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Maurício de Novais Reis

AFETOS POÉTICOS

Para o meu filho Mário


Que gosta de mar e de rio
E que alaga a minha vida de alegria.
BIOGRAFIA

Meu nome é Maurício de Novais Reis. Nasci na Bahia, mas cresci


no Espírito Santo. Sou professor de Filosofia na rede estadual de
educação da Bahia e coordenador pedagógico na rede municipal de
Teixeira de Freitas. Tenho graduação em Filosofia e Pedagogia,
além de formação em Psicanálise na linha Freud-Lacan. Tenho
especializações em Teria Psicanalítica, Sexologia, Saúde Mental &
Dependência Química e mestrado em Ensino e Relações Étnico-
Raciais. 

Escrevo desde a infância, tendo meus primeiros textos sido


premiados na escola. Depois de adulto, publiquei os seguintes
livros: não estamos interessados (poesia, CBJE, 2008, 88p.), Um
Crime Passional (romance, CBJE, 2010, 210p.), O Maravilhoso
Mundo de Alice (novela infantojuvenil, MULTIFOCO, 2017, 72p.),
Um Dia de Chuva e Outros Poemas de Amor (poesia,
MULTIFOCO, 2019, 102p.), Ensino de Filosofia: do universo
eurocêntrico ao pluriverso epistêmico (filosofia, EDITORA FI,
2020, 212p.), Epistemologias do Extremo Sul (sociologia,
EDITORA FI, 2021, 301p. - organização) e Pablo despencou da
goiabeira (contos infantojuvenis, MULTIFOCO, 2022, 69p.).
Além disso, possuo diversos artigos acadêmicos e de opinião
publicados em importantes periódicos brasileiros, bem como
possuo diversos textos literários publicados em variadas antologias
impressas e portais de literatura da internet. Entre 2015 e 2017
escrevi semanalmente para a coluna Glossário de Psicanálise, do
Jornal Alerta de Teixeira de Freitas.

Os poemas que integram esta coletânea foram escritos desde o


nascimento do meu filho Mário, em 2010. Líamos os textos antes
de dormir. De lá para cá, alguns poemas foram retirados e outros
foram acrescentados, tornando o estilo heterogêneo. Os poemas
mais recentes parecem estilisticamente mais maduros do que os
mais antigos.
O casamento do jumento

Conheci uma tartaruga


Que adorava casamento
Por isso foi convidada
Pra madrinha do jumento.

Bem na hora do casório


A noiva já estava lá
Mas cadê a tartaruga
Que tardava a chegar?

Conheci também um coelho


Seu nome era Pascoal
Era o padrinho da noiva
E esperava o casal.

Mas a tartaruga não chegava


Por isso o coelho ficou chateado
Disse que desejava
Um casório organizado.

Também se fez presente


A minhoca sonhadora
Veio de terninho fino
Pra ser chamada de doutora.

O jumento protestou:
– quero casar, seu castor!
O castor era o juiz da cerimônia
Estava todo na estica
Com sua esposa, a gata Antônia.
Mas perdeu a paciência:
– prossigamos o casamento
Deste nobre amigo nosso
O senhor jumento.
O menino

O menino ganhou um prêmio.


A mãe do menino falou:
– Compra um livro
Com o dinheiro que você ganhou!

O menino não gostou


Queria mesmo era uma bicicleta
E novamente a mãe aconselhou:
– Filho, você logo verá como livro tem sabor!

O menino ficou triste


Sua mãe o consolou:
– É que a bicicleta, filhinho,
Seu pai já comprou!

O menino então sorriu


E o livro ele comprou
Com o livro e a bicicleta
Pelo mundo inteiro viajou!
Apolo & Mário

Conheci um cãozinho negro


E seu nome era Apolo
Tinha a beleza do deus grego
E esperteza a tiracolo.

Um dia Apolo encontrou


Na rua o menino Mário
Logo ele se tocou
Que o amor é algo primário.

Balançou a sua calda


Em busca de interação
Mário todo retraído
Acariciou-o com a mão.

O menino ficava sorrindo


Apolo pulando de felicidade
Naquele momento lindo
Nascia uma grande amizade.

Mais do que um mascote


Apolo se tornou um irmão
Agora eram dois os filhotes:
Mário e o seu cão.

Apolo era bom de bola


Driblava habilidosamente
Mas o menino reclamava
Que ele furava a bola com os dentes.
Várias bolas foram compradas
Para dar conta do recado
Mas todas foram furadas
Pelo cãozinho estouvado.

Começava uma discussão


Depois tudo se acalmava
Porque Apolo era o cão
Que Mário mais amava.

