Você está na página 1de 19

1

Guia prático de redação da monografia jurídica

2 Escolha do tema

Independentemente do tipo de trabalho a ser realizado, o primeiro passo é


definir o tema. Como diz Lao-Tsé “uma viagem de mil léguas começa com o primeiro passo”1.
Não é exagero dizer que a escolha do tema, na realização do trabalho, é o passo mais
importante. Não são raros os alunos que no Mestrado e no Doutorado trocam de tema. O
problema é que a depender do tempo decorrido, não é viável a troca. Por isso, é comum que o
fracasso na realização de um bom trabalho se dê pela escolha equivocada do tema. Algumas
dicas podem facilitar a empreitava. Vamos a elas.

2.1 Assunto predileto

A escolha do tema pressupõe a escolha do assunto. Meu primeiro conselho


é: escolha um assunto (e depois um tema) que você goste! Aqui há um problema a ser
contornado. Minha experiência indica que a maioria esmagadora das pessoas que cursam
Direito não gosta de Direito, acha-o chato, enfadonho. Tenho até uma regra prática sobre isso:
se você lê um livro de Dogmática Jurídica por prazer, você gosta de Direito. Enfatizo: num
domingo chuvoso, se for uma atividade prazerosa ler um livro jurídico — qualquer que seja
ele, desde que seja jurídico —, você, de fato, gosta de Direito. Se não for, não se engane: sua
felicidade não estará na atividade jurídica. Você poderá até enriquecer, ou até obter muito
prestígio acadêmico ou social com o Direito — há milhares de profissionais e professores
famosos que, apesar de brilharem intensamente na seara jurídica, não gostam de Direito —,
mas não será feliz pelo exercício da atividade jurídica.
Para você, que não gosta de Direito, realizar um bom trabalho jurídico é mais
difícil, mas nem por isso impossível. Pelo contrário! Lembre-se: muitos que brilharam — e até
intensamente — na área do Direito, acham-no, no fundo, enfadonho, e mesmo assim
conseguiram escrever ótimos textos jurídicos. Sem embargo, é óbvio: se você gosta de Direito,
tudo ficará mais fácil.

______________
1
LAO-TSÉ. Tao te king. Tradução de Huberto Rohden. 12. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993, poema 64, p.
161.
2
Guia prático de redação da monografia jurídica

Dito isso, suponha-se que você escolheu fazer Direito porque considerou a
melhor opção, tendo em vista as possibilidades oferecidas no mercado de trabalho, e quis fugir
das atividades de exatas e de biológicas. Você jamais pegou ou pegará um livro de Direito para
ler pelo mero prazer. Se este é seu caso, o conselho se mantém: mesmo para quem o Direito é
chato e enfadonho, ainda assim certos assuntos são mais atrativos do que outros. Por isso,
reitero: ao final do Curso de Direito você deverá escrever uma monografia de final de curso.
Este é um bom início: escolha a matéria que você mais gosta!
Do mesmo modo ocorre com a monografia de final de especialização, a
dissertação de mestrado e a tese de doutorado. Por que o aluno escolheu se matricular, por
exemplo, no Curso de Mestrado em Direito Administrativo ou de Civil ou fazer Especialização
em Direito contratual ou em Direito Urbanístico? O melhor motivo é o gosto: escolheu a área
porque gosta dela.
Podem-se, contudo, supor várias outras razões. É possível que a atividade
profissional desempenhada tenha sido o fator primordial da escolha. O aluno, por exemplo,
passou a trabalhar num escritório especializado em Direito Administrativo e, por isso,
matriculou-se num curso de pós-graduação nessa área. Não é o melhor motivo, mas é um
motivo bastante comum. Não importa: a escolha do tema do seu trabalho sempre deve ser
definida pelo seu gosto pessoal. Ainda que você tenha optado pelo mestrado em Direito
Administrativo por razões profissionais, escolha, dentro desse campo, o assunto que você mais
gosta! Em relação ao doutorado, o campo de atuação é, em geral, o mesmo do Mestrado. É
mais fácil inovar em assuntos que você tem predileção. Minha dica é: escolha o assunto por
critérios subjetivos ou, mais precisamente, escolha assuntos que você tenha predileção.
Em decorrência dessa dica, há um erro a evitar: não solicite ao orientador um
tema a ser desenvolvido. O orientador vai lhe dar o tema que ele — orientador — gosta. Ou
pior: vai lhe dar o tema que ele gostaria de ler, ainda que ele próprio não tenha condições de
enfrentá-lo. Quase nunca acontece de o orientador apresentar um tema tendo em vista o gosto
e a capacidade do orientando. O resultado é desastroso! Após o pedido, e a indicação do
orientador, o aluno sente-se vinculado à proposta que lhe foi apresentada. Tenta, muitas vezes
à exaustão, realizá-la, apesar de não gostar do tema, ou não ter condições — por falta de
inspiração, ideias, reflexão prévia sobre o assunto — de enfrentá-lo. Lembro-me de um(a)
amigo(a) que cometeu esse erro: pediu, no doutorado, que o orientador lhe propusesse um tema
a enfrentar. O professor atendeu seu pedido dano início a seu sofrimento. Mais de um ano
3
Guia prático de redação da monografia jurídica

