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Políticas para refugiados nos contextos internacional e brasileiro

do pós-guerra aos dias atuais∗

Julia Bertino Moreira♣

Introdução

No cenário internacional atual, grandes transformações econômicas,


tecnológicas, sociais e políticas foram geradas pela reestruturação do processo de
produção, que resultou no aumento da mobilidade do capital, de bens e pessoas. As
migrações internacionais, voluntárias ou forçadas, retratam esses fluxos de pessoas
através das fronteiras nacionais, que vêm se acentuando nas últimas décadas (SASSEN,
1988).
A questão das migrações, relativa àqueles que abandonam seus países de origem,
por diversos motivos, e se dirigem a outros Estados, ganhou destaque especialmente
pelo significado dos fluxos, considerando a inserção dos países de origem e de destino
no processo de reestruturação econômica internacional. Com o acirramento das
desigualdades sócio-econômicas regionais, pessoas passaram a deixar países em
desenvolvimento rumo a países desenvolvidos (caracterizando um movimento Sul Æ
Norte) (PATARRA; BAENINGER, 1995).
As migrações forçadas ou involuntárias, em contrapartida, referem-se a
refugiados (além de outras categorias), que são obrigados a abandonar seus lares em
situações de conflitos, por questões religiosas, étnicas, políticas ou econômicas. Os
conflitos colocam em risco a vida, liberdade e segurança da população civil, ou, ainda,
grupos e indivíduos que apresentam etnias ou religiões minoritárias no país ou opiniões
políticas divergentes do governo, estando sujeitos, assim, a sofrer ameaças ou efetivas
perseguições. A violência desencadeada pelos conflitos também gera violações aos
direitos humanos dos civis atingidos, que necessitam de ajuda humanitária
internacional.
Diante dessas situações, os deslocados internos e refugiados se diferenciam dos
migrantes voluntários por não terem escolha entre se deslocar ou permanecer em seus
países, enquanto estes optam por migrar em função de uma série de fatores,
especialmente para melhorar suas condições econômicas. Por outro lado, os deslocados
internos são considerados um grupo distinto dos refugiados por se movimentarem
dentro de seus países, visto que não conseguem transpor as fronteiras nacionais, o que
acontece não só em situações de conflitos, mas também por impedimentos geográficos
e ambientais. Em função disso, o número de deslocados internos gira em torno de 12,8
milhões de pessoas e quase se equipara ao de refugiados, aproximadamente 14,2
milhões de pessoas1 (CASELLA, 2001; ACNUR, 2007b; UNRWA, 2006).
Além dos conflitos, os problemas decorrentes de desastres naturais, como
inundações, terremotos, secas, furacões, vêm acentuando os fluxos migratórios.
Todavia, a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 não contempla
pessoas que se deslocam em função de catástrofes ambientais, nem de fatores


Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu-
MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008.

Doutoranda em Ciência Política pela UNICAMP, mestre em Relações Internacionais pelo Programa
San Tiago Dantas/UNICAMP, graduada em Ciências Sociais pela UNICAMP e em Direito pela PUC-SP.
1
Este número foi obtido somando-se os 4,3 milhões de refugiados palestinos sob o mandato da United
Nations Relief and Works Agency for Palestinian Refugees in the Near East (UNRWA) aos 9,9 milhões
de refugiados sob mandato do ACNUR (ACNUR, 2007b; UNRWA, 2006).

1
econômicos, considerando apenas aqueles que fogem por questões políticas. Assim,
pessoas que poderiam ser considerados refugiados ambientais se enquadram na
categoria dos deslocados internos.
Em razão do elevado número de pessoas que se deslocam e dos motivos que os
levam a fazê-lo, destacando-se questões humanitárias e conflitos, que se acirram no
mundo, o problema dos refugiados afeta as relações internacionais e impele
organizações internacionais a buscar soluções para essa questão, a partir do
comprometimento dos Estados com o regime internacional para refugiados.
Nesse ponto, é importante registrar que as soluções duráveis implementadas
para os refugiados são: a repatriação voluntaria, a integração local e o reassentamento.
Através da primeira, o indivíduo é mandado de volta ao seu país; por meio da segunda,
é acolhido pelo país no qual ingressou, após ser reconhecido como refugiado; e, pela
terceira, é enviado a um terceiro país.
A repatriação voluntária consiste na solução mais difícil, porém, na maioria das
vezes, é desejada pelos refugiados, que pretendem retomar suas vidas em seus lares,
onde encontram suas raízes e se identificam. Também é freqüentemente almejada pelos
países de acolhimento e incentivada pelo ACNUR, que busca o apoio destes e dos
países de origem para auxiliar na operação. Todavia, ante as perseguições e efetivas
violações dos direitos desses indivíduos, que os levaram a deixar seus Estados de
origem, o retorno não deve ocorrer se essas razões ainda subsistirem (ANDRADE,
1996a).
Por sua vez, a integração local possibilita ao refugiado reconstruir sua vida em
outro país, que conta com o auxílio (inclusive financeiro) do ACNUR para promover
esse processo de inserção. Porém, esta solução também acarreta algumas dificuldades
no tocante à adaptação do refugiado à nova sociedade na qual será inserido, uma vez
que esta pode representar uma cultura (com hábitos, crenças e tradições) diversa da de
sua origem. Ao mesmo tempo, a sociedade acolhedora pode não se revelar receptiva
aos refugiados, sobretudo em virtude das diferenças culturais entre eles (ANDRADE,
1996a).
Por fim, o reassentamento se trata da transferência do refugiado, em razão de
uma série de fatores, para um terceiro país, onde deverá ser inserido. Dentre eles,
destacam-se: o país de acolhida abriga um grande contingente de refugiados e não tem
condições de prover assistência a todos; o país no qual o indivíduo ingressou decidiu
não acolhê-lo; a vida do refugiado se encontra em risco no país de acolhida, seja porque
este não consegue fornecer o tratamento médico ou medicamento de que necessita, seja
porque continua sofrendo ameaças ou perseguições neste; o refugiado não conseguiu se
adaptar ao país de acolhimento ou deseja se reunir a familiares que residem em outro
país (ANDRADE, 1996a, p. 40).
Traçadas essas linhas iniciais sobre o tema dos refugiados, passaremos a
analisar adiante como esta questão foi tratada internacionalmente desde o pós-guerra
até os dias contemporâneos.

