Maxwell Lima Dias
1 INTRODUÇÃO
O Estado administrativo é ilegítimo? Irresponsável? Perigoso? Intolerável? Para os crí-
ticos do Estado Administrativo, o direito público tradicional passara a autorizar um aparato ad-
ministrativo com poderes assustadoramente de longo alcance, o que colocaria em risco a or-
dem privada, a liberdade econômica e produziria políticas irresponsáveis e antidemocráticas3.
3
SUNSTEIN, Cass R; VERMEULE, Adrian. Lei e Leviatã: resgatando o Estado administrativo. Tradução de
Nathalia Penha Cardoso de França. São Paulo: Contracorrente, 2021. p. 18.
4
EPSTEIN, Richard A. How progressives rewrote the Constitution. Washington: Cato Institute, 2006.
5
LOWI, Theodore J. The end of liberalism: the second republic of the United States. Nova York: W. W. Norton, 2009.
6
SUNSTEIN, Cass R; VERMEULE, Adrian. Lei e Leviatã: resgatando o Estado administrativo. Tradução de
Nathalia Penha Cardoso de França. São Paulo: Contracorrente, 2021. p. 17.
A ressignificação da legitimidade do Estado administrativo: uma teoria... |137
através da sua “pedra angular”, o interesse público, buscando uma ressignificação dos
pressupostos legitimadores do Estado.
7
PATEMAN, Carole. O contrato sexual. Tradução de Marta Avancinni. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2020. p. 13.
138| Maxwell Lima Dias
8
O surgimento do Estado moderno é considerado uma resposta às guerras civis que assolaram o continente
europeu, como o movimento reformista liderado por Lutero na Alemanha, que culminou em um conflito com
30 anos de duração - entre 1618 e 1648 - e que cessou com a Paz de Westfália e a afirmação de que o prín-
cipe soberano determinava a confissão de seu povo. Também na França, a Guerra dos Huguenotes assolou o
país entre 1562 e 1598, quando o Rei Henrique IV proclamou o Édito de Nantes, garantindo aos Huguenotes a
tolerância religiosa. Na Inglaterra, a guerra civil foi travada entre os partidários da Monarquia e os adeptos do
sistema parlamentar, entre os anos de 1642 e 1651. Cf.: KRIELE, Martin. Introdução à teoria do Estado – os
fundamentos históricos da legitimidade do Estado Constitucional Democrático. Tradução de Urbano Carvelli.
Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2009. p. 70.
9
O Iluminismo, enquanto movimento intelectual político-filosófico, pregava o fim do absolutismo e do despotis�-
mo instaurado nos governos do Antigo Regime, e cujas ideias fermentaram as Revoluções Liberal-Burguesas
do final dos séculos XVIII e XIX. Dessa forma, o princípio organizador da sociedade moderna deveria ser a bus-
ca da felicidade, e caberia ao governo garantir direitos naturais tais como: a liberdade individual e a propriedade
privada, a tolerância para a expressão de ideias, igualdade perante a lei e a justiça com base na punição dos
delitos. Consideravam os homens iguais e as desigualdades seriam provocadas pelos próprios homens, pela
própria sociedade. Cf.: HOBSBAWM, Eri J. A era das revoluções: Europa 1789-1848. 16. ed. São Paulo: Paz e
Terra, 2002. p. 13.
10
PATEMAN, Carole. O contrato sexual. Tradução de Marta Avancinni. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2020. p. 14.
11
KOSELLECK, Reinhart. Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2009. p. 27.
12
HOBBES, Thomas. Leviatã, ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Tradução de Rosina
D’Angina. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2012. p. 103.
13
SPENGLER, Fabiana M. O pluriverso conflitivo e seus reflexos na formação consensuada do Estado. Revista de
Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 22, n. 2, p. 182-209, maio/ago. 2017. Disponível em: https://
revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/835. Acesso em: 13 ago. 2023.
A ressignificação da legitimidade do Estado administrativo: uma teoria... |139
14
FLEINER-GERSTER, Thomas. Teoria geral do Estado. Tradução de Marlene Holzhausen. São Paulo: Martins
Fontes, 2006. p. 75.
15
O Estado de Direito é entendido como um projeto político, um modelo de organização social que, pautado
no mundo das normas jurídicas, impõe limites jurídicos ao livre exercício da soberania. Sobrepuja o poder
à legalidade. Nesse modelo, há a supremacia da lei, a qual é produto da formulação da vontade geral, e que
propõe-se ser geral e abstrata, para que todos os homens sejam tratados sem casuísmos, embargando-se,
desastre, perseguições e favoritismos. Assim, o Direito Administrativo, como ferramenta de controle do poder
estatal e de defesa do cidadão contra eventuais abusos por parte do Estado, nasce da própria constituição /
configuração do Estado de Direito. Cf.: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.
32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 45-50.
16
ZOLO, Danilo. Teoria e crítica do Estado de Direito. In: COSTA, Pietro; ZOLO, Danilo. O Estado de Direito: histó-
ria, teoria e crítica. Tradução de Carlo Alberto Dastoli. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 3-94.
17
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,
2008. p. 263-267.
18
Os vestígios desse antagonismo não foram (inteiramente) apagados nem mesmo por Kant ou Rousseau,
embora neles a racionalidade da estrutura normativa, reforçada pela ideia de autonomia e liberdade, já ensaie
(ainda que de forma modesta e comedida) um esboço de democracia e soberania popular. No entanto, as
ideias reformistas de Kant ainda demonstram uma continuidade da ideia de rigidez e impenetrabilidade do
núcleo político-decisório da comunidade. Cf.: HABERMAS, Jürgen. Facticidade e validade: contribuições para
uma teoria discursiva do direito e da democracia. Tradução de Felipe Gonçalves Silva e Rúrion Melo. 1. ed. São
Paulo: Editora Unesp, 2020. p. 371.
140| Maxwell Lima Dias
19
Quando Habermas fala em justificação, ele refere-se às condições formais de aceitabilidade de razões que
emprestam eficácia às legitimações do Estado e da administração pública. HABERMAS, Jürgen. Para a recons-
trução do materialismo histórico. Tradução de Rúrion Melo. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2016. p. 390-393.
20
HABERMAS, Jürgen. Facticidade e validade: contribuições para uma teoria discursiva do direito e da democra-
cia. Tradução de Felipe Gonçalves Silva e Rúrion Melo. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2020. p. 371.
21
HABERMAS, Jürgen. Para a reconstrução do materialismo histórico. Tradução de Rúrion Melo. 1. ed. São
Paulo: Editora Unesp, 2016. p. 392-393.
22
HABERMAS, Jürgen. Facticidade e validade: contribuições para uma teoria discursiva do direito e da democra-
cia. Tradução de Felipe Gonçalves Silva e Rúrion Melo. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2020. p. 371-372.
23
HABERMAS, Jürgen. Para a reconstrução do materialismo histórico. Tradução de Rúrion Melo. 1. ed. São
Paulo: Editora Unesp, 2016. p. 420.
A ressignificação da legitimidade do Estado administrativo: uma teoria... |141
A crítica que faz o filósofo ao movimento liberal diz respeito à certeza irrefutável di-
fundida de que as alternativas abertas pelo próprio desenvolvimento capitalista poderia ainda
hoje ser legitimada (de maneira tão convincente), como propôs Hobbes em sua época25.
24
HABERMAS, Jürgen. Para a reconstrução do materialismo histórico. Tradução de Rúrion Melo. 1. ed. São
Paulo: Editora Unesp, 2016. p. 393.
25
HABERMAS, Jürgen. Para a reconstrução do materialismo histórico. Tradução de Rúrion Melo. 1. ed. São
Paulo: Editora Unesp, 2016. p.393-394.
26
Segundo Weber, o Estado Moderno Ocidental, ou o Estado racional, como ele chamava, consiste em uma
estrutura ou o agrupamento político que reivindica, com êxito, o monopólio do constrangimento físico legítimo.
Weber salienta que um Estado eficiente está baseado em uma rígida burocracia, decorrente do elevado grau
de racionalidade que permeia esse órgão central. Racionalidade essa que permeou o agir da burocracia estatal
moderna e possibilitou os mecanismos necessários para o desenvolvimento capitalista. Cf: ARENDT, Hannah.
Poder e violência. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. p. 81-94; KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e
do Estado. Tradução de Luís Carlos Borges. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 264-275; RIBEIRO,
Douglas Carvalho. Nascimento e queda do Leviatã: da congruência entre Estado moderno, crise e democracia.
Revista do CAAP, Belo Horizonte, n. 2, v. XIX, p. 85-102, 2013.
27
BANNWART JUNIOR, Clodomiro José; TESCARO JUNIOR, João Evanir. Jürgen Habermas: teoria crítica e de�-
mocracia deliberativa. Revista Confluências, Niterói, v. 12, n. 2, p. 129-156, out. 2012. Disponível em: https://
periodicos.uff.br/confluencias/article/view/34337/19738. Acesso em: 13 ago. 2023.
28
HABERMAS, Jürgen. Facticidade e validade: contribuições para uma teoria discursiva do direito e da democra-
cia. Tradução de Felipe Gonçalves Silva e Rúrion Melo. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2020. p. 203-224.
142| Maxwell Lima Dias
gação da vontade geral, das leis e da soberania popular faz surgir o Estado Democrático
de Direito.
Vê-se, pois, que por se tratar de uma constituição democrática, não há sentido
algum delimitar o interesse público, ou o bem comum, às liberdades individuais, conforme
defendido pelo liberalismo burguês, ou pelo libertarianismo. A tradição do direito adminis-
trativo brasileiro deve, portanto, readequar o conceito de interesse público ao novo para-
digma instaurado em nossa ordem política, jurídica e social.
29
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolsan de. Ciência política e teoria do estado. 8. ed. rev. e atual. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 98-99.
30
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolsan de. Ciência política e teoria do estado. 8. ed. rev. e atual. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 100.
31
Ao trazermos essa ideia de Amartya Sen, da importância da condição de agentes dos indivíduos, é importante,
salientar de que tal pensamento não se baseia na premissa neoliberal de um Estado Subsidiário, em que se
relega à iniciativa privada a incumbência de desenvolver atividades de cunho social. Pelo contrário, partimos
do pressuposto de um Estado responsável pela garantia e proteção de todos os direitos fundamentais, inclusive
a partir de políticas públicas efetivas. Cf. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura
Teixeira Motta. Revisão Técnica de Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 25-26;
HACHEM, Daniel Wunder. A noção constitucional de desenvolvimento para além do viés econômico – refle-
xos sobre algumas tendências do Direito Público brasileiro. Revista de Direito Administrativo & Constitucional,
Belo Horizonte: Fórum, ano 13, n. 53, p 133-168, jul./set. 2013. p. 135. Disponível em: https://www.revistaaec.
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Fomento: administração pública, direitos fundamentais e desenvolvimento. Curitiba: Íthala, 2019. p. 45.
A ressignificação da legitimidade do Estado administrativo: uma teoria... |143
Durante a Idade Média, o bem comum foi identificado por São Tomás de Aquino
como sendo “tudo aquilo que o homem deseja, seja de que natureza for: bem material,
moral, espiritual, intelectual. Mas, sendo o homem um ser social, ele procura não só o seu
próprio bem, mas também aquele do grupo a que pertence. Cada grupo tem o seu próprio
bem comum”34. Assim, o homem, na qualidade de ser racional, torna-se o único dentre
todos os seres naturais dotado do poder de alcançar o bonum commune perfectum, que é
a felicidade ou beatitude. Porém, a verdadeira felicidade somente seria possível ao homem
que alcançar o bem comum por essência, que é Deus35.
32
PEREIRA, Américo. Da ontologia da “polis” em Platão. Covilhã: LusoSofia – Biblioteca Online de Filosofia e
Cultura, 2011. p. 03-102. Disponível em: http://www.lusosofia.net/textos/pereira_americo_ontologia_da_po-
lis_em_platao.pdf. Acesso em: 02 fev. 2022.
33
CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. Sobre a noção de bem comum no pensamento político ocidental: en�-
tre becos e encruzilhadas da dimensão ancestral do moderno conceito de interesse público. Revista de
Investigações Constitucionais, Curitiba, v. 6, n. 1, p. 107-134, jan./abr. 2019. Disponível em: https://www.
scielo.br/j/rinc/a/P6SykqXCqzPN9DYRQvbDyyq/?format=pdf. Acesso em: 13 ago. 2023.
34
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O princípio da supremacia do interesse público: sobrevivência diante dos ide�-
ais do neoliberalismo. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; RIBEIRO, Carlos Vinícius Alves (org.). Supremacia
do interesse público e outros temas relevantes do direito administrativo. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 86.
35
CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. Sobre a noção de bem comum no pensamento político ocidental: en�-
tre becos e encruzilhadas da dimensão ancestral do moderno conceito de interesse público. Revista de
Investigações Constitucionais, Curitiba, v. 6, n. 1, p. 107-134, jan./abr. 2019. Disponível em: https://www.
scielo.br/j/rinc/a/P6SykqXCqzPN9DYRQvbDyyq/?format=pdf. Acesso em: 13 ago. 2023.
144| Maxwell Lima Dias
público a partir de uma concepção individualista e liberal, colocando como princípios ba-
silares a defesa da propriedade privada e da liberdade natural dos homens, sendo que o
objetivo da sociedade civil e do Estado é assegurar e garantir o exercício destas liberdades
individuais, desviando os olhares da solidariedade social.
Essa definição trazida por Celso Antônio Bandeira de Mello, de que o interesse
público consiste em um interesse dos vários membros do corpo social, e não apenas o
interesse de um “todo abstrato”, concebido em apartado dos interesses de cada membro –
uma faceta coletiva dos interesses individuais38 –, é de suma importância para se entender
os limites da legitimidade do Estado.
Vem tal definição a desmantelar a falsa desvinculação absoluta entre uns e outros,
advertir acerca da falsa inferência de que, sendo os interesses públicos interesses do Estado,
todo e qualquer interesse do Estado (e demais pessoas do Direito Público) seria a priori um
interesse público, sujeito ao princípio da supremacia do interesse público sobre o privado.
É que, além de subjetivar estes interesses, o Estado, tal como os demais particu-
lares, é, também ele, uma pessoa jurídica, que, pois, existe e convive no universo
jurídico em concorrência com todos os demais sujeitos de direito. Assim, indepen-
dentemente do fato de ser, por definição, encarregado dos interesses públicos, o
Estado pode ter, tanto quanto as demais pessoas, interesses que lhes são particu-
lares, individuais, e que, tal como os interesses delas, concebidas em suas meras
individualidades, se encarnam no Estado enquanto pessoa. Estes últimos não são
interesses públicos, mas interesses individuais do Estado, similares, pois (sob pris-
ma extrajurídico), aos interesses de qualquer outro sujeito39.
36
SANTOS, Luasses Gonçalves. O interesse público sob a crítica da teoria crítica. 1. ed. São Paulo:
Contracorrente, 2021. p. 33.
37
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 62.
38
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p.
62-63.
39
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 66.
A ressignificação da legitimidade do Estado administrativo: uma teoria... |145
forte influência da doutrina estrangeira, no entanto, foi graças à doutrina de Celso Antônio
Bandeira de Mello, que a noção de interesse público - bem como a ideia de sua indisponi-
bilidade e da sua supremacia em face dos interesses egoísticos particulares - fora introdu-
zida na ordem jurídico-política brasileira40.
Otimista, Celso Antônio refuta a visão autoritária, a qual chama o jurista de ‘impres-
são fluida’, de que o “poder” seja o núcleo aglutinante do Direito Administrativo, i.e., a ideia
de que o Direito Administrativo constitui o ramo criado “em favor do poder, a fim de que ele
possa vergar os administrados”41. Contrariamente a esta corrente, o jurista adverte que o
Direito Administrativo consiste, na verdade, em um ramo do Direito que surge para regular
a conduta do Estado e proteger os cidadãos contra o exercício indevido do poder estatal42.
Conforme análise crítica (muito bem atenciosa e oportuna) tecida por Luasses44
ao Direito Administrativo brasileiro tradicional, o próprio Celso Antônio reconhece que as
bases ideológicas do Direito Administrativo brasileiro são aquelas resultantes das fontes
inspiradoras do Estado (liberal) de Direito, e neste “se estampa a confluência de duas
vertentes de pensamento: a de Rousseau e a de Montesquieu”45.
40
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe; HACHEM, Daniel Wunder. Direito administrativo e interesse público: estudos
em homenagem ao professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 15.
41
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p.
43-44.
42
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p.
47-48.
43
SANTOS, Luasses Gonçalves. O interesse público sob a crítica da teoria crítica. 1. ed. São Paulo:
Contracorrente, 2021. p. 33.
44
SANTOS, Luasses Gonçalves. O interesse público sob a crítica da teoria crítica. 1. ed. São Paulo:
Contracorrente, 2021. p. 35.
45
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 48.
146| Maxwell Lima Dias
Essa base ideológica atribuída ao Direito Administrativo por Celso Antônio é funda-
mentada em clássicas premissas filosóficas modernas”(i) a igualdade formal e a te-
oria do contrato social, defendidos por Rousseau; e (ii) a separação de poderes, de
Montesquieu. Assim o modelo de Estado de Direito reflete um esquema de controle do
Poder, atingindo o Estado e, consequentemente, quem maneja o controle estatal [...]46.
46
SANTOS, Luasses Gonçalves. O interesse público sob a crítica da teoria crítica. 1. ed. São Paulo:
Contracorrente, 2021. p. 36.
47
SANTOS, Luasses Gonçalves. O interesse público sob a crítica da teoria crítica. 1. ed. São Paulo:
Contracorrente, 2021. p. 322.
48
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p.
44-47.
A ressignificação da legitimidade do Estado administrativo: uma teoria... |147
Para Duguit, o Direito Administrativo deveria ter por fundamento não mais o po-
der estatal conferido pelos administrados, mas sim o serviços públicos49 prestados pelo
Estado à coletividade, por serem indispensáveis à coexistência social. Note-se que a altera-
ção do paradigma político proposta por Duguit correspondia a uma substituição do ‘poder’
por um ‘dever’ do Estado50, cuja legitimidade passaria a depender da efetiva prestação de
serviços à coletividade.
A partir do que fora exposto até então, o Estado Democrático de Direito, reconhe-
cidamente uma pessoa dotada de autoridade, encontra no Direito Administrativo, os seus
limites de ação, e a sua razão de ser seria justificada a priori por um trinômio poder-demo-
cracia-servidão. Ou seja, o exercício do poder pelo Estado somente seria legítimo, quando
decorrente da participação direta e efetiva do povo – dotado de poder comunicativo – e
para a prestação de serviços públicos à toda comunidade e seus membros.
49
Entende-se por serviço público, em Duguit, “toda atividade cujo cumprimento é assegurado, regulado e con�-
trolado pelos governantes, por ser indispensável à realização da interdependência social, e de tal natureza
que não pode ser assumida senão pela intervenção da força governante”. Cf.: DUGUIT, León. Traité de droit
constitutionnel. 2. ed. v. II. Paris: Fontemoing, 1923. p. 55.
50
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 45.
51
SANTOS, Luasses Gonçalves. O interesse público sob a crítica da teoria crítica. 1. ed. São Paulo:
Contracorrente, 2021. p. 46-47.
52
HABERMAS, Jürgen. Facticidade e validade: contribuições para uma teoria discursiva do direito e da democra-
cia. Tradução de Felipe Gonçalves Silva e Rúrion Melo. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2020.
148| Maxwell Lima Dias
administrador público ensejaria a dispensa do cotejo com a eficácia direta e imediata dos
direitos fundamentais53. É o que aponta, nesse sentido, Juarez Freitas:
53
FREITAS, Juarez. As políticas públicas e o direito fundamental à boa administração. Revista Nomos, v. 35, n. 1,
p. 195-217, jan./jun. 2015. Disponível em: https://repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/21688/1/2015_art_jfrei-
tas.pdf. Acesso em: 13 ago. 2023.
54
FREITAS, Juarez. As políticas públicas e o direito fundamental à boa administração. Revista Nomos, v. 35, n. 1,
p. 195-217, jan./jun. 2015. Disponível em: https://repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/21688/1/2015_art_jfrei-
tas.pdf. Acesso em: 13 ago. 2023.
55
Lowi defende que a grande expansão do governo, na década de 1960, nos EUA, se deu em razão do sistema
político ter sucumbido aos interesses dos grupos organizados da sociedade, que foram capazes de impor seus
pontos de vista ao governo. O governo, por sua vez, assumiu a responsabilidade dos programas defendidos
por esses grupos e criou grandes repartições para levá-los a cabo. Tais repartições, segundo Lowi, assumiram
um poder discricionário de peso totalmente desproporcional, embora tenham sido capazes de justificar seu
poder alegando que representavam a vontade popular. Tal situação solapa a formalidade e o rumo necessários
ao planejamento efetivo da política pública; Ela exige o desenvolvimento de uma democracia muito mais lega-
lista ou jurídica. Cf.: DENHARDT, Robert B.; CATLAW, Thomas J. Teoria da administração pública. Tradução de
Noveritis do Brasil. 2. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2017. p. 201.
56
FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: um novo paradigma. Revista Novos Estudos Jurídicos, Itajaí, v. 23, n. 3, p.
940-963, set./dez. 2018.
A ressignificação da legitimidade do Estado administrativo: uma teoria... |149
Dada a proximidade do seu conteúdo material com a teoria de Juarez Freitas, con-
vém relacionar a ideia de desenvolvimento sustentável com aquela elaborada por Amartya
Sen, para quem o desenvolvimento consiste em “um processo de expansão das liberdades
reais que as pessoas desfrutam”59.
Para Sen, o aumento de rendas pessoais, a industrialização e a modernização
tecnológica e social, são, com certeza, importantes meios de expansão das liberdades
desfrutadas pelos membros da sociedade. No entanto, a expansão das liberdades depende
também de outros fatores, tão relevantes quanto aqueles, tais como as disposições sociais
e culturais, bem como a participação política60.
57
BITENCOURT, Caroline Müller. Controle jurisdicional de políticas públicas. Porto Alegre: Núria Fabris, 2012. p. 220.
58
FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 50.
59
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. Revisão Técnica de
Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 16.
60
Distingue o autor entre duas visões distintas a respeito do processo de desenvolvimento: (a) uma visão considera
o desenvolvimento como um processo ‘feroz’, a ser conquistado com muito ‘sangue, suor e lágrimas’, e que
requer que sejam, negligenciadas várias preocupações vistas como ‘frouxas’, como a existência de redes de
segurança social para proteger os mais pobres, o fornecimento de serviços sociais para a população, a garantia
aos direitos políticos e civis e, até, o ‘luxo’ da democracia. Tais preocupações, a partir dessa atitude agressiva,
150| Maxwell Lima Dias
Nesse sentido, sustenta Amartya Sen, que, em muitos casos, a pobreza econômica
que assola grande parte dos indivíduos de uma nação está relacionada, diretamente, à ausên-
cia de liberdades substantivas, como a liberdade de saciar a fome, o acesso a água potável,
acesso a tratamentos de saúde, saneamento básico, oportunidades sociais e políticas, aces-
so ao Mercado, bem como à carência de serviços e políticas públicas, assistência social61.
Cumpre ressaltar, assim, que a teoria desenvolvida por Amartya Sen, da qual, jun-
tamente com a teoria defendida por Juarez Freitas, utilizamos de referência no presente
trabalho, parte da visão “amigável” e “sustentável” de desenvolvimento, de modo que o
desenvolvimento é resultado de uma comunhão dos fatores econômicos, sociais, culturais
e políticos de uma sociedade (liberdades substanciais), fatores esses que, quando positi-
vos, geram uma expansão da liberdade dos indivíduos62.
A privação da liberdade, por outro lado, é decorrente de fatores negativos, como
pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática,
negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados re-
pressivos, os quais impedem o desenvolvimento nacional. Um povo privado de liberdades
é um povo não desenvolvido. Um povo privado de liberdades é um povo não desenvolvido.
A partir, então, dessa perspectiva dupla de Desenvolvimento e Sustentabilidade –
ou melhor, Desenvolvimento Sustentável –, tanto mais será desenvolvida uma sociedade,
quanto mais os seus indivíduos gozarem de liberdade para agir no mundo, escolhendo a
vida que valorizem.
Trata-se de teoria altamente complexa63, onde a conexão entre desenvolvimento
e Liberdade não é linear: não consiste em uma mera relação de causalidade, onde a exis-
tência de um é consequência do outro. A expansão da liberdade é, a um só tempo, o fim
poderiam vir a ser solucionadas posteriormente, quando o processo de desenvolvimento já houver produzido
frutos suficientes; e (b) a segunda visão, considera o desenvolvimento como um processo “amigável”, cuja
aprazibilidade se baseia em trocas mutuamente benéficas, pela atuação de redes de segurança social, liberdades
políticas, oportunidades sociais, de tal sorte que, a expansão destas liberdades, por si só, acarretariam em um
crescimento econômico. Cf.: SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta.
Revisão Técnica de Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 16-17.
61
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. Revisão Técnica de
Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 17.
62
A correlação entre essas liberdades substanciais é tão intrínseca, que a promoção ou privação de qualquer
uma delas, gera reflexo, positivo ou negativo, nas demais. Exemplificando, a privação de liberdade econômica
pode gerar a privação de liberdade social, assim como a privação de liberdade social ou política pode, igual-
mente, gerar a privação de liberdade econômica.
63
FOLLONI, André. A complexidade ideológica, jurídica e política do desenvolvimento sustentável e a necessi�-
dade de compreensão interdisciplinar do problema. Revista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, n. 1, p.
63-91, jan./jun. 2014. p. 72.
A ressignificação da legitimidade do Estado administrativo: uma teoria... |151
64
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. Revisão Técnica de
Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 55.
65
Importante destacar que a palavra “meio” utilizada para se referir a pessoas livres e titulares de direitos, tem por
objetivo apenas demonstrar que tais qualidades pessoais (livres e titulares de direitos) são condições essenciais
para a expansão do desenvolvimento. Nesse sentido, reforçamos a ideia de Kant, para quem a dignidade consiste
em valor intrínseco à existência humana, de modo que “o homem – e, de uma maneira geral, todo o ser racional
– existe como fim em si mesmo, e não apenas como meio para uso arbitrário desta ou daquela vontade. Em
todas as suas ações, pelo contrário, tanto nas direcionadas a ele mesmo como nas que o são a outros seres
racionais, deve ser ele sempre considerado simultaneamente como fim” (KANT, Immanuel. Fundamentação da
metafísica dos costumes e outros escritos. Tradução de Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2004. p.
52). Ora, o ideal seniano, de desenvolvimento como liberdade, preconiza, justamente, que um povo livre é um
povo desenvolvido, e que o desenvolvimento tem por finalidade a realização material da liberdade dos indivíduos.
66
FOLLONI, André. A complexidade ideológica, jurídica e política do desenvolvimento sustentável e a necessi�-
dade de compreensão interdisciplinar do problema. Revista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, n. 1, p.
63-91, jan./jun. 2014. p. 82.
67
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. Revisão Técnica de
Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 56.
68
GABARDO, Emerson. A felicidade como fundamento teórico do desenvolvimento em um Estado Social. Revista
Digital de Direito Administrativo, v. 5, n. 1, p. 99-141, 2018. p. 105. Disponível em: https://www.revistas.usp.
br/rdda/article/view/136849/137642. Acesso em: 13 ago. 2023.
69
Importante salientar as variações semânticas decorrentes da expressão Liberdade, decorrente, inevitavelmente, da
tradução para o português, da obra Desenvolvimento como Liberdade. Em sua obra original, cujo idioma é o inglês,
o autor engloba as chamadas liberdades substantivas (freedoms), que são as capacidades básicas do indivíduo,
como as condições para se evitar carências como a fome, a subnutrição e a morte prematura, e as liberdades rela-
cionadas com as aptidões como ler, expressar-se, fazer cálculos e participar da política. Portanto, o termo liberdade
em sua obra adquire conotação extremamente ampla, não se limitando (embora incluindo) às liberdades formais
(liberties), comumente relacionadas aos direitos dos indivíduos de não sofrerem intervenções restritivas ao exer-
cício dos seus direitos e faculdades legais (HACHEM, Daniel Wunder. A noção constitucional de desenvolvimento
para além do viés econômico – reflexos sobre algumas tendências do Direito Público brasileiro. Revista de Direito
Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte: Fórum, ano 13, n. 53, p 133-168, jul./set. 2013. p. 158. Disponível
em: https://www.revistaaec.com/index.php/revistaaec/article/view/126/289. Acesso em: 10 ago. 2023).
152| Maxwell Lima Dias
70
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. Revisão Técnica de
Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 25-26.
71
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na
perspectiva constitucional. 13. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2021. p. 164.
72
HACHEM, Daniel Wunder. A noção constitucional de desenvolvimento para além do viés econômico – reflexos
sobre algumas tendências do Direito Público brasileiro. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo
Horizonte: Fórum, ano 13, n. 53, p 133-168, jul./set. 2013. p. 158. Disponível em: https://www.revistaaec.
com/index.php/revistaaec/article/view/126/289. Acesso em: 10 ago. 2023.
73
RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento: antecedentes, significados e conseqüências. Rio de
Janeiro: Renovar, 2007. p. 130.
74
HACHEM, Daniel Wunder. A noção constitucional de desenvolvimento para além do viés econômico – reflexos
sobre algumas tendências do Direito Público brasileiro. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo
Horizonte: Fórum, ano 13, n. 53, p 133-168, jul./set. 2013. p. 159. Disponível em: https://www.revistaaec.
com/index.php/revistaaec/article/view/126/289. Acesso em: 10 ago. 2023.
75
SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento: administração pública, direitos fundamentais e desenvolvimento.
Curitiba: Íthala, 2019. p. 26.
A ressignificação da legitimidade do Estado administrativo: uma teoria... |153
76
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. Revisão Técnica de
Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 68.
77
SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento: administração pública, direitos fundamentais e desenvolvimento.
Curitiba: Íthala, 2019. p. 26.
78
GABARDO, Emerson. A felicidade como fundamento teórico do desenvolvimento em um Estado Social. Revista
Digital de Direito Administrativo, v. 5, n. 1, p. 99-141, 2018. p. 105. Disponível em: https://www.revistas.usp.
br/rdda/article/view/136849/137642. Acesso em: 13 ago. 2023.
79
HACHEM, Daniel Wunder. A noção constitucional de desenvolvimento para além do viés econômico – reflexos
sobre algumas tendências do Direito Público brasileiro. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo
Horizonte: Fórum, ano 13, n. 53, p 133-168, jul./set. 2013. p. 159. Disponível em: https://www.revistaaec.
com/index.php/revistaaec/article/view/126/289. Acesso em: 10 ago. 2023.
80
SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento: administração pública, direitos fundamentais e desenvolvimento.
Curitiba: Íthala, 2019. p. 20.
81
SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento: administração pública, direitos fundamentais e desenvolvimento.
Curitiba: Íthala, 2019. p. 21.
82
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. Revisão Técnica de
Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 191.
154| Maxwell Lima Dias
83
FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 5. ed. São Paulo:
Malheiros, 2013. p. 128.
84
SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento: administração pública, direitos fundamentais e desenvolvimento.
Curitiba: Íthala, 2019. p. 77.
85
Essas liberdades aumentam diretamente as capacidades dos indivíduos, mas também suplementam-se mutua�-
mente e podem, além disso, reforçar umas às outras. Por exemplo: o maior investimento em políticas públicas
voltadas à educação efetiva dos indivíduos leva a uma maior qualificação da mão-de-obra, que, por consequência
gera um maior acesso ao Mercado e melhores condições financeiras, bem como uma maior consciência política
nas decisões públicas. Outro relevante exemplo, é aquele trazido por Sen, de que há comprovações empíricas de
que a maior qualidade da educação, sobretudo das mulheres, gera uma maior redução das taxas de fecundidade.
“Taxas de fecundidade elevadas podem ser consideradas, com grande justiça, prejudiciais à qualidade de vida,
especialmente das mulheres jovens, pois gerar e criar filhos recorrentemente pode ser muito danoso para o bem-
-estar e a liberdade da jovem mãe” (SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira
Motta. Revisão Técnica de Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 58-62).
86
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. Revisão Técnica de
Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 58-62.
A ressignificação da legitimidade do Estado administrativo: uma teoria... |155
87
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. Revisão Técnica de
Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 170-192.
88
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. Revisão Técnica de
Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 191.
89
ABERS, Rebecca; KECK, Margaret. Practical authority: agency and institutional change in Brazilian water poli-
tics. Nova Iorque: Oxford University Press, 2013.
90
PIRES, Roberto Rocha C. Desenvolvimentismo e inclusão política: tensões ou sinergias na implementação de gran�-
des projetos de infraestrutura? Revista Interseções, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 109-135, jun. 2015. Disponível em:
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/intersecoes/article/view/18050/13434. Acesso em: 13 ago. 2023.
156| Maxwell Lima Dias
A tônica não é o controle do poder (ainda que isso seja importante, de forma reno-
vada), mas examinar, a partir de categorias jurídicas fundamentais, como se forma e
se exerce o poder político. Também não estão em questão a necessidade de aprimo-
ramento da gestão pública, a profissionalização da burocracia e o aperfeiçoamento
dos mecanismos de impessoalidade, nem a urgência do ajustamento da represen-
tação parlamentar, eliminando-se as distorções eleitorais existentes. Esses são
consensos estabelecidos. Considerando o momento particular da história brasileira,
trata-se do fortalecimento da democracia e da valorização do Estado, com a “re-
descoberta” da gestão, fortemente permeada pela comunicação social. [...] Numa
sociedade em desenvolvimento, a inovação governamental depende não apenas de
inovações, propriamente ditas, mas, em grande medida, da conjugação dessas com
melhorias incrementais, cujos resultados criem condições de legitimação social e,
com isso, permanência e realimentação positiva do processo94.
91
LIJPHART, Arend. Patterns of democracy. Government forms and performance in thirty-six democracies. New
Haven: Yale University Press, 1999. p. 260.
92
BUCCI, Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma teoria jurídica das políticas públicas. São Paulo: Saraiva,
2013. p. 23-25.
93
BUCCI, Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma teoria jurídica das políticas públicas. São Paulo: Saraiva,
2013. p. 23-25.
94
BUCCI, Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma teoria jurídica das políticas públicas. São Paulo: Saraiva,
2013. p. 23-25.
A ressignificação da legitimidade do Estado administrativo: uma teoria... |157
5 CONCLUSÃO
O Estado moderno fora concebido, na teoria liberal burguesa, a partir de um pacto
social firmado entre os indivíduos de uma sociedade, em que dispõem de parte de sua
liberdade plena, natural, para, em troca, terem assegurados pelo Estado – agora detentor
do poder soberano – o seu direito à vida, a sua liberdade civil, seu direito à propriedade
privada e à igualdade perante a lei.
Assim, a legitimidade das leis e do exercício do poder pelo soberano em face dos
seus súditos se justificava pela proteção ao bem comum, à vontade geral. Dessa noção de
bem comum, surgiu a ideia de interesse público e o Direito Administrativo, com objetivo de
regular e impor controles ao exercício do poder estatal.
A partir de então, e até os dias atuais, é possível identificar que o direito administra-
tivo brasileiro tradicional – decorrente de um projeto moderno capitalista – reveste-se (ain-
da) de uma ideologia liberal clássica, fundamentado na supremacia do interesse público e
voltado à garantia de liberdades individuais mínimas.
Acontece que tal aparato jurídico-político mínimo não tem se mostrado suficiente a
embasar um direito administrativo eficaz à proteção de abusos de poder pelo soberano. Na ver-
dade, pelo contrário, ajuda a perpetuar a ideia de subsidiariedade do Estado e da discricionarie-
dade do seu a agir na realização de políticas públicas desvinculada dos direitos fundamentais.
Dessa forma, demonstrou-se a ascensão de um projeto pós-moderno do Estado
Democrático de Direito reconhecido em diversas constituições do mundo, a partir do ideário
da democracia deliberativa como fator legitimador da soberania. Além disso, a partir da teoria
do discurso de Habermas, buscou-se demonstrar a coexistência de mais de um fundamento
para a legitimação do Estado, como o interesse público, a democracia e os serviços públicos.
O ponto de especial importância para o presente estudo do Estado Administrativo
recai sobre a inclusão do Desenvolvimento e da Sustentabilidade – valores fundamentais
intrínsecos entre si – ao lado daqueles outros valores (também fundamentais) já referidos,
como fundamentos de legitimidade do Estado Democrático de Direito. Desse modo, procu-
rou-se criar um paradigma de racionalidade sustentável das políticas públicas, resultando
na seguinte conclusão: São legítimas, tão somente, aquelas políticas públicas exercidas
pelo Estado, a partir de uma participação direta e efetiva dos cidadãos na tomada de deci-
95
FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: um novo paradigma. Revista Novos Estudos Jurídicos, Itajaí, v. 23, n. 3, p.
940-963, set./dez. 2018.
158| Maxwell Lima Dias
são e na eleição da agenda da respectiva política, e desde que tenha por objetivo expresso
a promoção do desenvolvimento sustentável da comunidade.
Em síntese, o interesse público, a democracia, os serviços públicos, o desenvolvi-
mento e a sustentabilidade são valores fundamentais que demandam a proteção do Direito
Administrativo reconfigurado, e cuja promoção passa a ser o objetivo e a razão de ser do Estado.
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PLURALISMO JURÍDICO E
DEMOCRACIA DELIBERATIVA:
UMA NOVA RACIONALIDADE PARA O
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO A
PARTIR DA TEORIA DISCURSIVA
DE HABERMAS1
Resumo
O presente artigo tem por objetivo investigar, a partir da teoria discursiva de Jürgen
Habermas, a possibilidade da incorporação do pluralismo jurídico como condição da de-
mocracia deliberativa, na tarefa de legitimação do Estado Constitucional Democrático de
Direito. Em sua teoria do discurso, Habermas denuncia a crise de um Estado Moderno em
ruínas, ante a falência dos pressupostos de legitimidade de um poder estatal – detentor do
monopólio da violência – em sociedades pluralistas caracterizadas pelas desigualdades. E
a partir disso, estabelece um novo paradigma de racionalização do Estado Democrático de
Direito, através do exercício do poder comunicativo dos concernidos na formação da opi-
nião pública. Mas seria o poder comunicativo suficiente para garantir uma democracia deli-
berativa plena, formada por sujeitos livres, iguais, conscientes e motivados? Assim, diante
1
Trabalho apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina ‘Estado Constitucional e Direitos
Fundamentais”, do Programa de Mestrado em Direitos Fundamentais e Democracia, Centro Universitário
Autônomo do Brasil (UniBrasil), Professor Dr. Marcos Augusto Maliska.
2
Mestrando em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil).
Especialista em Direito Tributário Empresarial e Processo Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná
(PUCPR). Advogado. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1528711136619490. E-mail: maxwelldias_8hotmail.com
162| Maxwell Lima Dias
1 INTRODUÇÃO
O direito, na Modernidade, passou por um processo intenso de racionalização, que
tinha por objetivo tornar a atividade jurídica mais eficiente e legitimá-lo através do princípio
da liberdade e da igualdade (igualdade formal em um primeiro momento, e igualdade ma-
terial após a crítica socialista), sem os antigos privilégios ostentados pela nobreza antes da
Revolução Francesa. Tanto este acontecimento revolucionário quanto as transformações
tecnológicas decorrentes da Revolução Industrial foram responsáveis pela formação de um
modelo jurídico moderno: o Estado de Direito, cujo paradigma, segundo Max Weber, é repre-
sentado pelo monopólio da violência e pela presença de uma estrutura estatal burocrática.