depois, eu disse ao doutorando(a): desista desse tema, escolha um que você goste! Tudo se
resolveu: meu amigo(a), após conversar com seu orientador e acertar a troca de tema, acabou
produzindo uma tese excelente e foi aprovado(a) com louvor.
Assim, escolha o assunto e o tema a partir de suas inclinações subjetivas —
de suas predileções, de seu gosto. Não cometa o erro de solicitar a terceiro um tema, pois este
lhe dará um tema do gosto dele. Fixado isso, há outros fatores a serem considerados na escolha
do tema.

2.2 Assunto pertinente ao respectivo curso

Em relação à Especialização, ao Mestrado e ao Doutorado, há uma


importante restrição a ser observada, quando da escolha do assunto (e do tema). Quem iniciou
mestrado em Direito Administrativo, por exemplo, deve fazer uma dissertação de mestrado em
Direito Administrativo. Já vi acontecer de a pessoa fazer mestrado numa área e apresentar
trabalho em outra área totalmente diferente. O triste é que, por complacência do orientador, o
discente obteve a titulação na área em que se matriculou. Trata-se de um equívoco a evitar: se
se matriculou no mestrado em Direito Administrativo, a Dissertação, por evidente, deve ser
sobre Direito Administrativo. Do mesmo modo, se se matriculou em Direito Civil, Direito
Processual, Direito Penal, a monografia deve versar, respectivamente, sobre Direito Civil,
Direito Processual, Direito Penal. Se está fazendo uma especialização em Direito Urbanístico,
sua monografia de final de curso deve versar sobre Direito Urbanístico. Nesses casos, a própria
matrícula já delimita o assunto.
O ponto de partida é se indagar: no que consiste o campo dogmático
escolhido. A título de exemplo, suponha-se que o aluno se matriculou no mestrado em Direito
Administrativo. O ponto de partida é definir no que consiste o “Direito Administrativo” e, por
extensão, quais os assuntos abarcados por ele. Apenas para ficar nesse exemplo, para mim o
Direito Administrativo é um direito estatutário, no sentido de que é o estatuto da Administração
Pública: é o direito que disciplina a Administração Pública, sua organização, suas atividades
etc.2 Diante disso, a responsabilidade civil de uma pessoa jurídica de direito privado que não

______________
2
Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Princípio da liberdade das formas no Direito Administrativo. In:
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio; FERRAZ, Sérgio; ROCHA, Silvio Luís Ferreira da; SAAD, Amauri
Feres. Direito administrativo e liberdade. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 641-687.
4
Guia prático de redação da monografia jurídica

esteja no exercício de função pública, por exemplo, não é assunto próprio do Direito
Administrativo. Ao revés, é indiscutível tema dessa seara jurídica a responsabilidade civil do
Estado ou de quem lhe faça as vezes no exercício da função administrativa. Essa ressalva — a
escolha de um assunto próprio da subárea do curso em que o aluno se matriculou — leva a uma
importante restrição inerente à escolha do tema.
Há um expediente prático: consulte os principais manuais e cursos da
respectiva matéria. Neles encontram-se os assuntos que dizem respeito a ela. Deve-se escolher
um desses assuntos. Pois bem: se a especialização ou o mestrado é em Direito Administrativo,
veja o sumário de um Curso — v.g., o Curso de Direito Administrativo de Celso Antônio
Bandeira de Mello3. Ali estão os assuntos que dizem respeito ao Direito Administrativo.

