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O Microsporum canis é o patogénio mais comum isolado em cães e gatos. Infecções por outros
dermatófitos zoofilicos também se encontram descritas: M. persicolor, M. gypseum e Trichophyton
mentagrophytes spp.
A. vanbreuseghemii (forma sexuada) é um dermatofito zoofilico que pode afectar cães e gatos e que
pertence ao complexo Trichophyton mentagrophytes. Deve ser reportado como Trichophyton
mentagrophytes (forma assexuada). A taxonomia dos dermatófitos está em evolução contínua à
investigação com as novas técnicas moleculares de identificação genética.
Na prática: mediante cultura, o laboratório deverá reportar os 3 géneros de dermatófitos e
eventualmente a espécie. As espécies importantes são: Microsporum spp., Trichophyton spp. e
Epidermophyton spp.
OS FUNGOS COMENSAIS DO CÃO E DO GATO
Os dermatófitos não fazem parte da flora comensal e o seu isolamento indica presença de
infecção ou contaminação acidental da pelagem.
Directamente através do contato com o animal infectado – esta é a via mais importante de
transmissão do M. canis.
A resposta imune é tipo celular Th1 e com produção de anticorpos. A imunidade celular é a
mais importante na cura e normalmente confere proteção (imunidade adquirida).
QUAIS OS FACTORES QUE INFLUENCIAM O QUADRO LESIONAL DA
DERMATOFITOSE?
Infecções virais seropositivas FIV e FeLV não são factores de predisposição para o
desenvolvimento de dermatofitose. No entanto, o gato que esteja clinicamente sintomático
com retroviroses é mais susceptível ao desenvolvimento de dermatofitose.
Portador assintomático
QUADRO CLÍNICO CLÁSSICO
As lesões aparecem entre 1 a 3 semanas após infecção. O dermatófito invade tecidos
queratinizados: alopecia, descamação e “folicular plugging”. As unhas desenvolvem alterações da
parede e consequente fragilidade.
Apresentação clínica: áreas circulares de alopécia com tracção facilitada da pelagem. A áreas de
alopecia podem estar associadas a seborreia ligeira, eritema e pápulas. O desenvolvimento das
pápulas e do eritema é uma consequência da resposta imunitária. A hiperpigmentação é uma
lesão secundária que surge posteriormente.
Nos quadro clínicos atípicos pode estar envolvido o M. canis ou outras espécies de
dermatófito: M. gypseum, M. persicolor e Trychophyton mentagrophytes.
Em comparação com o M. canis estas espécies estão menos adaptadas ao hospedeiro levando
a uma interação diferenciada com o sistema imunitário. Desta interação resulta uma maior
diversidade de lesões e que podem oscilar entre um grau ligeiro a severo.
QUADRO CLÍNICO ATÍPICO: KERION
Nota: o pseudomicetoma é causado por um dermatófito; o micetoma é causado por um fungo não
dermatófito ou por uma bactéria (ex: Nocardia ou Actinomycetes). A apresentação clínica do micetoma e do
pseudomicetomas é similar com tumefecção, fistulação e exudação que pode conter grânulos. Existem vários
tipos de micetomas conforme o agente causal.
QUADRO CLÍNICO ATÍPICO: PSEUDOMICETOMA
A presença de pústulas é rara na dermatofitose e pode ser confundida com pênfigo foliáceo.
A produção de proteases pelo dermatófito leva à libertação dos acantócitos que podem ser
visualizados nas citologias.
Existe presença de pústulas e crostas. Além da pele também pode haver envolvimento do
plano nasal, almofadas plantares e unhas.
QUADROS CLÍNICOS ATÍPICOS: PARONICHIA EXSUDATIVA
Em cães pode somente haver envolvimento de uma ou mais unhas com produção de
exsudado purulento e crostoso na base da unha. O envolvimento da unhas sugere zona de
contágio inicial com o dermatófito. Pode ser causado por M. canis outras espécies e pode
estar associada ao cão de caça/trabalho em meio rural.
QUADROS CLÍNICOS ATÍPICOS EM GATOS
A infeção pode não resultar em sinais clínicos, sendo que os gatos podem ser portadores por
longos períodos de tempo. A única espécie identificada em portadores é o M. canis.
Os gatos mais frequentemente implicados como portadores são os gatos persas.
O estado de portador demonstra um equilíbrio entre o hospedeiro e o sistema imunitário. No
entanto, o gato portador transmite a doença a outros animais e pessoas e é uma fonte
constante de contaminação ambiental.
Normalmente, a suspeita inicial devido ao desenvolvimento de lesões em outros animais ou
pessoas após aquisição de um novo gato.
No caso de suspeita de portador deve ser feito lâmpada de Wood e cultura fúngica devendo o
material ser recolhido pela técnica da escova dos dentes.
DEFINIR O TIPO DE INFEÇÃO AJUDA A DEFINIR O TRATAMENTO
Infecção simples
Animal saudável
Quadro clinico tipo clássico ou kerion.
Boa e rápida resposta ao tratamento ou remissão espontânea.