Todo esse debate torna-se ainda mais relevante se colocada sob o enfoque do
princípio democrático. Para Habermas, diante do desenvolvimento pluralista das socieda-
Pluralismo jurídico e democracia deliberativa: uma nova racionalidade... |163
des, o Estado de Direito já não poderia retirar a sua legitimidade a partir dos pressupostos
liberais da modernidade. A racionalidade desse Estado dependeria, então, de um processo
legislativo em que, através de um procedimento democrático, decorra de um consenso em
torno de sua obrigatoriedade, diante de uma esfera pública apta a produzir e garantir o agir
comunicativo. Sendo assim, para Habermas, somente por meio da comunicação é que se
torna possível estabelecer o entendimento racionalmente desenvolvido entre os indivíduos,
coordenando suas ações. Desse modo, entende que a legitimidade normativa está fulcrada
na teoria do agir comunicativo.3
3
ANDRADE, Marcella Coelho. Legitimidade do Direito e participação política: um olhar sob a perspectiva da
democracia. In: JORNADA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS DA UFJF, 6., 2020, Juiz de Fora. Anais [...]. Juiz de Fora:
UFJF, 2020. p. 21/911-43/ 933.
164| Maxwell Lima Dias
públicas mediante a soberania popular e o pluralismo jurídico. Por fim, no quarto tópico
traremos as nossas considerações finais.
4
PATEMAN, Carole. O contrato sexual. Tradução de Marta Avancinni. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2020. p. 13.
5
O Iluminismo, enquanto movimento intelectual político-filosófico, pregava o fim do absolutismo e do despotis�-
mo instaurado nos governos do Antigo Regime, e cujas ideias fermentaram as Revoluções Liberal-Burguesas
do final dos séculos XVIII e XIX. Cf.: HOBSBAWM, Eri J. A era das revoluções: Europa 1789-1848. 16. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2002. p. 13.
6
PATEMAN, Carole. O contrato sexual. Tradução de Marta Avancinni. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2020. p. 14.
7
KOSELLECK, Reinhart. Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2009. p. 27.
8
HOBBES, Thomas. Leviatã, ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Tradução de Rosina
D’Angina. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2012. p. 103.
Pluralismo jurídico e democracia deliberativa: uma nova racionalidade... |165
Dada a sua artificialidade, o pacto por si só não seria suficiente para manter-se
constante e duradouro. Seria necessário, além disso, um poder comum capaz de fazer os
homens respeitarem e dirigirem suas ações ao bem comum, e a única forma de instituir tal
poder comum seria mediante a conferência de toda a força e poder a um homem, ou a uma
assembleia que pudesse reduzir todas as vontades humanas, por pluralidade de votos, a
uma só vontade10.
9
SPENGLER, Fabiana M. O pluriverso conflitivo e seus reflexos na formação consensuada do Estado. Revista de
Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 22, n. 2, p. 182-209, maio/ago. 2017. Disponível em: https://
revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/835. Acesso em: 13 ago. 2023.
10
HOBBES, Thomas. Leviatã, ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Tradução de Rosina
D’Angina. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2012. p. 103.
11
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social (princípios de direito político). Tradução de Antônio de P.
Machado. 5. ed. São Paulo: Edições e Publicações Brasil, 1958. p. 25.
12
“Não concluamos com Hobbes, principalmente, que, por não ter nenhuma ideia de bondade, o homem é natu�-
ralmente mau, que é vicioso porque não conhece a virtude e que recusa sempre a seus semelhantes serviços
que julga não lhes dever; [...]”. Cf.: ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da
desigualdade entre os homens. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Folha de São Paulo, 2021. p. 31-59.
166| Maxwell Lima Dias
Assim, Rousseau não se utiliza do ideia do contrato social para descrever a transi-
ção entre o estado de natureza e o estado civil, ao contrário, vale-se do contrato social para
justificar a submissão e a obediência dos homens às leis de uma sociedade moderna14. A
ideia de democracia em Rousseau baseia-se na premissa de que a bem comum é a mani-
festação da soberania e “a minoria, muitas vezes, engana-se quando discorda da maioria,
pois esta representa a vontade geral”15. Aqueles que foram eleitos pelo povo não seriam
representantes, mas tão somente instrumentos para execução da volonté générale.
13
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social (princípios de direito político). Tradução de Antônio de P.
Machado. 5. ed. São Paulo: Edições e Publicações Brasil, 1958. p. 16-30.
14
MORRISON, Wayne. Filosofia do Direito: Dos gregos ao pós-modernismo. Tradução de Jeferson Luiz Camargo.
2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 187.
15
VIEIRA, Rejane Esther; MENDES, Betina Souza. Democracia segundo Rousseau: uma análise histórica sobre as
principais ideias de Rousseau na obra “O Contrato Social” e sua contribuição para a democracia na contempo-
raneidade. Revista dos Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 5, n. 5, jan./jun. 2009. Disponível em:
https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/226/219. Acesso em: 13 ago. 2023.
16
RAWLS, John. Conferências sobre a história da filosofia política. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 243.
17
PANSIERI, Flávio. Liberdade e o Estado moderno. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 92.
18
AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. Porto Alegre: Globo, 1980. p. 62.
19
Sendo o pacto realizado apenas entre cada um dos indivíduos e não entre eles de um lado e o soberano de
outro, Hobbes afirma que o soberano não está suscetível a comer injustiças. Não haveria de se falar em vio-
lação de qualquer preceito contratual pelo soberano. O Estado, portanto, não poderia estar sujeito a qualquer
obrigação contratual, pois, para isso, deveria existir antes uma força para obrigá-lo a obedecer a estas regras
(PAVÃO, Aguinaldo. A crítica de Kant a Hobbes em teoria e prática. Philosophica, Lisboa, v. 31, p. 91-101,
2008. Disponível em: https://repositorio.ul.pt/handle/10451/22926. Acesso em: 13 ago. 2023).
20
KANT, Immanuel. Sobre a expressão corrente: isto pode ser correto na teoria, mas nada vale na prática
(1793). Tradução de Artur Morão. Covilhã: Lusofia Press, [s.d.]. Disponível em: http://www.lusosofia.net/
textos/kant_immanuel_correcto_na_teoria.pdf. Acesso em: 25 fev. 2022.
Pluralismo jurídico e democracia deliberativa: uma nova racionalidade... |167
21
KANT, Immanuel. Metafísica dos costumes. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2017. p. 58-69.
22
PAVÃO, Aguinaldo. A crítica de Kant a Hobbes em teoria e prática. Philosophica, Lisboa, v. 31, p. 91-101,
2008. Disponível em: https://repositorio.ul.pt/handle/10451/22926. Acesso em: 13 ago. 2023.
23
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Brasiliense,
2017. p. 47.
24
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Brasiliense,
2017. p. 47.
25
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Brasiliense,
2017. p. 49.
168| Maxwell Lima Dias
Essa tem sido, portanto, a justificação do Estado moderno liberal, pautado em uma
ordem pública mínima e voltada para a proteção ao direito à vida, às liberdades individuais
e à propriedade privada, e cujo poder é exercido por uma maioria dos indivíduos26.
Acontece que, a ideia de interesse público não comporta apenas liberdades indivi-
duais (direitos negativos de abstenção do Estado), mas também direitos sociais (direitos
prestacionais) e de solidariedade – também conhecidos como direitos de primeira, segunda e
terceira dimensão, respectivamente, e não deve significar a absoluta sujeição das minorias27.
26
ZOLO, Danilo. Teoria e crítica do Estado de Direito. In: COSTA, Pietro; ZOLO, Danilo. O Estado de Direito: histó-
ria, teoria e crítica. Tradução de Carlo Alberto Dastoli. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 3-94.
27
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,
2008. p. 263-267.
28
PACHUKANIS, Evguiéni B. Teoria geral do direito e marxismo. Tradução de Paula Vaz de Almeida. São Paulo:
Boitempo, 2017. p. 142.
29
MORAES, Ricardo Quartim. A evolução histórica do Estado Liberal ao Estado Democrático de Direito e sua
relação com o constitucionalismo dirigente. Revista de Informação Legislativa, v. 51, n. 204, p. 269-285, out./
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quence=1&isAllowed=y. Acesso em: 13 ago. 2023.
30
PATEMAN, Carole. O contrato sexual. Tradução de Marta Avancinni. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2020. p.
154-157.
Pluralismo jurídico e democracia deliberativa: uma nova racionalidade... |169
Com Marx, o pensamento moderno sofreu uma profunda inversão. Para o filósofo
alemão, o direito fundamental da liberdade proclamado nas Revoluções Burguesas basear-
-se-ia não na união dos Homens, mas cada vez mais na separação deles. A distinção entre
o direito público e o direito privado e a redução deste último ao livre arbítrio das partes,
31
Além, é claro, dos negros. Os não brancos estão ausentes da discussão de Locke. É possível pensar, como o
fez Charles Mills, que essa exclusão, associada ao fato de que o filósofo inglês se opunha à escravidão mas
investia em empresas de tráfico negreiro, indica que “Locke via os negros como não inteiramente humanos e
portanto sujeitos a um conjunto diferente de regras normativas” (MILLS, Charles W. The racial contract. Ithaca,
NY: Cornell University Press, 1997. p. 68).
32
MIGUEL, Luis Felipe. Carole Pateman e a fundação da teoria política feminista. In: MIGUEL, Luis Felipe;
BALLESTRIN, Luciana. Teoria e política feminista: contribuições ao debate sobre gênero no Brasil. Porto
Alegre: Zouk, 2020. p. 13.
33
MACPHERSON, Crawford Brough. La teoría política del individualismo posesivo: de Hobbes a Locke.
Barcelona: Fontanella, 1974. p. 191-226.
34
Ainda que a ideia de família como uma esfera particular, alheia à cultura pública e imune à lei e ao contrato
social, ainda permita a submissão da mulher ao homem, sem qualquer intervenção do Estado (NUSSBAUM,
Martha C. Fronteiras da justiça. Deficiência, nacionalidade, pertencimento à espécie. Tradução de Susana de
Castro. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p. 18-19.
35
MIGUEL, Luis Felipe. Carole Pateman e a fundação da teoria política feminista. In: MIGUEL, Luis Felipe;
BALLESTRIN, Luciana. Teoria e política feminista: contribuições ao debate sobre gênero no Brasil. Porto
Alegre: Zouk, 2020. p. 13.
36
LASKI, Harold J. O liberalismo europeu. São Paulo: Mestre Jou, 1973. p. 172.
37
PACHUKANIS, Evguiéni B. Teoria geral do direito e marxismo. Tradução de Paula Vaz de Almeida. São Paulo:
Boitempo, 2017. p. 142.
170| Maxwell Lima Dias
confere por exclusão ao direito público, e, portanto, a lei, o caráter de representante dos
interesses gerais, alheio aos interesses privados38.
O Estado social surge, então, como consequência dos desafios econômicos postos a
cargo da sociedade e do clamor das massas, que exigia novas atuações por parte do Estado
para concretizar o princípio da igualdade, em substituição à igualdade formal (típica do libera-
lismo), com o objetivo de mitigar as desigualdades40. É o Estado do bem-estar social, aquele
modelo de Estado historicamente determinado pelo fim da Segunda Guerra Mundial, e que
veio superar o abstracionismo, a neutralidade e o formalismo do Estado Liberal. O termo “so-
cial”, dessa maneira, refere-se “à correção do individualismo clássico liberal pela afirmação
dos chamados direitos sociais e realização de objetivos de justiça social”41.
Cumpre salientar que não há uma ruptura com o Estado Liberal, mas uma amplia-
ção do conteúdo material dos direitos fundamentais por ele protegidos. A transformação
do Estado Liberal em Estado Social deve ser entendida como continuidade e não ruptura
da tradição liberal. Assim que o Estado avança progressivamente para se tornar ele próprio
o portador e garantidor da ordem social, ele precisa assegurar uma instrução positiva de
como se deve realizar a “justiça”, através de sua intervenção na esfera particular, para
além das determinações negativas relativas aos direitos liberais fundamentais. As garantias
formais devem ser substituídas por garantias materiais que indiquem regras programáticas
de justiça distributiva, dos direitos, recaindo cada vez mais ao Estado a distribuição do
crescimento do produto social42. No Estado liberal, a liberdade assegurada por meio da
delimitação refere-se a um Estado que estabelece limites para si mesmo, e que deixa a
situação social a cargo do indivíduo. No Estado social, a participação, como um direito e
38
MALISKA, Marcos Augusto. Os desafios do Estado moderno. Federalismo e Integração regional. 2003. 149f.
Tese (Doutorado) – Programa de Doutorado em Direito, Universidade Federal do Paraná (estágio de doutora-
mento na Ludwig Maximilian Universität), Curitiba, Munique, 2003.
39
BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 186.
40
SILVA, Rodrigo Lima e. Evolução histórica e desafios dos modelos de Estado de Direito. Revista de Teorias e
Filosofias do Estado, v. 1, n. 2, p. 103-124, jul./dez. 2015. Disponível em: https://www.indexlaw.org/index.php/
revistateoriasfilosofias/article/view/679/0. Acesso em: 09 abr. 2023.
41
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 119.
42
HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Tradução de Denilson Luís Werle. São Paulo:
Editora Unesp, 2014. p. 467-469.
Pluralismo jurídico e democracia deliberativa: uma nova racionalidade... |171
uma pretensão, refere-se a um Estado garantidor, que atribui, reparte e distribui, e que não
deixa o aspecto social a cargo do cidadão, mas vem em seu auxílio com concessões43.
Na visão de Weber, o Estado moderno ocidental, ou Estado racional, pode ser defi-
nido pelo exercício legitimado da violência física em um determinado território, isto é, pela
expropriação dos meios privados da justiça – autotutela45. Nasce dessa ideia uma das
características essenciais do Estado moderno: a burocratização. Weber salienta que um
Estado eficiente está baseado em uma rígida burocracia, decorrente do elevado grau de ra-
cionalidade que permeia esse órgão central. É essa a versão de Weber, quando este busca
explicar o processo de transição das sociedades tradicionais para as sociedades modernas
e o consequente desenvolvimento dos imperativos que regeriam essa passagem46.
43
ABENDROTH, Wolfgang; FORSTHOFF, Ernst; DOEHRING, Karl. El Estado social. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1986. p. 17-19
44
HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Tradução de Denilson Luís Werle. São Paulo:
Editora Unesp, 2014. p. 470-471.
45
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46
RIBEIRO, Douglas Carvalho. Nascimento e queda do leviatã: da congruência entre Estado moderno, crise e
democracia. Revista do CAAP, Belo Horizonte, n. 2, v. XIX, p. 85-102, 2013.
47
KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Tradução de Luís Carlos Borges. 4. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2005. p. 261; p. 264-275.
172| Maxwell Lima Dias
apoia-se em uma administração racional baseada em regulamentos explícitos que lhe per-
mitem intervir nos domínios os mais diversos, desde a educação até a saúde, a economia
e mesmo a cultura48.
48
MALISKA, Marcos Augusto. Max Weber e o Estado racional moderno. Revista Eletrônica do CEJUR, Curitiba,
v. 1, n. 1, p. 15-28, ago./dez. 2006. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/cejur/article/view/14830. Acesso
em: 13 ago. 2023.
49
MALISKA, Marcos Augusto. Pluralismo jurídico e Direito moderno: notas para pensar a racionalidade jurídica.
2. ed. Curitiba: Juruá, 2022. p. 53.
50
HABERMAS, Jürgen. Para a reconstrução do materialismo histórico. Tradução de Rúrion Melo. São Paulo:
Editora Unesp, 2016. p. 390-393.
Pluralismo jurídico e democracia deliberativa: uma nova racionalidade... |173
leis, e do outro, com o poder de comando de um soberano, “cuja vontade pode dominar
quaisquer outras vontades existentes sobre a Terra”51.
Para Habermas, entretanto, a ideia de um acordo levado a cabo por todos os ho-
mens considerados livres e iguais, em prol de uma vontade geral, como já visto, correspon-
de uma perspectiva individualista e racional de legitimação do Estado Moderno. A vontade
geral, no entanto, não deve explicar somente as razões válidas para justificação do Estado,
mas também identificar a origem da soberania52.
51
Os vestígios desse antagonismo não foram (inteiramente) apagados nem mesmo por Kant ou Rousseau,
embora neles a racionalidade da estrutura normativa, reforçada pela ideia de autonomia e liberdade, já ensaie
(ainda que de forma modesta e comedida) um esboço de democracia e soberania popular. No entanto, as
ideias reformistas de Kant ainda demonstram uma continuidade da ideia de rigidez e impenetrabilidade do
núcleo político-decisório da comunidade. In: HABERMAS, Jürgen. Facticidade e validade: contribuições para
uma teoria discursiva do direito e da democracia. Tradução de Felipe Gonçalves Silva e Rúrion Melo. 1. ed. São
Paulo: Editora Unesp, 2020. p. 371.
52
HABERMAS, Jürgen. Para a reconstrução do materialismo histórico. Tradução de Rúrion
Melo. São Paulo: Editora Unesp, 2016.p. 391-393.
53
HABERMAS, Jürgen. Facticidade e validade: contribuições para uma teoria discursiva do direito e da democra-
cia. Tradução de Felipe Gonçalves Silva e Rúrion Melo. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2020. p. 541.
54
HABERMAS, Jürgen. Facticidade e validade: contribuições para uma teoria discursiva do direito e da democra-
cia. Tradução de Felipe Gonçalves Silva e Rúrion Melo. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2020. p. 543.
55
HABERMAS, Jürgen. Para a reconstrução do materialismo histórico. Tradução de Rúrion Melo. São Paulo:
Editora Unesp, 2016. p. 382.
174| Maxwell Lima Dias
56
ALMEIDA, Paulo Roberto Andrade de. A esfera pública no pensamento de Jürgen Habermas: problemas, limi-
tes e perspectivas. 2018. 257f. Tese (Doutorado em Ética e Filosofia Política) – Programa de Pós-Graduação
em Filosofia, Universidade Federal da Paraíba, Universidade Federal de Pernambuco, João Pessoa, 2018. p.
71. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/13173/1/Arquivototal.pdf. Acesso
em: 13 ago. 2023.
57
HABERMAS, Jürgen. Facticidade e validade: contribuições para uma teoria discursiva do direito e da democra-
cia. Tradução de Felipe Gonçalves Silva e Rúrion Melo. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2020. p. 203-205.
58
ALMEIDA, Paulo Roberto Andrade de. A esfera pública no pensamento de Jürgen Habermas: problemas, limi-
tes e perspectivas. 2018. 257f. Tese (Doutorado em Ética e Filosofia Política) – Programa de Pós-Graduação
em Filosofia, Universidade Federal da Paraíba, Universidade Federal de Pernambuco, João Pessoa, 2018. p.
218. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/13173/1/Arquivototal.pdf. Acesso
em: 13 ago. 2023.
59
HABERMAS, Jürgen. Facticidade e validade: contribuições para uma teoria discursiva do direito e da democra-
cia. Tradução de Felipe Gonçalves Silva e Rúrion Melo. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2020. p. 371.
60
HABERMAS, Jürgen. Para a reconstrução do materialismo histórico. Tradução de Rúrion Melo. São Paulo:
Editora Unesp, 2016. p.392-393.
61
HABERMAS, Jürgen. Facticidade e validade: contribuições para uma teoria discursiva do direito e da democra-
cia. Tradução de Felipe Gonçalves Silva e Rúrion Melo. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2020. p. 371-372.
Pluralismo jurídico e democracia deliberativa: uma nova racionalidade... |175
A crítica que faz o filósofo ao movimento liberal diz respeito à certeza irrefutável di-
fundida de que as alternativas abertas pelo próprio desenvolvimento capitalista poderia ainda
hoje ser legitimada (de maneira tão convincente), como propôs Hobbes em sua época63.
62
HABERMAS, Jürgen. Para a reconstrução do materialismo histórico. Tradução de Rúrion Melo. São Paulo:
Editora Unesp, 2016. p. 393.
63
HABERMAS, Jürgen. Para a reconstrução do materialismo histórico. Tradução de Rúrion Melo. São Paulo:
Editora Unesp, 2016. p. 393.
64
BANNWART JUNIOR, Clodomiro José; TESCARO JUNIOR, João Evanir. Jürgen Habermas: teoria crítica e de�-
mocracia deliberativa. Revista Confluências, Niterói, v. 12, n. 2, p. 129-156, out. 2012. Disponível em: https://
periodicos.uff.br/confluencias/article/view/34337/19738. Acesso em: 13 ago. 2023.
65
WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3. ed. São Paulo:
Alfa Ômega, 2001. p. 263-264.
66
HABERMAS, Jürgen. Facticidade e validade: contribuições para uma teoria discursiva do direito e da democra-
cia. Tradução de Felipe Gonçalves Silva e Rúrion Melo. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2020. p. 203-224.
176| Maxwell Lima Dias
67
TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Tradução de Neil Ribeiro da Silva. 4. ed. Belo Horizonte:
Itatiaia, 1987.
68
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Tradução de Marco Aurélio
Nogueira, 17. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2020. p. 96-101.
69
RAWLS, John. A theory of justice. Oxford: Oxford University Press, 1999; RAWLS, John. The idea of an over-
lapping consensus. Oxford Journal of Legal Studies, v. 7, n. 1, p. 1-25, primavera 1987. p. 1-3. Disponível em:
https://www.jstor.org/stable/764257. Acesso em: 08 abr. 2023.
70
ELY, John Hart. Democracia e desconfiança: uma teoria do controle judicial de constitucionalidade. Tradução
de Juliana Lemos. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 181.
71
DAHL, Robert A. Um prefácio à teoria democrática. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.
72
É consenso entre os estudiosos da ciência política, que a Teoria Crítica desenvolvida por Horkheimer e Adorno
não possuem contornos políticos. Os teóricos críticos dessa primeira fase do movimento chamado Escola
de Frankfurt, se recusaram explicitamente em engajarem-se em partidos políticos, a expressar opiniões
sobre acontecimentos atuais, a propor agendas para reformas ou mesmo falar de modo específico sobre
instituições políticas. A sua crítica estava focada em um domínio da cultura e da estética separado da política.
A Teoria Crítica em Marcuse possui conteúdo político, no entanto, sua crítica foi demasiadamente pessimista
e insuficientemente engajada a ponto de sugerir reformas políticas estratégias específicas. O que se buscava
era uma transformação histórica profunda, similar à transformação da Idade Média para a era moderna. Cf.:
CHAMBERS, Simone. A política da teoria crítica. In: RUSH, Fred (org.). Teoria crítica. Tradução de Beatriz
Katinsky e Regina Andrés Rebollo. Aparecida: Ideias & Letras, 2008. p. 263-294.
Pluralismo jurídico e democracia deliberativa: uma nova racionalidade... |177
qual cidadãos particulares cooperam para construir a opinião pública. Para Habermas, o
debate público passa a ser um teste de racionalidade, justificando publicamente as razões
pelas quais o Estado age.
73
CHAMBERS, Simone. A política da teoria crítica. In: RUSH, Fred (org.). Teoria crítica. Tradução de Beatriz
Katinsky e Regina Andrés Rebollo. Aparecida: Ideias & Letras, 2008. p. 263-294. p. 277.
74
ALMEIDA, Paulo Roberto Andrade de. A esfera pública no pensamento de Jürgen Habermas: problemas, limi-
tes e perspectivas. 2018. 257f. Tese (Doutorado em Ética e Filosofia Política) ¬– Programa de Pós-Graduação
em Filosofia, Universidade Federal da Paraíba, Universidade Federal de Pernambuco, João Pessoa, 2018. p.
78. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/13173/1/Arquivototal.pdf. Acesso
em: 13 ago. 2023.
75
ALMEIDA, Paulo Roberto Andrade de. A esfera pública no pensamento de Jürgen Habermas: problemas, limi-
tes e perspectivas. 2018. 257f. Tese (Doutorado em Ética e Filosofia Política) ¬– Programa de Pós-Graduação
em Filosofia, Universidade Federal da Paraíba, Universidade Federal de Pernambuco, João Pessoa, 2018. p.
79. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/13173/1/Arquivototal.pdf. Acesso
em: 13 ago. 2023.
178| Maxwell Lima Dias
76
ALMEIDA, Paulo Roberto Andrade de. A esfera pública no pensamento de Jürgen Habermas: problemas, limi-
tes e perspectivas. 2018. 257f. Tese (Doutorado em Ética e Filosofia Política) – Programa de Pós-Graduação
em Filosofia, Universidade Federal da Paraíba, Universidade Federal de Pernambuco, João Pessoa, 2018. p.
79. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/13173/1/Arquivototal.pdf. Acesso
em: 13 ago. 2023.
77
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolsan de. Ciência política e teoria do estado. 8. ed. rev. e atual. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 98-99.
78
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolsan de. Ciência política e teoria do estado. 8. ed. rev. e atual. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 100.
Pluralismo jurídico e democracia deliberativa: uma nova racionalidade... |179
79
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. Revisão Técnica de
Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 25-26.
80
SINGER, André; ARAUJO, Cícero; BELINELLI, Leonardo. Estado e democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 2021. p.
204-206.
180| Maxwell Lima Dias
O objetivo desse trabalho é, portanto, pensar uma nova perspectiva para o Estado
Democrático de Direito – a partir da abertura da teoria discursiva do direito, para que seja
reconhecida a legitimidade de um direito paralelo criado diretamente a partir do exercício do
poder comunicativo – fundamentado num viés democrático e pluralista, tomando por base
o seguinte conceito de pluralismo jurídico: “a multiplicidade de práticas jurídicas existentes
num mesmo espaço sócio-político, interagidas por conflitos ou consensos, podendo ser ou
não oficiais e tendo sua razão de ser nas necessidades existenciais, materiais e culturais”82.
81
CATUSSO, Joseane. Pluralismo jurídico: um novo paradigma para se pensar o fenômeno jurídico. Revista
Eletrônica do CEJUR, Curitiba, a. 2, v. 1, n. 2, p. 119-147, ago./dez. 2007. Disponível em: https://revistas.ufpr.
br/cejur/article/view/16749. Acesso em: 13 ago. 2023.
82
WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3. ed. São Paulo:
Alfa Ômega, 2001. p.195.
83
WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3. ed. São Paulo:
Alfa Ômega, 2001. p. 119.
Pluralismo jurídico e democracia deliberativa: uma nova racionalidade... |181
acabou por absorver, em seu seio, as contradições de uma sociedade que, cada vez mais,
se afirma como pluralista84.
Para Wolkmer, esse cenário nos permite admitir que o principal núcleo para o qual
converge o pluralismo jurídico é a negação de que o Estado seja a fonte única e exclusiva
de todo o Direito. Tal concepção relativiza ou nega o monopólio de criação das normas
jurídicas por parte do Estado, priorizando a produção de outras formas de regulamenta-
ção, geradas por instâncias, corpos intermediários ou organizações sociais providas de
certo grau de autonomia e identidade própria. A ideia do pluralismo jurídico busca reduzir
a onipotência do centralismo-formalista moderno de que o único Direito válido, e com grau
de obrigatoriedade, é aquele emanado do poder do Estado, expresso sob a forma escrita e
publicizada da lei87.
84
MALISKA, Marcos Augusto. Fundamentos da Constituição: abertura, cooperação e integração. Curitiba: Juruá,
2013. p. 11.
85
Pode-se afirmar que o monismo jurídico estatal é produto histórico da formação dos Estados Modernos do
Ocidente, nascidos sobre a dissolução da sociedade medieval, a qual, por sua vez, era regida por um sistema
normativo pluralista, proveniente da igreja, com status supranacional, bem como ordenamentos em nível infra-
nacional, oriundos dos feudos, comunas e corporações. Assim, o poder de emanar normas de direito passou
a se concentrar nas mãos do Estado, com a paulatina e sucessiva supressão dos demais centros de poder
inferiores e superiores, até a extinção de qualquer centro de produção jurídica que não se identificasse com o
Estado. Embora não seja o objeto do presente trabalho, debater o surgimento e o desenvolvimento do monis-
mo jurídico nas sociedades modernas, é importante ter em mente que a partir do positivismo jurídico - linha
de pensamento que nasce a partir do pensamento liberal em Bentham, a visão monista de direito tomou conta
da teoria geral do direito e do Estado. É possível identificar-se a ligação do direito estatal ao direito positivo, e
a consequente consagração da interpretação de que todo o direito somente é direito enquanto produzido pelo
Estado, além de que somente o direito positivo é o verdadeiro direito (SANTOS, Ronaldo Lima dos. Teoria das
normas coletivas. 2. ed. São Paulo: LTR, 2009).
86
BARCELLOS, Ana Paula Gonçalves Pereira de. Constituição e pluralismo jurídico: a posição particular do Brasil
no contexto latino-americano. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 9, n. 2, p. 170-183, ago.
2019. Disponível em: https://publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/view/6053. Acesso em: 13 ago. 2023.
87
WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3. ed. São Paulo:
Alfa Ômega, 2001. p. 171-193.
182| Maxwell Lima Dias
88
MALISKA, Marcos Augusto. Pluralismo jurídico e Direito moderno: notas para pensar a racionalidade jurídica.
2. ed. Curitiba: Juruá, 2022. p. 11-12.
89
MALISKA, Marcos Augusto. Fundamentos da Constituição: abertura, cooperação e integração. Curitiba: Juruá,
2013. p. 11.
90
MALISKA, Marcos Augusto. Pluralismo jurídico e Direito moderno: notas para pensar a racionalidade jurídica.
2. ed. Curitiba: Juruá, 2022. p. 12.
91
MALISKA, Marcos Augusto. Fundamentos da Constituição: abertura, cooperação e integração. Curitiba: Juruá,
2013. p. 41.
92
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contri-
buição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
2002. p. 13.
Pluralismo jurídico e democracia deliberativa: uma nova racionalidade... |183
Para Häberle, assim como defende Habermas, a figura do Estado tem a sua legi-
timidade reconhecida através de pressupostos propriamente democráticos. A noção de
democracia, para Häberle, não se consubstancia apenas no âmbito da participação po-
lítica dos cidadãos. Ao adotar-se a compreensão de sociedade aberta, a própria noção
de democracia passaria a estar atrelada à ideia de democracia como resultado do deba-
te acerca de necessidades, possibilidades e alternativas pensadas a partir de demandas
da realidade concretamente considerada, bem como a partir dos consensos possíveis94.
“Constitucionalizar formas e processos de participação é uma tarefa específica de uma
teoria constitucional (procedimental)”95. O processo político, assim, decorreria de um pro-
cedimento de comunicação que envolve todos os atores possíveis, num diálogo de todos
entre si96.
93
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contri-
buição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
2002. p. 13.
94
O consenso, aqui considerado sob a perspectiva habermasiana, cuja validade será tão maior quanto mais for
resultado de conflitos e compromissos entre participantes, livres para fazer valer, argumentativa, consistente
e responsavelmente, diferentes opiniões, na defesa de seus interesses legítimos (GRANT, Carolina. Da socie-
dade aberta e pluralista de intérpretes da constituição de Peter Häberle à democracia deliberativa de Jürgen
Habermas: uma análise da concretização destas matrizes teóricas a partir da forma como se tem dado o
processo de elaboração de políticas públicas em gênero e raça no contexto brasileiro dos últimos anos? O ne-
cessário protagonismo dos atores sociais. In: ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, XXIII., 2014, Florianópolis.
Anais [...]. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2014).
95
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contri-
buição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
2002. p. 55.
96
GRANT, Carolina. Da sociedade aberta e pluralista de intérpretes da constituição de Peter Häberle à democracia
deliberativa de Jürgen Habermas: uma análise da concretização destas matrizes teóricas a partir da forma
como se tem dado o processo de elaboração de políticas públicas em gênero e raça no contexto brasileiro dos
últimos anos? O necessário protagonismo dos atores sociais. In: ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, XXIII.,
2014, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2014.
184| Maxwell Lima Dias
realizados pelos interlocutores devem ser trazidos para dentro das cúpulas de poder, a
fim de legitimar suas escolhas e ações, enquanto Häberle vê em uma interpretação cons-
titucional aberta, com a participação de todos os canais da sociedade, o procedimento
necessário para a interpretação e aplicação legítimas da Constituição97.
Impende ressaltar, ainda, que a ideia do pluralismo jurídico não é negar o direito
estatal, ou o direito oficial, mas tomá-lo como uma das diversas manifestações que o
fenômeno jurídico pode assumir na sociedade98. E, partindo do reconhecimento desse
pluralismo, é possível trazer efetividade ao poder comunicativo para além da produção bu-
rocrática e racional do direito, ampliando a ressonância da teoria discursiva habermasiana
e oferecendo autenticidade às múltiplas manifestações normativas não-estatais originadas
em grupos sociais minoritários, e possibilitando a inclusão dos membros marginalizados
e excluídos da sociedade.
Buscando carona, então, na visão otimista de Wolkmer, de que, não obstante o plu-
ralismo tradicional, defendido pelas classes sociais hegemônicas, esteja ultrapassado99,
isso não significa a impossibilidade de se oferecer uma ressignificação epistemológica ao
pluralismo através de uma nova fundamentação.
97
AQUINO, Tatiana C. S. ; A democracia e a interpretação constitucional na visão de Jürgen Habermas e Peter
Häberle. In: MAIA, Luciano Mariz; ARAÚJO, Marcelo Labanca Corrêa de; SILVA, Lucas Gonçalves da (org.).
Direitos fundamentais e democracia I. 1. ed. Florianópolis: CONPEDI, 2014. v. 1. p. 29-45.
98
CATUSSO, Joseane. Pluralismo jurídico: um novo paradigma para se pensar o fenômeno jurídico. Revista
Eletrônica do CEJUR, Curitiba, a. 2, v. 1, n. 2, p. 119-147, ago./dez. 2007. Disponível em: https://revistas.ufpr.
br/cejur/article/view/16749. Acesso em: 13 ago. 2023.
99
WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3. ed. São Paulo:
Alfa Ômega, 2001. p. 206.
Pluralismo jurídico e democracia deliberativa: uma nova racionalidade... |185
Por outro lado, Habermas reconhece que a conexão interna entre direito e Estado
não é suficiente para justificar a concentração do poder no Estado, e a submissão dos
indivíduos às leis. O fato do Estado deter o poder político-administrativo para aplicação do
direito legítimo, fundamentado em princípios constitucionais, não é bastante se tal sistema
normativo não estiver aberto ao exercício do poder comunicativo pelo povo102.
100
HABERMAS, Jürgen. Facticidade e validade: contribuições para uma teoria discursiva do direito e da democra-
cia. Tradução de Felipe Gonçalves Silva e Rúrion Melo. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2020. p. 132.
101
ASENSI, Felipe Dutra. Legitimidade do direito, sociedade e Estado: tensionando Habermas e o pluralismo
jurídico. In: ASENSI, Felipe Dutra; PAULA, Daniel Giotti de (org.). Tratado de direito constitucional. 1. ed. Rio de
Janeiro: Campus-Elsevier, 2014. v. 1. p. 70-83.
102
ASENSI, Felipe Dutra. Legitimidade do direito, sociedade e Estado: tensionando Habermas e o pluralismo
jurídico. In: ASENSI, Felipe Dutra; PAULA, Daniel Giotti de (org.). Tratado de direito constitucional. 1. ed. Rio de
Janeiro: Campus-Elsevier, 2014. v. 1. p. 70-83.
103
WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3. ed. São Paulo:
Alfa Ômega, 2001. p. 267.
186| Maxwell Lima Dias
Uma relevante resposta à crítica da democracia deliberativa como uma teoria re-
volucionária e utópica, pode ser sintetizada a partir da ideia de Fung e Cohen107, os quais,
assumindo que a deliberação é uma forma exigente de interação política, preconizam que,
quando o contexto sociopolítico for marcado por assimetrias estruturais, simbólicas e/ou
motivacionais, a deliberação deverá ser combinada com outras estratégias de comunica-
ção, como a mobilização da audiência pública, o ativismo, a contestação, a barganha, a
negociação, e até a desobediência civil, desde que tais estratégias de comunicação possu-
104
CATUSSO, Joseane. Pluralismo jurídico: um novo paradigma para se pensar o fenômeno jurídico. Revista
Eletrônica do CEJUR, Curitiba, a. 2, v. 1, n. 2, p. 119-147, ago./dez. 2007. Disponível em: https://revistas.ufpr.
br/cejur/article/view/16749. Acesso em: 13 ago. 2023.
105
WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3. ed. São Paulo:
Alfa Ômega, 2001. p. 279.
106
WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3. ed. São Paulo:
Alfa Ômega, 2001. p. 279-280.
107
COHEN, Joshua; FUNG, Archon. Radical democracy. Swiss Journal of Political Science, v. 10, n. 4, 2004.
Pluralismo jurídico e democracia deliberativa: uma nova racionalidade... |187
am justificação pública. São quatro circunstâncias que justificam a mudança dos padrões
de comunicação:
a) contexto marcado por participantes motivados a deliberar uns com os outros,
mas que, apesar de possuírem igual capacidade de fazê-lo, apresentam resultados
injustos ou ineficazes;
b) contexto marcado por participantes que estão motivados a deliberar entre si, mas
que apresentam posições social, econômica, cultural ou política diferentes, que re-
sultam na sobrerrepresentação de algumas posições, perspectivas e estilos de vida;
c) contexto marcados por desigualdades substanciais e por atores políticos não
dispostos a deliberarem;
d) contexto marcado pela negação completa das formas deliberativas de ação.
O objetivo dessa ideia é expandir a teoria discursiva habermasiana, para possibilitar
uma maior mobilização dos atores políticos na garantia de uma decisão deliberativa alcan-
çada, cumprindo a função de denunciar e criar alternativas às desigualdades sociopolíticas
e criar formas de institucionalizar tais alternativas108.
Por outro lado, uma vez que Habermas entende que somente o direito sancionado
através do Estado é legítimo, faz-se imprescindível ressaltar que, não se presta o presente
trabalho a aplicar cega e restritivamente a Teoria do Discurso à tarefa de racionalização do
pluralismo jurídico em um Estado Democrático de Direito. O que se pretende é, a partir de
ideias desenvolvidas por Habermas, sobretudo o conceito de democracia deliberativa e
poder comunicativo, ampliar a esfera pública em que os sujeitos sociais exercem seu poder
comunicativo, mediante o reconhecimento da produção pluralista do Direito, de modo a
oferecer uma maior racionalidade ao Estado Democrático de Direito.
108
FARIAS, Cláudia. Feres. Democracia deliberativa e (des)igualdades. In: MIGUEL, Luis Felipe. Desigualdades e
democracia: o debate da teoria política. São Paulo: Editora Unesp, 2016. p. 204-221.
188| Maxwell Lima Dias
5 CONCLUSÃO
A ideia liberal de um Estado moderno concebido de um pacto social firmado entre os
indivíduos de uma sociedade, em que dispõem de parte de sua liberdade plena, natural, para,
em troca, da salvaguarda de seus direitos de liberdade – e até de igualdade – já não é sufi-
ciente para explicar a unidade de representação do poder estatal em sociedades pluralistas.
REFERÊNCIAS
ABENDROTH, Wolfgang; FORSTHOFF, Ernst; DOEHRING, Karl. El Estado social. Madrid: Centro de
Estudios Constitucionales, 1986.
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008.
ALMEIDA, Paulo Roberto Andrade de. A esfera pública no pensamento de Jürgen Habermas: proble-
mas, limites e perspectivas. 2018. 257f. Tese (Doutorado em Ética e Filosofia Política) – Programa de
Pós-Graduação em Filosofia, Universidade Federal da Paraíba, Universidade Federal de Pernambuco,
João Pessoa, 2018. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/13173/1/
Arquivototal.pdf. Acesso em: 13 ago. 2023.
ANDRADE, Marcella Coelho. Legitimidade do Direito e participação política: um olhar sob a perspecti-
va da democracia. In: JORNADA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS DA UFJF, 6., 2020, Juiz de Fora. Anais [...].
Juiz de Fora: UFJF, 2020.