2.3 Do assunto ao tema e do tema ao título

Escolhido o assunto, deve ser escolhido um tema. Este não se confunde com
o título, mas está diretamente relacionado com ele. Enquanto o tema é o objeto da monografia,
o título é a sua denominação. Apesar da diferença conceitual, o título deve espelhar da melhor
forma possível o tema; o ideal é que o indique de modo direto e preciso. Por um lado, não deve
possuir palavras insuficientes para expressá-lo; por outro não deve possuir palavras
desnecessárias. O título perfeito é o que possui o número de palavras exatas para identificar o
tema da monografia.
A diferença entre o assunto e o tema é a amplitude: o tema é mais específico
do que o assunto. Se a monografia diz respeito ao Direito Administrativo (assunto); diz respeito
ao serviço público (assunto), diz respeito à permissão de serviço público (assunto), resta definir
qual será seu tema, que é mais específico: “natureza da permissão de serviço público”,
“permissão de serviço público e precariedade”. Outro exemplo: responsabilidade civil do
Estado é um assunto relativo ao Direito Administrativo. São temas referentes a esse assunto:
“nexo causal na responsabilidade civil do Estado”, “excludentes de imputação na
responsabilidade civil do Estado”; “responsabilização do servidor público em face da
responsabilização civil do Estado”; “responsabilidade civil do Estado na concessão de serviço
público”.
______________
3
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 33. ed. São Paulo: Malheiros,
2016.
5
Guia prático de redação da monografia jurídica

Erro a evitar: “títulos genéricos” devem ser descartados. Expressões como:


“aspectos geras” ou “principais aspectos” importam num tema mal elaborado. Suponhamos
que se queira escrever sobre “ação popular”. Não se deve jamais adotar os seguintes títulos:
“Aspectos controversos da ação popular” ou “Questões fundamentais da ação popular”. O tema
exige especificidade: a) “Revisão da ação popular em decorrência da ampliação constitucional
de seu objeto”; b) “Ação popular em face de ato jurisdicional”; c) “Ação popular por violação
à moralidade administrativa”.
Erro a evitar: não se deve adotar “frases longas” como título. O ideal é
restringi-lo a, no máximo, duas linhas. Essa diretriz abrange o título e o subtítulo. Este é
facultativo e é posposto ao título mediante o sinal de dois pontos. Por força da diretriz da
máxima precisão, o subtítulo é excepcional; só deve ser utilizado quando o título seja
insuficiente para a cabal identificação do tema. Como exemplos de subtítulo pode-se
mencionar: a) “Processo administrativo tributário: das decisões terminativas contrárias a
Fazenda Pública”, dissertação de mestrado de Luiz Fernando Mussolini Junior; b) “Os
regulamentos e as exigências da legalidade: estudo sobre a viabilidade dos regulamentos
delegados no ordenamento jurídico brasileiro”, dissertação de mestrado de Flavio José Roman;
c) “Participação popular na Administração Pública: as audiências públicas”, dissertação de
Alessandra Obara Soares da Silva.
O fato de o tema ser específico não significa que ele não seja vasto. Há temas
bem vastos e temas bem restritos. Minha dissertação de mestrado foi intitulada “Efeitos dos
vícios do ato administrativo”. Considero um título não passível de crítica, apesar de sua
extraordinária amplitude. Perceba: não diz respeito ao assunto “ato administrativo”. Houve
duas restrições: vícios do ato (assunto do assunto) e efeitos dos vícios do ato (tema específico).
Seria possível, contudo, temas bem mais restritos: “Sustação dos atos administrativos pelo
Tribunal de Contas em decorrência da economicidade”; “Decaimento fático do ato
administrativo unilateral”.
Eis mais um critério para escolha do tema: quanto mais específico, menor a
exigência de pesquisa, de amplitude do trabalho. Temas mais vastos exigem pesquisa mais
abrangente. Assim, se você pretender dedicar muito tempo à realização do seu trabalho, é
viável escolher um tema mais abrangente. Se tiver menos tempo, tendo em vista suas atividades
profissionais ou sua vida pessoal, escolha temas mais específicos.
6
Guia prático de redação da monografia jurídica