Os refugiados como tema internacional

A questão dos refugiados se configurou no contexto internacional a partir do


pós-guerra, tendo em vista que a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) causou o
deslocamento de mais de 40 milhões de pessoas no interior da Europa. As
movimentações de pessoas ocasionaram uma preocupação internacional,
principalmente aos países aliados (EUA, URSS, França e Reino Unido)
(HOBSBAWM, 1995; ACNUR, 2000).

2
Em função disso, no ano de 1951, a Organização das Nações Unidas (ONU)
decidiu criar um órgão subsidiário2 responsável pela proteção dos refugiados e por
encontrar soluções para eles: o Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados (ACNUR). Ainda celebrou o principal instrumento internacional referente
aos refugiados: a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, que trouxe a
definição de refugiado conhecida como clássica, aplicável a qualquer pessoa

que, em conseqüência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro


de 1951, e receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça,
religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões
políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa
ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele país; ou
que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua
residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude
do dito receio, a ele não queira voltar (ACNUR, 1996a, p. 61).

De acordo com a Convenção, os termos “acontecimentos ocorridos antes de 1º


de janeiro de 1951” (o que se designou de reserva temporal) poderiam ser entendidos
de duas maneiras: em primeiro lugar, como aqueles que tiveram lugar na Europa (o que
ficou conhecido por reserva geográfica); e, em segundo lugar, como aqueles que
tiveram lugar na Europa ou fora desta. Caberia ao Estado-parte escolher a interpretação
que julgasse mais adequada, mediante declaração feita quando da assinatura, adesão ou
ratificação do instrumento. Além disso, a qualquer momento, o Estado que tivesse
adotado a primeira fórmula (mais restritiva) poderia, mediante comunicação ao
Secretário-Geral da ONU, adotar a segunda delas, que abarcava um grupo maior de
pessoas na definição de refugiado (ACNUR, 1996a).
A definição de refugiado dada pela Convenção apresentava duas restrições, uma
de cunho temporal, outra de caráter geográfico. É interessante notar que o problema dos
refugiados era concebido a partir da Segunda Guerra Mundial e como restrito ao
continente europeu, entendendo-se que seria resolvido durante o pós-guerra. Também
não se pode perder de vista que esta questão estava sendo tratada no âmbito da
incipiente Guerra Fria. Assim, as limitações da Convenção eram estratégicas e
motivadas por interesses geopolíticos dos países ocidentais. Isso porque, segundo
Matas (1993), a Convenção foi originalmente delineada por estes países para prover
refúgio aos anti-comunistas que fugiam do Leste europeu nesse período (CONLEY,
1993; HATHAWAY, 1993).
Ainda em 1951, foi criado o Comitê Consultivo para Refugiados, estabelecido
pelo Conselho Econômico e Social da ONU (ECOSOC). Este escolheu para fazer parte
do Comitê Consultivo quinze Estados que haviam recebido grande contingente de
refugiados gerados pela Segunda Guerra Mundial e demonstrado interesse e devoção
para solucionar seus problemas. Pouco depois, em 1957, a Assembléia Geral da ONU
decidiu criar o Comitê Executivo do ACNUR, que foi estabelecido pelo ECOSOC em
1958, iniciando suas atividades em 1959 (ACNUR, 2001).
Ademais, no decorrer da década de 1960, a descolonização afro-asiática
provocou novos fluxos de refugiados. Em face disso, percebeu-se a necessidade de se
alterar o texto da Convenção, por ser inaplicável aos acontecimentos posteriores a 1º de
janeiro de 1951. Dessa forma, em 1967, elaborou-se o Protocolo sobre o Estatuto dos

2
Dois anos antes, em 1949, a ONU havia criado um organismo distinto, a UNRWA, dedicado apenas aos
refugiados palestinos, acolhidos no Líbano, na Jordânia, Síria, Cisjordânia e Faixa de Gaza (ACNUR,
2000).

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Refugiados, que pôs fim à chamada reserva temporal da Convenção (ACNUR, 1996b;
Idem, 2000).
No cenário latino-americano, os anos 1970 e 1980 marcaram-se por governos
ditatoriais em vários países da região, que foram palco de conflitos armados por
motivos políticos, provocando um movimento de mais de 2 milhões de deslocados
(ANDRADE, 1998). Nesse contexto, em 1984, celebrou-se a Declaração de Cartagena,
que trouxe uma definição ampliada de refugiado. Através desta, incluíram-se nessa
categoria pessoas que deixaram seus países porque sua vida, segurança ou liberdade
foram ameaçadas em decorrência da violência generalizada, agressão estrangeira,
conflitos internos, violação maciça dos direitos humanos ou outras circunstâncias que
perturbaram gravemente a ordem pública (DECLARAÇÃO, 2001).
Nos anos 1990, com o fim da Guerra Fria, acreditava-se que os conflitos no
mundo diminuiriam e, conseqüentemente, o número de refugiados. Todavia, não foi
isso que se constatou; ao contrário, houve uma intensificação de conflitos étnico-
religiosos, provocando um aumento da população refugiada mundial, que passou de
aproximadamente 14 milhões a 18 milhões de pessoas entre 1989 e 1992 (ACNUR,
2000). A partir disso, constata-se que as migrações internacionais constituem um
problema que gera implicações no âmbito governamental e demanda a elaboração de
políticas pelos países de destino (BAENINGER, 2003).