Pluralismo jurídico e democracia deliberativa: uma nova racionalidade... |189
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ANÁLISE DA RENÚNCIA DA RECEITA DE
IPTU NO MUNICÍPIO DE CURITIBA
Resumo
A Constituição de 1988, demonstrou grande preocupação na concretização de garantias e
direitos fundamentais e sociais. Houve o reconhecimento de que o Estado é um substancial
agente garantidor e promotor desses direitos. Do mesmo modo, verificou-se que, para
que seja possível ao Estado cumprir com suas atribuições, voltadas o bem-estar social e
ao desenvolvimento econômico, social e urbano, é preciso considerar os custos desses
direitos. Uma forma encontrada pelo legislador constitucional, pensando nessa evolução
em diversas esferas, foi proteger e ampliar a autonomia e importância do ente de federativo
municipal, concedendo-lhe, inclusive, impostos próprios e atribuindo-lhe a política de de-
senvolvimento urbano. Neste âmbito, é possível ver notório impacto do IPTU na receita do
Município, sendo possível utilizar deste imposto tanto para aplicação em serviços, quanto
na prática de estimular ou desestimular um comportamento por parte do cidadão. O tra-
balho pretende fazer a análise disto com base na renúncia do IPTU, estabelecida na Lei de
Diretrizes Orçamentárias do Município de Curitiba.
1
Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil).
Especialista em Direito Imobiliário e Notarial e Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido
Mendes. Especialista em Direito e Processo Civil pela Fundação de Estudos Sociais do Paraná. Advogado.
E-mail: ddcordeiro.adv@gmail.com
2
Mestre pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil). Especialista em Direito Civil e Empresarial
pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Possui graduação em Direito pelas Faculdades
Integradas do Brasil. Advogada. E-mail: gabriela.ganho@gmail.com
194| Derick Davidson Cordeiro - Gabriela Ganho
1 INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil, apelidada de “Constituição
Cidadã”, traz uma série de direitos e garantias fundamentais e sociais.
É possível afirmar que essa série de direitos e princípios inerentes à sobrevivência digna
humana, contidos em nossa Constituição, enunciam normas para um futuro em expansão3.
Assim, as normas imaginadas pelo legislador constitucional foram diversas, inclusive
indicando formas e métodos que possibilitam à sociedade adaptar-se, flexibilizar-se e atualizar-
-se da melhor maneira, visando as necessidades efetivamente atuais da comunidade em geral.
Deste modo, da Constituição espera-se que assegure o bem-estar social e cole-
tivo, mediante a inspiração e aplicabilidade de seus princípios, que servem de guia para
solucionar diferentes problemas do direito e, também, para organizar o próprio Estado4,
direcionando-o para o cumprimento dos direitos fundamentais no uso de suas atribuições,
como agente garantidor e promotor desses direitos.
É imprescindível salientar que a organização, deveres e obrigações do Estado, es-
tabelecidos no texto constitucional, constituindo-se em um sistema normativo aberto para
dentro5, pode ser traduzido em um sistema de redução de desigualdades, mas também,
e principalmente, em uma ferramenta de desenvolvimento.
Neste sistema aberto, um instrumento que viabiliza a concretização de direitos
e garantia fundamentais e sociais pelo Estado é o serviço público, sendo uma atividade
prestacional englobada no quadro do chamado Estado Social e Democrático de Direito6.
Todavia, para que o Estado possa prestar o serviço público e, até mesmo, agir
voltado ao desenvolvimento social e econômico, é necessário considerar o custo disto.
Por mais que não seja analisado em muitos estudos sobre o tema, os direitos e
garantias fundamentais têm um grande custo, pois são mantidos substancialmente pelas
instituições formais, cabendo ao Estado adquirir e gerir sua receita, voltando-se sempre ao
bem-estar geral, por meio da cobrança e/ou renúncia de impostos7.
3
CARDOZO, Benjamin N. The nature of the judicial process. New Haven: Yale University Press, 1921. p. 79.
4
VASCONCELOS, Rita de Cássia Côrrea de. Impenhorabilidade do bem de família: destinatários; proteção legal.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 180, 181.
5
Nesse sentido: MALISKA, Marcos Augusto. Fundamentos da Constituição: abertura, cooperação e integração.
Curitiba: Juruá, 2013.
6
SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Regime jurídico do serviço público: garantia fundamental do cidadão e proi-
bição de retrocesso legal. 2009. 224f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
2009. p. 116-118. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/21460. Acesso em: 14 ago. 2023.
7
Nesse sentido ver: SUNSTEIN, Cass R.; HOLMES, Stephen. Cost of rights: why liberty depends on taxes. Nova
York: Norton, 1999.
Análise da renúncia da receita de IPTU no município de Curitiba |195
8
Nesse sentido ver: MARTYNYCHEN, Marina. M. M. Operação urbana consorciada: uma alternativa para urba-
nificação das cidades. 2007. 199f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade
Federal do Paraná, Curitiba, 2007. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/12289/
disserta%c3%a7%c3%a3o%20-%20marina.pdf;sequence=1. Acesso em: 14 ago. 2023.
9
PONTES, Daniele Regina; FARIA, José Ricardo Vargas de Faria. Direito municipal e urbanístico. Curitiba: Iesde
Brasil, 2012. p. 16.
10
PONTES, Daniele Regina; FARIA, José Ricardo Vargas de Faria. Direito municipal e urbanístico. Curitiba: Iesde
Brasil, 2012. p. 17
11
DANTAS, Ivo; CASTRO, Gina Gouveia Pires de. Os municípios e a federação brasileira: a importância desses no con�-
texto constitucional brasileiro. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do; PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di; MENDES, Gilmar
Ferreira (coord.). Tratado de direito municipal. Belo Horizonte: Fórum Conhecimento Jurídico, 2018. p. 81-112.
196| Derick Davidson Cordeiro - Gabriela Ganho
poderá ser organizada por repartições de poderes em plano horizontal ou de forma vertical,
não sendo possível confundir desconcentração de poder com a descentralização12.
Ademais, a segunda questão, para os autores, é pertinente aos processos pelos
quais os governantes chegam ao poder e a coexistência entre a forma de governo e o
regime político13.
Assim, verifica-se que a “organização político-administrativa da República
Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
todos autônomos, nos termos da Constituição (art. 18, da Constituição)”14.
A Constituição, desse modo, outorga ao município a prerrogativa política da auto-
nomia pela composição do seu governo e pela administração própria no que concerne ao
seu interesse local (art. 30, I)15.
Um dos princípios que asseguram a autonomia municipal, segundo Hely Lopes
Meirelles, é a garantia oferecida pela Constituição para o ente “decretar e arrecadar tributos
de sua competência e aplicar suas rendas, sem tutela ou dependência de qualquer poder,
prestando suas contas e publicando balancetes no prazo da lei” (art. 30, III, da CF).16
Meirelles afirma que as autonomias política e administrativa seriam inexpressivas
sem recursos próprios que garantissem isso17.
A receita dos municípios é proveniente de impostos, taxas e contribuição de melho-
ria, sendo então, a arrecadação pertencente integralmente a cada prefeitura que aproveitou
de sua competência e, respeitando a Constituição e o Código Tributário Nacional, instituiu
e cobrou tais tributos em seu respectivo território18.
12
DANTAS, Ivo; CASTRO, Gina Gouveia Pires de. Os municípios e a federação brasileira: a importância desses no
contexto constitucional brasileiro. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do; PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di; MENDES,
Gilmar Ferreira (coord.). Tratado de direito municipal. Belo Horizonte: Fórum Conhecimento Jurídico, 2018.
13
DANTAS, Ivo; CASTRO, Gina Gouveia Pires de. Os municípios e a federação brasileira: a importância desses no
contexto constitucional brasileiro. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do; PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di; MENDES,
Gilmar Ferreira (coord.). Tratado de direito municipal. Belo Horizonte: Fórum Conhecimento Jurídico, 2018.
14
DANTAS, Ivo; CASTRO, Gina Gouveia Pires de. Os municípios e a federação brasileira: a importância desses no
contexto constitucional brasileiro. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do; PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di; MENDES,
Gilmar Ferreira (coord.). Tratado de direito municipal. Belo Horizonte: Fórum Conhecimento Jurídico, 2018.
15
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 91
16
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 113.
17
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
18
AFONSO, José Roberto R.; ARAUJO, Erika Amorim; NÓBREGA, Marcos Antonio Rios. IPTU no Brasil: um diag-
nóstico abrangente. São Paulo: FGV Projetos; Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), [s.d.]. v. 4. p. 19.
Disponível em: https://fgvprojetos.fgv.br/sites/fgvprojetos.fgv.br/files/iptu_no_brasil_um_diagnostico_abran-
gente_0.pdf . Acesso em: 28 out 2022.
Análise da renúncia da receita de IPTU no município de Curitiba |197
Nem mesmo a lei complementar prevista no art. 146 da CF pode criar outras limita-
ções que não as constitucionais, uma vez que o preceito maior não o permite, res-
tringindo seu objeto ao estabelecimento de normas gerais em matéria de legislação
tributária e à regulamentação das “limitações constitucionais ao poder de tributar”22.
Posto isto, sendo notório, pela leitura do próprio texto constitucional e entendimen-
to firmado pelo STF, que a autonomia municipal é de suma importância, compreende-se o
intuito do legislador em efetivamente contribuir com a “Política Urbana”, resguardando de
diversas maneiras a autonomia do ente federativo.
Ainda, essa primordial evolução legislativa, fornecida pela Constituição de 1988,
demonstra ainda mais concreta preocupação com o desenvolvimento e bem-estar-social
ao determinar que seus entes federativos devem, necessariamente, destinar parte dos seus
recursos para determinadas áreas, como saúde e educação.
19
AFONSO, José Roberto R.; ARAUJO, Erika Amorim; NÓBREGA, Marcos Antonio Rios. IPTU no Brasil: um diag-
nóstico abrangente. São Paulo: FGV Projetos; Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), [s.d.]. v. 4. p. 19.
Disponível em: https://fgvprojetos.fgv.br/sites/fgvprojetos.fgv.br/files/iptu_no_brasil_um_diagnostico_abran-
gente_0.pdf . Acesso em: 28 out 2022.
20
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 151.
21
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 69. A Constituição estadual não pode estabelecer limite para o
aumento de tributos municipais. DJ de 8/7/1964. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/suma-
riosumulas.asp?base=30&sumula=3629. Acesso em: 29 out. 2022.
22
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 151.
198| Derick Davidson Cordeiro - Gabriela Ganho
3 O TRIBUTO
O Código Tributário Nacional, em seu art. 3°, traz o conceito de tributo: “Tributo é
toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir,
que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade ad-
ministrativa plenamente vinculada”.
A única fonte possível da obrigação de recolher tributos é a própria lei, sendo ele
uma obrigação de entregar determinada prestação ao Estado, tendo como característica
fundamental a compulsoriedade do seu dever23.
Além disto, o tributo não se confunde com uma sanção por ato ilícito (como a multa),
e é cobrado por meio de atividade administrativa vinculada, havendo dois princípios constitu-
cionais principais sobre o tributo expressos na constituição, quais sejam: o a legalidade tribu-
tária (art. 150, I, da CF) e o da vedação do tributo com efeito de confisco (art. 150, IV, CF)24.
Em suma, conforme ensina Alexandre Mazza, a partir do próprio vocábulo pluris-
significativo de “tributo”, extraímos as seguintes acepções distintas:
(a) dever de levar dinheiro aos cofres públicos; (b) quantia em dinheiro entregue ao
Estado no cumprimento desse dever; (c) comportamento de levar dinheiro (presta-
ção); (d) a lei que prescreve tal dever (norma jurídica); (e) a relação obrigacional que
tal lei cria; (f) o direito do sujeito ativo a receber seu crédito tributário25.
23
MAZZA, Alexandre. Manual de direito tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 109.
24
MAZZA, Alexandre. Manual de direito tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 109-117
25
MAZZA, Alexandre. Manual de direito tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 112
Análise da renúncia da receita de IPTU no município de Curitiba |199
uma vida digna, cumprindo as normas constitucionais. O tributo fiscal gera receita para
cobrir encargos inerentes à administração pública26.
De outro lado, verificamos os tributos extrafiscais ou indutores, que recebem essa
denominação por estimular ou desestimular determinada conduta pelo Estado. A extrafis-
calidade, segundo Eduardo Schoueri, constitui na utilização do instrumento tributário para
regular comportamentos sociais, de natureza econômica, social e política27.
O autor explica acerca da denominação de “normas tributárias indutoras”:
[...] A expressão normas tributárias indutoras, tem o firme propósito de não deixar
escapar a evidência de, conquanto se tratando de instrumentos a serviço do Estado
na intervenção por indução, não perderem tais normas a característica de serem
elas, ao mesmo tempo, relativas a tributos e portanto sujeitas a princípios e regras
do campo tributário28.
Schoueri ainda fornece, por meio de Ruy Barbosa Nogueira, exemplo de indução da
norma tributária, e também demonstra a maneira de se cumularem competências materiais
e tributárias, como no caso da função regulatória do IPTU, na qual um município, ao mane-
jar o planejamento urbano, utiliza-se do imposto como maneira de obrigar os proprietários
de modo indireto a fazerem calçadas, muros ou reconstruir29.
Ainda, o autor explica melhor a questão da intervenção econômica do Estado. Tal
aspecto é extremamente pertinente ao tema, visto que a intervenção econômica do Estado
pode se dar de maneira direta, o que se entende por ser uma intervenção no domínio eco-
nômico, ou indireta, sendo a intervenção sobre o domínio econômico30.
Quando tratamos da indução sobre o domínio econômico (que é pertinente ao
tema), observamos que essa poderá se dar por direção ou por indução.
As normas diretoras têm efeitos mais rápidos em relação àquelas meramente indu-
toras, tendo efeito de, geralmente, caracterizar um ilícito. Outrossim, as normas diretoras
são mais recomendáveis quando se aguarda um comportamento da sociedade em geral.
26
SEBASTIÃO, Simone Martins. Tributo ambiental: extrafiscalidade e função promocional do direito. Curitiba:
Juruá, 2010. p. 133.
27
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense,
2005. p. 33.
28
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense,
2005. p. 34
29
NOGUEIRA, p. 348 apud SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio
de Janeiro: Forense, 2005.
30
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense,
2005. p. 103
200| Derick Davidson Cordeiro - Gabriela Ganho
No que concerte a este último aspecto, se a norma indutora buscar tolerar ou espe-
rar alguns comportamentos específicos de determinados elementos de maneira diferente da
maioria, então as normas tributárias indutoras fornecerão a “escolha” para o mercado, tendo
as normas de direção a função de prever critérios para quem serão os atingidos pela norma31.
Neste diapasão, cumpre salientar, também, que existem casos que a adoção de
normas de direção resta por mandatória. Ocorre isto quando não existe critério de mercado
para a escolha, ou em outros casos, quando o mercado será “exigência do sistema”, fa-
zendo-se necessário, neste último, a adoção de normas indutoras32.
Noutro caso, sendo a norma tributária indutora um desincentivo, deve indicar ao
contribuinte a possibilidade de deixar de adotar determinado comportamento e, ao mesmo
tempo, não transformar tal comportamento em uma sanção que atinja o indivíduo com
menor poder aquisitivo de maneira muito gravosa33.
Veja-se que, em conclusão à questão da intervenção do Estado sobre o Domínio
Econômico, ao tratar do assunto, Schoueri explica que a indução ocorre por meio de estí-
mulos ou desestímulos34. Então, extrai-se que a tributação indutora decaí numa espécie do
que é possível chamar de “sanção premial”.
Percebendo-se, assim, que o tributo indutor pode ser aplicado de uma ou outra
maneira, deixa-nos cristalina a ideia de que o tributo constitui a possibilidade, já discorrida
no texto, de assegurar os fundamentos e objetivos disposto no texto constitucional.
Deste modo, o incentivo ou desincentivo de determinada prática ou comportamen-
to pelo Estado pode fomentar o desenvolvimento social, político e econômico.
Na busca da redução das desigualdades, do mesmo modo que o tributo é aplicado,
havendo normas de direção e normas indutoras, é possível afirmar que ele pode deixar de ser
cobrado, com o mesmo intuito, não confundindo-se neste ponto a imunidade com a isenção.
Nesse sentido, verificamos que a imunidade é fornecida pelo próprio texto consti-
tucional, sendo uma limitação de competência tributária. A imunidade objetiva, subjetiva e
mista é encontrada no art. 150, da Constituição. Vejamos algumas situações:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI - instituir impostos sobre: a) patrimô-
31
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense,
2005. p. 105
32
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense,
2005.
33
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense,
2005. p. 106.
34
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense,
2005. p. 107.
Análise da renúncia da receita de IPTU no município de Curitiba |201
nio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda
ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos
trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos,
atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua
impressão. e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo
obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas
por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os con-
tenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.
35
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 312.
36
LEÃO, Celina Gontijo; FRIAS, Liconln. A importância social do IPTU e os problemas em sua gestão. Qualistas
Revista Eletrônica. v. 19, n. 1, p. 23-42, jan./mar. 2018. Disponível em: https://www.researchgate.net/publica-
tion/326470126_A_IMPORTANCIA_SOCIAL_DO_IPTU_E_OS_PROBLEMAS_EM_SUA_GESTAO. Acesso em:
29 out. 2022.
202| Derick Davidson Cordeiro - Gabriela Ganho
Além disto, consoante ensinam os autores Octavio Campos Fischer e Marcos Augusto
Maliska, o dever de pagamento do IPTU não tem como fato gerador a propriedade pura e sim-
plesmente, mas o fato gerador é o direito de propriedade sobre bens situados em zona urbana37.
A base de cálculo do IPTU é o valor venal do Imóvel. Para os autores, esta base de
cálculo do imposto municipal é inadmissível, tendo em vista que é uma presunção sobre o
valor de venda do imóvel e, se o proprietário não tem intenção alguma de vender o imóvel
ou não existe, efetivamente, qualquer operação de venda do imóvel, não haveria sentido na
base de cálculo do imposto38.
Tal apontamento é necessário, em observância a considerável e impactante importância
do imposto em análise para a municipalidade, mesmo que sua arrecadação seja relativamente
menor do que outros tributos (o ISS, por exemplo), o IPTU serve para contribuir principalmente
com o desenvolvimento das zonas urbanas. Neste sentido, observamos a situação do IPTU pro-
gressivo, que é voltado para a função social da propriedade e aproveitamento do solo urbano.
A intenção do legislador fica evidente quando observamos o art. 182, da
Constituição:
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvi-
mento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.[...] §
4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no
plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edifica-
do, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena,
sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a
propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com
pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo
Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e
sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
37
FISCHER, Octavio Campos; MALISKA, Marcos Augusto. Regra matriz de incidência tributária – segurança
jurídica e a base de cálculo do IPTU. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 22, n. 3, p.
272-293, set./dez. 2017. Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/
view/1212. Acesso em: 29 out. 2022.
38
FISCHER, Octavio Campos; MALISKA, Marcos Augusto. Regra matriz de incidência tributária – segurança
jurídica e a base de cálculo do IPTU. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 22, n. 3, p.
272-293, set./dez. 2017. Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/
view/1212. Acesso em: 29 out. 2022.
Análise da renúncia da receita de IPTU no município de Curitiba |203
39
Curitiba, Lei 16.036, “Dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária Anual para
2023 e dá outras providências”, publicada em 30 de junho de 2022.
204| Derick Davidson Cordeiro - Gabriela Ganho
40
COSTA, Ana Paula; PECINI, André Custódio; TSUNODA, Denise Fukumi. A descoberta de padrões por meio da
mineração de dados no IPTU de Curitiba. Revista Do Serviço Público, Brasília, v. 72, n. 4, p. 753-778, out./dez.
2021. Disponível em: https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/6063. Acesso em: 30 out. 2022.
41
COSTA, Ana Paula; PECINI, André Custódio; TSUNODA, Denise Fukumi. A descoberta de padrões por meio da
mineração de dados no IPTU de Curitiba. Revista Do Serviço Público, Brasília, v. 72, n. 4, p. 753-778, out./dez.
2021. Disponível em: https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/6063. Acesso em: 30 out. 2022.
Análise da renúncia da receita de IPTU no município de Curitiba |205
42
LEÃO, Celina Gontijo; FRIAS, Liconln. A importância social do IPTU e os problemas em sua gestão. Qualistas
Revista Eletrônica. v. 19, n. 1, p. 23-42, jan./mar. 2018. Disponível em: https://www.researchgate.net/publica-
tion/326470126_A_IMPORTANCIA_SOCIAL_DO_IPTU_E_OS_PROBLEMAS_EM_SUA_GESTAO. Acesso em:
29 out. 2022.
43
COSTA, Ana Paula; PECINI, André Custódio; TSUNODA, Denise Fukumi. A descoberta de padrões por meio da
mineração de dados no IPTU de Curitiba. Revista Do Serviço Público, Brasília, v. 72, n. 4, p. 753-778, out./dez.
2021. Disponível em: https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/6063. Acesso em: 30 out. 2022.
Análise da renúncia da receita de IPTU no município de Curitiba |207
5 CONCLUSÃO
A preocupação com o desenvolvimento social urbano pode ser considerada um
verdadeiro marco histórico presente no texto constitucional promulgado em 1988.
Em outras palavras, a valorização do ente federativo municipal, com a garantia de
sua autonomia, e definição da sua função fiscal, demonstram as mudanças substanciais
obtidas a partir da redemocratização.
Contudo, ao se tratar da redução das desigualdades e do potencial desenvolvimentis-
ta trazidos pela Constituição, no que tange à efetividade dos direitos e garantias fundamentais
e sociais em nossa comunidade, dificilmente é observado o desafio dos seus custos.
Assim, o agir do Estado como agente promotor dos direitos e garantias fundamen-
tais e sociais deverá ser analisado conjuntamente com o obstáculo gerado pela receita.
No que que se refere à receita, portanto, o presente trabalho procurou demonstrar
o impacto do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial e Urbana, substancialmente
como instrumento para estimular ou desestimular comportamentos por parte do contri-
buinte e, além disso, como sua renúncia no Município de Curitiba auxilia no desenvolvi-
mento social, econômico e urbano.
Conforme observamos, todas as renúncias apresentam consideráveis justificativas
e voltam-se a concretização de inúmeros direitos, propiciando uma esfera mais efetiva e
concretizadora de direitos fundamentais.
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ção legal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
A TEORIA DO ESTADO MODERNO
WEBERIANO E A FORMAÇÃO DO
POPULISMO COMO MEIO INTEGRADOR
POLÍTICO OU FORMA DE RUÍNA
DEMOCRÁTICA E INSTITUCIONAL
Resumo
O estudo tem como objetivo analisar a questão do populismo em um Estado pautado em
princípios democráticos. Analisa-se a estrutura de Estado Moderno Racional na teoria de
Max Weber no sentido de que a racionalização tem como finalidade o maior rendimento e a
eficácia para o desenvolvimento. Tal racionalização se divide em três tipos: cultural, social
e da personalidade, sendo esses elementos que demonstram a racionalização da socie-
dade. Expõe-se que a comunidade política encontre espaço no Estado Moderno, deve-se
verificar a existência de quatro características em sua teoria. Ademais, explicita-se outra
característica do Estado moderno e o fundamento basilar para este. Reafirma-se que o
Direito racional pressupõe uma burocracia profissional, explicitando o conceito Weberiano
de Burocracia e demonstrando sua importância, vez que se revela como um meio pelo qual
é expressão da lei sob as ações do Estado. Explora-se o conceito de tipo ideal em Weber
e as suas classificações. Na sequência se explica os tipos de dominação em sua teoria,
dando recorte e ênfase na dominação carismática e as formas de discursos políticos na
teoria do discurso de Charaudeau. Por fim, se analisa a teoria da integração e seus tipos
1
Mestranda em Direitos Fundamentais e Democracia (Linha de Pesquisa Constituição e Condições Materiais
da Democracia) pelo Programa de Pós-Graduação do Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil).
Bolsista do Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particulares (Prosup) da
Capes. Membro do Núcleo de Pesquisa em Direito Constitucional (Nupeconst) do PPGD do UniBrasil.
E-mail: sthephanypatricio@yahoo.com
210| Sthephany Patrício da Silva
1 INTRODUÇÃO
Os discursos populistas que permeiam a sociedade brasileira nos últimos anos
se apresentam de forma intrigante para entender o que constitui o Estado Moderno que o
legitima existir. Dessa forma, o artigo está estruturado no primeiro tópico na teoria webe-
riana da constituição do Estado racional moderno, os seus três tipos de racionalização, as
características dessa racionalização, explicando o que, de que forma e porque o Estado, na
teoria de Weber, é detentor do monopólio da violência.
Por conseguinte, no tópico dois será abordado o que são de fato os tipos ideais de
Weber, que não se apresentam de forma pura na realidade mas se criam diante a necessi-
dade heurística dos acontecimentos. Com fulcro nesses ideais, faz-se um elo com os tipos
ideais de dominação, que se apresentam na teoria de três formas, mas dando maior ênfase
na dominação carismática e como ela se utiliza dos discursos para atingir sua finalidade.
divisão das atividades, sem deixar de lado a relação entre os homens, meio social inserido
e seus instrumentos, com a finalidade de maior rendimento e eficácia, ou seja, é o desen-
volvimento prático operado pelo homem de forma técnica pela racionalidade 2.
Segundo Habermas, são esses três elementos descritos por Weber que expressam
a racionalização da sociedade. A terceira e última racionalização identificada por Habermas
em Weber é da personalidade que, segundo o autor, nada mais é do que a conduta racional
de vida do indivíduo em sociedade, sendo também um ponto central de ligação entre as
duas outras racionalizações – cultural e da sociedade4. Marcos Maliska entende que na
racionalização da personalidade já não basta a constatação de fatores materiais, mas pas-
sa a ser necessário que o indivíduo internalize valores e ideais no meio social 5.
2
MALISKA, Marcos Augusto. Os desafios do Estado moderno. Federalismo e Integração regional. 2003. 149f.
Tese (Doutorado) – Programa de Doutorado em Direito, Universidade Federal do Paraná (estágio de doutora-
mento na Ludwig Maximilian Universität), Curitiba, Munique, 2003. p. 30.
3
HABERMAS, Jürgen. Theorie des kommunikativen handelns. Band 1. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1981. p. 226.
4
HABERMAS, Jürgen. Theorie des kommunikativen handelns. Band 1. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1981. p.
226-227.
5
MALISKA, Marcos Augusto. Os desafios do Estado moderno. Federalismo e Integração regional. 2003. 149f.
Tese (Doutorado) – Programa de Doutorado em Direito, Universidade Federal do Paraná (estágio de doutora-
mento na Ludwig Maximilian Universität), Curitiba, Munique, 2003. p. 32.
212| Sthephany Patrício da Silva
Num passado não muito distante, o uso da força física era visto como algo per-
feitamente normal nas instituições. Atualmente, “temos de dizer que o Estado é uma co-
munidade humana que pretende, com êxito, o monopólio do uso legítimo da força física
dentro de um determinado território”8. Assim como sustentado por Maliska nos itens iii
e iv, nota-se que o território é característica essencial para a existência do Estado. Essa
existência é uma condicionante do direito na modernidade do uso da força física que é
atribuída às instituições ou às pessoas (relações privadas) na medida em que esse Estado
racional permite. Segundo Weber, “O Estado é considerado como a única fonte do ‘direito’
de usar a violência”9.
Sendo o Estado o único detentor desse direito à violência, pode surgir a dúvida
sobre o que legitima essa autoridade e monopólio sob os indivíduos que coexistem dentro
e nos limites territoriais. Max Weber deixa uma resposta a essa questão em sua teoria.
Equiparando os agrupamentos políticos ao Estado nessa questão, segundo ele, estes pos-
suem “[...] três justificações interiores, e portanto legitimações, básicas do domínio”10.
Tais domínios serão mais bem explorados no tópico seguinte.
6
MALISKA, Marcos Augusto. Max Weber e o Estado racional moderno. Revista Eletrônica do CEJUR, Curitiba,
v. 1, n. 1, p. 15-28, ago./dez. 2006. p. 18. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/cejur/article/view/14830.
Acesso em: 13 ago. 2023.
7
WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Tradução de Waltensir Dutra. Organização de Hans Gerth e Wright Mills.
5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982. p. 98.
8
WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Tradução de Waltensir Dutra. Organização de Hans Gerth e Wright Mills.
5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982. p. 98.
9
WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Tradução de Waltensir Dutra. Organização de Hans Gerth e Wright Mills.
5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982. p. 98.
10
WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Tradução de Waltensir Dutra. Organização de Hans Gerth e Wright Mills.
5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982. p. 99.
A teoria do Estado moderno Weberiano e a formação do populismo... |213
uma administração racional que está baseada em regulamentos explícitos que dão permis-
são para intervir em temas diversos11.
O Direito racional dito acima remonta numa burocracia profissional, que, conse-
quentemente, se assenta no desenvolvimento do capitalismo moderno. Isso porque essa
burocracia estatal foi meio possibilitador do desenvolvimento do capitalismo dentro do
Estado moderno e meio de manutenção para a sua funcionalidade econômica12. Diante
disso, fica claro que entender o que é Burocracia em Weber na formação do Estado mo-
derno é primordial para compreender os desdobramentos políticos de uma democracia13.
Essa formação de máquinas é vista pelo autor de uma forma dialética, ou seja, Weber
entende que a democracia deve se opor à burocracia como tendência para uma ou outra cas-
ta, que tem uma realidade distanciada das pessoas comuns com fulcro em seus certificados,
cargos e títulos, todavia o âmbito das funções administrativas, “o fim da fronteira aberta e
a limitação das oportunidades torna o sistema de despojo15, com seu desperdício público,
irregularidades e falta de eficiência cada vez mais impossível e antidemocrático”16.
11
MALISKA, Marcos Augusto. Max Weber e o Estado racional moderno. Revista Eletrônica do CEJUR, Curitiba,
v. 1, n. 1, p. 15-28, ago./dez. 2006. p. 20. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/cejur/article/view/14830.
Acesso em: 13 ago. 2023.
12
MALISKA, Marcos Augusto. Max Weber e o Estado racional moderno. Revista Eletrônica do CEJUR, Curitiba,
v. 1, n. 1, p. 15-28, ago./dez. 2006. p. 20. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/cejur/article/view/14830.
Acesso em: 13 ago. 2023.
13
Para uma análise da ressignificação do conceito de democracia recomenda-se a leitura do seguinte artigo:
WOLKMER, Antonio Carlos; FERRAZZO, Débora. Ressignificação do conceito de democracia a partir de direi-
tos plurais e comunitários latino-americanos. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 16,
n. 16, p. 200-228, 2014. Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/
view/558. Acesso em: 20 ago. 2022.
14
WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Tradução de Waltensir Dutra. Organização de Hans Gerth e Wright Mills.
5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982. p. 31.
15
Despojo é o costume de distribuir os cargos públicos para as pessoas que efetivamente trabalharam para que
o partido ascendesse ao poder. O sistema de despojo se apresenta contrário ao sistema de mérito.
16
WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Tradução de Waltensir Dutra. Organização de Hans Gerth e Wright Mills.
5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982. p. 32.
214| Sthephany Patrício da Silva
rotina opressiva”. Nesta segunda, a racionalização é entendida por Weber como oposta ao
conceito de liberdade pessoal17.
No entanto, esta burocracia que Weber se propôs a formular em sua teoria da so-
ciologia política pode sofrer interpretações diversas. O autor, em sua teoria não apresentou
a burocracia como uma forma organizacional numa estrutura de sistema social, mas sus-
tentou como um tipo ideal de poder que se apresenta em formas classificadas de domina-
ção19, o que possui ligação com o monopólio da violência legítima que detém o Estado20.
A formulação de tipos ideais não é algo novo dentro das teorias, pois assim tam-
bém foi feito com o racionalismo e o capitalismo. A constituição do tipo ideal se dá por
abstração da qual as características extremas de algum fenômeno são definidas, com o
intuito de explicar e apresentar tais fenômenos em sua essência. Porém, os tipos ideais,
sem eles quais forem, tem um grande valor heurístico, mas não se apresentam com essa
forma pura na realidade21.
17
WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Tradução de Waltensir Dutra. Organização de Hans Gerth e Wright Mills.
5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982. p. 68.
18
MALISKA, Marcos Augusto. Max Weber e o Estado racional moderno. Revista Eletrônica do CEJUR, Curitiba,
v. 1, n. 1, p. 15-28, ago./dez. 2006. p. 25. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/cejur/article/view/14830.
Acesso em: 13 ago. 2023.
19
Para novas análise de dominação estatal e democracia substantiva, vide: GALVÃO, Ciro di Benatti; DUARTE,
Luciana Gaspar Melquíades. Direitos Fundamentais, dominação estatal e democracia substantiva. Revista
Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 22, n. 3, p. 109-129, 2017. Disponível em: https://revistaele-
tronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/1078. Acesso em: 20 ago. 2022.
20
MOTTA, Fernando Prestes; PEREIRA, Luiz Bresser. Introdução à organização burocrática. 4. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1984. p. 20.
21
WEBER, Max. Objetividade do conhecimento nas ciências sociais. In: COHN, Gabriel (org.). Max Weber. 7. ed.
São Paulo: Ática, 2003. p. 79-127. p.113.
A teoria do Estado moderno Weberiano e a formação do populismo... |215
Marcos Maliska foi pontual ao sustentar que as burocracias reais são divergentes
dos tipos puros weberianos “[...] sendo as organizações administrativas estatais as que pos-
suem o maior grau de desvio em relação ao modelo abstrato definido”24. Em análise da obra
Introdução à Sociologia Geral de Milton Bins, Maliska complementa que a administração
pública – instituições democráticas – não se separa totalmente da política, uma vez que há
grande disputa dos partidos políticos e dos grupos de interesse em integrar as instituições
por meio dos cargos públicos diante os vastos recursos de poder que lhe são propiciados25.
22
A compreensão diversa sobre o tipo ideal de Burocracia em Weber é feita por vários autores. Destaca-se aqui a
crítica feita por Alvin Gouldner sobre a efetividade e características da Burocracia. Segundo ele, Weber parece
não ver a possibilidade de variação do modelo deste tipo ideal, isto porque a aceitação da validade de uma
norma legal pode ser estabelecida mediante um acordo ou uma exposição. Conforme Gouldner, Weber parece
supor que o contexto social e cultural de uma burocracia seria neutro, não levando em consideração o modo
de introdução das normas internas (imposição ou acordo de vontades) - p. 55- Diante disso, Alvin descreve
dois tipos de burocracia diante o tipo ideal da teoria weberiana: “Weber parece ter descrito implicitamente não
um, mas dois tipos de burocracia. Um desses tipos pode ser chamado de ‘forma representativa’ da burocracia,
baseado em normas estabelecidas por acordo, regras que são tecnicamente justificadas e administradas por
pessoal especialmente qualificado… Um segundo padrão que pode ser chamado de burocracia ‘punitiva’ é ba-
seado na imposição de normas e na obediência pura e simples”, vide: GOULDNER, Alvin W. Conflitos na teoria
de Weber. In: CAMPOS, Edmundo. Sociologia da burocracia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1966. p. 54-62. p. 58.
23
COVOLO, Rafael. Implicações dos procedimentos burocráticos no atendimento e na cultura organizacional
da agência IAPI do Instituto Nacional Social (INSS). 2006. 66f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação)
– Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006. p. 16. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/
handle/10183/24355. Acesso em: 14 ago. 2023.
24
MALISKA, Marcos Augusto. Os desafios do Estado moderno. Federalismo e Integração regional. 2003. 149f.
Tese (Doutorado) – Programa de Doutorado em Direito, Universidade Federal do Paraná (estágio de doutora-
mento na Ludwig Maximilian Universität), Curitiba, Munique, 2003. p. 41.
25
MALISKA, Marcos Augusto. Max Weber e o Estado racional moderno. Revista Eletrônica do CEJUR, Curitiba,
v. 1, n. 1, p. 15-28, ago./dez. 2006. p. 26. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/cejur/article/view/14830.
Acesso em: 13 ago. 2023.
216| Sthephany Patrício da Silva
[...] um hábito cego de lealdade a quem dispõe dos meios de coação, em obediência
a normas e regras imemoriais que se perdem no tempo, ou, em obediência a um
carisma pessoal que se coloca como portador de uma missão de salvação, trazen-
do uma “boa nova” e reunindo um séquito de companheiros em torno de si com a
exortação “Está escrito, mas em verdade vos digo”27.
A dominação racional legal tem fundamento na burocracia em seu tipo puro. Este
tipo de dominação é típico do Estado moderno. Sendo assim, todo direito é válido pelo seu
fundamento em um procedimento racional, independente se for estabelecido por outorga ou
convenção. O conjunto de regras forma uma abstração de normas, técnicas, prescrições,
cabendo a aplicação dessas regras gerais aos casos particulares por meio do Judiciário,
enquanto a administração tem por finalidade a proteção dos interesses no delimitar dessas
regras28. Tanto as instâncias superiores quanto o próprio Presidente eleito estão vinculados
a essa ordem do direito impessoal e genérico e, consequentemente, suas ações devem ser
orientadas por ela. Segundo Marcos Maliska, “Os membros do agrupamento só obedecem
ao direito e são chamados cidadãos, isto quer dizer que não são obrigados a submeter-se
senão nas condições previstas pela lei”29.
26
MALISKA, Marcos Augusto. Max Weber e o Estado racional moderno. Revista Eletrônica do CEJUR, Curitiba,
v. 1, n. 1, p. 15-28, ago./dez. 2006. p. 22. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/cejur/article/view/14830.
Acesso em: 13 ago. 2023.
27
WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. Tradução de Augustin Wernet. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
p. 39.
28
WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. Tradução de Augustin Wernet. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
p. 40.
29
MALISKA, Marcos Augusto. Max Weber e o Estado racional moderno. Revista Eletrônica do CEJUR, Curitiba,
v. 1, n. 1, p. 15-28, ago./dez. 2006. p. 24. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/cejur/article/view/14830.
Acesso em: 13 ago. 2023.
A teoria do Estado moderno Weberiano e a formação do populismo... |217
Por conseguinte, o domínio tradicional tem fundamento nas crenças no divino e nas
santidades das tradições e na legitimidade dos que estão no poder ou recebem o poder em
nome do costume. Essa autoridade, não é democraticamente eleita por meio do sufrágio,
mas sim pela linhagem de outro homem que já está no poder em razão do costume, como
é o caso da primogenitura ou linhagem real monárquica. O poder legitima um reino a título
pessoal e a obediência é direcionada a pessoa, tornando-se um ato de piedade. Os indiví-
duos que estão sob a égide desse governo passam a ser súditos que devem obediência às
normas legitimadas pelo poder do domínio tradicional do Soberano. Todavia, alerta Maliska
que “a tradição não é assimilável ao puro arbítrio, pois se o soberano a viola, arrisca-se a
provocar uma resistência que, certamente, não visa ao sistema, mas sim a sua pessoa ou
a seus favoritos”30.
O que mais interessa pontuar aqui é o terceiro tipo de dominação trabalhado por
Weber nomeado de dominação carismática. O autor explica que a transmissão do carisma
pode se dar de duas diferentes formas, pela heredição ou se apresentar como tipo puro. O
carisma hereditário ocorria em monarquias no período absolutista, onde a qualificação ca-
rismática era encontrada e legitimada pela linhagem “sanguínea”. A dominação carismática
ocorre em seu tipo puro quando há reconhecimento pelos que o escutam e então decidem
o acompanhar. Weber pontua e diferencia que este tipo de dominação “[...] caracteriza-se
pela instabilidade, enquanto a dominação burocrática tem seu forte na estabilidade”31.