2.4 Problema

Ainda sobre a escolha do tema, apresento mais uma dica. A monografia deve
resolver um ou mais problemas jurídicos. Por isso, é fundamental para a escolha do tema,
definir qual será o problema jurídico a ser enfrentado. Definido o problema, obtém-se o tema.
A lição é apresentada por Rafael Mafei Rabelo Queiroz: “o problema constitui o próprio tema
de uma pesquisa”4. Assumo essa lição com ressalvadas. É muito comum que o aluno defina o
assunto, mas não defina o tema. Pretende escrever, por exemplo, sobre o fomento
administrativo (assunto), mas não identifica o tema a ser enfrentado. Daí a preciosa dica:
responder qual problema jurídico se pretende enfrentar. A partir da definição do problema,
chega-se ao tema. Suponhamos que ele quer demonstrar que para celebração de contratos de
gestão deve ser realizado processo licitatório e o chamado “chamamento público” é uma fuga,
ilícita”, de várias regras licitatórias. Esse é o problema que ele quer enfrentar. Do problema,
ele obterá o tema: “Processo de escolha da Organização Social pelo Poder Público”. Perceba-
se: o tema não é propriamente o problema, mas é revelado por ele.
Muitas vezes, o tema diz respeito a vários problemas. Suponha-se o tema
“concessão de direito real de uso para fins de moradia”. Envolve vários problemas: a natureza
jurídica dessa concessão; a validade da Medida Provisória n. 2.220/01; a possibilidade de ser
imposta pelo Judiciário sem violação da separação dos poderes ou da autonomia federativa. O
pesquisador pode resolver enfrentar todos os problemas que envolvam esse tema. Por isso,
discordo da assertiva que o problema é o tema. Não necessariamente. Sê-lo-á quando o tema
envolver apenas um problema. É perfeitamente possível, todavia, que envolva uma série de
problemas. Mesmo nesse caso, não se nega a vinculação entre um e outro: é da identificação
dos problemas a serem enfrentados que se encontra o tema da monografia.
Com essa especificação, retomo o que disse há pouco. O tema será mais
extenso quando maior o número de problemas a serem enfrentados. Quanto maior o número
de problemas, maior a extensão da pesquisa, do trabalho e, pois, maior a chance de o
pesquisador se perder na realização do trabalho. Fica a dica: se você tiver muito tempo para a
pesquisa e redação do trabalho, pode assumir um tema que envolva muitos problemas. Se
possuir pouco tempo, restrinja-se a apenas um problema. Se você já for um pesquisador
______________
4
QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo. Monografia jurídica passo a passo: projeto, pesquisa, redação e formatação.
São Paulo: Método, 2015, p. 30.
7
Guia prático de redação da monografia jurídica

experiente, pode assumir, com menos risco, a empreitada de enfrentar vários problemas. Se
não tiver muita experiência, recomendo cautela: é mais fácil ter êxito a partir de um tema
restrito a apenas um problema.

2.5 Tema jurídico

Como a maioria esmagadora das pessoas que cursam Direito não gosta de
Direito, é bastante comum a escolha de temas não jurídicos. Como antecipei, não me alongarei
neste manual com considerações teóricas. Restringir-me-ei ao necessário para a compreensão
do que chamo de “tema jurídico”. Hart observa, logo no início de seu consagrado “O conceito
de Direito”, que, ao contrário do que ocorre em outras searas, muito se discute sobre o
significado do Direito5. Para conceituar a química ou a medicina gastam-se poucos parágrafos,
quando não apenas um. André Franco Monto observa que Direito é uma palavra análoga, pois
diz respeito a diferentes significados inter-relacionados6. A partir de um corte metodológico,
Montoro refere-se a cinco significados: a) norma; b) faculdade; c) justiça; d) ciência; e) fato
social7. A depender do significado atribuído à palavra “direito”, o significado de “tema
jurídico” variará.
Para mim, esse problema, ínsito ao fenômeno jurídico, decorre de algo que
me referi há pouco: boa parte daqueles que lidam com o Direito não gosta do Direito. Por isso,
tornou-se bastante comum a extensão (ou deturpação) do conceito. Por exemplo: Já que não
gosta de Direito, passa a sustentar que Direito é Sociologia e faz Sociologia sob pretexto de
fazer Direito. Trata-se de um “erro” — se não intencional — ou de um “ardil” — se proposital
— bastante comum. Deve ser evitado e combatido.
Assumo uma postura normativista do fenômeno jurídico: Direito é norma ou,
mais precisamente, um conjunto de normas jurídicas vigentes em determinado território em
certo momento histórico. Se você resolveu estudar Direito no Brasil, resolveu estudar as
normas jurídicas vigentes no território brasileiro. Eis o objeto do Direito: o estudo das normas