Políticas para refugiados no contexto internacional

Inicialmente, é relevante mencionar que as políticas imigratórias contêm duas


partes: 1) política de regulação ou controle imigratório: abrange regras e procedimentos
que regulam a seleção e admissão de estrangeiros; 2) política para imigrantes e
refugiados: trata das condições dadas aos imigrantes residentes (condições de trabalho,
moradia, educação e assistência social) (MEYERS, 2000).
As abordagens teóricas da Ciência Política e das Relações Internacionais
utilizadas para se compreender política imigratória são variadas. A corrente voltada
para políticas domésticas (também chamada de pluralista) analisa a influência dos
grupos de interesse sobre as políticas imigratórias adotadas pelo Estado. O
institucionalismo burocrático enfoca o papel estatal (sobretudo de seus órgãos
burocráticos) na elaboração de tais políticas. Por fim, o realismo parte do pressuposto
de que conflitos interestatais e questões de segurança influenciam a adoção de políticas
imigratórias e se preocupa com a relação entre política externa e migração internacional
(MEYERS, 2000).
Com base na perspectiva realista, predominante no cenário internacional da
Guerra Fria (e ainda sustentada por alguns países desenvolvidos), as decisões políticas
em matéria de refugiados se fundamentam, sobretudo, pelos interesses nacionais (que
envolvem questões econômicas, políticas, considerações humanitárias e preocupações
com segurança), defendidos na política externa. Assim, enquanto os refugiados
propiciarem interesses políticos, econômicos, sociais ou culturais e não constituírem
um perigo à segurança, os países optam por seu acolhimento. No entanto, se
representarem pesados encargos sociais e econômicos, desvantagens políticas e
apresentarem traços culturais distintos da comunidade local e, assim, tornando-se uma
ameaça, recusam-se a abrigá-los.
As políticas adotadas pelos países ocidentais refletiram essa lógica dos
interesses e, ao mesmo tempo, revelaram uma mudança política ao longo das décadas,
com base no redirecionamento do sentido dos fluxos migratórios. Durante o pós-guerra,
estes países decidiram receber grande contingente de europeus que fugiam dos países

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socialistas do Leste, em função de interesses econômicos (suprir mão-de-obra barata e
abundante), político-ideológicos (descreditar o regime comunista, no embate entre as
duas superpotências e seus blocos, no âmbito da Guerra Fria) e similitude cultural com
as sociedades acolhedoras (já que a maioria era composta por refugiados europeus,
enquanto africanos e asiáticos chegavam em números menores) (caracterizando um
fluxo predominantemente Norte Æ Norte). A partir de meados dos anos 1970, após a
crise do petróleo, com acentuação nas décadas posteriores, a conjuntura se alterou,
diante da recessão econômica nestes países, do enfraquecimento da disputa política-
ideológica entre Estados Unidos e União Soviética e da chegada em peso de africanos,
asiáticos e latino-americanos, ocasionando um choque cultural com a comunidade local
(apontando uma inversão também nos fluxos: Sul Æ Norte).
É válido apontar que o fim da Guerra Fria ensejou a perda do significado
político que os refugiados representavam, passando a ser tidos como um pesado
encargo sócio-econômico e concebidos pelo viés da alteridade, constituindo, com isso,
um perigo para as sociedades acolhedoras, com base na percepção de ameaça que elas
começaram a desenvolver frente a eles. Essas questões fizeram com que os refugiados
fossem cada vez mais mal vistos pelas comunidades locais, que passaram a adotar
atitudes discriminatórias e xenófobas, dificultando o processo de integração.
Concomitantemente, os países desenvolvidos fechavam suas fronteiras, tendência que
se mantém contemporaneamente, redirecionando os fluxos para o sentido Sul Æ Sul
(KHAN, 1986; FELLER, 2001).
Por outro lado, especialmente a partir do cenário pós-Guerra Fria, a
intensificação dos fluxos transfronteiriços de capitais, bens e pessoas vem causando
uma interdependência na política internacional, tornando os atores mutuamente
dependentes em diversos assuntos. Embora existam assimetrias entre eles, que
influenciam suas relações, promove-se a cooperação com o escopo de substituir os
conflitos internacionais, num ambiente voltado para o multilateralismo. A partir da
interdependência complexa, considera-se a existência de múltiplos atores (além dos
Estados, as organizações internacionais, dentre outros), as relações transnacionais (não
apenas interestatais) e uma agenda internacional dedicada a novos temas globais (dentre
os quais os direitos humanos e as migrações internacionais). Ainda passou a haver uma
confusão das linhas entre política doméstica e política externa, aumentando as questões
relacionadas com a última (KEOHANE; NYE, 2001).
As instituições internacionais ganharam relevo, definidas por Keohane (1989)
como os conjuntos de regras formais e informais persistentes e conectados, que
prescrevem papéis comportamentais, constrangem atividades e moldam expectativas.
Segundo o autor, abarcam tanto organizações intergovernamentais, deliberadamente
constituídas pelos Estados com regras explícitas e tarefas específicas, capazes de
monitorar suas atividades, quanto regimes internacionais, conceituados como
instituições com regras explícitas, concordadas entre os governos, relativas a assuntos
particulares nas relações internacionais.
No que se refere aos refugiados, observa-se a existência de uma organização
internacional designada para o grupo (ACNUR) e de regimes de alcance internacional
(Convenção de 1951, modificada pelo Protocolo de 1967) e regionais (dentre eles, o
latino-americano, dado pela Declaração de Cartagena de 1984). Nota-se que a
cooperação nessa área é incentivada por organizações internacionais, sobretudo pela
ONU, e se dá principalmente entre países de uma mesma região. A título de
exemplificação, na América Latina, com a Declaração de Cartagena em 1984, os
Estados decidiram resolver os problemas dos refugiados por meio da cooperação
regional. Com relação aos regimes de refugiados, definidores das normas e dos