E como havia cumplicidade


Mário sempre o perdoaria
Apenas virava-se para o pai
E outra bola ele pedia.

E assim continua até hoje:


São traços lindos dessa amizade
Ambos só conseguem ser amigos
Porque vivem em liberdade.
Lugar de criança

Lugar de criança
É na escola,
Ou no campinho do bairro
Jogando bola.
Empinando pipa
Naquele terreno baldio
Que fica a poucos metros
Da casa do tio.

Lugar de criança
É na roda de amigos,
Sem se preocupar
Com nenhum perigo.
Na vizinhança,
Segura,
Lugar de criança
É na travessura.

Lugar de criança
Também é junto da família
Ou brincando sozinha
De ler a cartilha.
Rodando pião
No recreio da escola,
Lendo no mundo
As novas estórias.

Não é no trabalho
O lugar de criança,
A garotada precisa
Ter mais esperança.
Não é na usina
Fazendo carvão.
Mas é com os livros
Aprendendo a ser cidadão.

Lugar de criança
É no colo da vovó
Porque a garotada precisa
Saber que não está só
Adultos precisam
Dar mais atenção
Porque a criança
Só quer afeição.

Lugar de criança
É na brincadeira.
É promovendo esperança
De vida verdadeira
É lendo prosa e poesia
Porque lugar de criança
É onde tem fantasia.
O buraco do sapo

O sapo mora no buraco


Mora no buraco o pobre do sapo
Quando caminha cai no buraco
Porque o buraco é seu ponto fraco.

Caiu no buraco o pobre sapo


Reclamando que não é macaco
Pra pular os obstáculos
Quando não cai, cata cavaco.

Quando sai do buraco


Sempre fica resfriado
Mesmo usando casaco
É um sapo gripado.

Comeu um mosquito
E ficou engasgado
Com um desconforto infinito
No intestino delgado.

O sapo cansou de cair no buraco


Cansou dessa vida o coitado do sapo.
Buraco aqui, buraco acolá,
Lá vem o novamente o sapo
Só pra despencar.
O pintinho medroso

O pintinho era amarelo


Mas tinha um sonho dourado:
Queria ir ao cinema
E conhecer a rua do outro lado.
Pobre do pintinho
De sonho tão tresloucado!
Quando atravessou a rua
Acabou sendo atropelado.

Quebrou uma das patas


Mas ainda sobreviveu
O resto do galinheiro
Como sempre o acolheu
Cuidaram do ferimento
Que logo ficou curado
Mas quem disse que o pintinho
Continuou animado?

Contarei um segredo
Bem baixinho:
O pintinho amarelinho
Ficou roxinho de medo.
O Galo Cocoricó

O galo cocoricó
Cantava em cima do muro
E a raposa (vejam só!)
Espiava o galo no escuro.
Gato Pacato

O gato que é esperto


Mia quase em sussurro
Tem olhos bem atentos
E enxerga no escuro.

Mais bonito que meu gato


No mundo inteiro não há
É manhoso e pacato
E só dorme no sofá.
Brincadeira de Criança

Criança que se presa


Adora uma brincadeira
Pega-pega, pipa e bola
Alegra a escola inteira.

Roda pião com os colegas


Joga ioiô, gude e bambolê
Brinca de cabra-cega
Se diverte pra valer.

Criança que se presa


Adora fazer amigos
Cuida bem dos animais
No coração faz seu abrigo.

Criança que se presa


Defende o meio ambiente
Cuida bem da natureza
Ama animais e gente

Criança que é criança


Não dispensa sobremesa
Mesmo enchendo a pança
Quer doce de framboesa.
Menina distraída

A menina distraída
Sabe cuidar da própria vida:

Não precisa de caminho


Nem de vento pro moinho.

A menina distraída
Não conhece a saída:

Procura qualquer estrada


Mesmo que não leve a nada.

A menina exibida
Não percebe que é querida:

Ou prefere ser ignorada


Ô, menina lesada?

A menina distraída
Não percebe que é aguerrida:

Não precisa ser resgatada


Porque sabe ser prevenida.
Diálogo

O burro espiava da janela


E se perguntava, todo prudente:
Se capim fosse rico em ferro
Burro teria dor de dente?

O cavalo então respondia


Num sotaque descontente:
Pros dentes não tem problema
Mas enferruja a barriga da gente.

Foi então que começou


O alvoroço entre a bicharada
O macaco indagava
Se banana engordava.
O tamanduá, arrependido
De comer tanta formiga
Vez por outra ponderava:
Vão roer minha barriga.