______________
5
HART, H. L. A. O conceito de direito. Tradução de Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo; WMF
Martins Fontes, 2012, p. 1.
6
Não é, pois, nem unívoca, não possui apenas um significado, nem equívoca, não possui diferentes significados
não relacionados entre si. Cf. MONTOR, André Franco. Introdução à ciência do direito. 22. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1994, p. 42.
7
Idem, p. 52.
8
Guia prático de redação da monografia jurídica

jurídicas. A Ciência do Direito é o ramo do conhecimento que tem por objeto o estudo do
Direito, ou seja, do conjunto das normas jurídicas.
Apenas para que fique claro: se seu trabalho versar sobre Direito Ambiental,
versará sobre as normas jurídicas que regem o meio ambiente, e não sobre a Ecologia. Inisito:
não é monografia de Geografia ou de Biologia, mas de Direito Ambiental: normas jurídicas
referentes ao meio ambiente. Se seu trabalho versar sobre Direito Econômico, versará sobre as
normas jurídicas que disciplinam as relações econômicas, não versará sobre Economia. O que
muitos teóricos da Análise Econômica do Direito fazem é, para mim, Economia, e não Direito.
São economistas perdidos na área jurídica. Outro exemplo: se seu trabalho versar sobre Direito
Urbanístico, deve versar sobre as normas jurídicas que disciplinam o meio urbano, e não sobre
Urbanismo, campo de outras searas do conhecimento humano. Não se confundem Direito
Tributário com Ciência das Finanças e Direito Administrativo com Ciência da Administração.
Escrever uma monografia jurídica é escrever sobre normas jurídicas. É enfrentar problemas
jurídicos!

2.5.1 Tema sociológico

Um dos erros mais comuns na escolha do tema de uma monográfica jurídica


é escolher um tema próprio das Ciências Sociais, seja um tema sociológico ou um tema
político. Pela ordem, examinemos o tema sociológico. Deve-se lembrar esta diferença
fundamental: sociologia é um campo próprio do ser, do mundo dos fatos, de como as coisas
são; Direito é um campo próprio do dever ser, do mundo normativo, de como as condutas
devem ser. Quem procura descobrir como as coisas são em certo lugar e em certa época,
envereda-se por uma análise sociológica e não jurídica.
Darei alguns exemplos. Suponha-se que se escolha o assunto “saúde” ou
“educação, ou ainda “sistema carcerário”, três assuntos riquíssimos, sujeitos a diferentes
abordagens. Suponha-se que se pretenda verificar se o SUS, no Brasil, está sendo eficiente no
tratamento de saúde das pessoas. Pretenda-se apurar qual é a demora para realização de exames
e cirurgias; ou se o tratamento obtido foi, na maioria das vezes, eficaz. São problemas muito
importantes, mas não são questões jurídicas. Do mesmo modo, suponha-se que se pretenda
verificar o nível de conhecimento dos formados em escolas públicas no ensino fundamental e
médio. Suponha-se que se apure o índice de reprovação, de desistência do curso, e do
9
Guia prático de redação da monografia jurídica

analfabetismo funcional. Igualmente, questões importantes, mas não jurídicas. Finalmente,


suponha-se que se pretenda apurar se as penitenciárias estão ou não superlotadas, se há ou não
muitos presos que já deveriam ter sido soltos, se a reincidência é alta ou não e, pois, se a pena
privativa de liberdade no Brasil é ou não eficaz. Todos esses problemas são sociológicos, não
jurídicos. Elas não se referem à compreensão das normas jurídicas vigentes.
Esse é um equívoco desastroso. Quer enfrentar um problema sociológico?
Curse a Faculdade de Ciências Sociais, inscreva-se num curso de especialização, mestrado ou
doutorado de Sociologia. Se você escolheu cursar Direito, deve apresentar uma monografia de
Direito. Para este importam apenas e tão somente três questões: a) quais as normas existentes
sobre dado assunto; b) qual é o sentido e o alcance dessas normas; c) se essas normas são
válidas ou não. Noutros termos, interessa ao Direito saber se dada conduta é permitida,
obrigatória ou proibida, e quais as consequências jurídicas da violação da obrigatoriedade e da
proibição. Assim, sobre o sistema penitenciário, são questões jurídicas: a) é válida no Brasil a
privatização do sistema prisional? b) qual é o tamanho mínimo da cela prisional para que não
haja violação da dignidade da pessoa humana? c) quais os direitos fundamentais do preso? d)
é válida a imposição de sanções ao prisioneiro não previstas em lei? Sobre a saúde, são questões
jurídicas, por exemplo: a) é válida a prestação indireta de serviço público de saúde? b) é válido
restringir o acesso ao SUS a quem seja hipossuficiente? c) o direito à saúde compreende o
direito a remédios não autorizados pela ANVISA? Sobre o direito à educação, são questões
jurídicas, por exemplo: a) é válida a proibição de os pais não matricularem seus filhos em
escola pública ou privada? b) é válida a prestação indireta do serviço público de educação?
Registro aqui a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello sobre o objeto da
Ciência do Direito, lição que acolho integralmente:
Ao cientista do Direito, tanto como a quem exerce o ofício de aplicá-lo ou de
promover-lhe a aplicação (juiz, advogado etc.), enquanto adstritos a tal mister, só
interessam noções que lhes proporcionem saber quais princípios e regras jurídicas vigoram
perante as situações tais ou quais.
Ou seja: suas mentes estão e só podem estar vertidas sobre a questão de identificar
que normas são ou serão suscitadas à vista de determinado evento (fato, comportamento,
ato, relação ou situação). Deveras, nada mais lhe importa senão averiguar (a) se ocorreu algo
que tem relevo para o Direito; (b) em caso positivo, que consequências são estas que o
Direito atribui ao evento em questão. Neste segundo plano é que se aloca o tema da validade
dos atos jurídicos.
10
Guia prático de redação da monografia jurídica