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princípios que devem ser respeitados internacionalmente, é importante frisar que nem
sempre os Estados os cumprem, tendo em vista seus interesses próprios. Assim, o
Estado pode se revelar comprometido com a causa dos refugiados, demonstrando
disposição em cooperar ao ratificar estes instrumentos, mas pode decidir não acolhê-los
em seu território. Nesse sentido, é preciso observar como as políticas são colocadas no
discurso e na prática, percebendo os interesses que as orientam.
Partindo dessa idéia, analisamos a política adotada pelo Brasil para os
refugiados após a Segunda Guerra até os dias atuais a partir de três períodos distintos: o
pós-guerra (1945-1963); a ditadura militar (1964-1985); e a redemocratização (1986-
2008). Ainda procuramos distinguir as políticas implementadas durante os governos de
Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-).

Políticas para refugiados no Brasil

O Brasil buscou se comprometer com o regime internacional para refugiados


estabelecido pelo sistema ONU desde o pós-guerra, ao assinar a Convenção de 1951 no
ano seguinte à sua elaboração e ao atuar frente à organização internacional designada
para o grupo. Isso se observa à medida que o país acolheu 40 mil europeus em 1954 e,
em função disso e por ter demonstrado interesse e devoção para solucionar os
problemas dos refugiados, foi escolhido pelo Conselho Social e Econômico para fazer
parte do Comitê Consultivo do ACNUR. É membro original do seu Comitê Executivo
desde 1957, composto por representantes de países que têm demonstrado maior grau de
compromisso com a causa dos refugiados, e que aprovam, anualmente, os programas do
ACNUR e suas diretrizes em matéria de proteção aos refugiados. Também foi o
primeiro país da América do Sul a ratificar a Convenção de 1951 no ano de 1960 e
aderiu ao Protocolo de 1967 em 1972. No entanto, o Brasil optou pela reserva
geográfica, que reconhecia como refugiados apenas europeus, limitando o acolhimento
de refugiados em seu território (ACNUR, 2005a; Idem, 2005c; ZARJEVSKI, 1987;
COMISSÃO JUSTIÇA E PAZ, 1994).
A decisão de aderir à reserva geográfica deve ser analisada à luz da política
imigratória brasileira adotada na época, que considerava a vinda de europeus um fator
de progresso para o país tanto no plano social e étnico-cultural quanto econômico. Isso
pode ser apreendido a partir de alguns documentos, como os decretos-lei n. 7.967 de
1945 e n. 9534 de 1946, que mencionam a admissão de imigrantes com o intuito de
“preservar e desenvolver as características de ascendência européia na composição
étnica da população” e “atender à necessidade de mão-de-obra” na indústria e
agricultura. Com isso, os imigrantes (incluindo refugiados) eram selecionados na
Europa antes de embarcarem para o Brasil, segundo alguns critérios, como aptidão para
o trabalho, qualificação profissional e seu estado de saúde (LOBO, 1950; BRASIL,
1945; BRASIL, 1946).
Ao mesmo tempo, esta política para refugiados se relaciona com a política
externa adotada neste período, sob o paradigma realista. Com o início da Guerra Fria, o
Brasil se aliou ao bloco ocidental e, em razão disso, o governo de Getúlio Vargas
(1951-1954) adotou uma política externa marcada pelo alinhamento aos EUA. O seu
objetivo era manter laços de cooperação com a superpotência, a fim de obter capital
para promover o desenvolvimento nacional (CERVO; BUENO, 2002, p. 269-273).
Com base nessas diretrizes, entendemos que a decisão de acolher refugiados europeus,
especialmente dos países de Leste, governados por regimes socialistas, também servia
para ajudar a descreditar o bloco soviético. Dessa forma, a política para refugiados