Infecção complicada
Existe(s) outra(s) patologia(s) concomitante (s) ou existir fatores intrisecos predisponentes (ex: raça Persa);
A maioria dos quadros clínicos atípicos.
Requerem tratamento mais prolongados e com maior probabilidade de recidiva.
Portador
Tratamento aconselhado devido ao potencial de transmissão da doença.
MEIOS AUXILIARES DE DIAGNÓSTICO
O tratamento tópico com champo, lime sulfur ou enilconazole não retira a fluorescência.
Observação em sala escura. Mover a lâmpada lentamente perto da pelagem e examinar todo o animal,
embora se deve concentrar nas áreas que têm lesões e onde a infeção normalmente inicia (face, orelhas,
extremidades podais). Não é necessário aquecer a lâmpada antes da utilização. Os pelos infetados podem
ser observados 5-7 dias após exposição. No estadio inicial é mais fácil encontrar fluorescência em pelos
curtos.
LÂMPADA DE WOOD
A “falsa fluorescência” tem cores distintas da fluorescência verde de M. canis.
Amostra pode ser recolhida por raspagem superficial e/ou arrancamento de pelos ou
descamação no local das lesões.
Óleo mineral
Pode ser imediatamente visualizado;
Fácil de encontrar;
Não existe risco de lesão animal ou humano;
Não danifica a lente do microscópio;
Não causa perda da fluorescência;
A falta de digestão da camada epidérmica não afecta a visualização de esporos e hifas.
KOH
É necessário 10-20 minutos para que ocorra digestão e necessita de exame directo para evitar artefactos
Destrói a fluorescência de pelo infectados, tornando impossível utilizar a lâmpada de wood
MÉTODOS DE RECOLHA PARA CULTURA MICOLÓGICA
Técnica de Mackenzie com escova de dentes
1. Retirar da embalagem uma escova de dentes nova.
2. Escovar primariamente as áreas não afectadas por forma a não disseminar os esporos.
3. De seguida, escovar de forma suave a área afectada, incluindo a pele e margens da lesão com
pelagem ou descamação/crostas.
4. Colocar a escova de volta na embalagem, ou num envelope, identificado com o nome do paciente.
Meio com Sabouraud dextrose agar e cicloheximida, gentamicina e clortetraciclina como antibióticos e
antifúngicos para inibição de crescimento de microrganismos contaminantes.
Contém também o indicador de ph vermelho fenol.
Os dermatófitos metabolizam a proteína no meio tornando a coloração amarela em vermelha quando as
colónias começam a surgir. Falsos positivos reportados em 20% dos casos. A alteração da coloração
ocorre até 14 dias.
Preferir meios com maior superfície de contato. Incubar 25-30C. A luz não interfere com o crescimento
do dermatófito.
CULTURA MICOLÓGICA
Os dermatófitos de cães e gatos, em cultura, aparecem com coloração branca, amarelo claro,
amarelo escuro ou castanho claro e com um aspecto de algodão ou poeirento.
A avaliação das colónias em microscópio é também importante para garantir que se trata do
microorganismo correcto e não um contaminante que se assemelhe macroscopicamente.
Em caso de infecção, o crescimento das colónias é confluente. No caso de apenas uma
colónia pode indicar que se trata de um caso em recuperação ou fómite. É importante que o
laboratório reporte o numero de colónias.
CITOLOGIA DE CULTURA MICOLÓGICA
Método muito sensível: “positive culture may offer a proof of infection and negative
cultures are less definitive” (Guidelines).
Falsos negativos: falta de amostra e após tratamento do animal com produtos tópicos
que inibam o crescimento em cultura. Por exemplo, aplicação de Betadine ou outros
anti-fúngicos.
PCR PARA DERMATÓFITOS
É usada nos seguintes casos: lesões nodulares (kerion), lesões ulcerativas e exsudativas
(psedomicetoma), suspeita de pênfigo foliáceo e outras lesões atípicas.
Idealmente submeter tecido para histopatologia e tecido para cultura e/ou PCR. O tecido
para cultura ou PCR pode ser conservado em soro fisiológico. No caso de PCR a amostra
também pode ser conservada congelada.
NO PROCESSO DE DIAGNOSTICO PODERÁ SER NECESSÁRIO:
Hemograma
Bioquimica geral
Pesquisa de leishmaniose (cão)
FIV/FeLV (gato)
Eventualmente outros exames de acordo com historial e exame físico.
TRATAMENTO
Em animais saudáveis a dermatofitose pode ser auto-limitante mas o tratamento permite reduzir
o tempo da doença e prevenir contaminação de outros animais e pessoas.
O tratamento deve ser adequado a cada caso clínico. Dependendo de vários fatores pode incluir
medicação tópica, oral e limpeza ambiental.
O tratamento tópico e oral são igualmente importantes. O tratamento tópico age sobre a haste
pilosa. O tratamento oral age no folículo piloso. A falta de tratamento tópico pode levar a falhas
de tratamento.
O tratamento tópico serve para evitar contágio direto, contaminação ambiental e reduzir o
tempo de tratamento.
No tratamento tópico deve-se usar um antifúngico que pode ser associado à clorhexidina. A
clorhexidina usada isoladamente é pouco eficaz.