Eis por que só há três tópicos que podem procedentemente ocupar o estudioso e o
operador do direito positivo: o da existência jurídica, o da validade dos atos e o dos efeitos
de direito oriundos de fatos ou de atos jurídicos.8
Quando o estudante se restringe a apresentar como pensam os doutrinadores ou os
julgadores em certo momento histórico, ele não apresenta um estudo jurídico, mas
sociológico. Trata-se de um erro muito comum. Dessarte: a monografia que se restringe a
apresentar um panorama doutrinário ou jurisprudencial sobre dado assunto não é uma
monografia jurídica, mas sociológica. É uma questão sociológica — insisto — apurar como
pensa a comunidade jurídica em certo local e em certo momento histórico. Retomarei este
tema adiante, quando examinar a elaboração do texto propriamente dito. Por ora, fixo o
seguinte: tema jurídico envolve a elucidação de qual (ou quais) norma (s) versa(m) sobre
certo assunto; qual o conteúdo e o alcance delas, se são válidas ou não. A análise jurídica
deve se restringir a apurar se dada conduta é permitida, obrigatória ou proibida e a apurar
quais as consequências jurídicas da violação da obrigatoriedade e da proibição. Estabelecido
o assunto, na busca de um tema, você deve buscar um tema jurídico. Fuja de temas
sociológicos.

2.5.2 Tema político: de lege ferenda x de lege lata

Outro erro muito comum é enveredar por uma temática política. Duas
expressões latinas facilitam a diferenciação entre a problemática jurídica e a política: a
expressão de lege federenda indica “lei a ser criada”; a expressão de lege lata indica “nos
termos da lei”. Quando se pretende a alteração do Direito, a análise é de lege feredenda, quer
dizer, refere-se às normas a serem editadas no futuro. Quando se propõe a compreensão do
direito vigente, a análise é de lege lata, refere-se ao direito posto. A monografia jurídica deve
limitar-se a fazer propostas de lege lata, e não de lege ferenda. Quem envereda por propostas
de lege federanda, faz estudo político e não jurídico. Para a Ciência do Direito, retoma-se, o
que interessa é quais as normas existentes, qual seu conteúdo e seu alcance, e se são válidas ou
inválidas. Caso sejam válidas, é absolutamente impertinente, na análise jurídica, saber se
poderiam ser melhores. O aprimoramento das leis vigentes é, enfim, uma questão política e
não jurídica.
Dou um exemplo de minha área. Há quem considere que a lei geral de
licitações — a Lei 8.666/93 — foi fruto de um lobby de empreiteiras. Diante disso, seria o caso
de alterar certas regras, tornando-a mais adequada a outros setores. Independente do acerto ou
do desacerto da tese, fato é que a análise empreendida não é jurídica, mas política. Saber se
houve ou não lobby é uma questão de história, de sociologia, não é um problema de Direito. O
que importa para o Direito é se a Lei é compatível ou incompatível com a Constituição, ou

