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A arte de contar histórias

ess a jornada em busca de como contar histó-


rias, reunimos aqui algumas técnicas que, apli-
cadas à prática, podem se transformar em caminhos,
tendo em vista a sabedoria de pessoas que pensam
sobre a tradição oral, e sua generosidade em não limi-
tar ou determinar regras e procedimentos.
O trabalho que faremos é o de burilar histórias, e
isso tem a ver literalmente com o verbo, que signifi-
ca aprimorar, apurar e ficar indelevelmente na me-
mória (decor_ação). A partir disso, nos conectamos
com você, que está na mesma sintonia buscando
compartilhar saberes através do experimento des-
sa formação sobre o ofício do contador de histórias,
abrindo caminhos para aprofundarmos a nossa “es-
cutatória”, como diria o grande mestre Rubem Alves.
Então, senhoras e senhores, sejam bem-vindos
ao fabuloso mundo do “Era uma vez...”
Primeiro momento
O ritual ou pescando o
coração pela orelha
Quando começamos a contar histórias, sentimos a necessi-
dade de modificação dos espaços. Não basta estar ali pela his-
tória apenas, quando as crianças são pegas de surpresa, com
um novo espaço, um ambiente diferenciado, mesmo que de
forma simples como tapete no chão, as cadeiras em roda ou
até mesmo ouvindo histórias deitadas olhando para o céu, elas
tendem a prestar mais atenção. Nesse momento, acontece um
evento para ouvir histórias, e isso contribui um bocado para a
concentração delas no que o contador diz.
Tratando a história com respeito e devoção, as
crianças serão instigadas a terem a mesma intenção
com o momento de escuta.
Walter Benjamin, em seu texto “O Narrador” nos diz:
“quanto mais o ouvinte se esquece de si mesmo, mais
profundamente se grava nele o que é ouvido” (1936,
pág. 205).
Então, modificar os espaços (internos e externos)
com criatividade pode transportar nossos ouvintes
para espaços diversos, e promover, inclusive, a inter-
nalização do conto narrado.
Outro aspecto importante vivenciado nessa jornada
de contar e ouvir histórias por aí é a preparação para
a escuta.
Entendemos que a história, muitas vezes, traz
consigo informações importantes no seu início, por
exemplo: características das personagens, um confli-
to, nomes ou algo de suma importância. Deixar passar
despercebidos tais detalhes pode atrapalhar o enten-
dimento da narrativa, influenciando na concentração
do ouvinte para a história. Pensando nisso, sugerimos,
antes de começar a história, o que chamamos de pes-
car da escuta.
É possível estabelecer uma relação com o ouvinte
antes da história, intuir a energia que ela traz ou, até
mesmo, acalmar os ânimos, caso eles estejam agita-
dos por alguma atividade.
A ideia de pescar o ouvido através do coração sur-
ge justamente disso, uma intervenção que contribuirá
para o início da história que irá começar daqui a pou-
co, pode ser uma brincadeira ou canção. Essa, inclusi-
ve, pode ser uma excelente sugestão para estreitar os
laços do ouvinte com o contador, como uma permis-
são para a verdadeira escuta.
Segundo momento
Cacarecos e histórias, como é possível
utilizar objetos contando histórias
Uma das coisas mais fascinantes no ser humano é seu poder
de imaginação.
Olhar para um pedaço de tecido verde e encontrar ali um
jardim florido de um gigante bonzinho ou, até mesmo, ver um
frasco de perfume se transformar em uma bela princesa são
recursos que todo ser humano, seja ele pequeno ou grande, é
capaz de fazer quando bem estimulado!
Instigar essa capacidade de criação contando histórias com
objetos é a chance que todos temos de tentar ir além das palavras.
O contador que deseja criar esse universo no seu mo-
mento de contar, pode utilizar objetos para conversar, se
comunicando, também, de uma forma visual com seus
ouvintes.
É possível mencionar, ainda, o quanto os objetos po-
dem contribuir com a performance do contador, referin-
do-se aquelas histórias cheias de detalhes e momentos
diferentes, que podem nos confundir durante a narração
com tantos detalhes. Nessas situações, podemos notar o
quanto trabalhar com objetos pode facilitar, pois a partir
deles é possível sistematizar a ordem dos acontecimentos
na história, ajudando, inclusive, na memorização da crono-
logia dos fatos.
Ressaltamos, também, a importância de utilizar objetos
que conversem com o enredo da história, não necessaria-
mente o objeto precisa ser exatamente como é a persona-
gem. Por exemplo, ao contar uma história de um sapo que
gostava de comer frutinhas, não é necessário usar um sapo
de pelúcia, seja ele o mais encantador e bonito que for.
Justamente por pen-
sar que cada um tem
o direito de ver o seu
sapo na história para
contá-la, sugerimos
de preferência usar