TRATAMENTO TÓPICO
Em geral, não é necessário tosquia de corpo inteiro. No entanto, a tosquia poderá ser necessária
em casos de pelagem comprida. A tosquia pode aumentar o numero de lesões em gatos que não
estejam a receber tratamento oral. Se o tratamento oral for instituído antes da tosquia evita-se
a propagação da infeção para outras zonas do corpo.
Em caso de lesões localizadas considere o corte de pelagem em redor da lesão com tesoura ou
máquina de tosquiar.
Este tratamento pode ser adotado em animais que foram expostos a animais infetados para
descontaminação da pelagem.
TRATAMENTO TÓPICO: LIME DIP
Os “dips” são aplicados na pelagem e não são enxaguados. Deve ser aplicados 2x semana
com esponja ou mediante pulverização.
Limeplus® (enxofre) – diluir de acordo com as instrucções (15 – 30ml de produto em 1 litro
de água). O enxofre é um bom anti-fúngico e pode ser usado em gatinhos. É seguro mas é
recomendado aplicação de colar isabelino enquanto a pelagem está a secar.
O produto deve ser diluído antes da aplicação e tem cheiro típico do enxofre. Pode corar a
pelagem branca com tingimento amarelado e secar ligeiramente a pele e as almofadas
plantares. Evitar zona à volta dos olhos.
TRATAMENTO TÓPICO: ENILCONAZOLE
Diluir 20ml de produto em 1 litro de água. Fazer a diluição de fresco antes do tratamento.
Pode causar aumento das enzimas hepáticas se o animal lamber a pelagem molhada.
TRATAMENTO TÓPICO LOCALIZADO
O tratamento focal da lesão pode ser feito com um dip, creme ou mousse.
Em lesões nas orelhas pode ser aplicada diariamente uma preparação cutânea que contenha
clotrimazole, cetoconazole ou miconazole.
As mousses são fáceis de aplicar e estão licenciadas para uso no cão e no gato.
Para lesões na face ou região periocular pode ser aplicado miconazole a 2% para uso ocular.
TRATAMENTOS ORAIS DE ELEIÇÃO
Gato: itraconazole.
Pode ser usado em gatinhos apartir das 10 semanas. Não usar em fêmeas prenhas ou lactantes.
ITRACONAZOLE
Administrar com refeição. A absorção é favorecida pelo gordura presente nos alimentos e pelo
pH ácido do estômago. Não administrar medicamentos que reduzem o pH do estômago
(famotidina, omeoprazol, etc).
Fortemente lipofílica com acumulação nas glândulas sebáceas e tecido subcutâneo. O sebo
permite o tratamento da haste folicular dentro do folículo. Acumula-se na pele durante 4
semanas (efeito prolongado no tempo).
ITRACONAZOLE
Efeitos 2ºs: vómito, anorexia e aumento das enzimas hepáticas. Em caso de tratamento
prolongado, monitorizar enzimas hepáticas cada 3 semanas.
Os efeitos secundários severos estão associados a doses mais altas (10mg/kg) e por períodos de
tempo mais prolongados (tratamento de micoses profundas). No cão, estão reportados casos de
vasculite e ulceração cutânea na dose alta.
TERBINAFINA
Acumula-se na pelagem do gato. O tratamento por ciclos também está reportado nesta espécie.
No gato, a dose mais baixa (10-20mg/kg) está associada a um período de tempo mais prolongado
até à cura.
TERBINAFINA
Existe um caso de reportado de dermatofitose felina por M. canis resistente à terbinafina mas
susceptível ao itraconazole (Hsiao, 2018).
OUTROS TRATAMENTOS
O cetoconazole pode ser usado como alternativa no caso do cão mas é menos eficaz que as moléculas
de eleição e tem mais efeitos secundários. Não é recomendado no caso do gato devido à toxicidade.
Inibidor do citocromo P450. Dose: 5-10mg/kg (cão).
A griseofulvina está associada a baixa eficácia e pode ter efeitos secundários severos e é teratogénica.
Superfícies não porosas: aspirar, lavar com detergente que tenha acção desinfetante. Existem
inúmeros produtos comerciais com acção anti-fúngica.
A lesão nodular mais frequente no cão é o kerion. Este tipo de lesão responde bem ao
tratamento.
A cura é definida como ausência de sinais clínicos e 2 culturas fúngicas negativas com 2
semanas de intervalo.
Entre 5-10 colónias: zona “cinzenta”. Manter o tratamento oral e tópico e repetir cultura
passado 2 semanas.
A vacinação não evita a infeção mas pode diminuir a intensidade dos sinais clínicos.
Eventualmente, pode ser usada como terapia complementar de tratamento. Neste momento,
ainda não está comercializada em Portugal. Em alguns países existe vacina composta por M.
canis e vacina mista com Microsporum e Trychophyton.
CONCLUSÃO
Os sinais clínicos resultam de vários fatores nomeadamente a idade, raça, estado imunitário e
espécie de dermatófito que está a causar a infeção.
O tratamento passa pelo uso de produtos tópicos, medicação oral e limpeza do ambiente.