______________
8
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Serviço público e concessão de serviço público. São Paulo:
Malheiros, 2017, p. 43.
11
Guia prático de redação da monografia jurídica

seja, se há inconstitucionalidade material ou formal. Caso seja válida, é irrelevante o que


ocorreu antes da edição da lei. Na verdade, os lobbys, os fatos anteriores à edição do diploma
normativo podem ser úteis para a elucidação do sentido e do alcance das normas e, para tanto,
ter interesse jurídico. Insisto: se não houver dúvida sobre a validade da lei, sobre o sentido e o
alcance das normas dela extraídas, o lobby é irrelevante. Do mesmo modo, na seara do Direito,
a possibilidade de um texto normativo “melhor”, “mais apropriado”, é também impertinente.
Trata-se de uma questão política: o exercício da cidadania em prol da modificação da legislação
vigente ou da realização de reformas constitucionais. A alteração do direito posto não é, em
suma, uma questão jurídica.
Segue outro exemplo de minha área. Em minha dissertação de mestrado
afirmei que é possível a invalidação de um regulamento administrativo pelo Judiciário, apesar
de boa parte da jurisprudência negar essa possibilidade. Propus que, por força da
inafastabilidade de controle jurisdicional — extraída do XXXV do art. 5º da CF/88, segundo o
qual a lei não excluirá do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito —, quando numa
ação individual o administrado impugna a validade de um regulamento administrativo, o Poder
Judiciário pode invalidá-lo e a invalidação atinge a todos; trata-se de uma hipótese de controle
difuso e erga omnes9. Minha proposta, perceba-se, foi de lege lata e não de lege ferenda.
Sustentei que a interpretação correta da Direito brasileiro vigente se extrai a possibilidade de o
magistrado invalidar o regulamento com efeitos para além das partes em litígio. Não defendi a
edição de uma lei que preveja de forma expressa essa possibilidade, tal como ocorre em outros
países. É evidente que se houvesse a lei, disciplinadora da correção jurisdicional de
regulamentos inválidos, seria melhor. Contudo, a edição da lei não é um problema jurídico,
mas político. Problema jurídico é apenas este: à luz dos textos normativos vigentes, é possível
a correção jurisdicional de um regulamento? O Juiz só pode invalidar o ato concreto, editado
com base no regulamento, ou pode sim invalidar o regulamento, retirando-o do mundo
jurídico?
Quem propõe a alteração do direito em monografia jurídica, regra geral,
equivoca-se na abordagem. Sai da área jurídica e adentra na área política. Sua proposta deve
ser, necessariamente, de lege lata, deve referir-se ao direito posto, e não de lege ferenda, ao
direito a ser elaborado.
______________
9
MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 425-
429.
12
Guia prático de redação da monografia jurídica

2.6 Utilidade

Como eu já antecipei, quem se propõe a realizar uma monografia jurídica


deve sempre ter em vista publicá-la. Claro que a finalidade imediata é, em relação à monografia
de final de curso de graduação, à especialização, ao mestrado e ao doutorado, obter,
respectivamente, o diploma de direito, o título de especialista, de mestrado e de doutorado.
Porém, quem faz o trabalho “apenas” para cumprir a formalidade acadêmica, tende a fazer um
trabalho medíocre. Reitero a pergunta: já que terá que gastar tempo de vida na empreitada, por
que, desde o início, optar por um resultado medíocre? Ao menos tente realizar algo bom e para
tanto esta é a dica: escreva o trabalho almejando publicá-lo.
A monografia é uma atividade acadêmica diferente da realização de uma
prova. Na redação da monografia, o discente se apresenta como um Cientista do Direito, é um
partícipe ativo do diálogo científico. O aluno no final do curso de Graduação, o pretendente a
ser especialista, o mestrando ou o doutorando, quando da realização da monografia, trava um
diálogo com a comunidade científica. Sua atividade tem uma finalidade individual e uma
coletiva. A finalidade individual é a obtenção do respectivo título, a coletiva é contribuir para
o progresso científico. Se ele apresenta um trabalho medíocre, não indo além do que já havia
sido apresentado por outrem, obtém o título e cumpre a finalidade individual, mas não contribui
para a Ciência, não cumpre a finalidade coletiva. O trabalho só é publicável quando cumpre a
segunda finalidade: quando contribui, de algum modo, ao desenvolvimento científico.
Essa dica condiciona a escolha do tema. Suponha-se que um problema
jurídico já foi enfrentado por alguém; você leu a monografia e concluiu que não conseguirá
escrever nada além ou melhor. No seu entendimento, o que havia para ser dito sobre o tema já
o foi e nada há a acrescentar. Pois, então, não há razão para você escolher esse tema. Do ponto
de vista formal, só o Doutorado exige inovação científica. Noutras palavras, só na redação da
tese de doutorado o autor é obrigado a apresentar uma resposta inovadora na Ciência. Em todos
os demais trabalhos não se exige isso. Sem embargo, não é porque não se apresenta uma tese
— uma inovação científica — que não se pode apresentar algo útil à comunidade científica. A
sistematização do tema de forma diferente ou a apresentação de novos argumentos não
importam numa inovação científica, mas são de grande utilidade científica.
Seu trabalho deve “acrescentar algo”, deve propor algo diferente do que já
foi proposto: uma sistematização melhor, uma explicação melhor, novo argumento etc. Se você
13
Guia prático de redação da monografia jurídica