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implementada pelo governo brasileiro seguia os passos da política adotada pelos países
ocidentais no pós-guerra.
Nesse primeiro período, observa-se que o Brasil demonstrou comprometimento
com a questão dos refugiados, ao participar de organismos voltados para eles, assinar e
ratificar seu principal instrumento internacional e acolher um número significativo de
europeus. Todavia, a adoção da reserva geográfica apontava o interesse por parte do
governo brasileiro de receber somente refugiados europeus e com objetivos específicos.
Assim, os benefícios (sociais, étnico-culturais e econômicos) proporcionados pela vinda
dessas pessoas eram tidos como superiores aos gastos envolvidos no processo de
integração, fatores que fundamentavam a decisão em prol do acolhimento.
A atuação do Brasil frente aos refugiados se alterou após o golpe militar de
1964, com a instituição do regime ditatorial no país, ancorado na perspectiva da
segurança nacional e de forte influência realista. Muitos brasileiros fugiram, ao mesmo
tempo em que latino-americanos chegavam em busca de refúgio. Em virtude da reserva
geográfica, estes obtinham apenas o visto de turista, que permitia a estadia provisória
de noventa dias, enquanto aguardavam para serem reassentados em outros países.
A decisão de manter a reserva geográfica e de conceder estadia provisória aos
não-europeus foi fruto de um acordo entre o governo brasileiro e o ACNUR, que
iniciou sua missão no Brasil em 1977. Instalou-se um Escritório no Rio de Janeiro
(reconhecido oficialmente pelo governo somente em 1982), com a função de reassentar
cerca de 20 mil sul-americanos (dentre eles, argentinos, uruguaios, chilenos e
paraguaios) em países desenvolvidos, principalmente da Europa, EUA, Canadá,
Austrália e Nova Zelândia. Nessa época, a Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro
(CARJ) iniciou o atendimento a refugiados, recebendo-os até que o ACNUR
conseguisse um país de reassentamento (ANDRADE, 1996; ALMEIDA, 2001;
COMISSÃO JUSTIÇA E PAZ, 1994; SPRANDEL; MILESI, 2003). É valido apontar
que a decisão do governo de não acolher refugiados latino-americanos era
fundamentada por um impedimento jurídico (a existência da reserva geográfica à
Convenção). Todavia, entendemos que esta decisão se pautava por uma questão política
não declarada: o recebimento de pessoas que fugiam de outros regimes ditatoriais
poderia deslegitimar o governo brasileiro. Assim, este utilizava o empecilho jurídico
para justificar um risco político.
Em 1979, com a anistia concedida pelo governo Figueiredo (1979-1984), no
contexto do processo de abertura política lenta, gradual e segura, exilados e refugiados
políticos retornaram ao país. Ao mesmo tempo em que brasileiros faziam o caminho de
volta à terra natal, 150 vietnamitas e dezenas de cubanos foram assistidos pela
Comissão de Justiça e Paz (CJP) e pela Cáritas Arquidiocesana de São Paulo (CASP).
A partir de 1984, permitiu-se a estadia no território nacional por período não limitado,
até que se efetuasse o reassentamento (ANDRADE, 1996; ALMEIDA, 2001;
COMISSÃO JUSTIÇA E PAZ, 1994; SPRANDEL; MILESI, 2003).
Nota-se que, durante o regime da ditadura militar, houve um retrocesso em
relação à política para refugiados implementada pelo Brasil, tendo em vista que o
número de pessoas acolhidas diminuiu significativamente. Isso se articula com a
preocupação com a segurança nacional, sob o paradigma realista, que marcou a política
externa do período (GARCIA, 1997). Nesse momento, as desvantagens políticas se
somavam aos encargos econômicos que os refugiados representavam, levando a uma
decisão de fechamento de fronteiras e controle imigratório. Somente após a lei da
anistia, adotaram-se medidas que indicavam novamente um comprometimento com a
questão dos refugiados.

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A redemocratização política, em 1985, possibilitou uma retomada do tratamento
dado à questão dos refugiados pelo país. No ano seguinte, com o auxílio do ACNUR,
50 famílias de fé Bahá´í, provenientes do Irã, foram acolhidas pela aplicação do
estatuto de asilados. Em 1989, o Brasil retirou a reserva geográfica, passando a acolher
refugiados de todos os continentes. Além disso, embora o governo não tenha assinado a
Declaração de Cartagena, passou a aplicar a definição ampliada de refugiado desde
então. Entre 1992 e 1994, aproximadamente 1.200 angolanos, que chegaram ao país em
busca de refúgio em razão do período conturbado das eleições na Angola, foram
reconhecidos com base nesta definição. Ainda em 1994, estabeleceu-se formalmente o
Centro de Acolhida para Refugiados pela CASP (ANDRADE, 1996; ALMEIDA, 2001;
COMISSÃO JUSTIÇA E PAZ, 1994; SANTOS, 2003).
Os anos 1990 compreenderam um período de transição para a construção de
uma nova ordem internacional, enfocando-se a interdependência, busca de cooperação,
emergência de novos temas globais e o multilateralismo nas relações internacionais.
Esse cenário pós-Guerra Fria se refletiu na política externa do governo de Fernando
Henrique Cardoso (1994-2002), voltada para a participação em foros multilaterais e em
prol dos temas globais, como o dos direitos humanos. A política externa também se
caracterizou pela adesão aos regimes (dentre eles, de direitos humanos), atuação frente
às organizações internacionais, com a pretensão de se tornar membro permanente do
Conselho de Segurança da ONU (embora não tenham sido envidados muitos esforços
para concretizá-la). Além disso, a fim de obter ganhos políticos e econômicos,
prezaram-se as relações com países em desenvolvimento, países africanos, priorizando-
se os da América do Sul, sendo que as coalizões para cooperação Sul-Sul ganharam
destaque no final do governo (CERVO; BUENO, 2002; VIGEVANI; CEPALUNI,
2007; SOARES DE LIMA, 2005).
Nesse contexto, observou-se um salto no número de refugiados reconhecidos
pelo país, passando de 322 para 1.042 pessoas (após o recebimento de 720 angolanos)
em 1994. Nessa época, o procedimento de refúgio funcionava da seguinte forma: o
ACNUR realizava entrevistas com os solicitantes, proferia sua decisão e a comunicava
ao Ministério das Relações Exteriores (MRE) (vale lembrar: órgão burocrático
incumbido de formular política externa), que a confirmava e a transmitia ao Ministério
da Justiça (MJ) (ANDRADE, 1996; COMISSÃO JUSTIÇA E PAZ, 1994).
Pouco depois, o Brasil foi o primeiro país da região a elaborar uma legislação
nacional para refugiados, a Lei Federal n. 9.474 de 1997. O Programa Nacional de
Direitos Humanos de 1996 havia previsto a elaboração de projeto de lei para
regulamentar o estatuto dos refugiados como proposta de ação governamental a ser
executada em curto prazo. A rápida aprovação pelo Congresso Nacional do Projeto de
Lei n. 1936/96, formulado com a colaboração técnica do ACNUR, deveu-se também à
pressão exercida pela Igreja Católica, através das Cáritas e do Instituto de Migrações e
Direitos Humanos (IMDH) (ANDRADE, 1996; Idem, 2002; COMISSÃO JUSTIÇA E
PAZ, 1994; SPRANDEL; MILESI, 2003).
A lei brasileira se insere nos marcos dos regimes internacional e regional para
refugiados, contemplando em sua definição de refugiado tanto os motivos clássicos de
refúgio (dados pela Convenção de 1951) quanto os ampliados (dados pela Declaração
de 1984):