algum objeto verde,
assim com uma boa
manipulação e propriedade da história que será contada. As-
sim, será possível acessar as imagens de cada ouvinte de acor-
do com suas referências pessoais de um sapo.
É como ler um livro e ver o filme da mesma história, é difícil
estar contente com a visão do diretor, não porque ele tenha
sido pobre em detalhes ou ruim como profissional, mas sim-
plesmente porque na nossa primeira visão a nossa imaginação
é diferente, e tem a ver com nossas referências, o que torna o
nosso olhar único.
É importante citar que nenhum objeto deve ser maior do
que a intenção de contar a história pela história. Não recomen-
damos escolher um objeto e tentar encaixá-lo, formatá-lo em
qualquer narração, o processo inverso é melhor recomendável.
O objeto pode nos ajudar a compor a performance da nar-
ração em si, porém é arriscado utilizá-lo apenas como adorno,
superficialmente ou deixá-lo acima da narrativa, apenas no in-
tuito de ter audiência, quando na realidade a mensagem que
perpassa a história é, e sempre será, maior e mais importante
que qualquer artifício para o conto.
Terceiro Momento
Músicas e sons, uma paisagem
sonora nas histórias
Uma das coisas mais incríveis nesse vai e vem dentro do
universo de contadores de histórias é a maneira de utilizar a
música para compor a narrativa.
Reparem que as músicas sempre trazem para as histórias
algo a mais, então por que não começar a buscar isso para a
nossa prática? A música é poderosa para contar histórias.
É notável o poder que ela tem de juntar as pessoas, condu-
zi-las às suas referências individuais no momento de escuta do
conto. Seja para começar ou terminar a história, como um som
que ilustra uma personagem ou situação, seja de fundo, canta-
da ou apenas instrumental, a música traz também um pouco de
cor para a história.
Uma história não depende de música para ser bem contada,
nem vice e versa. Porém, se há esse desejo, se ao estudar a his-
tória alguma canção nos vem à mente, por que não aproveitar-
mos a voz da intuição?
As músicas nos criam uma espécie de paisagem sonora, e é
brilhante essa imagem, justamente por ser simples e completa.
Quando vemos uma paisagem, nos alimentamos daquelas
informações, daquelas cores que vêm do externo para o interno.
A paisagem sonora tem o mesmo intuito, porém seu caminho
é inverso, muitas vezes vindo de dentro para fora, estimulando
internamente os nossos ouvintes, contribuindo para acessar, in-
clusive, a fonte imagética de suas memórias.
O momento agora é com você!
Depois de todo esse debruçar sobre a arte, é possível
acreditar que encantar o mundo através da arte de nar-
rar histórias, sejam elas com objetos ou sem, com músi-
ca ou sem, é sim uma linda proposta para essa jornada
na educação.
O trabalho do contador de histórias é admirável na
contemporaneidade. É importante salientar o seu au-
toconhecimento para a busca de sua formação, sendo
essa uma valiosa fonte de recursos e elementos para que
o contar aconteça em sua totalidade, e que essa planta
cresça, oferecendo a todos ricos nutrientes para trans-
formações pessoais.
Contar histórias hoje é, acima de tudo, a possibilida-
de de reacender as referências das pessoas, em meio a
toda essa turbulência que vivemos, onde a informação é
abundante, mas o olhar, a troca no real (físico) está cada
vez mais distante de todos.
O acesso a fantasia para trazer à tona a realidade, pode
ser o mote para a nossa evolução como seres humanos,
pois a fantasia, o lúdico, o nosso imaginário contribuem
para tornar as pessoas mais encantadas.
Essa é a intenção da Ciranda na Escola, trazer encan-
tamento através das histórias, e esperamos nos juntar a
vocês durante essa missão.
Para um mergulho mais profundo,
algumas referências:
AVELAR, Gislayne Matos – A palavra do contador de histórias. São Paulo: Editora WMF
Martins Fontes, 2014.
AVELAR, Gislayne Matos e SORSY, Inno – O ofício do contador de histórias. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2013.
BENJAMIN, Walter – Obras Escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Edi-
tora Brasiliense, 1936.
BEDRAN, Beatriz Martini - Ancestralidade e contemporaneidade das narrativas orais: A
arte de cantar e contar histórias, Niterói, 2010.
GIRARDELLO, Gilka – Uma Clareira no Bosque: Contar histórias na escola, São Paulo:
Editora Papirus, 2014.
LARROSA, Jorge Bondía – Notas sobre a experiência e o saber de experiência, Univer-
sidade de Barcelona, 2002.
ORASSI, Kelly – Teia de Experiências, Contadores de Histórias: Em busca de uma iden-
tidade poética. São Paulo: CSMB, 2013.
MACHADO, Regina – A arte da Palavra e da escuta. São Paulo: Editora ReviraVolta, 2015.

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