Weber entende que o sujeito carismático que apresenta esse tipo de dominação é
qualitativamente singular, pois seu carisma emerge de fatores comportamentais, internos
e psicológicos, o que não torna possível classificar determinados padrões da ação caris-
mática32. Tal sujeito assume objetivos estruturando tarefas e passa a requerer adesão e
obediência do que considera como missão. O êxito do indivíduo carismático passa a ser
condicionado à capacidade de passar seus valores e princípios aos que aderiram às pautas
(subordinados) da sua “missão”. Se os ouvintes não reconhecem essas pautas como
legítimas, o indivíduo se encontra em fracasso. Ao ponto que estes lhe dão o devido reco-
nhecimento, o tornam senhor deste grupo ou movimento enquanto o indivíduo conseguir
manter este reconhecimento33.
30
MALISKA, Marcos Augusto. Max Weber e o Estado racional moderno. Revista Eletrônica do CEJUR, Curitiba,
v. 1, n. 1, p. 15-28, ago./dez. 2006. p. 23. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/cejur/article/view/14830.
Acesso em: 13 ago. 2023.
31
WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. Tradução de Augustin Wernet. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
p. 42.
32
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Editora Universidade
de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004. v. 2. p. 324.
33
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Editora Universidade
de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004. v. 2. p. 324-326.
218| Sthephany Patrício da Silva
uma conjuntura de gênero e espécie das categorias denominadas pelo autor como discurso
propagandístico e discurso promocional. O autor explica que uma das características do
discurso propagandístico é a finalidade de gerar estímulo aos cidadãos para crerem em
uma esfera coletiva, o que habitualmente utiliza os meios de difusão em massa 35.
34
Para uma análise do mentor do pluralismo político no Estado Moderno, se indica a seguinte leitura: MEDER,
Stephan. Último gênio universal ou o primeiro pensador global? Leibniz como mentor do pluralismo político.
Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 24, n. 1, p. 5-25, 2019. Disponível em: https://
revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/1552. Acesso em: 21 ago. 2022.
35
CHARAUDEAU, Patrick. O discurso propagandista: uma tipologia. In: MACHADO, Ida Lucia; MELLO, Renato.
Análises do discurso hoje. v. 3. Rio de Janeiro: Nova Fronteira (Lucerna), 2010. p. 57-78. Disponível em: http://
www.patrick-charaudeau.com/O-discurso-propagandista-uma.html. Acesso em: 17 ago. 2022.
36
CHARAUDEAU, Patrick. O discurso propagandista: uma tipologia. In: MACHADO, Ida Lucia; MELLO, Renato.
Análises do discurso hoje. v. 3. Rio de Janeiro: Nova Fronteira (Lucerna), 2010. p. 57-78. Disponível em: http://
www.patrick-charaudeau.com/O-discurso-propagandista-uma.html. Acesso em: 17 ago. 2022.
37
SILVA, Antonio dos Santos; CARVALHO NETO, Antonio. Uma contribuição ao estudo da liderança sob a ótica
weberiana de dominação carismática. Revista de Administração Mackenzie, São Paulo, v. 13, n. 6, p. 20-47,
dez. 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ram/a/jhfNT9fCSqrjNPn8rtNdzzC/. Acesso em: 14 ago. 2023.
A teoria do Estado moderno Weberiano e a formação do populismo... |219
É a partir dessa narrativa que se pode dizer que o discurso político é predominante-
mente persuasivo, pois o cumprimento do seu objetivo em captar o maior número cidadãos
às suas proposições, o sujeito discursante se coloca na posição de poder para a realização
das promessas feitas e persuadi-los pela afeição e compartilhamento dos mesmos princí-
pios e valores como indivíduo41.
Então, quando a massa está formada ela se torna volúvel, excitável, impulsiva,
sente-se onipotente, não suporta o tempo entre seu desejo e a realização, e não aceita a
impossibilidade, sendo a noção da impossível jogada ao vento pelo indivíduo na massa,
diante a realização do seu desejo. Ainda, segundo Freud:
38
CHARAUDEAU, Patrick. O discurso propagandista: uma tipologia. In: MACHADO, Ida Lucia; MELLO, Renato.
Análises do discurso hoje. v. 3. Rio de Janeiro: Nova Fronteira (Lucerna), 2010. p. 57-78. Disponível em: http://
www.patrick-charaudeau.com/O-discurso-propagandista-uma.html. Acesso em: 17 ago. 2022.
39
Um exemplo desses valores postos no discurso político pode ser encontrado no seguinte artigo: WERMUTH,
Maiquel Angelo Dezordi; NIELSSON, Joice Graciele. “Pela minha família, por Deus e pelo fim da corrupção”:
notas sobre o patrimonialismo na política brasileira contemporânea e a falência do Estado Democrático de
Direito. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 22, n. 1, p. 46-79, 2017. Disponível em:
https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/870. Acesso em: 20 ago. 2022.
40
CHARAUDEAU, Patrick. O discurso propagandista: uma tipologia. In: MACHADO, Ida Lucia; MELLO, Renato.
Análises do discurso hoje. v. 3. Rio de Janeiro: Nova Fronteira (Lucerna), 2010. p. 57-78. Disponível em: http://
www.patrick-charaudeau.com/O-discurso-propagandista-uma.html. Acesso em: 17 ago. 2022.
41
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso político. São Paulo: Contexto, 2006. p. 78.
220| Sthephany Patrício da Silva
todas as inibições individuais caem por terra e todos os instintos cruéis, brutais,
destrutivos, que dormitam no ser humano, como vestígio dos primórdios do tempo,
são despertados para a livre satisfação instintiva42.
[...] o Estado não constitui como tal uma totalidade imóvel, cuja única expressão
externa consiste em expedir leis, acordos diplomáticos, sentenças ou atos adminis-
trativos. Se o Estado existe, é unicamente graças a estas diversas manifestações,
expressões de uma estrutura espiritual e, de um modo mais decisivo, através das
transformações e renovações que tem como objeto imediato dita estrutura inteli-
gível. O Estado existe e se desenvolve exclusivamente neste processo de contínua
renovação e permanente revivescência; utilizando aqui a célebre caracterização da
Nação de autoria de Renan, o Estado vive de um plebiscito que se renova a cada dia.
42
FREUD, Sigmund. Psicologia das massas e análise do eu e outros textos (1920-1923). Tradução de Paulo
César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 25-26.
43
MALISKA, Marcos Augusto. Fundamentos da Constituição: abertura, cooperação e integração. Curitiba: Juruá,
2013. p. 95.
A teoria do Estado moderno Weberiano e a formação do populismo... |221
44
SMEND, Rudolf. Constitución y derecho constitucional. Traducción de José Maria Beneyto Pérez. Madrid:
Centro de Estudios Constitucionales, 1985. p. 62-63.
45
Tal afirmação se deu diante interpretação da seguinte passagem “A los tipos de integración que consisten
en momentos formales (personales y funcionales) analizados hasta ahora, se oponen radicalmente aquellos
tipos de configuración de la comunidad que se basan en valores comunitarios sustantivos” (SMEND, Rudolf.
Constitución y derecho constitucional. Traducción de José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1985. p. 93).
46
SMEND, Rudolf. Constitución y derecho constitucional. Traducción de José Maria Beneyto Pérez. Madrid:
Centro de Estudios Constitucionales, 1985. p. 70.
47
SMEND, Rudolf. Constitución y derecho constitucional. Traducción de José Maria Beneyto Pérez. Madrid:
Centro de Estudios Constitucionales, 1985. p. 71-72.
222| Sthephany Patrício da Silva
48
SMEND, Rudolf. Constitución y derecho constitucional. Traducción de José Maria Beneyto Pérez. Madrid:
Centro de Estudios Constitucionales, 1985. p. 80.
49
LACLAU, Ernesto. A razão populista. Tradução de Carlos Eugênio Marcondes de Moura. São Paulo: Três
Estrelas, 2013. p. 21.
50
SMEND, Rudolf. Constitución y derecho constitucional. Traducción de José Maria Beneyto Pérez. Madrid:
Centro de Estudios Constitucionales, 1985. p. 96-97.
51
MALISKA, Marcos Augusto. Fundamentos da Constituição: abertura, cooperação e integração. Curitiba: Juruá,
2013. p. 97.
52
MALISKA, Marcos Augusto. Fundamentos da Constituição: abertura, cooperação e integração. Curitiba: Juruá,
2013. p. 97
A teoria do Estado moderno Weberiano e a formação do populismo... |223
fora da Constituição como o processo de integração política internacional dos países - não
sendo tema de aprofundamento no presente artigo.
Pautado pela teoria de Ernesto Laclau, Maliska sustenta que o populismo não é
algo ruim como muitos autores defendem, mas é apenas algo inerente à democracia, pois
essa expressão política dada pelo populismo dá voz às demandas não atendidas pelas
instituições de forma a reintegrá-las politicamente. Deste modo, quando o populismo se
apresenta dessa forma integrativa, o populismo é um meio fortalecedor da democracia53.
Tais medidas ocorrem de forma gradativa, na maioria das vezes, com início atra-
vés de discursos polarizadores e medidas simbólicas na finalidade de construir a ideia de
ilegitimidade dos opositores. Posteriormente, busca-se a captura ou neutralização de ins-
tituições de controle como as Cortes Superiores, Tribunais de Contas, Procuradorias para
retirar os seus membros mais independentes e possa preencher, na tentativa de substitui-
ção, seus aliados fanáticos. Segundo o procedimento, isso diminui as limitações e riscos
que essas instituições democráticas representam aos objetivos autocratas55.
53
MALISKA, Marcos Augusto. Populism, democracy and the rule of law in today´s Brazil. In: KIRSTE, Stephan;
PAULO, Norbert (org.). Populism: perspectives from legal philosophie. Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 2021. v.
167. p. 233-245. p. 236.
54
LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Tradução de Renato Aguiar. 1. ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2018. p. 63
55
LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Tradução de Renato Aguiar. 1. ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2018. p. 64.
56
MALISKA, Marcos Augusto. Populism, democracy and the rule of law in today´s Brazil. In: KIRSTE, Stephan;
PAULO, Norbert (org.). Populism: perspectives from legal philosophie. Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 2021. v.
167. p. 233-245. p. 236.
224| Sthephany Patrício da Silva
5 CONCLUSÃO
A pesquisa analisou a estrutura, legitimação e poder do Estado Racional Moderno
na teoria proposta por Max Weber. Destacando a importância da burocracia e das formas
de legitimação do poder estatal. Os tipos ideais formulados por Weber são de suma im-
portância para entender o que hoje acontece dentro dos discursos sociais e políticos, nas
pautas levantadas pelos movimentos sociais e os métodos que são utilizados na teoria do
discurso para se atingir a finalidade de persuasão ao objeto vendido.
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do Estado Democrático de Direito. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 22, n.
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view/870. Acesso em: 20 ago. 2022.
Resumo
Discute-se a incumbência constitucional de defesa do Estado Democrático de Direito no
âmbito do desenho institucional da Separação de Poderes e em face do legado de autori-
tarismo no Brasil. Parte-se da premissa de que a história política da civilização brasileira
e da formação do Estado nacional é marcada por sucessivas formas de regimes autocrá-
ticos. Inicialmente, o autoritarismo se manifestou no controle e monopólio da monarquia
absolutista portuguesa sobre a Colônia do Brasil. No Império, o autoritarismo foi despótico,
representado pela figura do Monarca, que exercia o Poder Moderador, acumulando também
o exercício do Poder Executivo. Na República, ele foi representado pelo militarismo, com a
expansão e predomínio do Executivo sobre os demais Poderes e a supressão ou redução
dos espaços democráticos. Atualmente, assiste-se à escalada judiciarista, protagonizada
pelo Judiciário de cúpula. O Supremo Tribunal Federal tem arrogado a si a função de Poder
Moderador, de tutor último da institucionalidade, o que, na prática, tem se traduzido em au-
toritarismo judicial e estado de exceção. Adotou-se a pesquisa bibliográfica, utilizando-se
como método de abordagem o dedutivo, e como de procedimento, o hermenêutico. Ao fi-
1
Doutorando em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil).
Mestre em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Graduado em Direito e em
História pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Professor universitário. Servidor de carreira do
Ministério Público do Estado do Amazonas. E-mail: dillingsmaq@gmail.com
2
Doutorando em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil).
Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor de Direito das Relações
Sociais da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). E-mail: paulocesardelara@gmail.com
228| Dillings Barbosa Maquiné - Paulo César de Lara
1 INTRODUÇÃO
Hodiernamente, o Brasil integra o grupo de países que adotaram o constitucio-
nalismo e a democracia como as melhores opções, historicamente comprovadas, de or-
ganização política e exercício equilibrado do poder, em face das diversas manifestações
autocráticas que a humanidade já vivenciou. Uma rápida análise do processo histórico da
civilização brasileira demonstra que o autoritarismo é uma constante na cultura política
nacional nesses últimos quinhentos anos. A busca contínua pela autonomia, pela autode-
terminação rememora o sonho hegeliano da liberdade. O poder precisa ser contido para
que a liberdade possa florescer e se desenvolver.
3
Conforme se infere da literalidade do Art. 1º, caput, da Constituição Federal – CF/88,
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito [...]:
4
Art. 1º Omissis.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituição.
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
230| Dillings Barbosa Maquiné - Paulo César de Lara
5
Conforme anotado por Currito, “Com a morte de D. João VI em 1826 (e já com a Proclamação da Independência
do Brasil em 1822), punha-se o problema da sucessão, nomeadamente de D. Pedro ‘Imperador do Brasil e
Príncipe Real de Portugal e Algarves’, solução que não agradava a brasileiros e portugueses, por junção dos
Reinos”. O autor acrescenta que, conforme assinalado por Marcello Caetano (Manual de Ciência Política e
Direito Constitucional. 4. ed. Lisboa: Coimbra Editora, 1963, p. 350-351) “O Imperador procurou, por isso,
uma solução política que se lhe afigurou hábil: para dar satisfação aos anseios liberais, já muito espalhados
em Portugal, deliberou outorgar, primeiro, no pleno exercício das suas prerrogativas régias, uma Constituição
à Monarquia Portuguesa (29 de Abril de 1826); seguidamente (2 de Maio) abdicou em sua filha D. Maria da
Glória, sob a condição de ela casar com o tio, D. Miguel, e de ser posta em vigor a Carta Constitucional”
(CURRITO, Eduardo. Constituições portuguesas e Constituição Europeia. Lisboa: Universidade Católica
de Lisboa, 2003. Disponível em: https://www.academia.edu/10387024/CONSTITUI%C3%87%C3%95ES_
PORTUGUESAS_E_CONSTITUI%C3%87%C3%83O_EUROPEIA. Acesso em: 22 nov. 2022).
6
Constituição Política do Império do Brazil, de 25 de março de 1824,
Art. 101. O Imperador exerce o Poder Moderador
I. Nomeando os Senadores, na fórma do Art. 43.
II. Convocando a Assembléa Geral extraordinariamente nos intervallos das Sessões, quando assim o pede o
bem do Imperio.
III. Sanccionando os Decretos, e Resoluções da Assembléa Geral, para que tenham força de Lei: Art. 62.
IV. Approvando, e suspendendo interinamente as Resoluções dos Conselhos Provinciaes: Arts. 86, e 87. (Vide
Lei de 12.10/1832)
V. Prorrogando, ou adiando a Assembléa Geral, e dissolvendo a Camara dos Deputados, nos casos, em que o
exigir a salvação do Estado; convocando immediatamente outra, que a substitua.
VI. Nomeando, e demittindo livremente os Ministros de Estado.
Autoritarismo, poder moderador e a incumbência de defesa do Estado ... |231
do Poder Moderador não era exatamente de poder neutro, mas de poder que assegurava ao
Monarca uma supremacia sobre os demais, mantendo, na prática, e em alguma medida,
parte das prerrogativas régias presentes no despotismo europeu.
10
Constituição Política do Imperio do Brazil, de 25 de março de 1824.
Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organisação Política, e é delegado privativamente ao Imperador,
como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manu-
tenção da Independencia, equilibrio, e harmonia dos mais Poderes Politicos.
Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolavel, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma.
Art. 100. Os seus Titulos são “Imperador Constitucional, e Defensor Perpetuo do Brazil” e tem o Tratamento de
Magestade Imperial.
11
Em que pese às críticas dirigidas ao caráter centralista do modelo brasileiro adotado, Lynch concorda com
José Murilo de Carvalho (A Monarquia Brasileira, 1993) no sentido de que a Carta Imperial de 1824 era, pro-
vavelmente, a constituição monárquica mais liberal de seu tempo (LYNCH, Christian Edward Cyril. O discurso
político monarquiano e a recepção do conceito de Poder Moderador no Brasil (1822-1824). Dados Revista
de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 48, n. 3, p. 611-654, 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/
dados/v48n3/a06v48n3.pdf. Acesso em: 30 out. 2022).
12
Na opinião de Carvalho houve “o distanciamento da Constituição Imperial do Primeiro Reinado das exigências
da teoria política de Benjamin Constant, uma vez que D. Pedro I não realizou efetivamente a separação entre
Executivo e Poder Moderador: antes, concentrou em suas mãos os dois poderes, fato que (no exercício
do poder) não ocorreu durante o Reinado de D. Pedro II” (CARVALHO, Eder Aparecido de. Imperadores do
Brasil: diferenças institucionais e políticas no exercício do Poder Moderador. 2019. 221f. Tese (Doutorado)
– Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Araraquara, 2019. p. 11-13. Disponível em: http://wwws.fclar.unesp.br/
agenda-pos/ciencias_sociais/5221.pdf. Acesso em: 22 nov. 2022).
Autoritarismo, poder moderador e a incumbência de defesa do Estado ... |233
monárquica dando-lhe sobrevida.13 Esse modelo autocrático perdurou até 188914 quando,
então, foi substituído pela República, implantada por meio de um golpe militar liderado pelo
Marechal Deodoro da Fonseca, um dos heróis da Guerra do Paraguai.
Por meio desse breve escorço histórico é possível demonstrar, em linhas gerais,
que na fase crucial de formação do Estado Nacional, a experiência de seis décadas de
Poder Moderador – de poder autocrático – deixou marcas na cultura política nacional. O
Brasil, enquanto Estado soberano, foi formado sob o gene do autoritarismo15, presente no
Poder Moderador. Se retrocedermos o período sob análise e considerarmos os três séculos
de período colonial (1500-1822), em que vigorou em Portugal uma monarquia absolutista,
que controlou o quanto pôde tudo o que dizia respeito à sua mais importante possessão
ultramarina, é dizer-se que, desde sua gênese, o Brasil esteve sob a forte influência de uma
cultura política autocrática e centralizadora do poder.
13
ALVES, Joaquim. A separação de poderes como elemento do Estado Democrático de Direito. Revista do
Tribunal Regional Federal: 3. Região, n. 84, p. 11-87, jul./ago. 2007.
14
“Em 1834 foi promulgado o Ato Adicional, que criava as Assembleias Legislativas provinciais e suprimia o
Poder Moderador – só restaurado em 1840, com a Emenda Interpretativa do Ato Adicional” (BRASIL. Câmara
dos Deputados. Constituições brasileiras. Brasília: Centro de Documentação e Informação, 2005. Disponível
em: https://www2.camara.leg.br/a-camara/visiteacamara/cultura-na-camara/copy_of_museu/publicacoes/
arquivos-pdf/Constituicoes%20Brasileiras-PDF.pdf. Acesso em: 22 nov. 2022.).
15
Para fins da presente reflexão adota-se o conceito de autoritarismo esboçado por Bobbio et al.: “Na tipologia
dos sistemas políticos, são chamados de autoritários os regimes que privilegiam a autoridade governamental
e diminuem de forma mais ou menos radical o consenso, concentrando o poder político nas mãos de uma só
pessoa ou de um só órgão e colocando em posição secundária as instituições representativas. Nesse contex-
to, a oposição e a autonomia dos subsistemas políticos são reduzidas à expressão mínima e as instituições
destinadas a representar a autoridade de baixo para cima ou são aniquiladas ou substancialmente esvaziadas.
[...] o termo Autoritarismo é empregado em dois sentidos: um deles, muito generalizado, compreende todos os
sistemas não democráticos caracterizados por um baixo grau de mobilização e de penetração da sociedade.
Este último significado coincide em parte com a noção de ideologia autoritária. Mas só em parte, pois que exis-
tem tanto os regimes autoritários de ordem como os regimes autoritários voltados para uma transformação,
embora limitada, da sociedade” (BOBBIO, Norberto et al. (coord.). Dicionário de política. Tradução de Carmen
C. Varriale et al. 11. Ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. v. 2. p. 94-95).
234| Dillings Barbosa Maquiné - Paulo César de Lara
“paternalista” para com a ordem política nacional, numa espécie de caudilhismo tardio
à brasileira.16 Nesse período, a ação política dos militares resultou, algumas vezes, na
instalação de crises institucionais ou na tomada do poder e implantação de regimes de
exceção, como se viu, inicialmente, na ditadura da República da Espada (1889-1994),
depois no fascismo da Era Vargas (1930-1945), na Revolução Constitucionalista (1932) e,
por último, na Ditadura Militar (1964-1985)17. Por outro lado, em períodos de normalidade
política e institucional, militares e políticos com ascendência militar chegaram à Presidência
da República por meio do voto direto e democrático18. O protagonismo político dos mi-
litares e da instituição castrense na República assim como sua ligação ideológica com o
autoritarismo do Poder Moderador também foram percebidos por Bonavides:
16
Conforme Bobbio et al, o termo Caudilhismo se refere ao “regime imperante na maior parte dos países da
América espanhola, no período que vai dos primeiros anos da consolidação definitiva da Independência, em
torno de 1820, até 1860, quando se concretizaram as aspirações de unificação nacional. O termo, de origem
espanhola, é o adotado no uso corrente e científico, em referência a esse fenômeno. O Caudilhismo é ca-
racterizado pela divisão do poder entre chefes de tendência local: os caudilhos. Estes líderes, geralmente de
origem militar, oriundos, em sua grande maioria, da desmobilização dos exércitos que combateram nas guer-
ras de independência, de 1810 em diante, provinham, em certos casos, de estratos sociais inferiores ou de
grupos étnicos discriminados (mestiços, índios, mulatos, negros). [...] Presentemente, parte dos estudiosos
da ciência política creem que o Caudilhismo é particularmente significativo para a compreensão da gênese do
militarismo na América Latina” (BOBBIO, Norberto et al. (coord.). Dicionário de política. Tradução de Carmen
C. Varriale et al. 11. Ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. v. 2. p. 156-157).
17
O Brasil já teve os seguintes presidentes de origem ou ascendência militar não eleitos pelo voto direto: Marechal
Deodoro da Fonseca (1889-1991), Marechal Floriano Peixoto (1891-1994); Getúlio Vargas – era Sargento do
Exército, depois optou pela advocacia e pela política (1930-1945); General Castelo Branco (1964-1967);
General Costa e Silva (1967-1969); General Emílio Médici (1969-1974); General Ernesto Geisel (1974-1979);
e General João Figueiredo (1979-1985) (BRASIL. Biblioteca da Presidência da República. Galeria dos ex-pre-
sidentes. [S.d.]. Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes. Acesso
em: 10 fev. 2023).
18
Os presidentes da República de origem militar eleitos pelo voto direto são: Marechal Hermes da Fonseca
(1910-1914), Marechal Eurico Dutra (1946-1951), Getúlio Vargas (1951-54) e Jair Bolsonaro – Capitão re-
formado (2019-2022). Juscelino Kubitschek de Oliveira, Presidente entre 1956-1961, era Tenente-Coronel da
Polícia Militar do Estado de Minas Gerais e integrou as tropas que combateram os revoltosos de 1932. Itamar
Franco, que governou entre 1992-1995 (Vice-Presidente eleito na chapa de Fernando Collor de Mello e que
o sucedeu após o impeachment), tinha a graduação de Aspirante a Oficial do Exército brasileiro (BRASIL.
Biblioteca da Presidência da República. Galeria dos ex-presidentes. [S.d.]. Disponível em: http://www.bibliote-
ca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes. Acesso em: 10 fev. 2023).
19
BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 157-158.
Autoritarismo, poder moderador e a incumbência de defesa do Estado ... |235
20
Acerca da Alemanha nazismo e da União Soviética stalinista como exemplos de estados totalitários, conferir
o clássico: ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia
das Letras, 2012.
21
A respeito das ameaças autoritárias que as democracias enfrentam na atualidade e dos desafios que lhe
impõem às sociedades plurais e tecnocráticas deste início de século, conferir: LEVITSKY, Steven; ZIBLATT,
Daniel. Como as democracias morrem. Tradução de Renato Aguiar. 1. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2018.
[E-book].
22
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição [...].
236| Dillings Barbosa Maquiné - Paulo César de Lara
sivo do Judiciário frente aos demais Poderes. Por vezes, as tensões e os conflitos entre
o Executivo e o Legislativo e entre suas facções políticas não são adequadamente apazi-
guados ou bem administrados mediante o uso dos instrumentos disponíveis nas próprias
instâncias políticas. Outras vezes, as divergências ideológico-partidárias se mostram insu-
peráveis, impedindo que se consiga negociar um mínimo de consenso entre os Poderes
políticos, que viabilize a governabilidade. Esse funcionamento deficitário das instituições
representativas tem como consequência imediata para a população o não atendimento
adequado de suas necessidades e legítimas expectativas em relação à Política e às pres-
tações estatais, o que por sua vez favorece o fenômeno do populismo23 e o aumento da
judicialização de demandas que têm como objeto a concretização de direitos básicos.
23
De acordo com Maliska, o populismo é a essência da política, podendo ser de direito ou de esquerda, não
sendo sinônimo de autoritarismo. Um líder populista, como um significante das demandas sociais insatis-
feitas unidas em uma cadeia de equivalência, pode existir em um estado democrático. Esse líder terá uma
ligação direta com o povo e o representará dentro das instituições do sistema representativo tradicional.
Alternativamente, um líder populista também pode romper com o sistema democrático e o Estado de Direito
e estabelecer um governo autoritário. A esse respeito, cf.: MALISKA, Marcos Augusto. Populism, democracy
and the rule of law in today´s Brazil. In: KIRSTE, Stephan; PAULO, Norbert (org.). Populism: perspectives from
legal philosophie. Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 2021. v. 167. p. 233-245.
24
MAUS, Ingeborg. O judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na “sociedade
órfã. Tradução de Martonio Lima e Paulo Albuquerque. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 58, p. 183-
202, nov. 2000. p. 186-187. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/mod/resource/view.php?id=4722888.
Acesso em: 10 mar. 2023.
25
BRASIL. [Constituição (1891)]. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891. Rio de
Janeiro: Congresso Nacional Constituinte, 1891. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/consti-
tuicao/constituicao91.htm. Acesso em: 30 out. 2022.
Autoritarismo, poder moderador e a incumbência de defesa do Estado ... |237
mesmo que elas envolvessem direitos individuais, por entender ser impossível separar
questões políticas e direitos individuais26, o STF atual, diferentemente, se mostra ativista,
voluntarista e autoritário. A Corte tem prestado pouca deferência aos demais Poderes,
infringindo a importantíssima regra moral da autocontenção (ou reserva institucional)27. A
indevida atuação política do STF está obliterando o jogo político-democrático que deveria
ser praticado com autonomia pelos demais Poderes.
A atual geração de ministros do STF, em sua maioria, não demonstra nenhum pudor
ao conhecer e decidir sobre praticamente tudo quanto diga respeito aos demais Poderes.
Em consequência dessa postura, tem-se um Judiciário que se agiganta a cada dia, de
forma autoritária, paulatinamente ocupando os espaços institucionais do Executivo e do
Legislativo, passando a controlar/decidir praticamente tudo que lhe bate à porta, chegando,
por exemplo, a alterar a Constituição e a legislar – competências típicas do Legislativo –,
assim como a determinar políticas públicas, decidir como serão aplicados os recursos do
orçamento e definir quem pode ou não pode ser nomeado para cargos políticos do alto
escalão – atribuições típicas do Executivo no exercício de seu poder discricionário.
Art. 55 - O Poder Judiciário, da União terá por órgãos um Supremo Tribunal Federal, com sede na Capital da
República e tantos Juízes e Tribunais Federais, distribuídos pelo País, quantos o Congresso criar.
Art. 56 - O Supremo Tribunal Federal compor-se-á de quinze Juízes, nomeados na forma do art. 48, n. 12,
dentre os cidadãos de notável saber e reputação, elegíveis para o Senado.
26
SILVA, Diogo Bacha e. Os contornos do ativismo judicial no Brasil: o fetiche do Judiciário brasileiro pelo contro�-
le dos demais poderes. Revista de Informação Legislativa, ano 50, n. 199, p. 163-178, jul./set. 2013. p. 173.
Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/50/199/ril_v50_n199_p163.pdf. Acesso em: 20 nov.
2022.
27
Segundo Jairo Nicolau, a tolerância mútua e a reserva institucional (autocontenção) são as duas regras infor-
mais decisivas para o funcionamento de uma democracia. “Tolerância mútua é reconhecer que os rivais, caso
joguem pelas regras institucionais, têm o mesmo direito de existir, competir pelo poder e governar. A reserva
institucional significa evitar as ações que, embora respeitem a letra da lei, violam claramente o seu espírito.
Portanto, para além do texto da Constituição, uma democracia necessitaria de líderes que conheçam e res-
peitem as regras informais” (LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Tradução de
Renato Aguiar. 1. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2018. Prefácio).
238| Dillings Barbosa Maquiné - Paulo César de Lara
28
LYNCH, Christian Edward Cyril. Ascensão, fastígio e declínio da “Revolução Judiciarista”. Insight Inteligência,
ano XX, n. 79, p. 158-168, out./dez. 2017. p. 161. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.
php/5862497/mod_resource/content/1/LYNCH.%20A%20revolu%C3%A7%C3%A3o%20judiciarista%20
%28editado%29.pdf. Acesso em: 02 ago. 2022.
29
LYNCH, Christian Edward Cyril. Ascensão, fastígio e declínio da “Revolução Judiciarista”. Insight Inteligência,
ano XX, n. 79, p. 158-168, out./dez. 2017. p. 161. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.
php/5862497/mod_resource/content/1/LYNCH.%20A%20revolu%C3%A7%C3%A3o%20judiciarista%20
%28editado%29.pdf. Acesso em: 02 ago. 2022.
30
Uma análise que bem ilustra a escalada autoritária da Corte brasileira é realizada em: LORENZETTO, Bruno
Meneses; PEREIRA, Ricardo dos Reis. O Supremo soberano no Estado de exceção: a (des)aplicação do
direito pelo STF no âmbito do Inquérito das “Fake News” (Inquérito n. 4.781). Sequência, Florianópolis, v.
41, n. 85, p. 173-203, ago. 2020. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/
view/71524/44594. Acesso em: 30 ago. 2022.
31
Não nos deteremos em fazer um levantamento das inúmeras decisões arbitrárias, autoritárias e inconstitu�-
cionais do STF nas duas últimas décadas. Uma simples busca na internet a partir dos parâmetros “STF” e
“decisões autoritárias” já e suficiente para dimensionar a atuação expansiva da Corte na vida política do País e
na vida dos cidadãos na atualidade. Não obstante, um levantamento exemplificativo desses excessos pode ser
encontrado em: PEREIRA JÚNIOR, Antonio Jorge; BARBOSA, Milton Gustavo Vasconcelos (org.). Supremos
erros: decisões inconstitucionais do STF. Porto Alegre: Fundação Fênix, 2020. [E-book].
Autoritarismo, poder moderador e a incumbência de defesa do Estado ... |239
O Judiciário também pode ser convocado para fazer jogo duro. Depois que conquis-
taram o controle da assembleia nacional venezuelana por maioria esmagadora numa
eleição em dezembro de 2015, os partidos de oposição tiveram esperanças de frear
o poder autocrático do presidente Nicolás Maduro. Assim, o novo Congresso apro-
vou uma lei de anistia que libertaria 120 presos políticos e votou contra a declaração
de estado de emergência econômica de Maduro (que lhe dava amplos poderes para
governar por decreto). Para repelir essa objeção, Maduro se voltou para a Suprema
Corte, agora controlada por seus partidários. A corte chavista efetivamente retirou
poderes do Legislativo, julgando que quase todos os seus projetos de lei – inclusive
a lei de anistia, os esforços para revisar o orçamento nacional e a rejeição do estado
de emergência – eram inconstitucionais. Segundo o jornal colombiano El Tiempo, a
32
A perspectiva teórica do Direito como integridade, de Dworkin, entende que os juízes devem interpretar as leis
em termos de princípios morais consistentes, devendo fazer uma leitura moral da Constituição (DWORKIN,
Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002). Para tanto,
Dworkin propõe “um gênero literário artificial” a partir do qual se possa conceber o Direito como um “romance
em cadeia”, no qual o juiz é tanto autor quanto crítico literário do discurso jurídico (DWORKIN, Ronald. O impé-
rio do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 275). Dessa forma, o
esforço coletivo intergeracional de interpretação do direito como um romance em cadeia, teria como resultado
a preservação da identidade e da integridade do edifício jurídico.
240| Dillings Barbosa Maquiné - Paulo César de Lara
33
LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Tradução de Renato Aguiar. 1. ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2018. [E-book]. [s.p.].
34
Em 2020, a Missão Internacional Independente de Apuração dos Fatos sobre a Venezuela, enviada ao País
pela ONU, divulgou seu primeiro relatório após a análise de mais de 3 mil casos que comprovam padrões de
violações e crimes. Governo, agentes do Estado e grupos de apoio ao presidente Nicolás Maduro “cometeram
violações flagrantes” e o presidente e os ministros do Interior e da Defesa “tinham conhecimento dos crimes”.
Em agosto de 2019, o Conselho Permanente da OEA aprovou a Resolução CP/RES. n. 1.133 (2244/19),
condenando de modo firme as graves e sistemáticas “violações dos direitos humanos na Venezuela, como
a prática de tortura, de detenções ilegais e arbitrárias, de execuções extrajudiciais, de desaparecimentos for-
çados, e a negação dos direitos e necessidades mais básicos, especialmente aqueles relacionados à saúde,
alimentação e educação” (MAQUINÉ, Dillings Barbosa; LARA, Paulo César. O socialismo do século XXI, a
Revolução Bolivariana e os direitos humanos na Venezuela. In: BOTTEGA, Clarissa et al. (org.). Reflexões
sobre direitos fundamentais. Deerfield Beach, FL: Pembroke Collins, 2022. p. 349-366. P. 360).
35
Passadas duas décadas de processo revolucionário, a situação dos direitos humanos na Venezuela é preocu�-
pante, já que o regime implantado por Chávez e aprofundado por Maduro, baseado na utopia do Socialismo do
Século XXI, contribuiu para desestruturar a economia de um dos países mais prósperos da região. Além disso,
a Revolução contribuiu para deteriorar a frágil democracia venezuelana, com o governo autoritário de Madura
realizando a captura das instituições de Estado, especialmente as Forças Armadas e o Judiciário, os quais lhe
dão total sustentação contra a resistência que ainda se vê em parte do Legislativo e na população em geral,
gerando um estado de exceção, com sistemáticas violações aos direitos humanos, que apontam para a prática
de crimes de lesa-humanidade, conforme denunciado pela comunidade internacional e reconhecido no âmbito
dos sistemas onusiano e interamericano de direitos humanos. A Venezuela vive a maior crise humanitária a
que a América já assistiu, atualmente agravada pela crise sanitária e pela recessão econômica que dela adveio
(MAQUINÉ, Dillings Barbosa; LARA, Paulo César. O socialismo do século XXI, a Revolução Bolivariana e os
direitos humanos na Venezuela. In: BOTTEGA, Clarissa et al. (org.). Reflexões sobre direitos fundamentais.
Deerfield Beach, FL: Pembroke Collins, 2022. p. 349-366. p. 361-362).
36
Em 2004, o governo Chávez expandiu o Tribunal Supremo para 22 membros e preencheu as novas cadeiras
com “revolucionários” leais ao regime. Isso produziu o efeito desejado. Ao longo dos nove anos seguintes,
nem sequer uma única decisão do Tribunal Supremo foi contra o governo. Já no governo de Maduro, o
Parlamento, que se opunha ao regime foi destituído de suas funções por decisão do Supremo Tribunal de
Autoritarismo, poder moderador e a incumbência de defesa do Estado ... |241
A par das referências acima transcritas, em evento realizado pelo portal Poder 360,
em 28.07.2020, o então Presidente do STF, ministro Dias Toffoli, afirmou “Nós, enquanto
Judiciário, enquanto Suprema Corte, nós somos editores de um país inteiro, de uma nação
Justiça, dominado por Maduro (LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Tradução
de Renato Aguiar. 1. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2018. [E-book]). O Parlamento venezuelano também
destituído de sua atribuição de indicar os membros do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) para as eleições
legislativas de 2020.
37
CARVALHO, Eder Aparecido de; GILENO, Carlos Henrique. Reflexões sobre o Poder Moderador nas instituições
políticas brasileiras: o pretérito e o presente. Em tese, Florianópolis: PPGSP/UFSC, v. 15, n. 1 (parte II), p. 10-
32, mar./abr. 2018. p. 25. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/emtese/article/view/1806-5023.
2018v15n1p10. Acesso em: 22 nov. 2020.
242| Dillings Barbosa Maquiné - Paulo César de Lara
38
Analisando a fala de Toffoli, Schüller faz o seguinte questionamento: “Eis aí a questão central: sociedades
abertas precisam de um ‘editor’? Sociedades que se definem precisamente pela diversidade de visões de
mundo e por um desacordo fundamental sobre o erro e o acerto, o falso e o verdadeiro? A resposta a esta
pergunta está no próprio nascimento da ideia moderna de liberdade de expressão. Foi para defender o fim do
direito à censura prévia de livros que o poeta inglês John Milton, no coração da revolução inglesa, escreveu
sua ‘Areopagítica’. Em 1644 eram os livros. Hoje são redes e blogs. A questão fundamental é a mesma.
Deveríamos presumir, perguntava Milton, que aqueles que censuram ‘dispõem da graça da infalibilidade, acima
de todos nessa terra’? Era exatamente contra a ideia do Estado editor que John Milton se batia” (SCHÜLLER,
Fernando. O Supremo é o editor da sociedade? Folha de São Paulo, 29 jul. 2020. Disponível em: https://www1.
folha.uol.com.br/colunas/fernando-schuler/2020/07/o-supremo-e-o-editor-da-sociedade.shtml. Acesso em:
20 jan. 2023).
39
A instauração e manutenção deste inquérito, também chamado de “Inquérito do Fim do Mundo”, além de ou-
tros, é mais uma evidência eloquente de que o Supremo Tribunal Federal exorbitou de suas competências e não
vê mecanismo que o faça parar. Nesse sentido, cf.: PIOVEZAN, Cláudia R. de Morais (org.). Inquérito do fim
do mundo: o apagar das luzes do Direito brasileiro. Londrina: E.D.A. – Educação, Direito e Alta Cultura, 2020;
e GRECO, Rogério. O STF e seus inquéritos ilegais. In: PEREIRA JÚNIOR, Antonio Jorge; BARBOSA, Milton
Gustavo Vasconcelos (org.). Supremos erros: decisões inconstitucionais do STF. Porto Alegre: Fundação
Fênix, 2020. [E-book]. p. 237-253; DALLARI, Adilson Abreu. Inquérito das notícias falsas. In: PEREIRA
JÚNIOR, Antonio Jorge; BARBOSA, Milton Gustavo Vasconcelos (org.). Supremos erros: decisões inconstitu-
cionais do STF. Porto Alegre: Fundação Fênix, 2020. p. 237-253. [E-book].
40
BARROSO, Luís Roberto. A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maioria. Revista
Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 5, número especial, p. 24-50, 2015. P. 42. Disponível em: https://
www.publicacoesacademicas.uniceub.br/RBPP/article/view/3180/pdf. Acesso em: 20 fev. 2023. Ver também:
BARROSO, Luís Roberto. Contramajoritário, representativo e iluminista: os papeis dos tribunais constitucionais
nas democracias contemporâneas. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 9, n. 4, p. 2171-2228, dez.