O coelho decidiu
Parar com a discussão
Falou para os amigos
Que era a lei da alimentação
Deu uma aula de bom senso
Mas no fundo tinha preocupação:
Se o ferro enferruja
Vou comer só pimentão.
A festa dos bichos

O rinoceronte foi ao ortopedista.

O furão entrou no buraco.

O ramster encontrou um sapo.

E a coruja consultou o dentista.

O leão é o rei da floresta.

O burro, a casa do carrapato.

O buraco fica sempre mais fundo.

Tem cachorro que é vagabundo.

Todos os animais se encontraram na floresta.

Onde o rei leão deu uma baita festa.

Os bichos gostaram de tudo.

O coelho era o mais orelhudo.

A galinha foi ao cinema.

E o cavalo escrevia poemas.

A coruja conversava com o elefante.


E todos, felizes, brindaram com refrigerante.
O gato e o elefante.

Desenhei um elefante
E nele coloquei
Um rabinho de barbante
Não sei se ele gostou
Mas minha professora
Na hora aprovou.

Fiz depois um gatinho chinês


Comendo macarrão
Com palitinho japonês
Então me disseram que era italiano
Fiquei inculcado
Com tamanho engano.

Peguei o elefante e apresentei ao gato


Eles ficaram amigos
De fato
O gatinho sorria feliz
E a professora gostou
Dos bichinhos que eu fiz.
Vovô Manfredo

O vovô Manfredo é careca


Diz que é campeão de peteca
Mas jogar o vovô nem inventa
Sempre perde a dentadura quando tenta.

Esse meu pobre vovô é uma graça


Quando perde os óculos faz pirraça
Gosta mesmo é de contar estórias
De quando era jovem as glórias.

Sempre reclama da viuvez


Mas diz que é campeão de xadrez
Aposto que ele nem sabe jogar
Mas estórias gosta de contar

Seus ditos são muito sérios


Pois o vovô faz aquele mistério
Nunca reclama da vida
Pois sabe que é divertida.

Ele está muito velhinho


Quase sempre fala sozinho
Como é esperto esse vovô
Diz que pratica judô

Mamãe às vezes ralha


Quando o vovô atrapalha
A gente estudar para a prova

Com um vovô desses


Que instiga nosso interesse
Só tiramos dez na escola.
O caqui do Quico

Quico queria comer caqui


Perguntei ao Quico que caqui queria
Disse que não queria nenhum caqui
Mas que qualquer kiwi servia.

Fiquei que não cabia em mim


Com o calundu do Quico
Quico, decida-se logo, sim?
Que caqui que você quer?
Quico quase corou acabrunhado
Quico não quer caqui qualquer.

Que moleque mais confuso.


O que quer o Quico aqui?
Pode até não querer nada
Mas Quico quer comer kiwi.
Que caqui quer o Quico?
Que caqui o Quico quer?
O Quico quer caqui a quilo
Aquilo o Quico já não quer
Quico quer comer kiwi.
O menino azul

Era um menino
Muito maluquete
Todo mundo pensa
Que ele usa capacete
Porque seu corpo
Mais parecia um alfinete
Mas diz que é campeão
De skate.

É um menino
Muito desengonçado
De velocípede
Turbinado
Tem o nariz vermelho
Que é muito engraçado
Diz que é campeão
De corrida de cágado.

Pobrezinho do menino azul


Era tão estranho e especial
Disse que veio do sul
Pilotando sua nave espacial.
Fui à França

Fui à França fazer festa


Fiz na França a festança
Fantasias de festejos
Fantasia em plena França.

Fui à França fazer frevo


Na Finlândia não faria
Fazia frio na Frevolândia
A França faz filosofia.

Fui a Fiji fazer frevo


Nas Filipinas não fazia
Não faz frio na Frevolândia
Fazia festa à fantasia.

Fui à França fazer festa


Em Fiji fiz filosofia
Filosofar entre os festejos
Que na França não faria.

Filipinas na festança
Franco freio à fantasia
Fiji, Finlândia e França
Fazem frevo na folia.
Criança Inteligente

A criança inteligente
Respeita a natureza
Sabe que os olhos da gente
Necessita da beleza.

Não contamina o solo


Tampouco polui os rios
Sempre encontra consolo
Nas constelações de Crios.

Quando olha para os céus


Percebe o brilho das estrelas
Ainda que os arranha-céus
Tentem escondê-las.

Mas o brilho continua lá


Atravessando o universo
As estrelas vêm nos ensinar
A respeitar o que é diverso.

Porque crianças são estrelas


Com seu brilho luminoso
Têm sempre presente nelas
Algo de misterioso.

Acreditam no mistério
Dos sonhos encantados
Sendo levadas a sério
Serão adultos equilibrados.
A criança inteligente
Respeita a diversidade
Ama animais e gente
Trata a todos com bondade.