Será reconhecido como refugiado todo individuo que:


I – devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião,
nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, encontre-se fora de seu
país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal
país;

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(...)
III – devido à grave e generalizada violação de direito humanos, é obrigado
a deixar seu país de nacionalidade para buscar refugio em outro país
(BRASIL, 1997).

Dessa forma, a lei nacional é considerada inovadora e avançada, não só por


conta desta definição abrangente, mas também por ter criado um órgão colegiado para
analisar e julgar os pedidos de refúgio: o Comitê Nacional para Refugiados
(CONARE). Presidido pelo MJ e vice-presidido pelo MRE, ainda é formado por
representantes dos Ministérios do Trabalho, da Saúde, da Educação e do Desporto, do
Departamento da Polícia Federal e por um representante da sociedade civil (CASP e
CARJ, que se alternam no posto, e IMDH, que atua como suplente). O ACNUR tem
direito a voz, mas não a voto. Cabe ao Ministro da Justiça proferir a decisão final em
matéria de refúgio (BRASIL, 1997).
Com isso, houve uma mudança no processo decisório de refúgio: o ACNUR
perdeu peso político, abrindo-se espaço para instituições domésticas e o governo (a
partir de seus órgãos burocráticos) assumiu maior poder decisório. A participação do
ACNUR somente como supervisor deste processo faz parte de seus propósitos, posto
que procura incentivar a mobilização da sociedade civil para trabalhar em prol dos
refugiados e atua no país até que este esteja capacitado para assumir por si só essa
questão. Assim, o arranjo institucional do CONARE consolida a estrutura tripartite que
já estava sendo montada desde meados de 1970 no Brasil, reunindo os principais atores
em relação aos refugiados: instituições domésticas (Cáritas e IMDH), organização
internacional (ACNUR) e governo brasileiro (representado por seus órgãos burocráticos
e presidindo o CONARE) (LEÃO, 2003).
Nesta estrutura do CONARE, percebe-se a exclusão dos refugiados acolhidos
no país, que não participam como atores neste processo decisório. Em nosso entender,
os refugiados não conseguem exercer pressão frente ao governo, a ponto de influenciar
suas decisões, porque constituem um pequeno grupo sem força política em meio à
população local (cerca de 3.500 pessoas dentre quase 184 milhões de brasileiros). Além
disso, a existência de um pequeno número de refugiados no Brasil decorre do controle
de entrada de imigrantes realizado pelo governo, por questões de segurança e pelas
condições sócio-econômicas de integração do país.
É preciso observar também que os atores constituídos defendem determinados
interesses quanto à admissão de refugiados. As Cáritas e o IMDH, por serem
instituições religiosas, fundadas na solidariedade e preocupadas com questões
humanitárias, objetivam abrigar o maior número de pessoas que precisem de proteção.
O ACNUR, organização igualmente pautada pela ajuda humanitária internacional,
busca obter a cooperação dos Estados em relação aos refugiados, negociando a
recepção deles de acordo com as condições postas pelo governo. Este, por sua vez,
orienta sua decisão nessa matéria com base em: interesses políticos, econômicos e de
segurança estabelecidos na política externa; tradição do país em refúgio, incluindo
questões humanitárias; e sua capacidade econômica e social para absorvê-los. Assim, a
disputa de interesses entre os atores e as pressões exercidas pelas instituições
domésticas e organização internacional em face do governo (que possui maior peso
político neste processo decisório) se desenrolam na arena institucional do CONARE.
A legislação nacional ainda previu o reassentamento como solução durável para
refugiados, além da integração local e do repatriamento. Com base nisso, em agosto de
1999, o Brasil assinou um acordo com o ACNUR instituindo o Programa de
Reassentamento Solidário, destinado a refugiados que continuaram sofrendo ameaças,
sendo perseguidos ou que não conseguiram se adaptar no primeiro país de refúgio. O