2018. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/30806. Acesso
em: 08 maio 2023.
Autoritarismo, poder moderador e a incumbência de defesa do Estado ... |243
Das declarações referidas, infere-se evidente que a maior parte dos atuais mem-
bros do Supremo Tribunal Federal, em sua maioria indicados por governos de viés esquer-
dista/progressista dos últimos 20 anos, dá mostras eloquentes de que se autoconsideram
os guias iluminados da sociedade e os guardiães da estabilidade institucional, avocando a
si o indigitado Poder Moderador. Em razão disso, observa-se que, especialmente nos últi-
mos quinze anos, esses ministros vêm exercendo de forma progressiva essa “superprerro-
gativa” sobre os demais Poderes da República, colocando a Corte como a tutora da estabi-
lidade constitucional-democrática, como fiadora do Estado Democrático de Direito e, para
tanto, chegando ao ponto de reescrever o Texto Constitucional. Mas, o que a Constituição
Federal de 1988 prevê acerca dessa pretensa função moderadora do STF? É o Supremo o
fiador do Estado Democrático de Direito?
41
WEB-TV Rede Colmeia. Palestra do Ministro do Supremo Tribunal Federal Exmo. Senhor Doutor Alexandre de
Moraes – Ao vivo. YouTube, 03.09.2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hQpu--CfauU.
Acesso em: 20 mar. 2023.
244| Dillings Barbosa Maquiné - Paulo César de Lara
42
Uma das acepções mais correntes de democracia assevera que ela necessariamente possui o caráter consti�-
tucional. Conforme sintetiza Sultany (2012, p. 394), “[...] Rawls e Dworkin defendem que a democracia, bem
entendida, é democracia constitucional. A existência de restrições constitucionais na forma de direitos contra
as maiorias é inerente a esta concepção. O controle de constitucionalidade possui importante papel institu-
cional na aplicação desses direitos. Essa aplicação é uma tarefa essencialmente democrática” (SULTANY,
Nimer. The state of progressive constitutional theory: the paradox of constitutional democracy and the project
of political justification. Harvard Civil Rights – Civil Liberties Law Review, v. 47, n. 2, p. 371-455, 2012. p. 394.
Disponível em: http://ssrn.com/abstract=2132397. Acesso em: 20 nov. 2022.).
43
Acerca da dificuldade contramajoritária que caracteriza o controle de constitucionalidade exercido pela
Suprema Corte em face da legitimidade democrática do Poder Legislativo, conferir: BICKEL, Alexander. The
least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. 2. Ed. New Haven and London: Yale University
Press, 1986.
44
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência
da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
Acesso em: 30 out. 2020.
Art. 78. O Presidente e o Vice-Presidente da República tomarão posse em sessão do Congresso Nacional,
prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem
geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.
45
Regimento Interno do Senado Federal,
Art. 4º Omissis.
[...]
§ 2º Presente o diplomado, o Presidente designará três Senadores para recebe-lo, introduzi-lo no plenário e
conduzi-lo até a Mesa, onde, estando todos de pé, prestará o seguinte compromisso: “Prometo guardar a
Autoritarismo, poder moderador e a incumbência de defesa do Estado ... |245
Regimento Interno da Câmara dos Deputados46. De modo que uma interpretação sistemá-
tica e teleológica da Constituição Federal e dos regimentos das Casas Legislativas permite
afirmar que, em que pese à supremacia judicial do STF em relação ao controle de cons-
titucionalidade, a defesa do Estado Democrático de Direito é incumbência afeta aos três
Poderes da República, a qual deve se dar de forma independente, harmônica e colaborativa.
Constituição Federal e as leis do País, desempenhar fiel e lealmente o mandato de Senador que o povo me
conferiu e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”.
46
Regimento Interno da Câmara dos Deputados,
Art. 4º Omissis.
[...]
§ 3º Examinadas e decididas pelo Presidente as reclamações atinentes à relação nominal dos Deputados, será
tomado o compromisso solene dos empossados. De pé todos os presentes, o Presidente proferirá a seguinte
declaração: “Prometo manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do
povo brasileiro e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”. Ato contínuo, feita a chamada,
cada Deputado, de pé, a ratificará dizendo: “Assim o prometo”, permanecendo os demais Deputados sentados
e em silêncio.
47
Conforme adverte Streck, a Constituição não pode se submeter à vontade dos Poderes constituídos, assim
como deve-se rejeitar qualquer posicionamento que confunda a autonomia do Direito com a discricionariedade
dos Tribunais, imprimindo, a seu modo, distintos sentidos ao texto constitucional. “Ora, ou o Direito tem um
grau de autonomia que está para além do poder do Supremo Tribunal Federal dizer algo que a Constituição
não disse, ou esse mesmo órgão de cúpula do Judiciário atuará como uma espécie de Poder Constituinte”
(STRECK, Lênio Luiz. No populismo de nosso tempo, importa um futuro que resista ao canto das sereias, In:
PEREIRA JÚNIOR, Antonio Jorge; BARBOSA, Milton Gustavo Vasconcelos; (org.). Supremos erros: decisões
inconstitucionais do STF. Porto Alegre: Fundação Fênix, 2020. [E-book]. p. 117-125. p. 121).
48
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições
nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade
suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais
e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
246| Dillings Barbosa Maquiné - Paulo César de Lara
das destinam-se “à garantia dos poderes constitucionais”, não permite qualquer entendi-
mento nesse sentido49. No mesmo sentido, embora o art. 15 e §§ da Lei Complementar n.
97/1999 estabeleçam que o emprego das Forças Armadas, mesmo na hipótese de atendi-
mento a pedido manifestado por quaisquer dos Poderes constitucionais para a garantia da
lei e da ordem, sempre estará subordinado à decisão do Presidente da República, prevalece
o entendimento de que essa competência não pode ser interpretada no sentido de tornar o
Executivo um superpoder, uma vez que isso implicaria desequilíbrio no sistema republica-
no, em total violação ao princípio da separação e harmonia entre os Poderes50. Por esse
5 CONCLUSÃO
O autoritarismo é uma constante na história da civilização brasileira. Como legado
da colonização portuguesa, manifestou-se pelo monopólio da Coroa sobre as riquezas
da terra e pelo controle sobre a vida dos que aqui habitavam. No período imperial, ma-
nifestou-se no caráter despótico do Poder Moderador, jungido ao Poder Executivo, am-
bos nas mãos do Monarca; no período Republicano, manifestou-se no autoritarismo dos
integrantes da Instituição Militar que exerceram um poder moderador “de fato”, atuando
como garantes do sistema político; atualmente, assiste-se ao autoritarismo judiciarista do
Supremo Tribunal Federal, que se arroga titular do Poder Moderador e fiador da ordem
constitucional-democrática.
Trabalhista – PDT. Interessados: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Luiz Fux.
Brasília, 12/06/2020. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaPresidenciaStf/anexo/ADI6457.
pdf. Acesso em: 04 out. 2022).
51
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órfã. Tradução de Martonio Lima e Paulo Albuquerque. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 58, p. 183-202,
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248| Dillings Barbosa Maquiné - Paulo César de Lara
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52
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
[...]
II processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça
e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União
nos crimes de responsabilidade; (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 45, de 2004)
53
Art. 39. São crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal:
1- alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal;
2 - proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa;
3 - exercer atividade político-partidária;
4 - ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo;
5 - proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decoro de suas funções.
54
Tramita no Senado Federal o PL 1.388/2023, que tipifica uma série de novos crimes de responsabilidade e
amplia o rol de autoridades sujeitas a processos de impeachment. Além do presidente e do vice-presidente
da República, podem ser denunciados por crime de responsabilidade: ministros e comandantes da Marinha,
do Exército e da Aeronáutica; ministros do STF; membros dos conselhos nacionais de Justiça e do Ministério
Público; procurador-Geral da República; advogado-geral da União; ministros de tribunais superiores; ministros
do Tribunal de Contas da União (TCU); governadores e vice-governadores; secretários de estados e do Distrito
Federal; juízes e desembargadores; juízes e membros de tribunais militares e tribunais regionais Federais,
Eleitorais e do Trabalho; membros dos tribunais de contas de estados, Distrito Federal e municípios; e mem-
bros do Ministério Público da União, dos estados e do Distrito Federal (PROJETO de Pacheco para regular
impeachment detalha regras processuais. Agência Senado, 24 mar. 2023. Disponível em: https://www12.
senado.leg.br/noticias/materias/2023/03/24/projeto-de-pacheco-de-nova-lei-do-impeachment-detalha-re-
gras-processuais. Acesso em: 20 abr. 2023).
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MATERIALIZAÇÃO DO PLURALISMO
CONSTITUCIONAL, UM CAMINHO PARA
A INCLUSÃO RACIAL NO BRASIL
Gabriela Ganho1
Derick Davidson Cordeiro2
Resumo
O presente artigo tem por objetivo analisar a exclusão racial na sociedade Brasileira que
se reflete no sistema jurídico como consequência da manutenção do privilégio dos grupos
hegemônicos. Parte-se do pressuposto de que embora a Constituição Federal de 1988
seja pluralista, uma vez que consagra direitos de diversos grupos, a materialização desses
direitos, em especial da população negra que sofre segregação, nem sempre é efetivada.
A partir dessa análise conclui-se pela necessidade de um constitucionalismo sensível à
questão racial.
1 INTRODUÇÃO
A perspectiva do direito na questão racial está inserida no contexto histórico da dí-
vida que a sociedade brasileira possui com a população negra, dívida essa que vem desde
a abolição da escravatura, uma vez que os escravos foram libertos sem a implantação de
qualquer política de inclusão.
1
Mestra em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil).
Especialista em Direito Civil e Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Advogada.
E-mail: gabriela.ganho@gmail.com
2
Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil).
Bolsista Capes/Prosup. Especialista em Direito Imobiliário e Notarial e Direito e Processo do Trabalho pela
Universidade Cândido Mendes. Especialista em Direito e Processo Civil pela Fundação de Estudos Sociais do
Paraná. Advogado. E-mail: ddcordeiro.adv@gmail.com
254| Gabriela Ganho - Derick Davidson Cordeiro
A postura indiferente do Estado em relação a essa população fez com que os liber-
tos ocupassem as periferias das cidades, em especial, porque havia a dificuldade dessas
pessoas encontrarem emprego, uma vez que seus antigos proprietários não tinham interes-
se em remunerá-las, pois ainda os viam como propriedade.
Apesar de ser maioria a população negra enfrenta exclusão, em especial, nos es-
paços de poder. Para analisar as questões que implicam nessa realidade, é essencial a
compreensão do conceito de raça e também de racismo, são inúmeras as pesquisas que
abordam a questão e plurais os conceitos e as abordagens adotadas em cada definição.
O termo “raça” foi, no transcurso da história, utilizado de diversas formas, e a ele foi
incorporado diferentes significados, ganhando novo sentido com o surgimento do movimen-
to negro que passou a utilizar o termo como símbolo de orgulho e resgate da dignidade5.
3
RIBEIRO, Djamila. Pequeno manual antirracista. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. [E-book].
4
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Conheça o Brasil – população. Cor ou raça.
[S.d.]. Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18319-cor-ou-raca.html.
Acesso em: 21 de ago. 2022.
5
GURGEL, Argemiro Eloy. Origem do racismo em relação ao negro no Brasil. São João Del Rei: Universidade
Federal de São João Del-Rei, 2020. (Série Caminhos de Cidadania). Disponível em: https://ufsj.edu.br/portal-
2-repositorio/File/fortim/cartilha%20racismo%20web%20(2).pdf. Acesso em: 24 ago. 2022.
Materialização do pluralismo Constitucional, um caminho para a inclusão racial... |255
Em relação ao racismo, o professor Sílvio Almeida entende que “é uma forma siste-
mática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de
práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagem ou privilégios para
indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam”6.
Questões complexas como o racismo, segundo Jessé Souza7, precisam ser de-
batidas de forma correta, para que se alcance uma definição cada vez mais precisa, ainda
mais porque o estudo sobre o tema tem crescido no país, contudo, não há uma precisão
ou esclarecimento quanto ao que realmente é o racismo brasileiro.
6
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Jandaíra, 2020. p. 32.
7
SOUZA, Jessé. A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: UFMG, 2009. p. 364.
8
RIBEIRO, Djamila. Pequeno manual antirracista. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. [E-book].
9
SOUZA, Jessé. A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: UFMG, 2009. p. 39.
10
HIRSCH, Fábio Periandro de Almeida; HIRSCH, Carla Conchita Pacheco Bouças; MONTEIRO, Maria Carolina
Barroso Bastos. Políticas públicas versus racismo estrutural e necropolítica no Brasil. Revista de Direito,
Viçosa, v. 13, n. 3, p. 01-17, 2021. DOI: doi.org/10.32361/2021130311663. p. 4. Disponível em: https://
dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=8080723. Acesso em: 29 jan. 2022.
256| Gabriela Ganho - Derick Davidson Cordeiro
Segundo Resende e Tostes o Brasil possui uma dívida de reparação histórica com
sua população negra e parda13. O sistema jurídico é reflexo do que acontece nos demais
âmbitos da sociedade. Apenas a título exemplificativo, dados em relação ao encarcera-
mento no Brasil demonstram a diferença de tratamento recebida pelas pessoas negras, que
correspondem à 63,7% da população carcerária14.
A questão que emerge da análise da realidade das pessoas negras do país é que
igualdade não é para todos, e isso impacta diretamente a vida das pessoas, em especial
negras, que embora tenham seus direitos consagrados na constituição, muitas das vezes
não os veem efetivados.
11
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Jandaíra, 2020. p. 47
12
AZEVEDO, Amilton Magno; SILVA, Adriana Maria de Souza da; CONCEIÇÃO, Elaine Barbosa da. Reflexões
sobre o racismo: desigualdade, raça e gênero no mundo do trabalho. In: CAMILO, Juliana; FORTIM, Ivelise;
AGUERRE, Pedro (org.). Gestão de pessoas: prática de gestão de diversidade nas organizações. São Paulo:
Editora Senac, 2019. p. 111-126. p. 118.
13
RESENDE, Débora Penido; TOSTES, Laura Ferreira Diamantino. A discriminação racial, o caso “magalu” e o
dever das empresas de promover os direitos humanos. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 24, n. 2,
p. 213-223, 2020. p. 217. Disponível em: https://revista.trt10.jus.br/index.php/revista10/article/view/426/338.
Acesso em: 30 jan. 2022.
14
ANDRADE, Paula. O encarceramento tem cor, diz especialista. Agência CNJ de Notícias, 09 jul. 2020.
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/o-encarceramento-tem-cor-diz-especialista/. Acesso em: 29 jan. 2023.
15
MARTINS, Helena. Lei de drogas tem impulsionado encarceramento no Brasil. Agência Brasil – EBC, Brasília,
08 jun. 2018. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-06/lei-de-drogas-tem-impul-
sionado-encarceramento-no-brasil. Acesso em: 29 jan. 2023.
Materialização do pluralismo Constitucional, um caminho para a inclusão racial... |257
3 PLURALISMO
O pluralismo está intimamente ligado ao reconhecimento da diversidade e ao rom-
pimento com a ideia de formação homogênea da sociedade. Essa questão é essencial para
o caminho de superação do racismo no Brasil, em especial para se dar visibilidade para as
pessoas negras no sistema jurídico constitucional do país.
Segundo Maliska,
Assim, temos que o Constitucionalismo atual é por essência pluralista. Não se pode
ignorar que a revolução burguesa que provocou profundas modificações nas estruturas
econômicas e sociais, não alterou o ambiente cultural, cujas mudanças só foram sentidas
no século XX influenciando o constitucionalismo do século XXI.
16
MALISKA, Marcos Augusto. Dignidade humana e pluralismo constitucional. Limites e possibilidades de dois
princípios constitucionais em tempos de profundo dissenso político. Revista da Ajuris – Associação dos Juízes
Do Rio Grande Do Sul, v. 45, n. 144, p. 373-390, 2018. p. 381. Disponível em: http://revistadaajuris.ajuris.org.
br/index.php/REVAJURIS/article/view/916/Ajuris-144-DT%2013.pdf. Acesso em: 14 ago. 2023.
17
MALISKA, Marcos Augusto. Dignidade humana e pluralismo constitucional. Limites e possibilidades de dois
princípios constitucionais em tempos de profundo dissenso político. Revista da Ajuris – Associação dos Juízes
Do Rio Grande Do Sul, v. 45, n. 144, p. 373-390, 2018. p. 381. Disponível em: http://revistadaajuris.ajuris.org.
br/index.php/REVAJURIS/article/view/916/Ajuris-144-DT%2013.pdf. Acesso em: 14 ago. 2023.
258| Gabriela Ganho - Derick Davidson Cordeiro
Assim a chamada relação entre pluralismo e Constituição deve ser pautada pela
mediação de que não há pluralismo sem Constituição. A tensão constante entre o
“singular” e o “plural” se apresenta aqui na relação entre Constituição e pluralismo.
A existência da unidade, do singular, no entanto, implica um mínimo comum, capaz
de promover o vínculo com o plural. Nesse aspecto, os princípios que orientam a
ordem constitucional possuem importância central na condição de referência para
a unidade. De igual forma como na abertura para fora, em que há a necessidade
de uma comunhão de premissas para se falar em ordens constitucionais abertas,
a ordem constitucional no plano interno também necessita de elementos comuns
dessa sociedade pluralista22.
18
“O conceito de abertura, além de indicar um elemento fundamental da existência da ordem constitucional no
contexto de uma rede de constituições, também serve para caracterizar as constituições das sociedades plura-
listas. Assim, a ordem constitucional se abre para dentro, para sua própria sociedade, no sentido de que, além
de garantir o pluralismo, a ordem constitucional de abre para ele” (MALISKA, Marcos Augusto. Fundamentos
da Constituição: abertura, cooperação e integração. Curitiba: Juruá, 2013. p. 36).
19
MALISKA, Marcos Augusto. Dignidade humana e pluralismo constitucional. Limites e possibilidades de dois
princípios constitucionais em tempos de profundo dissenso político. Revista da Ajuris – Associação dos Juízes
Do Rio Grande Do Sul, v. 45, n. 144, p. 373-390, 2018. p. 382. Disponível em: http://revistadaajuris.ajuris.org.
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20
MALISKA, Marcos Augusto. Dignidade humana e pluralismo constitucional. Limites e possibilidades de dois
princípios constitucionais em tempos de profundo dissenso político. Revista da Ajuris – Associação dos Juízes
Do Rio Grande Do Sul, v. 45, n. 144, p. 373-390, 2018. Disponível em: http://revistadaajuris.ajuris.org.br/
index.php/REVAJURIS/article/view/916/Ajuris-144-DT%2013.pdf. Acesso em: 14 ago. 2023.
21
MALISKA, Marcos Augusto. Fundamentos da Constituição: abertura, cooperação e integração. Curitiba: Juruá,
2013. p. 46.
22
MALISKA, Marcos Augusto. Fundamentos da Constituição: abertura, cooperação e integração. Curitiba: Juruá,
2013.
Materialização do pluralismo Constitucional, um caminho para a inclusão racial... |259
23
MELO, Milena Petters. Constitucionalismo, pluralismo e transição democrática na América Latina. Revista
Anistia Política e Justiça de Transição, v. 4, p. 140-155, 2011. p. 140. Disponível em: https://www.corteidh.
or.cr/tablas/r29981.pdf. Acesso em: 25 set. 2022.
24
MELO, Milena Petters. Constitucionalismo, pluralismo e transição democrática na América Latina. Revista
Anistia Política e Justiça de Transição, v. 4, p. 140-155, 2011. p. 140. Disponível em: https://www.corteidh.
or.cr/tablas/r29981.pdf. Acesso em: 25 set. 2022.
25
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Anistia Política e Justiça de Transição, v. 4, p. 140-155, 2011. p. 140. Disponível em: https://www.corteidh.
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26
MELO, Milena Petters. Constitucionalismo, pluralismo e transição democrática na América Latina. Revista
Anistia Política e Justiça de Transição, v. 4, p. 140-155, 2011. p. 145. Disponível em: https://www.corteidh.
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27
MELO, Milena Petters. Constitucionalismo, pluralismo e transição democrática na América Latina. Revista
Anistia Política e Justiça de Transição, v. 4, p. 140-155, 2011. p. 140. Disponível em: https://www.corteidh.
or.cr/tablas/r29981.pdf. Acesso em: 25 set. 2022.
260| Gabriela Ganho - Derick Davidson Cordeiro
De se destacar que
A constituição não deve ser tão somente uma matriz geradora de processos políti-
cos, mas uma resultante de correlações de forças e de lutas sociais em um dado
momento histórico do desenvolvimento da sociedade. Enquanto pacto político que
expressa a pluralidade, ela materializa uma forma de poder que se legitima pela con-
vivência e coexistência de concepções divergentes, diversas e participativas. Assim,
toda sociedade política tem sua própria constituição, corporalizando suas tradições,
costumes e práticas que ordenam a tramitação do poder30.
28
MELO, Milena Petters. Constitucionalismo, pluralismo e transição democrática na América Latina. Revista
Anistia Política e Justiça de Transição, v. 4, p. 140-155, 2011. p. 140. Disponível em: https://www.corteidh.
or.cr/tablas/r29981.pdf. Acesso em: 25 set. 2022.
29
SANTOS, Fernando B. dos; RIBEIRO, Luiz Gustavo G. O neoconstitucionalismo e a absorção cultural dos povos
originários para proteção da floresta amazônica. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 25,
n. 2, p. 195-227, 2020. DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v25i21581. Disponível em: https://revistaeletro-
nicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/1581. Acesso em: 29 set. 2022.
30
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo e crítica do constitucionalismo na América Latina. In: SIMPÓSIO
NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL, IX, v. I, 2010, Curitiba. Anais [...]. Curitiba: ABDConst, 2010. p.
143-155. p. 143. Disponível em: https://www.abdconst.com.br/revista3/antoniowolkmer.pdf. Acesso em: 25
set. 2022.
Materialização do pluralismo Constitucional, um caminho para a inclusão racial... |261
Ainda que de forma limitada e pouco satisfatória, a Carta Política Brasileira de 1988
contribui para superar uma tradição publicista liberal-individualista e social-interven-
cionista, transformando-se num importante instrumento diretivo propulsor para um
novo constitucionalismo, de tipo pluralista e multicultural, com grandes avanços por
contemplar e destacar questões como a dos povos originários (população indíge-
na), e dos direitos aos bens comuns naturais, sociais e culturais31.
4 CONSTITUCIONALISMO NEGRO
A Constituição Federal de 1988 é denominada de “Carta Cidadã”, uma vez que aco-
lheu distintos grupos sociais no seu processo de formação. O que se observa, no entanto,
é que esses acolhimentos e garantias, em relação à luta antirracista, se dá no âmbito teóri-
co32. “Dessa maneira, quase sempre, ela é mais referenciada quando se objetiva destacar
a criminalização do racismo frente à sua utilização como uma diretriz de interpretação e de
ação contra a estrutura racial brasileira”33.
31
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo e crítica do constitucionalismo na América Latina. In: SIMPÓSIO
NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL, IX, v. I, 2010, Curitiba. Anais [...]. Curitiba: ABDConst, 2010. p.
143-155. p. 152. Disponível em: https://www.abdconst.com.br/revista3/antoniowolkmer.pdf. Acesso em: 25
set. 2022.
32
RABELO, Danilo dos Santos; SPOSATO, Karyna Batista. A importância do constitucionalismo latino-americano
na formação de uma hermenêutica jurídica antirracista. In: MASSAÚ, Guilherme Camargo; COSTA, Victor
Ribeiro da (org.). Direitos fundamentais sociais: teoria e prática. 1. ed. Pelotas: UfPel, 2022. v. 1. p. 33-60. p.
34. Disponível em: https://guaiaca.ufpel.edu.br/bitstream/handle/prefix/8166/Direitos_Fundamentais_Sociais_
Digital.pdf?sequence=1. Acesso em: 14 ago. 2023.
33
RABELO, Danilo dos Santos; SPOSATO, Karyna Batista. A importância do constitucionalismo latino-americano
na formação de uma hermenêutica jurídica antirracista. In: MASSAÚ, Guilherme Camargo; COSTA, Victor
Ribeiro da (org.). Direitos fundamentais sociais: teoria e prática. 1. ed. Pelotas: UfPel, 2022. v. 1. p. 33-60.
Disponível em: https://guaiaca.ufpel.edu.br/bitstream/handle/prefix/8166/Direitos_Fundamentais_Sociais_
Digital.pdf?sequence=1. Acesso em: 14 ago. 2023.
262| Gabriela Ganho - Derick Davidson Cordeiro
A solução passa pela adoção de políticas efetivas por parte do Estado, não basta que
haja positivação constitucional e infraconstitucional garantindo igualdade e propondo puni-
ção a comportamentos racistas, é fundamental recontar a história de forma a apresentar o
protagonismo negro, apagado por um discurso eurocêntrico, elitista e, em especial, branco.
34
ALBUQUERQUE, Antonio Armando U. do L. Princípio constitucional da ecodignidade pluralista: breve intro�-
dução aos caracteres do processo de etnodemocratização. Revista Direitos Fundamentais & Democracia,
Curitiba, v. 24, n. 1, p. 91-125, jan./abr. 2019. DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v24i11427. p. 92.
Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/1427. Acesso em: 29
set. 2022.
35
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ou implícitos? Revista de Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 25, n. 3, p. 232-257, set./dez.
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unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/1630/676. Acesso em: 20 set. 2022.
Materialização do pluralismo Constitucional, um caminho para a inclusão racial... |263
Nessa linha, entende Galvão que “o jurídico como uma das tecnologias seculares do
racismo é algo espetacular pelo fato de até hoje ainda condenar as pessoas pela sua raça”37.
36
GOMES, Rodrigo Portela. Constitucionalismo e quilombos. Revista Culturas Jurídicas, v. 8, n. 20, p. 131-155,
maio/ago. 2021. p. 133. Disponível em: https://periodicos.uff.br/culturasjuridicas/article/view/48702/30437.
Acesso em: 30 jan. 2022.
37
BRITO, Thiago Henrique Borges. Se a farinha é pouca, meu pirão primeiro: o progresso sob cabresto à brasilei�-
ra. HHMaganize Humanidades em rede, UFOP, 04 nov. 2020. p. 14. Disponível em: https://hhmagazine.com.br/
se-a-farinha-e-pouca-meu-pirao-primeiro-o-progresso-sob-cabresto-a-brasileira/. Acesso em: 28 jan. 2022.
38
ALBUQUERQUE, Antonio Armando U. do L. Princípio constitucional da ecodignidade pluralista: breve intro�-
dução aos caracteres do processo de etnodemocratização. Revista Direitos Fundamentais & Democracia,
Curitiba, v. 24, n. 1, p. 91-125, jan./abr. 2019. DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v24i11427. p. 94.
Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/1427. Acesso em: 29
set. 2022.
39
BARBOZA, Estefâinia M. de Q.; DEMETRIO, André. Quando o gênero bate à porta do STF: a busca por um
constitucionalismo feminista. Revista Direito GV, São Paulo, v. 15, n. 3, e1930, 2019. p. 12. Disponível em:
https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/139222. Acesso em: 14 ago. 2023.
40
BARBOZA, Estefâinia M. de Q.; DEMETRIO, André. Quando o gênero bate à porta do STF: a busca por um
constitucionalismo feminista. Revista Direito GV, São Paulo, v. 15, n. 3, e1930, 2019. Disponível em: https://
bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/139222. Acesso em: 14 ago. 2023.
264| Gabriela Ganho - Derick Davidson Cordeiro
A racialização indexada nessas terras republicanas viria por meio da proposta cultura-
lista do início do XX, já comentado, popularmente conhecida como democracia racial.
Sendo assim, o que veremos é a comunidade preta sendo tratada com diversos
estereótipos e como aquela parte das pessoas que alimentam a identidade nacional
no que compete a feijoada, ao samba, as artes que se misturam com a mítica religio-
sidade. Veja. Esse dado é muito importante. Precisamos compreender isso. No que
tange ao Brasil a comunidade preta não foi invisibilizada, mas sim criado um cabresto
ontológico sob a mesma. Ou mesmo um regime racializado de representação41.
Exemplo disso são as religiões afro-brasileiras que possuem uma identidade cul-
tural e religiosa multicultural43. Mas, isso não exclui as estigmatizações e o preconceito.
41
BRITO, Thiago Henrique Borges. Se a farinha é pouca, meu pirão primeiro: o progresso sob cabresto à brasilei�-
ra. HHMaganize Humanidades em rede, UFOP, 04 nov. 2020. p. 06. Disponível em: https://hhmagazine.com.br/
se-a-farinha-e-pouca-meu-pirao-primeiro-o-progresso-sob-cabresto-a-brasileira/. Acesso em: 28 jan. 2022.
42
RODRIGUES, Ricardo Santos. Entre o passado e o agora: diáspora negra e identidade cultural. Revista EPOS,
Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, jul./dez. 2012. p. 3. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=s-
ci_arttext&pid=S2178-700X2012000200008. Acesso em: 01 fev. 2022.
43
RODRIGUES, Ricardo Santos. Entre o passado e o agora: diáspora negra e identidade cultural. Revista EPOS,
Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, jul./dez. 2012. p. 4. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=s-
ci_arttext&pid=S2178-700X2012000200008. Acesso em: 01 fev. 2022.
Materialização do pluralismo Constitucional, um caminho para a inclusão racial... |265
O anseio de produzir uma única narrativa e cultura da nação sempre mobilizou ex-
trema violência, seja para abafar as ações de contestação à segregação racial e
negação de direitos, ou na edificação de uma imagem nacional – mais evidente
na transição do século XIX para o XX – da democracia racial com as políticas de
apagamento da raça como marcador da desigualdade44.
44
GOMES, Rodrigo Portela. Constitucionalismo e quilombos. Revista Culturas Jurídicas, v. 8, n. 20, p. 131-155,
maio/ago. 2021. p. 139. Disponível em: https://periodicos.uff.br/culturasjuridicas/article/view/48702/30437.
Acesso em: 30 jan. 2022.
45
GOMES, Rodrigo Portela. Constitucionalismo e quilombos. Revista Culturas Jurídicas, v. 8, n. 20, p. 131-155,
maio/ago. 2021. p. 140. Disponível em: https://periodicos.uff.br/culturasjuridicas/article/view/48702/30437.
Acesso em: 30 jan. 2022.
46
GOMES, Rodrigo Portela. Constitucionalismo e quilombos. Revista Culturas Jurídicas, v. 8, n. 20, p. 131-155,
maio/ago. 2021. p. 139. Disponível em: https://periodicos.uff.br/culturasjuridicas/article/view/48702/30437.
Acesso em: 30 jan. 2022.
47
GOMES, Rodrigo Portela. Constitucionalismo e quilombos. Revista Culturas Jurídicas, v. 8, n. 20, p.
131-155, maio/ago. 2021. p. 141-143. Disponível em: https://periodicos.uff.br/culturasjuridicas/article/
view/48702/30437. Acesso em: 30 jan. 2022.
48
GOMES, Rodrigo Portela. Cultura jurídica e diáspora negra: diálogos entre Direito e relações raciais e a te�-
oria crítica da raça. Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 1203-1241, abr./jun. 2021. p. 1209.
Disponível em: https://www.scielo.br/j/rdp/a/NFJR7sgzKmzc78Z5Q87JYGK/abstract/?lang=pt. Acesso em:
12 set. 2022.
49
HALL, Stuart. Da diáspora: identidade e mediações culturais. Tradução de Adelaine La Guardia Resende. Belo
Horizonte: UFMG, 2003.
266| Gabriela Ganho - Derick Davidson Cordeiro
Desse modo, não se pode permitir que o Estado se olvide de promover políticas
e ações sob o argumento da neutralidade, em especial frente as substâncias diferenças
existentes entre a população.
Por fim, cumpre destacar que no contexto nacional é necessário que se debata o
constitucionalismo da perspectiva da diáspora negra de modo a revisitar a narrativas mul-
ticulturais para serem um fator agregador e não discriminatório.
50
HALL, Stuart. Da diáspora: identidade e mediações culturais. Tradução de Adelaine La Guardia Resende. Belo
Horizonte: UFMG, 2003. p. 79-78
51
GOMES, Rodrigo Portela. Cultura jurídica e diáspora negra: diálogos entre Direito e relações raciais e a te�-
oria crítica da raça. Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 1203-1241, abr./jun. 2021. p. 1226.
Disponível em: https://www.scielo.br/j/rdp/a/NFJR7sgzKmzc78Z5Q87JYGK/abstract/?lang=pt. Acesso em:
12 set. 2022.
Materialização do pluralismo Constitucional, um caminho para a inclusão racial... |267
5 CONCLUSÃO
Para ser possível abrir caminhos para superação do racismo é imprescindível o
reconhecimento de sua existência e com isso repensar o sistema jurídico para que seja
instrumentalizado na luta antirracista.
REFERÊNCIAS
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SOUZA, Jessé. A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: UFMG, 2009.
Resumo
O presente artigo visa discutir acerca da proteção que os direitos humanos deviam ter na
sociedade e sua relação com o futebol. Não há dúvidas de que na sociedade diversas são
as formas de violência, entretanto, recentemente a violência no futebol tem se elevado ex-
ponencialmente, fazendo com que os episódios de graves tragédias serem cada vez mais
comum, não somente no Brasil, mas pelo mundo a fora. O presente artigo tem o intuito
de fazer uma relação com a proteção que a FIFA, entidade máxima do futebol mundial
tem dado para os direitos humanos em uma tentativa de maior proteção e efetividade aos
mesmos em todo o globo.
1 INTRODUÇÃO
Os direitos humanos são fundamentais para a garantia da dignidade humana, da justi-
ça e da igualdade. Infelizmente, a violência no futebol é uma questão que viola esses direitos,
tanto para jogadores quanto para torcedores, mas além, para diversas pessoas que também
estão envolvidas no espetáculo, muitas vezes até mesmo fora das praças desportivas.
Não diferente, ultimamente cada vez mais frequente vemos episódios graves envol-
vendo brigar entre torcidas, jogadores, dirigentes e muitas vezes inclusive até com mortes.
1
Doutorando em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil).
Advogado. E-mail: eduardo@tlg.adv.br
272| Eduardo Tourinho Gomes
Essa inumanidade também pode afetar diretamente os direitos humanos dos jo-
gadores e torcedores, como o direito à vida, à liberdade de expressão e à segurança.
Jogadores e torcedores podem ser agredidos fisicamente ou verbalmente, além de terem
sua integridade física e emocional ameaçadas.
No presente artigo pretende-se fazer uma relação entre o futebol, direitos humanos
e algumas recomendações e práticas que a FIFA, Federação Internacional de Futebol, vem
tomando a partir da realização dos eventos de futebol para garantia uma melhor efetivação
dos direitos humanos na prática desportiva.
Não há dúvidas de que os direitos humanos devem ter uma perspectiva crítica
da filosofia do direito, sendo ele o motriz para toda a sociedade, devendo ser os direitos
humanos que parte da sociedade para concretização dos direito. Não há dúvida que deve
ter um protagonismo para criar e atualizar permanentemente os movimentos sociais por
condições dignas de vida na sociedade contemporânea2.
2
COSTA, Alexandre Bernardino. Prefacio. In: SANCHEZ, Rubio David. Direitos humanos instituintes. Rio de
Janeiros: Lumen Juris, 2022.
3
COSTA, Alexandre Bernardino. Prefacio. In: SANCHEZ, Rubio David. Direitos humanos instituintes. Rio de
Janeiros: Lumen Juris, 2022.
A violência no futebol e o papel da FIFA subordinando-se aos Direitos Humanos... |273
Assim pelo Brasil estar inserido em uma comunidade internacional, não poderia
despeitar as decisões dos comitês de direitos humanos no plano exterior5 sendo possível,
portanto o respeito as decisões exaradas pela FIFA, que apesar de não ser um órgão como
a ONU, trata-se de um ente internacional que goza de prestígio internacional.
Eis que a efetivação dos direitos humanos deve ser em um caráter pré-violatório,
multigarantista, interescalar e multiespacial, sendo esse o grande desafio da democracia6
sendo portanto possível que o direitos humanos se fundam com os organismos internacio-
nais, a fim de buscar em todos os planos esses substratos para uma concretização prévia
deles, respeitando também a individualidade de cada ser.
Direitos humanos devem ser em tempo integral e em todo o lugar como dito por
Helio Gallardo8 assim, temos, infelizmente que ressaltar que os direitos humanos também
devem ser respeitado nos estádios de futebol, nos fins de semana, nas horas de lazer, não
é possível entender como lazer o desrespeito aos direitos humanos.
4
LAUTERPACHT, Hersch. The function of law in the international community. Oxford: Clarendon Press, 1933. p. 421.
5
SQUEFF, Tatiana Cardoso. Os limites das decisões de comitês de tratados de direitos humanos. In: GOMES,
Eduardo Biacchi; GUERRA, Sidney (dir.); ALMEIDA, Ronald Silka de; BRANDALISE, Ane Elise (coord.);
SALLES, Letícia Maria R.; LEAHY, Érika (org.). Grandes julgamentos do Supremo Tribunal Federal e o direito
internacional. 1. ed. Curitiba: Instituto Memória, 2020. p. 196.
6
COSTA, Alexandre Bernardino. Prefacio. In: SANCHEZ, Rubio David. Direitos humanos instituintes. Rio de
Janeiros: Lumen Juris, 2022.
7
GALLARDO, Helio. Teoria critica: matriz y posibilidad de derechos humanos, Madrid: Los Livros de Lara
Catarata, 2005.
8
GALLARDO, Helio. Teoria critica: matriz y posibilidad de derechos humanos, Madrid: Los Livros de Lara
Catarata, 2005.
9
GALLARDO, Helio. Derechos humanos como movimiento social. Bogotá: Ediciones desde abajo, 2006.
274| Eduardo Tourinho Gomes
ciedade, no caso a “paixão” pelo futebol, a reflexão filosófica pode ser dita como a análise
de como o futebol interage e participa ativamente na vida das pessoas, o reconhecido
legal, pode ser visto como uma luz pelas atuais novas resoluções trazidas pela FIFA e por
fim chegaria se há a efetividade dessa legislação e uma sensibilidade do público à mesma.
Importante ressaltar ainda, que os conceitos de direitos humanos não podem ser
tão fixos, e devem partir da sociedade, o preceito ontológico que é o costume que os ju-
ristas têm de essencializar seus conceitos, reiterado o caráter historicizado e crendo que
eles têm vida própria sem serem afetados pelo tempo e pela contingências humana, não se
aplica aos direitos humanos10 ou seja, muitas vezes aquilo que antigamente era possível,
ou melhor, tolerável, hoje não é mais. Assim não é possível reduzir o aspecto plural dos
direitos humanos para um ato simplista.
Falar em proteção aos direitos humanos é compreender todo o sistema que o cerca
exige que se remonte ao final do segundo pós-guerra e toda a construção normativa e
jurisprudencial que ali se origina12.
10
ORESTANO, Riccardo. Introducción al estúdio del derecho romano. Madrid: Boletín Oficial del Estado, 1998.
p. 417-418.
11
FLORES, Joaquín Herrera. Los derechos humanos como productos culturales. Sevilla: Aconcagua, 2005. p.
18, 57, 60 e 89.
12
GUERRA, Sidney; TONETTO, Fernanda F. Direitos humanos dos encarcerados: a responsabilidade dos esta-
dos a partir de uma leitura de decisões da corte europeia, da corte interamericana de direitos humanos e do
Supremo Tribunal Federal brasileiro. In: GOMES, Eduardo Biacchi; GUERRA, Sidney (dir.); ALMEIDA, Ronald
Silka de; BRANDALISE, Ane Elise (coord.); SALLES, Letícia Maria R.; LEAHY, Érika (org.). Grandes julgamentos
do Supremo Tribunal Federal e o direito internacional. 1. ed. Curitiba: Instituto Memória, 2020. p. 159.