Cuida bem dos animais


Que são seres inocentes
Sabe que a dor nos bichos
É parecida na gente.

A criança inteligente
Gosta de ouvir estórias
Convive com o diferente
Sem ser discriminatória.

Respeita a humanidade
Independente da cultura
Raça, cor e religiosidade
Não definem sua postura.

Porque sabe muito bem


Que toda gente tem valor
Não se deve julgar ninguém
Com base na sua cor.

Como seres conscientes


E dotados de razão
Que a humanidade se oriente
Pelo amor no coração.

A criança inteligente
Faz planos para o futuro
Com seu coração e mente
Deseja um mundo seguro.

Deseja à humanidade
Um futuro de esperança
Que veja a realidade
Pelos olhos das crianças.
O menino astronauta

O menino astronauta
Tinha medo de escuro
Sonhava em tocar flauta
E viajar para o futuro

Queria era inventar


Uma máquina do tempo
Para a todos demonstrar
Seu grandioso talento

Também queria participar


De uma grande orquestra
E sua flauta poder tocar
Durante os dias de festa

Pelo atributo artístico


Também seria musicista
Unindo assim ao místico
O seu dom de cientista

Estudar era parte do processo


Então tornou-se astronauta
Enquanto viajava pelo universo
Recitava versos e tocava flauta

Navegava pelo universo


Em sua pequena nave espacial
Recitando milhares de versos
Para o espaço sideral
As estrelas o encantavam
Enchendo-o de felicidade
As luzes que o iluminavam
Eram fótons de verdade

De repente aconteceu
Uma ruidosa explosão
E uma rosa colorida
Invadiu a expansão

O menino se espantou
Com aquela supernova
Sua nave se desviou
Para uma nebulosa

Mas a luz que se expandia


Fez o menino perceber
Que o cosmo é bem maior
Do que a gente pode ver

Enquanto a poeira se dissipava


O menino olhava os planetas
Suavemente a nave flutuava
Pelas órbitas dos cometas

Com inteligência genial


Viu os átomos interagindo
E sua dança gravitacional
Formava um panorama lindo

Os elétrons ficavam orbitando


Ao redor do núcleo magnético
O menino ia testemunhando
Aquele milagre cinético

Planetas continuavam rodando


Em volta de um eixo invisível
Suas órbitas demarcando
O movimento previsível

Cada sistema solar


Abriga variados planetas
Mas pra vida poder sustentar
É preciso condições perfeitas

Contudo, às vezes parecia caótico


Nem tudo se mostrava ordenado
A energia dinâmica era o protótipo
Do deslocamento retratado

Olhava cada meteorito


Completamente perplexo
Ao cosmo circunscrito
Neste devir complexo

Meteoros e corpos celestes


Colidiam em movimento
E o menino intergaláctico
Vislumbrava um novo tempo

Ao atravessar a Via Láctea


Finalmente avistou a terra
Ficou até sem palavras
Com o azul da atmosfera
O céu mergulhado em beleza
Sob as partículas de brilho solar
É o estribilho da mãe natureza
Para uma música espetacular

Naquele momento o menino intuiu:


Cuidar da natureza é uma necessidade
Porque num mundo degradado e vazio
Não pode sobreviver a humanidade

Havia conhecido outros mundos


Mesmo assim voltou para casa
Sua viagem só durou um segundo
Não foi patrocinada pela NASA

Era como se os seus sonhos


Estivessem todos realizados
Das dobraduras do espaço
Sua nave tinha voltado

Navegando entre as estrelas


O menino sentiu-se seguro
Agora é um grande aventureiro
Não tem mais medo do escuro.
Menino Autista

A professora advertiu:
– não chore o leite derramado!
Flavinho ainda não conseguiu
Desvendar o significado
Ele não consegue entender
O sentido figurado
Porque é apenas um menino
Diferenciado

Na comunicação ideal
Não se usa expressão figurada
Tudo deve ser literal
Para evitar compreensão equivocada

Quem cochicha o rabo espicha


Tempestade em copo d’água
Isso o deixa com preguiça
E sem palavras

Estamos em cima da hora


Galinha que nada com pato morre afogada
Ele busca na memória
Mas não relaciona nada

Flavinho já estava meio zarolho:


– em cima da hora?
– Pra bom entendedor... o quê?
Até agora não conseguia entender.

Ele não sabia, embora criativo


Que seu cérebro funciona diferente
Não entende nada de figurativo
Só o que é dito literalmente
Isso não quer dizer
Que não seja inteligente
Mas sua forma de compreender
Está em outro referente.

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