9
primeiro grupo recebido pelo país era composto por 23 afegãos, que foram instalados
em Porto Alegre em 2001. Essa operação de reassentamento teve a coordenação do
CONARE, a participação do ACNUR e a colaboração da Associação Antonio Vieira do
Rio Grande do Sul e do Centro de Orientação e Encaminhamento de Porto Alegre
(CENOE). Dois anos depois, foram acolhidos mais 75 colombianos, provenientes da
Costa Rica e do Equador, pelos estados do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e
São Paulo (PNUD, 2004; ONU, 2007; DOMINGUEZ e BAENINGER, 2006, p. 6-7;
PONTE NETO, 2003, p. 167).
É interessante notar que o programa de reassentamento se concretizou numa
conjuntura em que os países desenvolvidos implementavam políticas imigratórias
restritivas, marcando-se pelo fechamento de fronteiras, o que levou ao
redirecionamento dos fluxos para o sentido Sul Æ Sul. Da mesma forma, coincidia com
as diretrizes da política externa brasileira, voltadas para a cooperação internacional,
defesa dos direitos humanos, atuação frente às organizações internacionais, relações
com países em desenvolvimento e da América do Sul.
Durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a partir de 2003, promoveram-
se ajustes e mudanças de programas em relação à política externa de seu antecessor,
Fernando Henrique Cardoso. Com isso, suas diretrizes mantiveram: o multilateralismo,
a cooperação, a defesa dos direitos humanos, a adesão aos regimes e o respeito às
organizações internacionais; porém enfatizaram a cooperação Sul-Sul e aproximação de
países em desenvolvimento (incluindo parceiros não tradicionais, como Ásia e Oriente
Médio) e países africanos de língua portuguesa, com o escopo de obter vantagens
políticas e econômicas. Acentuaram-se as aspirações em torno da reforma do Conselho
de Segurança da ONU (empreendendo-se mais esforços para tanto, a exemplo da
missão brasileira enviada para a operação de paz no Haiti), do papel de destaque na
região e entre países em desenvolvimento (VIGEVANI; CEPALUNI, 2007; SOARES
DE LIMA, 2005).
No ano seguinte, em reunião realizada na Cidade do México para celebrar os
vinte anos da Declaração de Cartagena, elaborou-se o Plano de Ação do México,
adotado por vinte países da América Latina. Por iniciativa do representante do governo
brasileiro, criou-se o Programa Regional de Reassentamento Solidário, a fim de
proteger os refugiados que fugiam de conflitos e perseguições na região e, ao mesmo
tempo, ajudar os países que acolhem grande contingente de colombianos. Este
programa atualmente beneficia cerca de 200 refugiados colombianos. É importante
frisar que o programa de reassentamento regional se coadunava com o novo sentido dos
fluxos de refugiados, bem como era compatível com as diretrizes de política externa,
sobretudo a ênfase na cooperação regional.
Ademais, entre setembro e outubro do ano passado, o Brasil recebeu cerca de
100 palestinos, provenientes de um campo de refugiados na Jordânia, pelo Programa de
Reassentamento Solidário. As operações de reassentamento são financiadas pelo
ACNUR, de modo que sua execução depende da disponibilidade de recursos da
organização internacional. Esta tem privilegiado ações em países de origem de
refugiados, da região e países em desenvolvimento, diante das políticas restritivas
adotadas pelos países desenvolvidos. O Brasil não possui cotas anuais pré-fixadas para
reassentados e envia missões aos países de primeiro refúgio para avaliar a viabilidade
dos refugiados serem instalados no território nacional. O ACNUR e o governo
brasileiro destinam verbas às Cáritas e seus parceiros, que provêem ajuda de
subsistência, moradia e curso de português aos refugiados e os auxilia na busca de
emprego (novamente se fazendo presente a estrutura tripartite). Atualmente, o Brasil é

10
o 12º país que mais reassenta refugiados no mundo (DOMINGUEZ e BAENINGER,
2006, ACNUR, 2006).
Nesse sentido, o Brasil vem se destacando pela sua atuação frente aos
refugiados. O ACNUR o considera um líder regional nessa matéria, com capacidade de
ajudar a prevenir a intensificação de conflitos na região que possam resultar em novos
fluxos. Também reconhece o seu comprometimento com a proteção dos refugiados e
entende ser exemplar o tratamento que lhes é dado no país, tanto em termos de
legislação quanto dos esforços empregados para a integração (ONU, 2007; ACNUR,
2004; Idem, 2006; Idem, 2005b). Isso mostra que a relação do Brasil com a organização
internacional vem se estreitando, o que atende especialmente ao seu objetivo de se
tornar membro permanente no Conselho de Segurança.
O Brasil acolhe atualmente 3.492 refugiados de 69 nacionalidades distintas
(dentre os quais, os maiores grupos são de angolanos, colombianos e congoleses) e
recebeu 864 solicitações de refúgio ao longo de 2006, das quais 208 foram aceitas e
102 foram arquivadas pelo CONARE, apresentando uma taxa anual de reconhecimento
de refugiados em torno de 30%. As iniciativas para a inserção dos refugiados são
levadas a cabo preponderantemente pela sociedade civil, embora também haja
participação do ACNUR e do governo brasileiro nesse processo (o que remete à
estrutura tripartite). É valido apontar que o governo passou a subsidiar parte do auxílio
fornecido pelo ACNUR aos refugiados acolhidos aqui. Em 2007, destinou R$ 680 mil
de seu orçamento ao MJ, que o repassou ao CONARE (ACNUR, 2004; Idem, 2007b;
Idem, 2007c).
As Cáritas, funcionando como Centro de Acolhida para Refugiados, auxiliam
solicitantes de refúgio, desde que chegam ao país até a decisão final sobre seus pedidos,
e refugiados já reconhecidos. Contam o apoio de várias instituições (como SESC,
SENAI e SENAC, entre outras), com as quais estabeleceram parcerias para concretizar
o acolhimento dos refugiados, a partir de três frentes de atuação: proteção, assistência e
integração. A proteção se refere à situação jurídica do estrangeiro no país, abrangendo o
procedimento de refúgio da formulação do pedido ao julgamento pelo CONARE. A
assistência abrange moradia, alimentação, saúde e educação. Os solicitantes de refúgio
e refugiados são incluídos, de modo geral, nas políticas públicas existentes para a
população local, embora existam algumas políticas diferenciadas, como: o atendimento
especializado em hospitais de São Paulo (Clínicas) e do Rio de Janeiro (Servidores); o
programa de saúde mental para solicitantes de refúgio financiado pelo CONARE; o
abrigo público de São Paulo; as bolsas de estudo para refugiados em universidades
(dentre elas, UFMG e UFJF). Já a integração inclui o aprendizado da língua portuguesa
e a inserção de solicitantes e refugiados no mercado de trabalho (ACNUR, 2007a;
MEC, 2007; SANTOS, 2003; SPRANDEL; MILESI, 2003).
Por fim, em novembro de 1997, criou-se o Comitê Estadual para os Refugiados
de São Paulo (CER), com o objetivo de promover políticas de assistência, inclusão
social e garantia a direitos humanos aos refugiados residentes no estado. A sua estrutura
institucional se espelha na do CONARE. É presidido pela Secretaria da Justiça e Defesa
da Cidadania e composto por representantes das Secretarias estaduais da Casa Civil,
Economia e Planejamento, Habitação, Assistência e Desenvolvimento Social, Emprego
e Relações do Trabalho, Educação, Saúde, Relações Institucionais, Cultura e Segurança
Pública. Também participam: dois representantes de organizações não-governamentais
que trabalhem com refugiados e o ACNUR, apenas com direito a voz. Em seu arranjo
institucional, o CER conferiu maior representatividade à sociedade civil em
comparação com o CONARE, mas perpetuou a ausência de participação dos refugiados