13
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Documentos. [S.d.]. Disponível em: https://www.un.org/es/
our-work/documents. Acesso em: 14 ago. 2023.
14
SALVO, Katia de Almeida. Notas sobre a inteligência artificial à luz dos direitos humanos. In: PASSIG, Andressa;
JAYME, Camila Soares Cavassin; PIRES, Joyce Finato (org.). Direitos fundamentais e novas tecnologias:
estudos em homenagem ao Prof. Marco Berberi. 1. ed. Curitiba: Íthala, 2023. p. 146.
A violência no futebol e o papel da FIFA subordinando-se aos Direitos Humanos... |275
Assim direitos humanos e violência no futebol são temas que percorrem uma rea-
lidade complexa.
Portanto, não há dúvidas que o campo do esporte deve ser, sim, um dos planos
interescalar e multiespacial citado por David Sánchez Rubio20 a fim de convocar, testemu-
nhar, estender, sensibilidade e promover relações humanas inclusivas de reconhecimento
mútuo, reciprocidade e solidariedade.
15
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Declaração universal dos direitos humanos. Assembléia Geral
das Nações Unidas, 10 dez. 1948. Brasília: Unesco no Brasil, 1998. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/
images/0013/001394/139423por.pdf. Acesso em: 10 ago. 2023.
16
GUERRA, Sidney; TONETTO, Fernanda F. Direitos humanos dos encarcerados: a responsabilidade dos esta�-
dos a partir de uma leitura de decisões da corte europeia, da corte interamericana de direitos humanos e do
Supremo Tribunal Federal brasileiro. In: GOMES, Eduardo Biacchi; GUERRA, Sidney (dir.); ALMEIDA, Ronald
Silka de; BRANDALISE, Ane Elise (coord.); SALLES, Letícia Maria R.; LEAHY, Érika (org.). Grandes julgamentos
do Supremo Tribunal Federal e o direito internacional. 1. ed. Curitiba: Instituto Memória, 2020. p. 177
17
SANCHEZ, Rubio David. Direitos humanos instituintes. Rio de Janeiros: Lumen Juris, 2022. p. 50.
18
SANCHEZ, Rubio David. Direitos humanos instituintes. Rio de Janeiros: Lumen Juris, 2022. p. 50.
19
SANCHEZ, Rubio David. Direitos humanos instituintes. Rio de Janeiros: Lumen Juris, 2022. p. 50.
20
SANCHEZ, Rubio David. Direitos humanos instituintes. Rio de Janeiros: Lumen Juris, 2022. p. 53.
276| Eduardo Tourinho Gomes
São nas nossas relações e práticas, nos arranjos sociais, tanto jurídico como não
jurídico que fazemos ou não os direitos humanos21, ou seja, deve-se levar em conta que os
direitos humanos devem estar presentes em todo o tempo, inclusive nos momentos de lazer.
É necessário sair da noção de anestesia que e estamos submersos para que nos-
sos sentidos atuem 24 horas por dia, 7 dias por semanas, a fim de praticar essencialmente
os direitos humanos23.
Deve-se lembrar que não temos um único sistema de garantias dos direitos huma-
nos, mas múltiplos sistema. Uma cultura multigarantista deve articular de maneira comple-
mentar para diversos caminhos de proteção.24 Inclusive nos campos de futebol.
A busca de mais pessoas ativas e efetivas numa dimensão multiescalar e tendo como
referência a construção de uma cultura de direitos humanos a todo tempo e em todo lugar25.
Promover uma cultura de direitos humanos global, integral e que enfatize a dimen-
são pré-violatória a partir da qual se constroem/se destroem ou se articulam/se articulam
os direitos porque na realidade todos nós seres humanos por onde quer que nos movamos,
participamos dos processos de construção ou destruição de direitos humanos.
Destaca-se a importância do papel do juiz (e aqui não somente ao juiz togado mas
também ao juiz dos tribunais desportivos) neste contexto, sob o prisma do princípio da dig-
nidade da pessoa humana, de forma a ser alcançado o respeito aos direitos humanos27, nos
21
SANCHEZ, Rubio David. Direitos humanos instituintes. Rio de Janeiros: Lumen Juris, 2022. p. 53.
22
SANCHEZ, Rubio David. Direitos humanos instituintes. Rio de Janeiros: Lumen Juris, 2022. p. 53.
23
SANCHEZ, Rubio David. Direitos humanos instituintes. Rio de Janeiros: Lumen Juris, 2022. p. 53.
24
SANCHEZ, Rubio David. Direitos humanos instituintes. Rio de Janeiros: Lumen Juris, 2022. p. 57.
25
SANCHEZ, Rubio David. Direitos humanos instituintes. Rio de Janeiros: Lumen Juris, 2022. p. 61.
26
SANCHEZ, Rubio David. Direitos humanos instituintes. Rio de Janeiros: Lumen Juris, 2022. p. 61.
27
MARQUES, Allana Campos. Uma análise crítica do juízo de censura penal. 2001. 122f. Dissertação (Mestrado)
– Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2001. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/han-
A violência no futebol e o papel da FIFA subordinando-se aos Direitos Humanos... |277
casos em que se faz a necessária intervenção do auditor, esse também deverá aplicar os di-
reitos humanos a fim de garantir a esfera administrativa também a prevalência desses direitos.
Além disso, a pobreza, que nos permite entender os demais níveis de exclusão
acima citados: de moradia, do mercado de trabalho, de acesso a bens e serviços, enfim,
dos direitos humanos em geral28, e sendo o futebol um esporte que atinge todas as classes
sociais, seria possível, ou talvez utópico, imaginar que seria uma ótima forma de garantia
dos direitos humanos.
Apesar de reconhecer que a vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial signi-
ficou a vitória dos Direitos Humanos, um conceito que até então não existia no mundo do
direito e da política, também é Imprescindível aceitar que o Estado, nos moldes em que é
conhecido, é insuficiente para a proteção dos Direitos Humanos violados30.
dle/1884/75817/D%20-%20D%20-%20ALLANA%20CAMPOS%20MARQUES.pdf?sequence=1&isAllowe-
d=y. Acesso em: 14 ago. 2023.
28
MARQUES, Allana Campos. Uma análise crítica do juízo de censura penal. 2001. 122f. Dissertação (Mestrado)
– Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2001. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/han-
dle/1884/75817/D%20-%20D%20-%20ALLANA%20CAMPOS%20MARQUES.pdf?sequence=1&isAllowe-
d=y. Acesso em: 14 ago. 2023.
29
MALISKA, Marcos Augusto. O papel da jurisdição constitucional no Estado constitucional cooperativo. Revista
da Advocacia Pública Federal, p. 198-211, 2021. Disponível em: https://seer.anafenacional.org.br/index.php/
revista/article/view/137/111. Acesso em: 14 ago. 2023.
30
MENEZES NETO, Elias Jacob de; MORAIS, Jose Luis Bolzan de. A fragilização do estado-nação na proteção
dos direitos humanos violados pelas tecnologias da informação e comunicação. Revista Direitos Fundamentais
& Democracia, Curitiba, v. 23, n. 3, p. 231-257, 2018. DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v23i31135.
Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/1135. Acesso em: 14
ago. 2023.
31
MENEZES NETO, Elias Jacob de; MORAIS, Jose Luis Bolzan de. A fragilização do estado-nação na proteção
dos direitos humanos violados pelas tecnologias da informação e comunicação. Revista Direitos Fundamentais
278| Eduardo Tourinho Gomes
ser pensado em novas estruturas, novas formas, e até novos atores no cenário nacional
e internacional para dar mais efetividade aos direitos humanos e de fato transformar em
pré-violatório.
Como resultado da multiplicidade dos atores envolvidos (sem uma força espe-
cífica), há a fragilização das tradicionais estruturas de proteção dos Direitos Humanos e
da democracia32.
36
GUGGENHEIM, Paulo. Ler príncipes de droit international public. Collected Courses of the Hague Academy of
International Law, v 80, y, ii, 1952. p. 31.
37
RAMOS FILHO, Carlos Alberto de Moraes. Os tratados internacionais sobre direitos humanos e a prisão ci�-
vil do depositário infiel à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: GOMES, Eduardo Biacchi;
GUERRA, Sidney (dir.); ALMEIDA, Ronald Silka de; BRANDALISE, Ane Elise (coord.); SALLES, Letícia Maria R.;
LEAHY, Érika (org.). Grandes julgamentos do Supremo Tribunal Federal e o direito internacional. 1. ed. Curitiba:
Instituto Memória, 2020. p. 41-58. p. 41.
38
SQUEFF, Tatiana Cardoso. Os limites das decisões de comitês de tratados de direitos humanos. In: GOMES,
Eduardo Biacchi; GUERRA, Sidney (dir.); ALMEIDA, Ronald Silka de; BRANDALISE, Ane Elise (coord.);
SALLES, Letícia Maria R.; LEAHY, Érika (org.). Grandes julgamentos do Supremo Tribunal Federal e o direito
internacional. 1. ed. Curitiba: Instituto Memória, 2020. p. 194.
39
BRASIL. Superior Tribunal Federal. RMS-Agr 32732/DF. Relator: Min. Celso de Melo, Segunda Turma. Julgado
em 03.06.2014.
40
MAZZZUILO, Valério de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. São Paulo:
Saraiva, 2020. p. 229-230.
280| Eduardo Tourinho Gomes
A prática esportiva é um direito humano42, eis que a prática de lazer foi consa-
grada na Declaração Universal de Direitos Humanos43, não diferente o direto de participar
livremente da vida cultural da comunidade44, todos esses sendo praticamente o papel do
futebol no Estado brasileiro.
Dentro desse panorama, cabe ressaltar que a Copa do Mundo teve cada vez mais
espaço e relevância no cenário mundial, no século XX, impulsionados pelos avanços tec-
nológicos de difusão das mídias de comunicação e pela intensificação da globalização, os
41
SAMPAIO, Lucas Monte de Macedo. A atuação da FIFA na promoção dos direitos humanos no território dos
países sede das Copas do Mundo de Futebol. 2021. 65f. Monografia (Graduação em Direito) – Centro de
Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2021. Disponível em: https://
repositorio.ufrn.br/handle/123456789/45297. Acesso em: 14 ago. 2023.
42
“O Esporte, como prática humana, é um direito de quarta-geração. Esporte é um direito; este deveria ser o
ponto inicial da educação esportiva […] o esporte é, primeiramente, movimento, corpo e jogo. Sua natureza
implica na dimensão corporal conectada com saúde e bem-estar, assim como a dimensão biológica e psíq-
uico-social de todo indivíduo” (ISIDORI, Emanuele; BENETTON, Mirca. Sport as education: between dignity
and human rights. Procedia – Social and Behavioral Sciences, v. 197, p. 686-693, jul. 2015. Disponível em:
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1877042815040549. Acesso em: 14 ago. 2023. p. 690.
Tradução nossa).
43
Artigo 24: “Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres [...]” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS –
ONU. Declaração universal dos direitos humanos. Assembléia Geral das Nações Unidas, 10 dez. 1948. Brasília:
Unesco no Brasil, 1998. p. 5. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf.
Acesso em: 10 ago. 2023).
44
Artigo 27º: “1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de
fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam” (ORGANIZAÇÃO
DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Declaração universal dos direitos humanos. Assembléia Geral das Nações
Unidas, 10 dez. 1948. Brasília: Unesco no Brasil, 1998. p. 5. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/imag-
es/0013/001394/139423por.pdf. Acesso em: 10 ago. 2023).
45
“Art. 217º (caput). É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de
cada um [...] Inciso II: a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional
e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento; [...]
§ 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social” (BRASIL. [Constituição (1988)].
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, 1988. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 27 ago.
2022).
A violência no futebol e o papel da FIFA subordinando-se aos Direitos Humanos... |281
O esporte passa a relacionar-se cada vez mais com a política, se tornando uma
fonte de expressão cultural, social e política dos povos e, impulsionados pela revolução
digital, um meio de difusão de valores50.
46
“O Esporte tem uma capacidade ponderosa de tocar indivíduos e sociedades ao redor do mundo, de maneira
que as práticas tradicionais de diplomacia e os diplomatas raramente conseguem, em particular as praticadas
pelos Estados. As competições esportivas sempre carregam mensagens políticas e sociais para suas audiên-
cias. […] desse modo, as tecnologias modernas de comunicação e informação tem papel fundamental no
esporte contemporâneo” (ROFE, J. Simon. Sport and diplomacy: a global diplomacy framework. Diplomacy &
Statecraft, v. 27, n. 2, p. 212-230, 2016. p. 13-14. Tradução nossa).
47
Soft Power é a habilidade de afetar outros para obter os resultados que um deseja, através de atração, ao invés
de coerção ou pagamento. O Soft Power de um país reside em seus recursos culturais, valores e políticas”
(NYE JR., Joseph S. Public diplomacy and soft power. Annals of the American Academy of Political and Social
Science, v. 616, n. 1, p. 94-109, 2008. DOI: 10.1177/0002716207311699. p. 94. Tradução nossa).
48
“A história da ciência política mundial retrata momentos marcantes que ocorreram durante megaeventos es�-
portivos. Durante a Guerra Fria, nas olimpíadas após a segunda-guerra mundial, Estados Unidos e União
Soviética utilizaram o torneio como um meio de propaganda política, e a vitória nos jogos se tornaram símbolo
de desenvolvimento nacional, uma clássica demonstração de Soft Power. A própria participação da União
Soviética na competição, simbolizou a reaproximação do país da comunidade internacional (uma mudança
de política, em relação a época de Stálin, que retirou a URSS do megaevento). As olimpíadas se tornaram
parte da guerra fria, gerando disputa por influência política, como um “caminho para concretizar o status da
União Soviética como uma superpotência, capaz de desafiar os Estados Unidos não apenas militarmente,
mas também em cultura e moral, propondo paz, liberdade e cooperação internacional” (PARKS, Jenifer. Red
sport, red tape: the olympic games, the soviet sports bureaucracy, and the cold war, 1952-1980. 2009. 421f.
Dissertação (Doutorado em História) – Departamento de História, University of North Carolina, Estado Unidos,
2009. Disponível em: https://cdr.lib.unc.edu/concern/dissertations/0r9674344. Acesso em: 14 ago. 2023.p.
85. Tradução nossa).
49
Esportes e Direitos Humanos são dois universais e extensos fenômenos, em interseção em três pontos par�-
ticulares. Primeiro, o esporte é uma categoria de Direito Humanos. Segundo, o esporte é uma área na qual
as normas de e padrões de Direitos Humanos deveriam ser aplicados. Terceiro, o esporte pode ser usado
como ferramenta para o desenvolvimento de Direitos Humanos” (SAGHEZCHI, Shafagh M.; NAINI, Manuchehr
Tavassoli. A legal approach to the interaction between sports and human rights. Mediterranean Journal of
Social Sciences, v. 7, n. 3, p. 196-205, may 2016. Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.org/8768/
11d61e8b64a593a3e3c2ad1d489b1a9f13ca.pdf. Acesso em: 14 ago. 2023. Tradução nossa).
50
SAMPAIO, Lucas Monte de Macedo. A atuação da FIFA na promoção dos direitos humanos no território dos
países sede das Copas do Mundo de Futebol. 2021. 65f. Monografia (Graduação em Direito) – Centro de
Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2021. Disponível em: https://
repositorio.ufrn.br/handle/123456789/45297. Acesso em: 14 ago. 2023.
282| Eduardo Tourinho Gomes
As práticas de direitos humanos podem não ser realizadas de forma plena apenas
pela atuação dos Estados, que apresentam violações frequentes dentro de seus territórios54
tornando relevante a atuação de organizações internacionais e entidades privadas, abrindo
espaço para atuação da FIFA nesses países.
51
MEIER, Henk-Erik; GARCÍA, Borja García. The power of FIFA over national governments: a new actor in
world politics? Conference contribution. Loughborough University, 2014. Disponível em: https://hdl.handle.
net/2134/15885. Acesso em: 14 ago. 2023. p. 8.
52
Organização Não-Governamental Internacional, atraindo as associações de futebol de 211 nações, que estão
inseridas como afiliadas, número superior à Organização das Nações Unidas (ONU), que conta com 193
Estados-membros, além das confederações continentais - A lista completa de associações-membros da FIFA,
no site oficial da Organização. FIFA. Member association. [S.d.]. Disponível em: https://www.fifa.com/about-fi-
fa/associations. Acesso em: 14 ago. 2023.
53
RAMOS, Pedro de Oliveira. Por que a FIFA funciona? Uma análise da organização internacional que controla
o futebol no mundo. 2011. 70f. Monografa (Especialização) – Universidade de Brasília, Brasília, 2011. p. 14.
Disponível em: https://www.bdm.unb.br/handle/10483/2446. Acesso em: 14 ago. 2023.
54
HAFNER-BURTON, Emilie M.; TSUTSUI, Kiyoteru. Human rights practices in a globalizing world: the paradox of
empty promises. American Journal of Sociology, v. 110, n. 5, p. 1373-1411, mar. 2005. p. 1377.
55
FINNEMORE, Martha. National interest in international society. New York: Cornell University Press, 1996. (Serie
Cornell Studies in Political Economy). p. 1377.
56
Arts. 1, 2, 3, 5 (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Declaração universal dos direitos humanos.
Assembléia Geral das Nações Unidas, 10 dez. 1948. Brasília: Unesco no Brasil, 1998. Disponível em: http://
unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf. Acesso em: 10 ago. 2023).
A violência no futebol e o papel da FIFA subordinando-se aos Direitos Humanos... |283
O desafio se torna maior em nações com uma taxa elevada de casos de violações
dos direitos humanos, historicamente menos democráticas ou com governos repressivos61.
57
KOH, Harold Hongju. How is international human rights law enforced? Indiana Law Journal, v. 74, n. 4, p. 1397-
1417, Fall 1999. Disponível em: https://www.repository.law.indiana.edu/ilj/vol74/iss4/9/. Acesso em: 14 ago.
2023. p. 1409-1410.
58
“As ONGIs, tais como a Amnesty International e a HRW, têm sido particularmente ativas na divulgação de vio�-
lações dos Direitos Humanos para pressionar governos repressivos. Os grupos domésticos também buscam
atores externos para divulgar as violações em seu Estado” (TSUTSUI, Kiyoteru. Global civil society and ethnic
social movements in the contemporary world. Sociological Forum, v. 19, p. 63-88, 2004 apud HAFNER-
BURTON, Emilie M.; TSUTSUI, Kiyoteru. Human rights practices in a globalizing world: the paradox of empty
promises. American Journal of Sociology, v. 110, n. 5, p. 1373-1411, mar. 2005. p. 1385.
59
HAFNER-BURTON, Emilie M.; TSUTSUI, Kiyoteru. Human rights practices in a globalizing world: the paradox of
empty promises. American Journal of Sociology, v. 110, n. 5, p. 1373-1411, mar. 2005. p. 1385.
60
HAFNER-BURTON, Emilie M.; TSUTSUI, Kiyoteru. Human rights practices in a globalizing world: the paradox of
empty promises. American Journal of Sociology, v. 110, n. 5, p. 1373-1411, mar. 2005. p. 1385.
61
HAFNER-BURTON, Emilie M.; TSUTSUI, Kiyoteru. Human rights practices in a globalizing world: the paradox of
empty promises. American Journal of Sociology, v. 110, n. 5, p. 1373-1411, mar. 2005. p. 1386.
62
CHARNEY, Jonathan I. Transnational corporations and developing public international law. Duke Law Journal, p.
748-788, 1983. Disponível em: https://scholarship.law.duke.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2848&contex-
t=dlj. Acesso em: 14 ago. 2023. p. 767.
284| Eduardo Tourinho Gomes
E justamente ai que a FIFA deve agir para barrar a violência no futebol. Deve se levar
em conta as normas, princípios e costumes de garantia e proteção dos direitos humanos,
com responsabilidade de respeitá-las junto aos Estados, na organização e realização de
todos seus megaeventos, inclusive no processo de escolha da sede63.
63
SAMPAIO, Lucas Monte de Macedo. A atuação da FIFA na promoção dos direitos humanos no território dos
países sede das Copas do Mundo de Futebol. 2021. 65f. Monografia (Graduação em Direito) – Centro de
Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2021. Disponível em: https://
repositorio.ufrn.br/handle/123456789/45297. Acesso em: 14 ago. 2023.
64
“Estes princípios orientadores devem ser entendidos como um todo coerente e devem ser lidos, individual e
coletivamente, em termos de seu objetivo de aprimorar os padrões e práticas em relação aos negócios e aos
Direitos Humanos, apenas para alcançar resultados tangíveis para os indivíduos e comunidades afetados e, as-
sim, também contribuindo para a globalização socialmente sustentável” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
– ONU. Guiding principles on business and human rights. New YOtk; Geneva: United Nations, 2011. Disponível
em: https://www.ohchr.org/sites/default/files/Documents/Publications/GuidingPrinciplesBusinessHR_EN.pdf.
Acesso em: 14 ago. 2023. Tradução nossa).
65
SAMPAIO, Lucas Monte de Macedo. A atuação da FIFA na promoção dos direitos humanos no território dos
países sede das Copas do Mundo de Futebol. 2021. 65f. Monografia (Graduação em Direito) – Centro de
Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2021. Disponível em: https://
repositorio.ufrn.br/handle/123456789/45297. Acesso em: 14 ago. 2023.
A violência no futebol e o papel da FIFA subordinando-se aos Direitos Humanos... |285
gurando que os países candidatos devem ter a obrigação de respeitar e proteger os direitos
humanos e as liberdades fundamentais, ressaltando o direito trabalhista e das crianças66.
O papel positivo da FIFA em reconhecer e utilizar essas regras como guia para esta-
belecer uma governança voltada para a proteção dos direitos humanos68, para isso, utiliza
de uma a adoção de uma política de direitos humanos transparente e coerente, aplicada
em toda sua estrutura interna e nas relações com suas associações-membro, parceiros de
negócios e outros terceiros relevantes, com vínculo explícito da FIFA com princípios de di-
reitos humanos internacionalmente reconhecidos, inclusive em países com menor previsão
na proteção destes direitos.
A FIFA não é uma ONGI voltada diretamente para o ativismo de direitos humanos, no
entanto, a transformação social e as causas voltadas para os direitos humanos, devendo
66
SAMPAIO, Lucas Monte de Macedo. A atuação da FIFA na promoção dos direitos humanos no território dos
países sede das Copas do Mundo de Futebol. 2021. 65f. Monografia (Graduação em Direito) – Centro de
Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2021. Disponível em: https://
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67
“Direitos Humanos refere-se ao conjunto de direitos e liberdades aos quais todo os seres humanos são con�-
siderados titulares, independentemente de sua nacionalidade, local de residência, sexo, orientação sexual,
nacionalidade ou origem étnica, cor, religião, idioma, idade ou qualquer outro status. Esses direitos são to-
dos inter-relacionados, interdependentes e indivisíveis” (UEFA. UEFA Euro 2024: tournament requirements.
Switzerland: UEFA, 2017. p. 5. Disponível em: https://www.uefa.com/multimediafiles/download/officialdocu-
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YOtk; Geneva: United Nations, 2011. Disponível em: https://www.ohchr.org/sites/default/files/Documents/
Publications/GuidingPrinciplesBusinessHR_EN.pdf. Acesso em: 14 ago. 2023.
286| Eduardo Tourinho Gomes
utilizar-se de toda sua estrutura para uma melhor representação e busca de efetividade dos
direitos humanos.
A entidade sempre levou em conta seu papel social, ainda que superficialmente,
com campanhas e publicidade a favor de causas, como a luta contra o racismo, a igualdade
social etc.70.
FIFA inseriu em seu Estatuto, o documento basilar da entidade, com seus princípios
e regras, o artigo 3, sobre os direitos humanos: “A FIFA se compromete a respeitar todos
os direitos humanos reconhecidos internacionalmente e deve se empenhar para promover
a promoção de tais direitos”71 agora, falta a FIFA utilizar desse preceito para também fazer
com que as Confederações ao redor do mundo também passem a respeitar e exigir o cum-
primento dessas obrigações.
No dia 24 de fevereiro de 2022, o ônibus do Esporte Clube Bahia foi atacado com
uma bomba enquanto o time se dirigia para a Arena Fonte Nova, em Salvador, para partida
contra o Sampaio Corrêa pela Copa do Nordeste73.
70
FIFA tem programas sociais de destaque: Football for Hope, em atuação desde 2005, focado no auxílio a
jovens ao redor do mundo; Football for the Planet, que tem programas ambientais, desde 2006. Além de
campanhas que divulga através de seus megaeventos, por exemplo as que defendem o Fair Play, a campanha
“Say no to Racism”, além de defender publicamente a diversidade e ser contra a discriminação (PRATES,
Raphael Vieira da Cunha. Organizações internacionais: a FIFA e a atuação do Comitê de Disciplina. 2016.
58f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Centro Socioeconômico, Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 2016. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/174626. Acesso
em: 14 ago. 2023).
71
FIFA. FIFA Statutes. Zurich: FIFA, 2020. Artigo 3. Disponível em: https://digitalhub.fifa.com/
m/4b2bac74655c7c13/original/viz2gmyb5x0pd24qrhrx-pdf.pdf. Acesso em: 14 ago. 2023.
72
FUTEBOL brasileiro tem um episódio de violência a cada quatro dias. Correio do Povo, R7, 08 mar. 2022.
Disponível em: https://www.correiodopovo.com.br/esportes/futebol-brasileiro-tem-um-epis%C3%B3dio-de-
-viol%C3%AAncia-a-cada-quatro-dias-1.784786. Acesso em: 14 abr. 2023.
73
TORTELLA, Tiago. Casos de violência marcaram o futebol nas últimas semanas; relembre. CNN Brasil, 07 mar.
2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/casos-de-violencia-marcaram-o-futebol-nas-ul-
timas-semanas-relembre/. Acesso em: 14 abr. 2023.
A violência no futebol e o papel da FIFA subordinando-se aos Direitos Humanos... |287
Ocorre que apesar de nos últimos anos, esses fatores de brigas terem se maximi-
zados, já existiam episódios brasileiros há mais de 30 anos.
74
TORTELLA, Tiago. Casos de violência marcaram o futebol nas últimas semanas; relembre. CNN Brasil, 07 mar.
2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/casos-de-violencia-marcaram-o-futebol-nas-ul-
timas-semanas-relembre/. Acesso em: 14 abr. 2023.
75
TORTELLA, Tiago. Casos de violência marcaram o futebol nas últimas semanas; relembre. CNN Brasil, 07 mar.
2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/casos-de-violencia-marcaram-o-futebol-nas-ul-
timas-semanas-relembre/. Acesso em: 14 abr. 2023.
76
TORTELLA, Tiago. Casos de violência marcaram o futebol nas últimas semanas; relembre. CNN Brasil, 07 mar.
2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/casos-de-violencia-marcaram-o-futebol-nas-ul-
timas-semanas-relembre/. Acesso em: 14 abr. 2023.
77
TORTELLA, Tiago. Casos de violência marcaram o futebol nas últimas semanas; relembre. CNN Brasil, 07 mar.
2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/casos-de-violencia-marcaram-o-futebol-nas-ul-
timas-semanas-relembre/. Acesso em: 14 abr. 2023.
78
TORTELLA, Tiago. Casos de violência marcaram o futebol nas últimas semanas; relembre. CNN Brasil, 07 mar.
2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/casos-de-violencia-marcaram-o-futebol-nas-ul-
timas-semanas-relembre/. Acesso em: 14 abr. 2023.
288| Eduardo Tourinho Gomes
79
AMARAL, Luca do. Violência entre torcidas: Problema assombra o futebol brasileiro desde a década de 90.
UOL: Esporte, 01 ago. 2022. Disponível em: https://cultura.uol.com.br/esporte/noticias/2022/08/01/3887_
violencia-entre-torcidas-problema-assombra-o-futebol-brasileiro-desde-a-decada-de-90.html. Acesso em: 14
abr. 2023.
80
AMARAL, Luca do. Violência entre torcidas: Problema assombra o futebol brasileiro desde a década de 90.
UOL: Esporte, 01 ago. 2022. Disponível em: https://cultura.uol.com.br/esporte/noticias/2022/08/01/3887_
violencia-entre-torcidas-problema-assombra-o-futebol-brasileiro-desde-a-decada-de-90.html. Acesso em: 14
abr. 2023.
81
FUTEBOL brasileiro tem um episódio de violência a cada quatro dias. Correio do Povo, R7, 08 mar. 2022.
Disponível em: https://www.correiodopovo.com.br/esportes/futebol-brasileiro-tem-um-epis%C3%B3dio-de-
-viol%C3%AAncia-a-cada-quatro-dias-1.784786. Acesso em: 14 abr. 2023.
A violência no futebol e o papel da FIFA subordinando-se aos Direitos Humanos... |289
do utilizar-se de toda sua estrutura para uma melhor representação e busca de efetividade
dos direitos humanos.
A entidade sempre levou em conta seu papel social, ainda que superficialmente,
com campanhas e publicidade a favor de causas, como a luta contra o racismo, a igualdade
social etc.82
FIFA inseriu em seu Estatuto, o documento basilar da entidade, com seus princípios
e regras, o artigo 3, sobre os direitos humanos: “A FIFA se compromete a respeitar todos
os Direitos Humanos reconhecidos internacionalmente e deve se empenhar para promover
a promoção de tais direitos”
A FIFA passa a reconhecer seu papel como ator responsável pela promoção e res-
peito de diretos humanos com abrangência ampla, de todas as normas reconhecidas in-
ternacionalmente – o estatuto deixa em aberto quais são estes direitos reconhecidos, mas
deve ser levada em conta a noção de jus cogens, além dos documentos indicados nas
UNGPS: ou seja, a Declaração Universal de Direitos Humanos, a declaração da OIT, além
do costume internacional de proteção aos Direitos Humanos.
Para reforçar seu compromisso com os direitos humanos, a FIFA publicou o do-
cumento “FIFA´s Human Rights Policy”, complementando o artigo 3 de seu estatuto,
aprofundando-se em seu conteúdo e apresentando sua política de maneira detalhada. No
documento, a FIFA declara seus valores sociais e admite que possui responsabilidade em
promover os Direitos Humanos dos indivíduos afetados por suas atividades
É possível ainda verificar que a FIFA através do novo sistema dela de proteção de
direitos humanos conseguiu proteger alguns casos, como por exemplo:
82
FIFA tem programas sociais de destaque: Football for Hope, em atuação desde 2005, focado no auxílio a
jovens ao redor do mundo; Football for the Planet, que tem programas ambientais, desde 2006. Além de
campanhas que divulga através de seus megaeventos, por exemplo as que defendem o Fair Play, a campanha
“Say no to Racism”, além de defender publicamente a diversidade e ser contra a discriminação. PRATES,
Raphael Vieira da Cunha. Organizações internacionais: a FIFA e a atuação do Comitê de Disciplina. 2016.
58f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Centro Socioeconômico, Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 2016. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/174626. Acesso
em: 14 ago. 2023..
290| Eduardo Tourinho Gomes
serem presos e deportados caso saiam de seus trabalhos sem autorização dos patroci-
nadores84, com mais de 1.000 mortes registradas, porém sem informações das causas
específicas, pela falta de investigação das autoridades locais85.
Na Copa do Mundo do Brasil não foi diferente. Na qual houve violação ao direito de
moradia da população com o objetivo de construção das obras de infraestrutura voltadas
para o megaevento89, foi estimado que um número entre 250.000 e 1.5 milhão de pessoas
tiveram que abandonar forçadamente suas casas ou foram alvo de evicção, com poucos
recebendo assistência adequada para relocação ou compensação financeira90.
83
REGUEIRO, Raquel. Shared responsibility and human rights abuse: the 2022 World Cup in Catar. Tilburg Law
Review, v. 25, n. 1, p. 27-39, 2020. p. 29. Disponível em: https://tilburglawreview.com/articles/10.5334/
tilr.191. Acesso em: 14 ago. 2023.
84
Lei n. 18, de 2020, no Catar, promoveu as mudanças, reformando algumas normas da legislação trabalhista
vigente, Lei n. 14, de 2004 (QATAR. Law n. 18 of 2020 amending certain provisions of Labour Law n. 14 of
2004. Qatar: 2020. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---arabstates/---ro-beirut/do-
cuments/legaldocument/wcms_754882.pdf. Acesso em: 14 abr. 2023.
85
Beryl. FIFA, Catar, Kalafa: Can the World Cup create a better world of work?. International Labor Rights Case
Law. V4. 2018, p.137.
86
A OIT apresentou reclamação ao Catar, ressaltando a falta de observação do país com a convenção de traba�-
lho forçado e a convenção de inspeção de trabalho. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT.
Governing Body: agenda and programme. Geneva, 2017. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/
public/@ed_norm/@relconf/documents/meetingdocument/wcms_563316.pdf. Acesso em: 14 ago. 2023.
87
HUMAN RIGHTS WATCH. World Report 2019: events of 2018. United States of America: Human Rights
Watch, 2019. Disponível em: https://www.hrw.org/sites/default/files/world_report_download/hrw_world_re�-
port_2019.pdf. Acesso em: 14 ago. 2023.
88
HUMAN RIGHTS WATCH. World Report 2019: events of 2018. United States of America: Human Rights
Watch, 2019. Disponível em: https://www.hrw.org/sites/default/files/world_report_download/hrw_world_re�-
port_2019.pdf. Acesso em: 14 ago. 2023.
89
Registro de casos em que moradores da região de Itaquera foram removidos de suas casas sem compensação
financeira do Estado. VICO, Roberto Paolo; UVINHA, Ricard Ricci; NUNO, Gustavo. Sports mega-events in the e
perception of the local community: the case of Itaquera region in São Paulo at the 2014 FIFA World Cup Brazil.
Soccer & Society, v. 20, n. 6, p. 810-823, jan. 2018.
90
VICO, Roberto Paolo; UVINHA, Ricard Ricci; NUNO, Gustavo. Sports mega-events in the e perception of the
local community: the case of Itaquera region in São Paulo at the 2014 FIFA World Cup Brazil. Soccer & Society,
v. 20, n. 6, p. 810-823, jan. 2018. p. 823.
A violência no futebol e o papel da FIFA subordinando-se aos Direitos Humanos... |291
Na Copa do Mundo da África do Sul, foi estabelecido tribunal de exceção para julgar
determinados crimes relacionados ao megaevento, sem respeitar o devido processo legal
penal, com acusação, instrução e sentença em poucas horas, foram relatados 75 casos e
mais de 30 sentenças, com penas severas chegando ao máximo de 3 anos de prisão por
revenda de ingressos91, os casos eram julgados sem a razoabilidade do tempo de duração
do processo, com a acusação e a sentença ocorrendo no curto espaço de um dia92.
O que falta para que a FIFA crie protocolos de proteção de direitos humanos pré-vio-
latório, para que impeça a violência nos estádios de futebol.
91
ROSA, Alexandre Morais da. Tribunais de exceção da Copa só interessam à FIFA. Consultor Jurídico, 09 nov.
2013. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2013-nov-09/diario-classe-tribunais-excecao-copa-interes-
sam-fifa. Acesso em: 14 ago. 2023.
92
ROSA, Alexandre Morais da. Tribunais de exceção da Copa só interessam à FIFA. Consultor Jurídico, 09 nov.
2013. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2013-nov-09/diario-classe-tribunais-excecao-copa-interes-
sam-fifa. Acesso em: 14 ago. 2023.
93
“Ambas as nações são consideradas igualmente inadequadas para a responsabilidade de garantir que ne-
nhuma violação dos Direitos Humanos ocorra em relação aos megaeventos mundiais que sediam” (tradução
nossa), em: ASHRAF, Iram. Emerging Issues: FIFA World Cup 2022: Enjoying the Game at the Suffering of
Migrant Workers. University of Baltimore journal of International Law. V. 4. Ed 2. 2016, p. 140
94
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em: https://www.amnesty.org.uk/russia-2018-why-human-rights-matter-world-cup. Acesso em: 14 ago. 2023.
95
“As preocupações com os Direitos Humanos na Rússia também afetaram a Copa do Mundo de 2018. A mídia
publicou perseguições contínuas de grupos LGBT, ilustradas por casos como as histórias de sequestro e tor-
tura de homossexuais em áreas da Chechênia” (ROCHA, Claudio; WYSE, Fiona. Host country brand image and
political consumerism: the case of Russia 2018 FIFA World Cup. Sport Marketing Quaterly, v. 29, n. 1, p. 62-
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A AUTONOMIA DOS ENTES FEDERATIVOS
NO COMBATE À PANDEMIA DA COVID-19:
UMA ANÁLISE A PARTIR DA AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
N. 6.341
Resumo
O presente artigo tem o escopo de analisar de que maneira a crise causada pela pandemia
da Covid-19 afetou de forma significativa o modelo federativo brasileiro. Nesse sentido, es-
tuda-se o papel do Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade
n. 6.341, na qual se questionou se o estabelecimento de medidas de enfrentamento à
pandemia pela União afetaria a autonomia dos Estados, Municípios e Distrito Federal. De
1
Mestranda em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil).
Bolsista Prosup/Capes. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em
Direito Processual Civil pela Academia Brasileira de Direito Constitucional. Especialista em Direito Previdenciário
pelo Instituto de Estudos Previdenciários, Advogada. E-mail: cassiacirino@yahoo.com.br
2
Doutorando em Direito pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil). Mestre em Direito pelo Centro
Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil). Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura
do Estado do Paraná (Emap). Graduado em Direito pela União de Ensino do Sudoeste do Paraná. Advogado
militante em Curitiba/PR. E-mail: stanlei.fontana@gmail.com
3
Doutorando do Programa de Pós-graduação em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Universitário
Autônomo do Brasil (UniBrasil), linha de pesquisa: Jurisdição e Democracia. Mestre pelo Programa de Pós-
graduação em Direitos Fundamentais e Democracia pelo UniBrasil, linha de pesquisa: Jurisdição e Democracia.
Membro do Grupo de Pesquisa Jurisdição e Democracia do PPGD do UniBrasil. E-mail: marcelo@ng.adv.br
298| Cássia Camila Cirino dos Santos Fontana - Stanlei Ernesto Prause Fontana -
Marcelo Fonseca Gurniski
1 INTRODUÇÃO
A pandemia da Covid-19 gerou uma crise global, não de ordem apenas sanitária
e econômica, mas sobretudo uma crise política. No Brasil, especificamente, essa crise
pode ser observada na forma da condução das políticas públicas de enfrentamento da
pandemia. Com uma série de decisões divergentes tomadas por Estados, Municípios e
União, observou-se uma verdadeira descentralização, provocada pela omissão do go-
verno federal.
Indaga-se, portanto, de que modo a crise causada pela pandemia da Covid-19 afe-
tou, de maneira significativa, o modelo federativo brasileiro. Para responder a tal pergunta,
no primeiro capítulo deste trabalho, estuda-se o papel dos entes federados e como cada
um atua para a proteção dos direitos fundamentais, a partir do conceito de federação e do
modelo adotado no Brasil.
O termo federação nasce dessa ideia de pacto. Do latim: foedus ou foederis, a palavra
significa união6. Em quaisquer de seus modelos, observa-se que a ideia original de federação é
preservada, seja quando o poder é descentralizado, seja quando o poder dos Estados-membros
é centralizado na figura da União, só é possível imaginar um sistema federativo quando se tem um
conjunto(pacto) de entes, quando há mais de um centro de decisões políticas e administrativas.
4
Para uma análise das demais teorias do federalismo, ver a tese de doutorado de: FRANZESE, Cibele.
Federalismo cooperativo no Brasil: da Constituição de 1988 aos sistemas de políticas públicas. 2010. 210f.
Tese (Doutorado) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo,
2010. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/8219. Acesso em: 14 ago. 2023.
5
ELAZAR, Daniel J. Exploring federalism. Alabama: The University of Alabama Press, 1987. p. 5.
6
TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 59.
7
ELAZAR, Daniel J. Exploring federalism. Alabama: The University of Alabama Press, 1987. p. 34.
8
FRANCO FILHO, Alberto de M. A radiografia do Estado Brasileiro a partir do artigo 1º da Constituição Federal.
Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 4, n. 4, p. 1-25, 2008. p. 12. Disponível em: https://
revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/44. Acesso em: 14 ago. 2023.
9
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.842. Plenário. Relator: Ministro
Gilmar Mendes. Julgamento em 6/03/2013. DJe: 16/9/2013. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/proces-
sos/detalhe.asp?incidente=1714588. Acesso em: 07 set. 2022.
A autonomia dos entes Federativos no combate à pandemia da Covid-19... |301
10
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 815. Plenário. Relator: Ministro
Moreira Alves. Julgamento em 28/3/1996. DJ: 10/5/1996. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/
detalhe.asp?incidente=1553954. Acesso em: 07 set 2022.
11
FRANZESE, Cibele. Federalismo cooperativo no Brasil: da Constituição de 1988 aos sistemas de políticas pú-
blicas. 2010. 210f. Tese (Doutorado) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio
Vargas, São Paulo, 2010. p. 37. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/8219.
Acesso em: 14 ago. 2023.
12
MALISKA, Marcos Augusto. Fundamentos da Constituição: abertura, cooperação e integração. Curitiba: Juruá,
2013. p. 65.
13
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 14. ed. atual. até 31.12.2006, que inclui a
Emenda Constitucional n. 53, de 19/12/2006. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 11.
14
PAIXÃO, Vívian Nigri Q. D.; CORREIO, Fernanda Lopez. M. da S. Fontes de financiamento das políticas públicas:
repartição das receitas tributárias e a evolução dos Municípios. Caderno de Direito e Políticas Públicas, v. 1, n.
2, p. 139-163, jun./dez. 2019. p. 147. Disponível em: http://seer.unirio.br/cdpp/article/view/9341. Acesso em:
05 ago. 2022.
302| Cássia Camila Cirino dos Santos Fontana - Stanlei Ernesto Prause Fontana -
Marcelo Fonseca Gurniski
15
PEREIRA, Larissa Alcântara. Âmbitos de atuação estatal em prol da efetivação dos direitos humanos e fun�-
damentais: Estado Constitucional Cooperativo e federalismo cooperativo. Revista Direitos Fundamentais &
Democracia, Curitiba, v. 5, n. 5, p. 1-8, 2009. p. 3. Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.
br/index.php/rdfd/article/view/224. Acesso em: 14 ago. 2023.
16
FRANZESE, Cibele. Federalismo cooperativo no Brasil: da Constituição de 1988 aos sistemas de políticas pú-
blicas. 2010. 210f. Tese (Doutorado) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio
Vargas, São Paulo, 2010. p. 94-95. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/8219.
Acesso em: 14 ago. 2023.
17
FRANZESE, Cibele. Federalismo cooperativo no Brasil: da Constituição de 1988 aos sistemas de políticas pú-
blicas. 2010. 210f. Tese (Doutorado) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio
Vargas, São Paulo, 2010. p. 96. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/8219.
Acesso em: 14 ago. 2023.
18
FRANZESE, Cibele. Federalismo cooperativo no Brasil: da Constituição de 1988 aos sistemas de políticas pú-
blicas. 2010. 210f. Tese (Doutorado) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio
Vargas, São Paulo, 2010. p. 100. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/8219.
Acesso em: 14 ago. 2023.
19
Nesse sentido: FISCHER, Octavio Campos; MACHADO, Luciano Marlon Ribas. Pacto federativo em crise: uma
análise na visão dos municípios da segurança jurídica e da dignidade humana. Revista Jurídica Unicuritiba,
Curitiba, v. 04, n. 53, p. 233-254, 2018. p. 248. Disponível em: http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/
RevJur/article/view/3217/371371734. Acesso em: 14 ago. 2023.
A autonomia dos entes Federativos no combate à pandemia da Covid-19... |303
20
A amplitude dos deveres de tutela dos direitos fundamentais deve-se a vários fatores. Um deles consiste no
fato de que os direitos fundamentais não estão limitados ao rol do artigo quinto da Carta Magna, é preciso reco-
nhecer a abertura do catálogo, não somente para abranger direitos não contidos no rol do referido artigo, mas
também para compreender outros instrumentos normativos. Nesse cenário, a dignidade da pessoa humana,
que é extremamente relacionada com a liberdade e se concretiza em direitos jusfundamentais. (NAKAMURA,
Luis Antonio Corona. Los Derechos Humanos, sus principios e interpretación. Revista Direitos Fundamentais
& Democracia, Curitiba, v. 23, n. 1, p. 259-274, 2018. DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v23i11281. p.
262. Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/1281. Acesso
em: 14 ago. 2023). Além disso, a dignidade parece ter papel importante como elemento identificador desses
direitos fundamentais extravagantes ou atípicos, assim considerados os previstos fora do catálogo específico
da Constituição de 1988 (SANTOS, Cássia Camila Cirino dos; FONTANA, Stanlei Ernesto Prause. Dignidade
da pessoa humana, abertura do catálogo dos direitos fundamentais e integridade: um novo desafio? Anais
da VII Jornada de Direitos Fundamentais, Fortaleza: Unifor, v. 1, 2020. Disponível em: https://www.unifor.
br/documents/392178/3101527/Cassia+Camila+Cirino+dos+Santos+Fontana+e+Stanlei+Ernesto.pd-
f/958f6844-ffe1-5f64-1f78-8d02e9d087f7. Acesso em: 14 ago. 2023). A abertura do catálogo também é
importante para que um ordenamento jurídico permita um mínimo para a proteção dos direitos humanos,
no âmbito internacional (MALISKA, Marcos Augusto. Fundamentos da Constituição: abertura, cooperação e
integração. Curitiba: Juruá, 2013. p. 22). Deve-se compreender que os direitos humanos – em grande medida
idênticos aos direitos fundamentais - não nascem prontos, eles são consequência de processos de luta por
respeito aos bens imprescindíveis para a vida. A razão pela qual se luta por esses direitos está na resposta
trazida por Joaquin Herrera Flores ao tratar do tema que afirma que além de imprescindíveis, tais bens não
“caem do céu”, razão pela qual são obtidos mediante processos, razão pela qual são obtidos mediante pro-
cessos (FLORES, Joaquín Herrera. A (re) invenção dos direitos humanos. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2009. p. 30). Os direitos fundamentais apresentam relação íntima com os “avatares históricos do pensamento
humanista” (PEREZ LUÑO, Antonio E. Los derechos fundamentales. Madrid: Tecnos, 1988. p. 30).
21
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Cível Originária n. 3.121. Relatora Ministra Rosa Weber. Julgamento
em 13/10/2020. DJe: 27/10/2020. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?inciden-
te=5437155. Acesso em: 07 set. 2022.
22
FRANZESE, Cibele. Federalismo cooperativo no Brasil: da Constituição de 1988 aos sistemas de políticas pú-
blicas. 2010. 210f. Tese (Doutorado) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio
Vargas, São Paulo, 2010. p. 38. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/8219.
Acesso em: 14 ago. 2023.
23
FRANZESE, Cibele. Federalismo cooperativo no Brasil: da Constituição de 1988 aos sistemas de políticas pú-
blicas. 2010. 210f. Tese (Doutorado) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio
Vargas, São Paulo, 2010. p. 41. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/8219.
Acesso em: 14 ago. 2023.
304| Cássia Camila Cirino dos Santos Fontana - Stanlei Ernesto Prause Fontana -
Marcelo Fonseca Gurniski
No entanto, a cooperação deve estar presente no agir conjunto na busca por uma
efetiva proteção dos direitos fundamentais, que abranja o mínimo para uma vida digna, o
que pode ser bem definido pelo princípio da proibição do défice ou proibição da insuficiên-
cia, mas que também não vá além da proteção e acabe violando o que for constitucional-
mente proibido25.
Vale ressaltar que a proteção dos direitos fundamentais deve ser analisada sob dife-
rentes perspectivas. Sob o aspecto da sua dimensão objetiva, é possível fazer um controle
sobre a atuação estatal, uma vez que tais direitos devem ser protegidos e independem da
percepção que seus titulares deles fazem26.
24
BITENCOURT, Caroline Müller; RECK, Janriê. O Brasil em crise e a resposta das políticas públicas: diagnósti-
cos, diretrizes e propostas. Curitiba: Íthala, 2021. p. 97.
25
NOVAIS, Jorge Reis. Princípios estruturantes do Estado de Direito. 1. ed. Coimbra: Almedina, 2019. p. 177-179.
26
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 5. ed., rev., atual. e ampl. São
Paulo: Atlas, 2014. p. 117.
27
CAMPOS, Nelma Lima Silva; SIMÕES, Sandro Alex de S. Federalismo cooperativo e política nacional de edu�-
cação: mito ou realidade? In: DIAS, Jean Carlos; BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de; ARAÚJO, José
Henrique Mouta (org.). Direito e desenvolvimento da Amazônia. 1. ed. Santa Catarina: Qualis, 2021. v. 3. p.
335-397. p. 343.
A autonomia dos entes Federativos no combate à pandemia da Covid-19... |305
recursos. Além disso, a descentralização foi orientada por padrões gerais, estabelecidos
de forma nacional28.
28
FRANZESE, Cibele. Federalismo cooperativo no Brasil: da Constituição de 1988 aos sistemas de políticas
públicas. 2010. 210f. Tese (Doutorado) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação
Getúlio Vargas, São Paulo, 2010. p. 119; 122. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/hand-
le/10438/8219. Acesso em: 14 ago. 2023.
29
SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. O direito fundamental à proteção e promoção da saú�-
de na ordem jurídico-constitucional: uma visão geral sobre o sistema (público e privado de saúde no Brasil).
Revista do Instituto do Direito Brasileiro, ano 2, n. 4, p. 3183-3255, 2013. p. 3191. Disponível em: https://
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de_na_ordem_juridico_constitucional_uma_visao_geral_sobre_o_sistema.pdf. Acesso em: 14 ago. 2023.
30
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perspectiva constitucional. 10. ed., rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 226 et seq.
31
SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. O direito fundamental à proteção e promoção da
saúde na ordem jurídico-constitucional: uma visão geral sobre o sistema (público e privado de saúde no
Brasil). Revista do Instituto do Direito Brasileiro, ano 2, n. 4, p. 3183-3255, 2013. p. 3193-3194. Disponível
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cao_da_saude_na_ordem_juridico_constitucional_uma_visao_geral_sobre_o_sistema.pdf. Acesso em: 14
ago. 2023.
32
BITENCOURT, Caroline Müller; RECK, Janriê. O Brasil em crise e a resposta das políticas públicas: diagnósti-
cos, diretrizes e propostas. Curitiba: Íthala, 2021. p. 84.
33
Expressão adotada por Canotilho. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O direito ao ambiente como direito subjetivo.
In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2004. p. 178.
306| Cássia Camila Cirino dos Santos Fontana - Stanlei Ernesto Prause Fontana -
Marcelo Fonseca Gurniski
Na mesma linha, a Constituição Federal de 1988 destina à União uma maior arreca-
dação, pois percebe o maior percentual dos tributos, o que faz com que o governo central
reste enfraquecido porque precisa fazer negociações com as lideranças locais e regio-
nais35, o que estimula a competição e compromete o combate o alcance dos objetivos da
República, entre eles o de diminuir e eliminar as desigualdades entre os entes federativos.
34
SCHIER, Paulo Ricardo. Presidencialismo de coalizão: contexto, formação e elementos na democracia brasi-
leira. Curitiba: Juruá, 2017. Passim.
35
BITENCOURT, Caroline Müller; FRIEDERICH, Denise Bittencourt. A dinâmica do federalismo brasileiro no tema
das políticas públicas, controle social e a Covid-19. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v.
25, n. 3, p. 49-77, 2020. DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v25i32058. Disponível em: https://revistaeletro-
nicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/2058. Acesso em: 14 ago. 2023.
36
BITENCOURT, Caroline Müller; FRIEDERICH, Denise Bittencourt. A dinâmica do federalismo brasileiro no tema
das políticas públicas, controle social e a Covid-19. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba,
v. 25, n. 3, p. 49-77, 2020. DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v25i32058. p. 59. Disponível em: https://
revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/2058. Acesso em: 14 ago. 2023.
A autonomia dos entes Federativos no combate à pandemia da Covid-19... |307
As regras de lockdown adotadas pelos Estados foram muito criticadas pelo Governo
Federal, representadas pelo slogan “#Brasilnãopodeparar”41, as quais rumaram para um
cenário de insegurança, o qual só foi paralisado pelo Supremo Tribunal Federal, na Arguição
de Descumprimento Fundamental n. 672, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil.
37
BITENCOURT, Caroline Müller; FRIEDERICH, Denise Bittencourt. A dinâmica do federalismo brasileiro no tema
das políticas públicas, controle social e a Covid-19. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba,
v. 25, n. 3, p. 49-77, 2020. DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v25i32058. p. 60. Disponível em: https://
revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/2058. Acesso em: 14 ago. 2023.
38
TOOZE, Adam. Como a Covid abalou a economia. São Paulo: Todavia, 2021. p. 199.
39
TOOZE, Adam. Como a Covid abalou a economia. São Paulo: Todavia, 2021. p. 199.
40
SARLET, Ingo Wolfgang; BARBOSA, Jeferson Ferreira. Desafios da Covid-19 à seguridade social brasilei-
ra. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 27, n. 2, p. 128-157, 2022. DOI: 10.25192/
issn.1982-0496.rdfd.v27i2426. Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/
article/view/2426. Acesso em: 14 ago. 2023. Passim.
41
TOOZE, Adam. Como a Covid abalou a economia. São Paulo: Todavia, 2021. p. 116.
308| Cássia Camila Cirino dos Santos Fontana - Stanlei Ernesto Prause Fontana -
Marcelo Fonseca Gurniski
A ação foi julgada parcialmente procedente, para garantir aos Estados a competência para a
adoção de medidas de combate e enfretamento à pandemia da Covid-19, reforçando o seu
papel na concretização do direito à saúde e no apoio e manutenção das ações realizadas
pelo Sistema Único de Saúde, considerado como uma garantia institucional fundamental42.
Dentro da competência comum para cuidar da saúde, cabe à União editar normas
de caráter geral, a exemplo da Lei n. 8.080, de 1990, que versa sobre o Sistema Único
de Saúde. Do mesmo modo, a Lei n. 13.979, de 2020, nunca excluiu a competência dos
demais entes federados, apenas representou a edição de uma norma geral sobre o SUS e
sobre a vigilância epidemiológica.
Assim, a decisão pela compra de vacinas pelo Estado de São Paulo, a decretação
de lockdown por parte de alguns Estados enquanto outros mantinham suas atividades, em
42
Expressão adotada por Sarlet e Figueiredo: SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. O di�-
reito fundamental à proteção e promoção da saúde na ordem jurídico-constitucional: uma visão geral sobre
o sistema (público e privado de saúde no Brasil). Revista do Instituto do Direito Brasileiro, ano 2, n. 4, p.
3183-3255, 2013. p. 3208. Disponível em: https://meriva.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/11334/2/O_di-
reito_fundamental_a_protecao_e_promocao_da_saude_na_ordem_juridico_constitucional_uma_visao_ge-
ral_sobre_o_sistema.pdf. Acesso em: 14 ago. 2023.
43
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 672 Medida
Cautelar. Órgão julgador: Tribunal Pleno. Relator Ministro Alexandre de Moraes. Julgamento: 13/10/2020.
Publicação: 29/10/2020. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5885755.
Acesso em: 07 set. 2022.
A autonomia dos entes Federativos no combate à pandemia da Covid-19... |309
44
FRANZESE, Cibele. Federalismo cooperativo no Brasil: da Constituição de 1988 aos sistemas de políticas pú-
blicas. 2010. 210f. Tese (Doutorado) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio
Vargas, São Paulo, 2010. p. 38. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/8219.
Acesso em: 14 ago. 2023.
45
“Nesse contexto, já nos primeiros meses de 2020, o panorama político e a organização federativa foram
marcados por (i.) uma fraca coordenação nacional; (ii.) uma forte liderança dos Estados; (iii.) conflitos entre
o Presidente da República e seu Ministro da Saúde, em especial num primeiro momento; (iv.) conflito entre o
Presidente da República e os governadores dos Estados da Federação; esses focados na proteção da saúde
pública, aquele na proteção da economia (PEREIRA, et al., 2020); (v.) tensões e mesmo conflitos abertos entre
os poderes estatais, especialmente entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Poder Executivo da União; (vi.)
elevação dos níveis de polarização político-ideológica e desinformação, bem como dos apelos de natureza po-
pulista e autoritária” (SARLET, Ingo Wolfgang; BARBOSA, Jeferson Ferreira. Desafios da Covid-19 à seguridade
social brasileira. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 27, n. 2, p. 128-157, 2022. DOI:
10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v27i2426. Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.
php/rdfd/article/view/2426. Acesso em: 14 ago. 2023. p. 130).
46
BRÍGIDO, Carolina. Bolsonaro, Witzel ou Crivella: quem pode mandar reabrir o comércio durante a pandemia
de Coronavírus. O Globo, 25 mar. 2020. Disponível em: https://oglobo.globo.com/analitico/bolsonaro-witzel-
-ou-crivella-quem-pode-mandar-reabrir-comercio-durante-pandemia-de-coronavirus-24327828. Acesso em:
06 ago. 2022.
47
BONIZZATO, Luigi. The coronavirus pandemic and legal – theoretical reflections on the practical incidence
concerning the protection of the Constitution based on Hans Kelsen and Carl Schmitt theories: conflicting rela-
tionships between institutions and federative degrees in Brazil. Revista Direitos Fundamentais & Democracia,
Curitiba, v. 26, n. 3, p. 95-113, 2021. DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v26i32176. p. 98. Disponível em:
https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/2176. Acesso em: 14 ago. 2023.
310| Cássia Camila Cirino dos Santos Fontana - Stanlei Ernesto Prause Fontana -
Marcelo Fonseca Gurniski
uma base sólida para a tomada de decisões pelo Poder Executivo nessas emergências48.
A divisão de competências e a existência de uma Corte Constitucional para a defesa da
Constituição, como já dizia Hans Kelsen, não coloca em risco a separação de poderes, ao
contrário, fortalece-a, mediante o sistema de freios e contrapesos49.
48
BONIZZATO, Luigi. The coronavirus pandemic and legal – theoretical reflections on the practical incidence
concerning the protection of the Constitution based on Hans Kelsen and Carl Schmitt theories: conflicting rela-
tionships between institutions and federative degrees in Brazil. Revista Direitos Fundamentais & Democracia,
Curitiba, v. 26, n. 3, p. 95-113, 2021. DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v26i32176. p. 100. Disponível em:
https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/2176. Acesso em: 14 ago. 2023.
49
KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. Tradução de Alexandre Krug. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2007. p. 152.
50
VIEIRA, Fabiola S.; SERVO, Luciana M. S. Covid-19 e coordenação federativa no Brasil: consequências da
dissonância federal para a resposta à pandemia. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 44, n. especial 4,
p. 100-113, dez. 2020. DOI: 10.1590/0103-11042020E406. p. 107. Disponível em: https://www.scielo.br/j/
sdeb/a/44SVpkjDHB6QcR5x4NtTNwf/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 14 ago. 2023.
51
VIEIRA, Fabiola S.; SERVO, Luciana M. S. Covid-19 e coordenação federativa no Brasil: consequências da
dissonância federal para a resposta à pandemia. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 44, n. especial 4,
p. 100-113, dez. 2020. DOI: 10.1590/0103-11042020E406. p. 107. Disponível em: https://www.scielo.br/j/
sdeb/a/44SVpkjDHB6QcR5x4NtTNwf/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 14 ago. 2023.
52
VIEIRA, Fabiola S.; SERVO, Luciana M. S. Covid-19 e coordenação federativa no Brasil: consequências da
dissonância federal para a resposta à pandemia. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 44, n. especial 4,
p. 100-113, dez. 2020. DOI: 10.1590/0103-11042020E406. p. 108. Disponível em: https://www.scielo.br/j/
sdeb/a/44SVpkjDHB6QcR5x4NtTNwf/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 14 ago. 2023.
53
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de na ordem jurídico-constitucional: uma visão geral sobre o sistema (público e privado de saúde no Brasil).
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de_na_ordem_juridico_constitucional_uma_visao_geral_sobre_o_sistema.pdf. Acesso em: 14 ago. 2023.
A autonomia dos entes Federativos no combate à pandemia da Covid-19... |311
O Estado que garante a saúde não pode ser compreendido somente na esfera da
União, pois também o Estado-membro, o Município e o Distrito Federal, dentro de suas com-
petências, são corresponsáveis, na forma estabelecida pelo artigo 23 da Constituição Federal.
No âmbito da competência comum, a União legisla em caráter geral, os Estados em caráter
regional e os Municípios em caráter local, segundo o princípio da predominância do interesse.
A emergência internacional, como foi o caso da pandemia da Covid-19, por si só, não autoriza
a tomada de decisões sem qualquer tipo de controle, conforme ressaltado no julgamento da
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.341, objeto de análise neste trabalho.
54
VIEIRA, Fabiola S.; SERVO, Luciana M. S. Covid-19 e coordenação federativa no Brasil: consequências da
dissonância federal para a resposta à pandemia. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 44, n. especial 4,
p. 100-113, dez. 2020. DOI: 10.1590/0103-11042020E406. p. 109. Disponível em: https://www.scielo.br/j/
sdeb/a/44SVpkjDHB6QcR5x4NtTNwf/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 14 ago. 2023.
55
BITENCOURT, Caroline Müller; RECK, Janriê. O Brasil em crise e a resposta das políticas públicas: diagnósti-
cos, diretrizes e propostas. Curitiba: Íthala, 2021. p. 80.
312| Cássia Camila Cirino dos Santos Fontana - Stanlei Ernesto Prause Fontana -
Marcelo Fonseca Gurniski
Quando um ente é omisso, o outro não pode negar a prestação de um direito fun-
damental. Com a pandemia essa situação verificou-se de maneira inequívoca e por essa
razão, destaca-se, no presente trabalho, o enfrentamento da questão pela Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 6.341, sobre a qual se tecem comentários mais aprofundados.
Conforme ressaltou o Ministro Alexandre de Moraes, em seu voto, a ação versa sobre um
dos alicerces do Estado Democrático de Direito, que é o federalismo56.
Segundo constou do voto da ADI n. 6.341, a omissão é o mais grave erro de uma
política pública em uma emergência. A necessidade de agir diante da pandemia, para a tutela
da vida e da saúde, no entanto, não autorizou uma ação descoordenada entre os entes fe-
derativos, pois a própria Constituição Federal estabelece regras para que se estabeleça uma
racionalidade coletiva, para que se tomem decisões razoáveis e coordenadas, ao mesmo
tempo em que se preserve a liberdade individual, nos termos da decisão da ADI n. 6.341.
Nesse contexto, o Tribunal Permanente dos Povos, cujas decisões possuem natu-
reza opinativa, reconheceu as violações aos direitos humanos provocadas pelo presidente
56
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.341. Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Marco Aurélio. Julgamento: 15.04.2020. DJe: 13.11.2020. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.
jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22ADI%206341%22&base=acordaos&sinonimo=true&plu-
ral=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true. Acesso em: 13 ago. 2022.
57
FISCHER, Octavio Campos; MACHADO, Luciano Marlon Ribas. Pacto federativo em crise: uma análise na
visão dos municípios da segurança jurídica e da dignidade humana. Revista Jurídica Unicuritiba, Curitiba,
v. 04, n. 53, p. 233-254, 2018. Disponível em: http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/
view/3217/371371734. Acesso em: 14 ago. 2023.
58
BRAMATTI, Daniel; MONNERAT, Alessandra; BREMBATTI, Katia. Cloroquina tem Bolsonaro como maior in�-
fluenciador do mundo. Estadão, 06 jun. 2021. Disponível em:https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,-
cloroquina-tem-bolsonaro-como-maior-influenciador-do-mundo,70003738175. Acesso em: 11 set. 2022.
A autonomia dos entes Federativos no combate à pandemia da Covid-19... |313
Nesse aspecto, considerando que o federalismo pode ser percebido como uma di-
visão de poderes e de competências, a cooperação esperada e até mesmo a sobrevivência
de tal modelo pode ser percebida com mais facilidade quando se está diante de um regime
democrático. Sem a garantia de que as prerrogativas de cada ente serão respeitadas, o go-
verno central poderá interferir indevidamente no poder das demais unidades da federação,
o que é incompatível com a democracia60.
Tal ação constitucional foi ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista, tendo
como objeto a Medida Provisória n. 926, de 20 de março de 2020, a qual promoveu algu-
mas alterações na Lei n. 13.979, de 2020. Alegou o partido a inconstitucionalidade formal
da Medida Provisória, pois, por se tratar de direito à saúde, que é de competência comum
dos entes da federação, deveria ser tratado por lei complementar, à luz do que dispõe o
parágrafo único do artigo 23 da Carta Magna. Quanto ao aspecto material, sustentou-se a
inconstitucionalidade porque a regulamentação da União quanto ao tema feriria a autono-
mia dos entes federados, bem como a predominância do interesse.
59
TRIBUNAL PERMANENTE DOS POVOS. 50ª sessão: pandemia e autoritarismo. A responsabilidade do governo
Bolsonaro pelas violações sistemáticas dos direitos fundamentais dos povos brasileiros perpetradas através
das políticas impostas na pandemia de Covid-19. São Paulo, 24 e 25 maio 2022. Disponível em: http://perma-
nentpeoplestribunal.org/wp-content/uploads/2022/05/TPP_BOLSONARO_PROGR_PORT.pdf. Acesso em: 14
ago. 2023.
60
FRANZESE, Cibele. Federalismo cooperativo no Brasil: da Constituição de 1988 aos sistemas de políticas pú�-
blicas. 2010. 210f. Tese (Doutorado) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio
Vargas, São Paulo, 2010. p. 30. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/8219.
Acesso em: 14 ago. 2023.
314| Cássia Camila Cirino dos Santos Fontana - Stanlei Ernesto Prause Fontana -
Marcelo Fonseca Gurniski
contexto da pandemia da Covid-19, não afasta a competência dos demais entes federados,
pois se trata da competência comum61.
61
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.341. Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Marco Aurélio. Julgamento: 15.04.2020. DJe: 13.11.2020. p. 147. Disponível em: https://jurispruden-
cia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22ADI%206341%22&base=acordaos&sinonimo=-
true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true. Acesso em: 13
ago. 2022.
62
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.341. Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Marco Aurélio. Julgamento: 15.04.2020. DJe: 13.11.2020. p. 58. Disponível em: https://jurispruden-
cia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22ADI%206341%22&base=acordaos&sinonimo=-
true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true. Acesso em: 13
ago. 2022.
63
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.341. Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Marco Aurélio. Julgamento: 15.04.2020. DJe: 13.11.2020. p. 138. Disponível em: https://jurispruden-
cia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22ADI%206341%22&base=acordaos&sinonimo=-
true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true. Acesso em: 13
ago. 2022.
64
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.341. Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Marco Aurélio. Julgamento: 15.04.2020. DJe: 13.11.2020. p. 58. Disponível em: https://jurispruden-
cia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22ADI%206341%22&base=acordaos&sinonimo=-
true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true. Acesso em: 13
ago. 2022.
A autonomia dos entes Federativos no combate à pandemia da Covid-19... |315
É inevitável esclarecer que uma das causas para essa desorganização federativa
é a forma particular pela qual o governo federal tratou da situação, fator que obrigou os
demais entes da federação a adotarem medidas de enfrentamento da grave crise sanitária.
O federalismo cooperativo, que pressupõe união, cooperação e coordenação entre os entes
da federação, exige, por outro lado, responsabilidade por parte dos gestores65.
demais entes, Estados e Municípios, muitas vezes, dependentes de repasses federais para
que seja possível a garantia da dignidade da pessoa humana67.
Nesse sentido, o direito à saúde materializa a dignidade da pessoa humana, a qual deixa
de ser uma norma de otimização para ser incorporada tanto infra quanto constitucionalmente68.
65
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.341. Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Marco Aurélio. Julgamento: 15.04.2020. DJe: 13.11.2020. p. 135. Disponível em: https://jurispruden-
cia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22ADI%206341%22&base=acordaos&sinonimo=-
true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true. Acesso em: 13
ago. 2022.
66
Uma das razões apontadas por Luiz Guilherme Arcaro-Conci é justamente o descompasso entre o rol de
competências comuns e a distribuição das receitas no modelo fiscal brasileiro, em que a União é a gran-
de arrecadadora de receitas, o que contribuiu para a existência de conflitos entre os entes federados.
ARCARO-CONCI, Luiz Guilherme. Impacto da pandemia da Covid-19 na federação brasileira: descentra-
lizando a disfuncionalidade. Opin. Jurid., Medellín, v. 19, n. 40, p. 225-242, dec. 2020. DOI: 10.22395/
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d=S1692-25302020000300225&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 09 set. 2022.
67
FISCHER, Octavio Campos; MACHADO, Luciano Marlon Ribas. Pacto federativo em crise: uma análise na
visão dos municípios da segurança jurídica e da dignidade humana. Revista Jurídica Unicuritiba, Curitiba, v.
04, n. 53, p. 233-254, 2018. p. 249. Disponível em: http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/
view/3217/371371734. Acesso em: 14 ago. 2023.
68
SOUZA, Júlio César de; GOMES, Magno Federici. A judicialização na saúde e a fronteira entre o individual e o co�-
letivo: considerações sobre o acesso ao Sistema Único de Saúde Sustentável. Revista Direitos Fundamentais &
Democracia, Curitiba, v. 24, n. 1, p. 216-242, 2019. DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v24i11227. p. 231.
Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/1227. Acesso em: 14
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69
ARAÚJO, Felipe. Cidades mais populosas do Brasil. Infoescola, 21 fev. 2022. Disponível em: https://www.
infoescola.com/geografia/cidades-mais-populosas-do-brasil/. Acesso em: 15 ago. 2022.
316| Cássia Camila Cirino dos Santos Fontana - Stanlei Ernesto Prause Fontana -
Marcelo Fonseca Gurniski
Tribunal Federal cabe a guarda da Constituição, a quem as normas editadas pelo Poder
Legislativo e Executivo são submetidas e declaradas nulas, caso verificada alguma incons-
titucionalidade, conforme prescreve o artigo 102 da Constituição Federal.
Com efeito, a existência de uma corte constitucional no Brasil serve como uma
garantia louvável contra decretos e atos normativos elaborados pelos chefes do Poder
Executivo70, que se baseiam exclusivamente em critérios políticos, serve como um filtro
importante de que qualquer ato que afronte a Constituição não será tolerado.
Portanto, quando o Supremo Tribunal Federal analisa a decisão tomada por chefes
do Poder Executivo está também cumprindo o seu papel de guardião da Constituição, uma
vez que atos lesivos à saúde e que desrespeitem o mínimo existencial devem ser anulados.
Não se pode falar em ativismo judicial quando o Poder Judiciário acaba sendo a
única garantia de que um poder abusivo ou que é omisso será contido. Quando o Executivo
promove escolhas como as que foram presenciadas, em que se decide quem pode viver e
quem deve morrer71 é na Corte Constitucional que reside a última esperança de um indiví-
duo que aguarda uma vacina ou que aguarda por uma política que lhe garanta a vida. Mais
que isso, a ele cabe a preservação do federalismo cooperativo, no qual os entes cooperam
em prol de algo maior: a tutela dos direitos humanos.
5 CONCLUSÃO
O presente artigo teve o escopo de analisar de que maneira a crise causada pela
pandemia da Covid-19 pode afetar de forma significativa o modelo federativo brasileiro,
a partir das reflexões trazidas no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.
6.341, pelo Supremo Tribunal Federal, no qual se adotou o entendimento de que cabe à
União editar dispor por decreto sobre serviços públicos e atividades essenciais, assim
como aos Estados, Municípios e Distrito Federal, dentro da competência comum atribuída
pela Constituição Federal, sem que se fira a autonomia de cada ente federado.
70
BONIZZATO, Luigi. The coronavirus pandemic and legal – theoretical reflections on the practical incidence
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MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política de morte. São Paulo: n-1
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A DEMOCRACIA COMO FUNDAMENTO
DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL A
PARTIR DA TEORIA DE AMARTYA SEN1
Resumo:
O desenvolvimento nacional constitui um dos objetivos fundamentais da Constituição
Federal de 1988, da República Federativa do Brasil. Nesse sentido, são diversas as te-
orias existentes, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, para definir o conceito
de desenvolvimento. Partindo da teoria seniana de “desenvolvimento como liberdade”, o
presente trabalho tem por finalidade o estudo do princípio democrático como fundamento
para a expansão do desenvolvimento nacional. Nesse sentido, demonstraremos, através
da obra de Amartya Sen, que o desenvolvimento, enquanto um processo de expansão de
capacidades do indivíduo de levar a vida que valoriza, ou tem razão para valorizar, é de
responsabilidade do Estado, mediante implementação de políticas públicas que viabilizem
tais condições a cada indivíduo. Assim, traremos formulações expressas por Amartya Sen
acerca da necessidade de a política desenvolvimentista nacional levar com consideração
não apenas aspectos econômico-financeiros, mas sobretudo aspectos sociais, culturais e
políticos. E, então, com base nesse argumento, buscaremos demonstrar que a teoria senia-
na não defende um Estado mínimo, ou uma responsabilidade subsidiária por parte deste.
Por fim, ao analisarmos a importância da democracia para o processo de desenvolvimento,
verificaremos que a promoção do desenvolvimento nacional, em um Estado Democrático
1
Trabalho apresentado como requisito parcial para aprovação na Disciplina ‘Políticas Públicas e Desenvolvimento
Nacional Sustentável, do Programa de Mestrado em Direitos Fundamentais e Democracia, Centro Universitário
Autônomo do Brasil – UniBrasil, Professora Dra. Adriana da Costa Ricardo Schier.
2
Mestrando em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil).
Especialista em Direito Tributário Empresarial e Processo Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná
(PUCPR). Advogado. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1528711136619490. E-mail: maxwelldias_8@hotmail.com
322| Maxwell Lima Dias
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, determina em seu art. 3º, que
constitui objetivo da República Federativa do Brasil, dentre outros, a garantia ao desen-
volvimento nacional. Acontece que o conceito de desenvolvimento guarda significados
diversos e controvertidos, carregando uma heterogeneidade semântica consentâneo com
a localização que ocupa na formação histórica. Assim, diversas são as teorias existentes,
não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, para definir o conceito e a natureza jurídica
do desenvolvimento.
3
BERCOVICI, Gilberto. O estado desenvolvimentista e seus impasses: uma análise do caso brasileiro. Coimbra:
Coimbra, 2004. p. 14.
4
SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. p. 47.
324| Maxwell Lima Dias
As the Industrial Revolution was unfolding on the world stage from the 18th cen-
tury, irrevocably transforming human societies, human progress was also linked
to economic growth and material advancement. Donald Worster (1993: 178, 179,
180) describes how industrialization caused ‘the greatest revolution in outlook that
has ever taken place’ by leading people to think that it is right for them to dominate
the natural order and radically transform it into consumer goods, that it is neces-
sary and acceptable to ravage the landscape in the pursuit of maximum economic
production, and that only things produced by industry and placed on the market for
sale have value.
The idea of a ‘law of progress’ and its potential benefits took shape in the 19th
century in Auguste Comte’s writings on positive philosophy (Comte 1893). Comte,
Hegel, Marx, Spencer, and others described the inexorable, irreversible, stage by
stage and unstoppable advance of humankind through successive stages toward a
golden age on Earth. There was optimism that scientific and technological progress
could lead to the moral perfection of humankind. Immanuel Kant, who believed
in progress through increased enlightenment, saw as the driving purpose of the
advancement of humankind the attainment of ever more perfect conditions for the
exercise of individual freedom6.
Vê-se, pois, que a ideia de desenvolvimento surge na década de 40, com um conte-
údo eminentemente econômico, sendo que, até meados da década de 80, ainda era comum
identificar o desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico7. Conforme mi-
nucioso estudo desenvolvido pela Adriana Schier, em que cita Jorge Montenegro Gómez8,
a primeira referência ao desenvolvimento como crescimento econômico teria sido realizada
em 1949, em discurso proferido pelo, então presidente dos Estados Unidos da América,
Harry Truman.
5
ROSTOW, Walt W. Etapas do desenvolvimento econômico (um manifesto não comunista). 5. ed. aumentada.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1974.
6
DU PISANI, Jacobus A. Sustainable development: historical roots of the concept. Environmental Sciences, v. 3,
n. 2, p. 83-96, jun. 2006. Disponível em: http://www.tandfonline.com/doi/pdf/10.1080/15693430600688831.
Acesso em: 15 ago. 2021.
7
SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento: administração pública, direitos fundamentais e desenvolvimento.
Curitiba: Íthala, 2019. p. 14.
8
GÓMEZ, Jorge Montenegro. O “desenvolvimento” como mecanismo de controle social: desdobramentos es�-
calares. Revista Pegada Eletrônica, São Paulo, v. 6, n. 1, jun. 2005. Disponível em: https://revista.fct.unesp.
br/index.php/pegada/article/view/1296. Acesso em: 14 ago. 2023 apud SCHIER, Adriana da Costa Ricardo.
Fomento: administração pública, direitos fundamentais e desenvolvimento. Curitiba: Íthala, 2019. p. 14.
A democracia como fundamento do desenvolvimento nacional a partir... |325
Cumpre ressaltarmos que neste período, o mundo encontrava-se sob forte influên-
cia do pensamento Keynesiano, para quem não seria possível acreditar que os automatis-
mos de mercado pudessem conduzir a uma solução necessariamente favorável do ponto
de vista social, de modo a fundamentar a expansão da atuação do Estado na economia
como meio de evitar o colapso das economias capitalistas. Pela teoria da demanda agrega-
da, procurou Keynes demonstrar que, nos casos em que a teoria da economia de mercado
se mostrava insuficiente para explicar o fenômeno de recessão, o papel do Estado seria
essencial para, através do aumento dos gastos públicos, e consequentemente, do aumen-
to da demanda agregada, incentivar a produção. Assim, “a expansão da renda derivada
da ação governamental iria dar maior poder aquisitivo à população que demandaria mais
produtos, o que geraria mais emprego e renda e novamente maior demanda e consequen-
temente mais produção”9.
9
MÜLLER, Antônio. Manual de economia básica. Rio de Janeiro: Vozes, 2004. p. 44.
10
BERCOVICI, Gilberto. O estado desenvolvimentista e seus impasses: uma análise do caso brasileiro. Coimbra:
Coimbra, 2004. p. 4.
11
PERROUX, François. L’Economie du XXe Siecle. Grenoble: Presses Universitaires de Grenoble, 1991. p. 177-
189 apud BERCOVICI, Gilberto. O estado desenvolvimentista e seus impasses: uma análise do caso brasileiro.
Coimbra: Coimbra, 2004. p. 5.
12
PERROUX, François. Pour une philosophie du nouveau développement. Paris: Éd. Aubier-Montaigne, Presses
de l’UNESCO, 1981. p. 36.
13
TRUBEK, David M. O “império do direito’: na ajuda ao desenvolvimento passado, presente e futuro. In:
RODRIGUEZ, José Rodrigo (org.). O novo direito ao desenvolvimento: presente, passado e futuro – textos
selecionados de David M. Trubek. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 187.
326| Maxwell Lima Dias
Por outro lado, aqueles países que não foram capazes de acompanhar o cres-
cimento econômico alcançado pelos países tido como desenvolvidos, em virtude, por
exemplo, da ausência de interdependência e/ou encadeamento das atividades produtivas,
passaram a ser categorizados como países subdesenvolvidos. Criou-se, então, a teoria
do subdesenvolvimento14.