11
no processo decisório (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2007a; Idem,
2007b).

Considerações Finais

As políticas para refugiados adotadas no Brasil desde o pós-guerra aos dias


atuais estiveram atreladas às questões externas, especialmente à conjuntura
internacional que motivou as decisões políticas levadas a cabo pelos países
desenvolvidos, e às dinâmicas dos fluxos migratórios. A partir de meados da década de
1970, com intensificação após a redemocratização, passaram a envolver também
questões internas, principalmente em função da atuação de instituições domésticas e da
organização internacional designada para os refugiados.
No período do pós-guerra, o país se demonstrou comprometido com essa
questão, inserindo-se no incipiente regime internacional para refugiados, em função de
interesses internos e de fatores externos. A política brasileira para refugiados seguiu a
política dos países ocidentais, assentada nos mesmos interesses econômicos, político-
ideológicos e estratégicos, embora com um interesse interno diferenciado de caráter
social e étnico-cultural.
Durante a ditadura militar, a política brasileira em relação aos refugiados se
alterou substancialmente, tendo em vista que o Brasil deixou de ser um país acolhedor
para se tornar um país de origem de refugiados. Com isso, houve um recuo em
comparação ao período anterior.
Com a redemocratização, especialmente a partir da década de 1990, diante do
cenário internacional pós-Guerra Fria e da nova conjuntura política interna, retomou-se
a postura de compromisso com a questão dos refugiados. Em nosso entender, o governo
decidiu ampliar o acolhimento de refugiados nesse momento, com o intuito de se
projetar como um país voltado para a cooperação em matéria de migrações, no contexto
de multilateralismo nas relações internacionais. Essa decisão também se pautou pelo
baixo custo que os refugiados representam, por se tratar de uma população pequena,
que conta com a ajuda e prestação de serviços de instituições domésticas privadas e
não-governamentais, e porque o ACNUR financia, em parte, a implementação do
programa de reassentamento. Em função desses fatores de âmbitos interno e externo,
nota-se que, neste período, ocorreram os maiores avanços em relação ao tratamento dos
refugiados pelo Brasil.
Todavia, é importante diferenciar as políticas para refugiados adotadas durante
o governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) de Luiz Inácio Lula da Silva
(2003-). A atuação do governo atual se orientou não só por uma continuidade dos
trabalhos iniciados pelo seu antecessor como por um comprometimento maior com essa
questão, o que se evidencia pela manutenção do programa solidário de reassentamento,
mas também pelas iniciativas de se estabelecer o programa regional de reassentamento
e de financiar o auxílio fornecido aos refugiados.
Quanto ao processo decisório brasileiro em matéria de refugiados, três atores
participam dentro da arena institucional do CONARE, conformando a chamada
estrutura tripartite: o ACNUR, o governo brasileiro e a sociedade civil (através de
instituições domésticas, como as Cáritas, dentre outras). No entanto, salta aos olhos que
os refugiados não foram constituídos como ator doméstico nesta estrutura e, em virtude
disso, não conseguem exercer pressão a ponto de influenciar as decisões
governamentais que lhes dizem respeito. Além disso, percebe-se que, se o processo
decisório é controlado pelo governo, os esforços para a integração local se devem,
sobretudo, à atuação da sociedade acolhedora, em especial das instituições domésticas

12
envolvidas no processo de inserção. A organização internacional (ACNUR) também
trabalha de forma ativa, dando suporte à estrutura tripartite por ela idealizada.
Por fim, a recente criação do CER demonstra um compromisso maior do
governo paulista frente aos refugiados, em relação aos demais estados do país, e aponta
para a formulação de políticas estaduais específicas para o grupo. É imprescindível
analisar, contudo, se estas políticas, caso sejam elaboradas, atenderão às necessidades
dos refugiados, que, afinal, são os objetos a que se destinam.

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