O objetivo por trás da teoria do subdesenvolvimento era fazer com que os países
subdesenvolvidos, reconhecidos por sua capacidade reduzida de acumulação de capital,
alcançassem o nível do sistema econômico dos países considerados desenvolvidos15.
Acontece que, conforme demonstrado por Bercovici, tal premissa estaria equivo-
cada, uma vez que baseia-se na (também equivocada) ideia de que o subdesenvolvimento
seria uma etapa pela qual todos os países, necessariamente, passariam no percurso até o
desenvolvimento, nos moldes da industrialização europeia18.
14
BERCOVICI, Gilberto. O estado desenvolvimentista e seus impasses: uma análise do caso brasileiro. Coimbra:
Coimbra, 2004. p. 7.
15
SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento: administração pública, direitos fundamentais e desenvolvimento.
Curitiba: Íthala, 2019. p. 14.
16
FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
17
HIRSCHMAN, Albert O. La estrategia del desarrollo económico. México: Fondo de Cultura Económica, 1973.
p. 39-43.
18
BERCOVICI, Gilberto. O estado desenvolvimentista e seus impasses: uma análise do caso brasileiro. Coimbra:
Coimbra, 2004. p. 14.
19
FURTADO, Celso. Teoria e política do desenvolvimento econômico. 10. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
p. 197.
A democracia como fundamento do desenvolvimento nacional a partir... |327
Assim, valendo-se das ideias elaboradas desde a década de 70, sobretudo a partir
das críticas de Celso Furtado, e objetivando dar coro à voz internacional que roga pela
quebra do paradigma de desenvolvimento como crescimento econômico, Bercovici, já na
virada do milênio, sustenta que “o grande desafio da superação do subdesenvolvimento é
a transformação das estruturas socioeconômicas e institucionais para satisfazer as neces-
sidades da sociedade nacional.
[…] para ser eficaces y permanentes los reordenamientos de esta naturaleza, sólo
pueden basar-se en la participación social, política y cultural activa de nuevos grupos
sociales antes excluidos o marginados, y esa participación debe hacerse presente
tanto en la formulación de los objetivos de la sociedad como en la tarea de alcanzar-
20
BERCOVICI, Gilberto. O estado desenvolvimentista e seus impasses: uma análise do caso brasileiro. Coimbra:
Coimbra, 2004. p. 14.
21
BERCOVICI, Gilberto. O estado desenvolvimentista e seus impasses: uma análise do caso brasileiro. Coimbra:
Coimbra, 2004. p. 7-9.
22
FURTADO, Celso. Teoria e política do desenvolvimento econômico. 10. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
p. 204 apud SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento: administração pública, direitos fundamentais e
desenvolvimento. Curitiba: Íthala, 2019. p. 34.
328| Maxwell Lima Dias
-los. Se trata, en último término, de procesos en los cuales nuevos grupos sociales,
que fueron “objeto” del desarrollo, pasan a ser “sujeto” de ese proceso23.
23
SUNKEL, Osvaldo; PAZ, Pedro. El subdesarrollo latinoamericano y la teoria del desarrollo. 22. ed. México: Siglo
Veintiuno, 1988. p. 37-38.
24
FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 147.
25
SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento: administração pública, direitos fundamentais e desenvolvimento.
Curitiba: Íthala, 2019. p. 35.
26
SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento: administração pública, direitos fundamentais e desenvolvimento.
Curitiba: Íthala, 2019. p. 36.
27
GABARDO, Emerson; RESENDE, Augusto César Leite de. A atividade administrativa de fomento na gestão
integrada de resíduos sólidos em perspectiva com o desenvolvimento sustentável. A&C Revista de Direito
Administrativo & Constitucional, Belo horizonte, ano 13, n. 53, p. 105-131, jul./set. 2013. Disponível em:
https://www.revistaaec.com/index.php/revistaaec/article/view/125. Acesso em: 14 ago. 2023.
A democracia como fundamento do desenvolvimento nacional a partir... |329
28
FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 116.
29
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
p. 256-257.
30
SCHIER, Paulo Ricardo. Novos desafios da filtragem constitucional no momento do neoconstitucionalismo.
A&C Revista de Direito Administrativo e Constitucional, Belo Horizonte, n. 20, p. 145-165, abr./jun. 2005.
Disponível em: https://www.revistaaec.com/index.php/revistaaec/article/view/458. Acesso em: 14 ago. 2023.
31
SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento: administração pública, direitos fundamentais e desenvolvimento.
Curitiba: Íthala, 2019. p. 41.
32
Até o surgimento do IDH, na década de 90, o desenvolvimento de uma nação era medido através do Produto
Interno Bruto - PIB per capita, indicador que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento.
ONU. Índice de Desenvolvimento Humano: O que é o IDH? [S.d.]. Disponível em: https://www.br.undp.org/
content/brazil/pt/home/idh0/conceitos/o-que-e-o-idh.html. Acesso em: 22 ago. 2021.
33
Obra é utilizada como marco teórico do presente trabalho, em virtude do seu brilhantismo em relacionar os
ideais de Desenvolvimento, Liberdade, Justiça Social e Democracia.
34
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 16.
330| Maxwell Lima Dias
Nesse sentido, sustenta Amartya Sen, que, em muitos casos, a pobreza econômi-
ca que assola grande parte dos indivíduos de uma nação está relacionada, diretamente,
à ausência de liberdades substantivas, como a liberdade de saciar a fome, o acesso a
água potável, acesso a tratamentos de saúde, saneamento básico, oportunidades sociais
e políticas, acesso ao Mercado, bem como à carência de serviços e políticas públicas,
assistência social36.
35
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 16-17.
36
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 17.
37
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 56.
38
Tal distinção trazida por Amartya Sen relaciona-se com aquele dualismo demonstrado na obra de Juarez
Freitas, o qual também considera duas visões opostas do desenvolvimento: uma visão insaciável e uma vi-
são sustentável, ambas associadas, respectivamente, às perspectivas “feroz” e “amigável”, trazidas por Sen
(FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 138).
A democracia como fundamento do desenvolvimento nacional a partir... |331
sociais, culturais e políticos de uma Nação (liberdades substanciais), fatores estes que,
quando positivos, geram uma expansão da liberdade dos indivíduos.
[...] uma mulher chamada Maitreyee e seu marido, Yajnavalkya, logo passam para
uma questão maior do que os caminhos e modos de se tornarem mais ricos: Em
que medida a riqueza os ajudaria a obter o que eles desejavam? Maitreyee quer
saber se, caso ‘o mundo inteiro, repleto de riquezas’, pertencesse só a ela, isso
lhe daria a imortalidade. ‘Não’, responde Yajnavalkya, ‘a sua vida seria como a vida
das pessoas ricas. Não há, no entanto, esperança de imortalidade pela riqueza’.
Maitreyee comenta: ‘De que me serve isso, se não me torna imortal’41.
39
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 57.
40
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 56.
41
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 27.
332| Maxwell Lima Dias
A partir, então, dessa nova perspectiva, tanto mais será desenvolvida uma Nação,
ou todo o planeta, quanto mais os indivíduos gozarem de liberdade para agir no mundo,
conforme valorize. Um povo privado de liberdades é um povo não desenvolvido42. A pri-
vação de liberdade econômica pode gerar a privação de liberdade social, assim como a
privação de liberdade social ou política pode, igualmente, gerar a privação de liberdade
econômica43. O grau de desenvolvimento de uma sociedade deve ser avaliado, conforme
as liberdades substantivas que os membros dessa sociedade desfrutam44.
42
FOLLONI, André. A complexidade ideológica, jurídica e política do desenvolvimento sustentável e a necessi�-
dade de compreensão interdisciplinar do problema. Revista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, n. 1, p.
63-91, jan./jun. 2014. p. 81.
43
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 23.
44
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 56.
45
FOLLONI, André. A complexidade ideológica, jurídica e política do desenvolvimento sustentável e a necessi�-
dade de compreensão interdisciplinar do problema. Revista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, n. 1, p.
63-91, jan./jun. 2014. p. 72.
46
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 55.
47
Importante destacar que a palavra “meio” utilizada para se referir a pessoas livres e titulares de direitos, tem
por objetivo apenas demonstrar que tais qualidades pessoais (livres e titulares de direitos) são condições
essenciais para a expansão do desenvolvimento. Nesse sentido, reforçamos a ideia de Kant, para quem a dig-
nidade consiste em valor intrínseco à existência humana, de modo que “o homem – e, de uma maneira geral,
todo o ser racional – existe como fim em si mesmo, e não apenas como meio para uso arbitrário desta ou
daquela vontade. Em todas as suas ações, pelo contrário, tanto nas direcionadas a ele mesmo como nas que o
são a outros seres racionais, deve ser ele sempre considerado simultaneamente como fim” (KANT, Immanuel.
Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. Tradução de Leopoldo Holzbach. São Paulo:
Martin Claret, 2004. p. 52). Ora, o ideal seniano, de desenvolvimento como liberdade, preconiza, justamente,
que um povo livre é um povo desenvolvido, e que o desenvolvimento tem por finalidade a realização material
da liberdade dos indivíduos.
48
FOLLONI, André. A complexidade ideológica, jurídica e política do desenvolvimento sustentável e a necessi�-
dade de compreensão interdisciplinar do problema. Revista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, n. 1, p.
63-91, jan./jun. 2014. p. 82.
A democracia como fundamento do desenvolvimento nacional a partir... |333
da Liberdade, ao mesmo tempo que reconhece as “liberdades” (no plural) como meios
para o desenvolvimento49. É a partir desse raciocínio, que são elencados cinco espécies
de liberdades (liberdades-meio) – componentes de um gênero “Liberdade” (liberdade-fim)
– chamadas de liberdades instrumentais50: as liberdades políticas (direitos civis, como
liberdade de participação no debate público), as facilidades econômicas (acesso ao mer-
cado, preços acessíveis, políticas econômicas distributivas de capital), as oportunidades
sociais (acesso à saúde, educação etc.) as garantias de transparência (segurança de que
as interações sociais são transparentes, claras e sinceras) e a segurança protetora (rede
de segurança social que impede a miséria)51.
49
GABARDO, Emerson. A felicidade como fundamento teórico do desenvolvimento em um Estado Social. Revista
Digital de Direito Administrativo, v. 5, n. 1, p. 99-141, 2018. p. 105. Disponível em: https://www.revistas.usp.
br/rdda/article/view/136849/137642. Acesso em: 13 ago. 2023.
50
Importante salientar as variações semânticas decorrentes da expressão Liberdade, decorrente, inevitavelmen�-
te, da tradução para o português, da obra Desenvolvimento como Liberdade. Em sua obra original, cujo idioma
é o inglês, o autor engloba as chamadas liberdades substantivas (freedoms), que são as capacidades básicas
do indivíduo, como as condições para se evitar carências como a fome, a subnutrição e a morte prematura,
e as liberdades relacionadas com as aptidões como ler, expressar-se, fazer cálculos e participar da política.
Portanto, o termo liberdade em sua obra adquire conotação extremamente ampla, não se limitando (embora
incluindo) às liberdades formais (liberties), comumente relacionadas aos direitos dos indivíduos de não so-
frerem intervenções restritivas ao exercício dos seus direitos e faculdades legais (HACHEM, Daniel Wunder. A
noção constitucional de desenvolvimento para além do viés econômico – reflexos sobre algumas tendências
do Direito Público brasileiro. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte: Fórum, ano
13, n. 53, p 133-168, jul./set. 2013. p. 158. Disponível em: https://www.revistaaec.com/index.php/revistaaec/
article/view/126/289. Acesso em: 10 ago. 2023).
51
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 25-26.
52
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na
perspectiva constitucional. 13. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2021. p. 164.
53
HACHEM, Daniel Wunder. A noção constitucional de desenvolvimento para além do viés econômico – reflexos
sobre algumas tendências do Direito Público brasileiro. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo
Horizonte: Fórum, ano 13, n. 53, p 133-168, jul./set. 2013. p. 158. Disponível em: https://www.revistaaec.
com/index.php/revistaaec/article/view/126/289. Acesso em: 10 ago. 2023.
334| Maxwell Lima Dias
vidade dos mencionados direitos econômicos e sociais, poderá levar a uma sociedade for-
temente inigualitária, mediante a concessão de direitos apenas do ponto de vista formal54.
Não obstante a clareza expressa por Amartya Sen, de que o maior êxito do desen-
volvimento é proporcional ao grau do custeio público56 –quando o Estado opera “por meio
de um programa de hábil manutenção social dos serviços de saúde, educação e outras
disposições sociais relevantes”57 –, Emerson Gabardo tece críticas acerca da escolha do
autor pela liberdade como meio e fim do desenvolvimento58.
54
RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento: antecedentes, significados e conseqüências. Rio de
Janeiro: Renovar, 2007. p. 130.
55
HACHEM, Daniel Wunder. A noção constitucional de desenvolvimento para além do viés econômico – reflexos
sobre algumas tendências do Direito Público brasileiro. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo
Horizonte: Fórum, ano 13, n. 53, p 133-168, jul./set. 2013. p. 159. Disponível em: https://www.revistaaec.
com/index.php/revistaaec/article/view/126/289. Acesso em: 10 ago. 2023.
56
SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento: administração pública, direitos fundamentais e desenvolvimento.
Curitiba: Íthala, 2019. p. 26.
57
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 68.
58
SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento: administração pública, direitos fundamentais e desenvolvimento.
Curitiba: Íthala, 2019. p. 26.
59
GABARDO, Emerson. A felicidade como fundamento teórico do desenvolvimento em um Estado Social. Revista
Digital de Direito Administrativo, v. 5, n. 1, p. 99-141, 2018. p. 105. Disponível em: https://www.revistas.usp.
br/rdda/article/view/136849/137642. Acesso em: 13 ago. 2023.
A democracia como fundamento do desenvolvimento nacional a partir... |335
Ora, como mencionado acima, Amartya Sen lista cinco diferentes liberdades ins-
trumentais, cuja promoção (de cada uma e de todas) é indispensável ao desenvolvimento
de um povo ou nação. E, aqui, devemos ter a noção de que, para Amartya Sen, não basta
ao Estado garanti-las, mas, expandi-las63. Quão mais livre um povo, quanto maior for o
seu acesso à sistemas de saúde, quanto maior for o seu acesso à educação, quanto maior
for a sua capacidade política, de participar de debates públicos, por exemplo, tão mais
desenvolvido será aquela nação. Essas liberdades aumentam diretamente as capacidades
dos indivíduos, mas também suplementam-se mutuamente e podem, além disso, refor-
çar umas às outras64. Por exemplo65: o maior grau de educação dos indivíduos leva a
uma maior qualificação da mão-de-obra, que, por consequência gera um maior acesso ao
Mercado e melhores condições financeiras, bem como uma maior consciência política nas
60
HACHEM, Daniel Wunder. A noção constitucional de desenvolvimento para além do viés econômico – reflexos
sobre algumas tendências do Direito Público brasileiro. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo
Horizonte: Fórum, ano 13, n. 53, p 133-168, jul./set. 2013. p. 159. Disponível em: https://www.revistaaec.
com/index.php/revistaaec/article/view/126/289. Acesso em: 10 ago. 2023.
61
SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento: administração pública, direitos fundamentais e desenvolvimento.
Curitiba: Íthala, 2019. p. 20.
62
SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento: administração pública, direitos fundamentais e desenvolvimento.
Curitiba: Íthala, 2019. p. 21.
63
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 191.
64
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 58-62.
65
Outro relevante exemplo, é aquele trazido por Sen, de que há comprovações empíricas de que a maior qualida�-
de da educação, sobretudo das mulheres, gera uma maior redução das taxas de fecundidade. “Taxas de fecun-
didade elevadas podem ser consideradas, com grande justiça, prejudiciais à qualidade de vida, especialmente
das mulheres jovens, pois gerar e criar filhos recorrentemente pode ser muito danoso para o bem-estar e a
liberdade da jovem mãe” (SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira
Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 192).
336| Maxwell Lima Dias
Não há, portanto, na obra desenvolvida por Amartya Sen, elementos que possam
sustentar uma visão liberal-burguesa acerca do desenvolvimento como liberdade, como
supõe Daniel Wunder Hachem69. Pelo contrário, assim como preconiza Hachem70,
Amartya Sen também defende um modelo de desenvolvimento pautado na redução de
desigualdades, mediante uma justiça distributiva: “Qualquer transferência pura – a redistri-
buição de renda ou provisão gratuita de um serviço público – pode potencialmente ter um
efeito sobre o sistema de incentivos da economia”71.
66
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 58-62.
67
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 170-192.
68
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 191.
69
Para Hachem, reforçando as críticas tecidas por Gabardo, a teoria seniana de desenvolvimento pressupõe que o
Estado desenvolvido será aquele que conseguir oferecer o mínimo necessário para que a sociedade exerça ple-
namente sua liberdade (HACHEM, Daniel Wunder. A noção constitucional de desenvolvimento para além do viés
econômico – reflexos sobre algumas tendências do Direito Público brasileiro. Revista de Direito Administrativo
& Constitucional, Belo Horizonte: Fórum, ano 13, n. 53, p 133-168, jul./set. 2013. p. 159. Disponível em: https://
www.revistaaec.com/index.php/revistaaec/article/view/126/289. Acesso em: 10 ago. 2023).
70
No modelo estatal perfilhado pela Constituição de 1988, é indispensável uma atuação interventiva do Estado
com vistas à distribuição. Trata-se do conceito-chave do Estado Social (HACHEM, Daniel Wunder. A noção
constitucional de desenvolvimento para além do viés econômico – reflexos sobre algumas tendências do
Direito Público brasileiro. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte: Fórum, ano 13, n.
53, p 133-168, jul./set. 2013. p. 159. Disponível em: https://www.revistaaec.com/index.php/revistaaec/article/
view/126/289. Acesso em: 10 ago. 2023).
71
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 173.
A democracia como fundamento do desenvolvimento nacional a partir... |337
72
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 72-75.
73
SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento: administração pública, direitos fundamentais e desenvolvimento.
Curitiba: Íthala, 2019. p. 23.
74
EMERIQUE, Lilian Balmant. Considerações sobre a orientação das políticas públicas de combate à pobreza
na perspectiva de direitos humanos. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 13, n. 13, p.
198-213, jan./jun. 2013. Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/
view/347. Acesso em: 14 ago. 2023.
75
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 28-29.
76
SENGUPTA, Arjun. O direito ao desenvolvimento como um direito humano. Revista Social Democracia
Brasileira, n. 68, p. 64-84, mar. 2002. p. 81.
338| Maxwell Lima Dias
padrões e da qualidade de vida, e sugere, além disso, um formato geral em termos do qual
problemas de eficiência e igualdade podem ser discutidos77.
77
SENGUPTA, Arjun. O direito ao desenvolvimento como um direito humano. Revista Social Democracia
Brasileira, n. 68, p. 64-84, mar. 2002.
78
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 33.
79
FERNANDES, Jeferson Nogueira. O direito fundamental ao desenvolvimento sustentável. Revista de Direitos
Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 1-26, jan./jun. 2008. p. 14. Disponível em: https://revis-
taeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/125. Acesso em: 14 ago. 2023.
80
FERNANDES, Jeferson Nogueira. O direito fundamental ao desenvolvimento sustentável. Revista de Direitos
Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 1-26, jan./jun. 2008. p. 14. Disponível em: https://revis-
taeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/125. Acesso em: 14 ago. 2023.
81
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 199.
A democracia como fundamento do desenvolvimento nacional a partir... |339
consiste em um fenômeno social elementar, como uma rede adequada para a comunica-
ção de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são
filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em
temas específicos82.
No entanto, alerta Sen, que as instituições democráticas, por si só, não devem
ser vistas como mecanismos infalíveis para o desenvolvimento, mas como algo que de-
pende também do fortalecimento dos valores e prioridades sociais daquela comunidade,
bem como “do uso que fazemos das oportunidades de articulação e participação disponí-
veis”86. Logo, para que o princípio democrático nacional não se limite a um discurso va-
zio, faz-se importante o reforço “da política multipartidária e o dinamismo dos argumentos
morais e da formação de valores”87.
82
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 2. ed. v. 1. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2003. p. 92.
83
Merece destaque a afirmação de Sen, de que a importância da discussão pública é um tema ocasionado pela
história também de países do mundo não ocidental, não se tratando de uma ideia essencialmente ocidental.
Contudo, reconhece que os conceitos contemporâneos de democracia e discussão pública tenham sido pro-
fundamente influenciados pelas experiências e ideias difundidas nos últimos séculos, na Europa e nos Estados
Unidos. SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 196.
84
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 30.
85
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010.
86
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 208.
87
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. p. 205.
340| Maxwell Lima Dias
E, nesse ponto, faz-se uma relação com uma visão de extrema relevância levantada
por Amartya Sen: a ideia de desenvolvimento como expansão de liberdade dos indivíduos,
pressupõe a condição destes indivíduos como agentes de mudança e crescimento, e não
meros pacientes. Com oportunidades sociais adequadas e um alto grau de participação
política dos indivíduos no espaço público, com uma reforçada formação de valores, os
indivíduos, na qualidade de agentes, podem efetivamente moldar o seu próprio destino e
ajudar uns aos outros88.
Trata-se de um direito fundamental de participação política, que, por outro lado, corres-
ponde a um dever fundamental e individual de compromisso e proteção ao Estado Democrático
de Direito, bem como no dever fundamental de solidariedade social e fraternidade89.
Isso não significa dizer, no entanto, que, enquanto agentes solidários, os indivíduos
passam a ser responsáveis pelo desenvolvimento social, passando a responsabilidade do
Estado a ser subsidiária. Esse espaço público de debate não coincide com o modelo do
Estado Liberal de Direito burguês, que se limita a garantir condições mínimas aos cidadãos,
garantindo a sua liberdade, e transferindo todas as demais funções para uma sociedade
econômica autorregulada90.
88
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010.
89
Reforça-se que essa visão de responsabilidade social e solidariedade do indivíduo, na perspectiva de Amartya
Sen, não corresponde a um ideário liberal, absenteísta, de defesa à intervenção estatal, tampouco pres-
supõe uma responsabilidade subsidiária pelo Estado, como faz parecer Gabardo (GABARDO, Emerson. A
felicidade como fundamento teórico do desenvolvimento em um Estado Social. Revista Digital de Direito
Administrativo, v. 5, n. 1, p. 99-141, 2018. p. 105. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rdda/article/
view/136849/137642. Acesso em: 13 ago. 2023). Como já mencionado anteriormente, repousamos nosso
entendimento na esteira da lição trazida por Adriana Schier, a qual defende que “Amartya Sen impõe ao Estado,
assim como à sociedade civil, uma atuação prestacional, de maneira a assegurar as liberdades: condição e
fim do desenvolvimento” (SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento: administração pública, direitos funda-
mentais e desenvolvimento. Curitiba: Íthala, 2019. p. 23).
90
COITINHO, Viviane Teixeira Dotto; COLET, Charlise Paula. O poder local como espaço de articulação da cida�-
dania e construção do direito social: a refundação política do estado democrático pela ação comunicativa de
Jürgen Habermas. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 10, n. 10, p. 137-163, jul./dez.
2011. p. 141. Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/139.
Acesso em: 14 ago. 2023.
A democracia como fundamento do desenvolvimento nacional a partir... |341
5 CONCLUSÃO
A teoria de crescimento econômico, ainda muito utilizada por países tidos como
desenvolvidos, (se algum dia já foi) já não é mais suficiente para explicar o processo de
subdesenvolvimento dos países periféricos, tampouco para fundamentar uma política de
desenvolvimento elaborada através de princípios estritamente econômicos, cuja fórmula
fora aplicada outrora por aquele primeiro grupo de países.
Segundo Amartya Sen, o desenvolvimento nacional deve ser visto como um pro-
cesso de expansão de liberdades, visando o aumento da capacidade dos indivíduos de
viverem uma vida da forma que valorizam, ou têm razão para valorizar. Dessa forma, sob
a perspectiva seniana, um povo ou uma nação é mais desenvolvida, à medida que seus
indivíduos gozem de liberdade suficiente para levarem uma vida do modo que desejam.
91
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 2. ed. v. 1. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2003. p. 221.
92
COITINHO, Viviane Teixeira Dotto; COLET, Charlise Paula. O poder local como espaço de articulação da cida�-
dania e construção do direito social: a refundação política do estado democrático pela ação comunicativa de
Jürgen Habermas. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 10, n. 10, p. 137-163, jul./dez.
2011. p. 140. Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/139.
Acesso em: 14 ago. 2023.
342| Maxwell Lima Dias
em seu âmbito de proteção direitos negativos e positivos, que demandam prestações esta-
tais, é possível verificarmos a responsabilidade do Estado em promover o desenvolvimento
nacional, através de políticas públicas.
REFERÊNCIAS
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da cidadania e construção do direito social: a refundação política do estado democrático pela ação
comunicativa de Jürgen Habermas. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 10,
n. 10, p. 137-163, jul./dez. 2011. Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.
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B
Brigas de torcida.......................................................................................................................... 288
C
Camila Soares Cavassin Jayme | William Soares Pugliese............................................................... 9
Comparação normativa da Lei n. 12.016, de 7 de agosto de 2009 versus Anteprojeto do
Código Brasileiro de Processo Constitucional................................................................................. 17
Concepção do Estado de Direito como um projeto liberal da modernidade e a crítica social........... 164
Conclusão..................... 20, 43, 61, 79, 95, 109, 130, 157, 188, 207, 224, 247, 267, 288, 316, 341
Constitucionalismo democrático................................................................................... 228, 243, 257
Constitucionalismo negro............................................................................................. 254, 261, 264
Construindo precedentes no Brasil............................................................................................... 120
Contraditório e ampla defesa........................................................................................................ 126
Cássia Camila Cirino dos Santos Fontana | Stanlei Ernesto Prause Fontana | Marcelo Fonseca
Gurniski....................................................................................................................................... 297
Código Brasileiro de Processo Constitucional................................................................................. 11
Código de Processo Constitucional...............................................................................10-13, 17, 20
D
Decisões judiciais.......................................................................................25-26, 43, 118, 124, 126
Defesa do Estado democrático de Direito no sistema constitucional brasileiro............................... 239
Democracia................25-26, 29, 33, 35, 42-43, 48, 61, 67, 75, 100, 105, 107, 110, 137, 140-141,
146-147, 155-158, 163, 166, 171, 173-175, 177-180, 182-188, 210, 213, 223-224, 228-229, 235,
237, 239, 244, 247, 260, 264-266, 273, 278, 311, 313, 323, 325, 328, 330, 338-339, 341-342
Democracia como condição para o desenvolvimento.................................................................... 338
Democracia como fundamento do desenvolvimento nacional a partir da teoria de Amartya Sen.... 321
Democracia deliberativa........................................................137, 141, 157, 163, 178, 180, 184-188
Derick Davidson Cordeiro | Gabriela Ganho.......................................................................... 193, 253
Desafios para cumprimento da Agenda 2030............................................................................... 106
346| Derick Davidson Cordeiro - Gabriela Ganho - Lucas Raphael de Souza Mano -
Maxwell Lima Dias - Orgs.
Desenvolvimento....11, 43, 51, 53, 61, 66, 71, 74-75, 80, 98-99, 101-110, 119, 131, 137, 141-143,
146, 148-158, 162-163, 171-172, 175, 179-180, 186, 194-195, 197-198, 200-207, 211, 213, 257,
260, 262-273, 281-283, 304, 322-342
Desenvolvimento como liberdade e responsabilidade do Estado em promover as expansão das
liberdades instrumentais.............................................................................................................. 329
Desenvolvimento e sustentabilidade: novos fundamentos ao Estado democrático de Direito.......... 146
Desenvolvimento sustentável.... 98, 105-106, 108-110, 137, 146, 148-150, 154-156, 158, 206, 323, 338
Diferença entre interpretar o Direito e decidir com base no voluntarismo......................................... 30
Dillings Barbosa Maquiné | Paulo César de Lara........................................................................... 227
Direito................................................................. 10-18, 24-35, 42-43, 47-62, 66-74, 76-80, 84-86,
88-95, 98-105, 107, 110, 114-119, 122-126, 128, 130, 136-137, 139, 142-149, 151-158, 162-163,
165-182, 184-185, 187-188, 194, 197-198, 202-204, 206-207, 211-213, 216, 218, 220, 223, 228,
235-240, 243, 245, 247, 253, 255-256, 258-259, 261-263, 265-267, 271-292, 298-299, 301-302,
304-305, 308, 311-316, 322-323, 328-330, 332-336, 338-342
Direito administrativo..................................................... 136-137, 142, 144-147, 149, 156-158, 163
Direito ao nome............................................................................................................84-86, 88, 94
Direito fundamental... 48, 51, 53-54, 56, 84-86, 90, 94-95, 98, 105, 154, 169, 299, 304-305, 312, 340
Direito fundamental ao nome e as implicações trazidas pela Lei 14.382/2022 à segurança jurídica..... 83
Direito fundamental ao nome e suas características........................................................................ 85
Direitos da personalidade......................................................................................................... 85, 94
Direitos fundamentais............................................................................................ 11-16, 25, 31, 33,
47, 50, 53-54, 59-61, 66-67, 70-71, 73-74, 76, 78-80, 85, 100-102, 105, 107, 110, 142, 148, 157,
170, 178, 194, 207, 238, 259, 262, 278, 299, 302, 304-305
Direitos humanos...13-14, 53, 56, 58, 88, 101-102, 173, 178, 240, 258, 271-286, 288-289, 291-292,
312, 316
Direitos humanos – e o seu papel o tempo todo em todo o lugar.................................................. 272
Direitos sociais...............................................49-50, 52-53, 58-59, 61-62, 139, 143, 168, 170, 336
Direito tributário........................................................................................................... 66, 69, 71, 76
Direito tributário como mecanismo para a materialização dos direitos fundamentais em face à
crise socioeconômica no Brasil...................................................................................................... 65
Direito à cidade: o direito fundamental good que ‘nóis’ não have..................................................... 99
Direito à moradia...........................................................................................................104, 203-204
Direito à saúde................................................... 47-50, 53, 55, 57-60, 302, 305, 308, 311, 313-315
Direito à vida...................................................................... 48, 56, 58, 139, 157, 168, 272, 298, 315
Duplo grau de jurisdição......................................................................................................... 19, 128
E
Eduardo Tourinho Gomes............................................................................................................. 271
Eficácia.....67, 79-80, 105, 116, 121, 127-128, 148-149, 156, 206, 211, 221, 273, 276, 279, 309, 313
Entre razões e emoções: a construção das decisões no Brasil...................................................... 114
Entre razões e emoções: motivos para o uso de precedentes no Direito Brasileiro......................... 113
Estado constitucional............................................................................. 67, 210, 224, 259, 266, 278
Estado moderno.................................26, 36, 157, 168, 171-173, 179, 182, 188, 210-213, 216, 220
Estado moderno racional.............................................................................................................. 210
Estrangeiros..................................................................................................................... 48, 57, 260
Estado, Democracia e Desenvolvimento: Estudos sobre a eficácia dos |347
Direitos Fundamentais
F
Falácia do desenvolvimento como crescimento econômico.......................................................... 323
Federalismo cooperativo...............................................................................................306, 314-316
FIFA....................................................................................... 272-274, 279, 282, 284-286, 288-292
FIFA e seu papel nos direitos humanos......................................................................................... 278
Futebol........................................................................... 271-277, 279-280, 282, 284, 288, 291-292
G
Gabriela Ganho | Derick Davidson Cordeiro.......................................................................... 193, 253
Gabriel Victor Zaparoli de Oliveira | Lucas Raphael de Souza Mano......................................... 97, 113
Gentrificação.......................................................................................................................... 99, 109
H
Hierarquia das cortes................................................................................................................... 130
I
Imigrantes.................................................................................................................................... 290
Imparcialidade e isonomia............................................................................................................ 129
Imutabilidade do nome....................................................................................................... 90, 93, 95
Integração política.........................................................................................................210, 222-224
Internacionalização.......................................................................................................... 53, 60, 258
Internacionalização do direito à saúde...................................................................................... 47, 57
Interpretação.......12, 15, 24, 26, 29-30, 32-35, 39, 42-43, 60, 68, 92, 98, 115, 117, 122, 128, 130,
163, 182-184, 229, 241, 261, 266, 300, 313, 327
Interpretação constitucional............................................................................................................ 35
Introdução....................... 10, 23, 47, 66, 84, 98, 114, 136, 162, 194, 210, 228, 253, 271, 298, 322
IPTU............................................................................................................. 195, 197-199, 201-206
IPTU e o desenvolvimento municipal............................................................................................ 201
Índice alfabético........................................................................................................................... 345
(In)eficiência do Estado em garantir o exercício de direitos fundamentais de caráter tributário......... 76
J
Jocimar Pereira de Souza | Marilaine Moreira de Jesus | Luiza Boff Lorenzon................................ 83
Judicialização da política........................................................................................................ 24, 236
Judiciarismo.........................................................................................................228, 237-238, 248
Judiciarismo como manifestação do autoritarismo do judiciário de cúpula.................................... 235
L
Legitimidade..... 30, 32, 43, 75, 124, 137, 141, 144, 147, 155-157, 163-164, 172, 174-175, 180, 183,
185, 188, 212, 216-218, 232, 245, 257, 312
Lucas Raphael de Souza Mano | Gabriel Victor Zaparoli de Oliveira......................................... 97, 113
Luiza Boff Lorenzon | Jocimar Pereira de Souza | Marilaine Moreira de Jesus................................ 83
Luiza Boff Lorenzon | Marilaine Moreira de Jesus | Ramon Gabriel Conti....................................... 65
348| Derick Davidson Cordeiro - Gabriela Ganho - Lucas Raphael de Souza Mano -
Maxwell Lima Dias - Orgs.
M
Mandado de segurança................................................................................................. 10-11, 13-20
Mandado de segurança e o anteprojeto para um Código Brasileiro de Processo Constitucional.......... 9
Marcelo Fonseca Gurniski | Cássia Camila Cirino dos Santos Fontana | Stanlei Ernesto Prause
Fontana........................................................................................................................................ 297
Marcelo Fonseca Gurniski | William Soares Pugliese...................................................................... 23
Marilaine Moreira de Jesus | Luiza Boff Lorenzon | Jocimar Pereira de Souza................................ 83
Marilaine Moreira de Jesus | Ramon Gabriel Conti | Luiza Boff Lorenzon....................................... 65
Materialização do pluralismo Constitucional, um caminho para a inclusão racial no Brasil............. 253
Maxwell Lima Dias....................................................................................................... 135, 161, 321
Município...............48-49, 61, 104, 109, 195-204, 207, 298-301, 304, 306, 308-309, 311, 314-316
Mínimo Existencial......................................................................................................................... 51
N
Neoconstitucionalismo........................................................................................................... 67, 178
O
Ordem tributária diante da crise socioeconômica no Brasil.............................................................. 71
P
Pandemia da Covid-19............................................... 48, 73, 298-299, 307-308, 310-311, 314, 316
Pandemia da Covid-19 e o enfrentamento pelos entes federativos brasileiros................................ 306
Paulo César de Lara | Dillings Barbosa Maquiné........................................................................... 227
Pluralismo....67, 70, 162-163, 172, 174-177, 180-182, 184-185, 187-188, 210, 254, 257-260, 263, 267
Pluralismo jurídico..........................................................162-164, 172, 180-182, 184-185, 187-188
Pluralismo jurídico como condição de racionalidade ao Estado Democrático de Direito................. 179
Pluralismo jurídico e democracia deliberativa: uma nova racionalidade para o Estado democrático
de Direito a partir da teoria discursiva de Habermas..................................................................... 161
Poder moderador.......................................................................... 228-234, 238, 241-243, 245, 247
Políticas públicas...................................................................................... 31, 49, 51, 54-55, 59, 61,
67, 69, 74, 76, 79, 102-103, 107, 109-110, 131, 136-137, 143, 147-148, 150, 152-155, 157, 164,
223, 237, 258, 263, 298, 302, 304, 306, 315, 330, 334, 337-338, 341-342
Populismo..................................................................................................... 210, 222-224, 235-236
Por que seguir precedentes no Brasil?.......................................................................................... 124
Possibilidade de alteração do nome e a segurança jurídica............................................................. 90
Precedentes.................................................................................. 19, 26, 29-30, 114, 117, 120-131
Problema da legitimação Estado e a transformação do interesse público a partir da democracia:
o leviatã pós-moderno................................................................................................................. 137
Problema da legitimidade do Estado e a teoria discursiva de Habermas: a democracia
deliberativa como racionalidade do Estado Democrático de Direito................................................ 172
Processo constitucional.......................................................................................... 10-14, 17, 19-20
Q
Questões preliminares sobre o município..................................................................................... 195
Estado, Democracia e Desenvolvimento: Estudos sobre a eficácia dos |349
Direitos Fundamentais
R
Ramon Gabriel Conti | Luiza Boff Lorenzon | Marilaine Moreira de Jesus....................................... 65
Referências.................... 20, 44, 62, 80, 95, 110, 131, 158, 188, 207, 224, 248, 267, 292, 317, 342
Reforma sanitarista e a Constituição de 1988................................................................................. 48
Renúncia...............................................................................117, 194-195, 198, 201, 203-207, 218
Respeito à Constituição................................................................................................................ 124
Ressignificação da legitimidade do Estado administrativo: uma teoria da racionalidade
sustentável das políticas públicas................................................................................................. 135
Roda roda vira: a efetivação de cidades sustentáveis ao som de Mamonas Assassinas.................. 97
Saúde........47-50-51, 53-62, 102, 150-152, 154-155, 172, 197, 205, 287, 298-299, 302, 304-305,
307-308, 310-316, 330-331, 333-337
S
Segurança jurídica...................... 11, 70, 84, 90, 93-95, 118-119, 123-125, 127-128, 130, 137, 146
Stanlei Ernesto Prause Fontana | Marcelo Fonseca Gurniski | Cássia Camila Cirino dos Santos
Fontana........................................................................................................................................ 297
Sthephany Patrício da Silva.......................................................................................................... 209
Supremo Tribunal Federal.............10-11, 13, 15, 19-20, 24-25, 57, 86, 92, 115-116, 125, 197, 228,
235-236, 238-239, 241-244, 247, 279, 298-300, 307, 309, 312-313, 316
T
Teoria da integração na racionalidade do Estado moderno e o surgimento do populismo como
meio integrador e meio de ruptura democrática............................................................................ 220
Teoria da racionalidade democrática e sustentável das políticas públicas...................................... 154
Teoria do discurso.................................................. 140-141, 157, 173-174, 178, 184-185, 187, 224
Teoria do Estado moderno Weberiano e a formação do populismo como meio integrador político
ou forma de ruína democrática e institucional............................................................................... 209
Teoria seniana.............................................................................................................. 153, 322, 335
Tipos ideais......................................................................................................... 210, 214, 216, 224
Tipos ideais, dominação carismática e a teoria do discurso como meio de dominação................. 216
Tributo..........................................................................59, 61, 72, 75, 196-202, 204, 206, 299, 306
U
Universalidade e integralidade........................................................................................................ 54
V
Violência.....108, 139, 162, 171, 173, 210-212, 214, 216, 256, 265, 271-272, 275, 284, 288, 291-292
Violência no futebol brasileiro....................................................................................................... 286
Violência no futebol e o papel da FIFA subordinando-se aos Direitos Humanos para diminuir
as atrocidades............................................................................................................................. 271
Visão constitucional do direito tributário......................................................................................... 67
Voluntarismo jurídico e decisão judicial ......................................................................................... 26
W
William Soares Pugliese | Camila Soares Cavassin Jayme............................................................... 9
William Soares Pugliese | Marcelo Fonseca Gurniski...................................................................... 23
Wlademir Junior Lucietti Filho......................................................................................................... 47