não consegue apresentar nada de novo sobre dado tema, desista dele. Procure um tema em que
você possa “contribuir” de alguma forma. O critério é simples: haverá interesse em publicar
seu trabalho ou ele simplesmente diz, de modo pior, o que já foi dito antes?
Devo fazer uma ressalva para não ser mal compreendido. Quando me refiro
ao “interesse em publicar” não me refiro ao “interesse comercial”, mas ao “interesse
científico”. São motivações absolutamente distintas. Do ponto de vista comercial, é bem
possível que haja grande interesse na publicação de um manual que simplesmente reproduza o
que os outros já disseram, como uma apostila ou resumo para concursos. Não é esse interesse
a que me refiro, mas sim ao interesse da comunidade científica tendo em vista o progresso da
Ciência. Sempre que, de alguma forma, a monografia contribua para o progresso da Ciência, a
comunidade científica séria terá interesse em vê-lo publicado.
É possível que, ao final da pesquisa, você não consiga produzir nada
diferente. Nem por isso, com exceção do Doutorado, deixará de obter o título pretendido. Não
haverá sentido em publicar seu trabalho. Como cientista, você terá fracassado. Daí a dica:
escolha um tema que, mesmo antes de realizar a pesquisa, você “sinta” que conseguirá
contribuir, de alguma forma com o progresso científico, dizendo algo diferente do que já foi
dito. Insisto: a diferença não está necessariamente na proposta de uma nova tese, mas na
apresentação de uma diferente sistematização, argumentação, explicação, etc. Se você
escolher um tema que sente que poderá contribuir, a chance de efetivamente contribuir é muito
maior. Em síntese: não se proponha a escrever simplesmente o que outros já escreveram.

2.7 Saiba onde vai chegar

Para definir seu tema você deve identificar qual (ou quais) problema(s)
jurídico(s) pretende enfrentar. Deve buscar problemas em que você sinta que conseguirá
contribuir, de alguma forma, ao aprimoramento científico. Apresento-lhe mais uma dica:
escolha um tema que você sabe onde vai chegar. Noutras palavras, escolha um tem que você
sabe qual resposta dará ao problema proposto. Quando da realização da pesquisa, você vai,
certamente, ter que estudar o assunto. É possível que, em alguns aspectos, ao ler novos autores,
ao se deparar com novos argumentos, você mude de opinião. Contudo, seu estudo não deve
partir do zero.
14
Guia prático de redação da monografia jurídica

Para se formar em Direito, o bom aluno tem que estudar. Durante a faculdade,
estudará assuntos que sequer tinha conhecimento. Num curso de especialização, mestrado,
doutorado é de se esperar que o discente seja apresentado a autores e teorias que lhe eram
totalmente desconhecidas. É uma ilusão, própria de tolos, pensar que ao final de um Curso de
Direito, seja ele qual for, o discente não necessitará mais estudar. O estudo do direito é similar
ao sacerdócio: é eterno. Ao longo da vida acadêmica e profissional, o estudante deparar-se-á
com novos temas, novas propostas, novas teorias. Insisto: esse estudo, a ser realizado pelo
estudante durante o curso ou após a obtenção do diploma, não se confunde com o estudo para
realização de um trabalho monográfico. O estudo para elaboração da monografia é um estudo
dirigido, que deve partir de uma boa pré-compreensão do assunto.
Quem escolhe um tema totalmente desconhecido, cujas respostas aos
respectivos problemas são totalmente ignoradas, dificulta ao extremo sua empreitada. Ainda
que seja possível chegar a um ótimo resultado — e elaborar uma monografia excelente —, a
probabilidade de êxito é bem menor. Quanto mais o aluno ignora o tema, menor é a sua chance
de realizar um bom trabalho. Por isso, deve escolher um problema que já se saiba resolver.
Pode-se até ignorar todos os argumentos, até mesmo ignorar certos conceitos ou certas
informações, mas é fundamental saber onde se quer chegar. Há uma vinculação entre este item
e o antecedente: em geral, só é possível acreditar que se tem algo a contribuir para um tema,
quando se tem um prévio conhecimento dele e se sabe, de antemão, onde se quer chegar.
Se você não tem a mínima ideia de qual a resposta a dado problema, deixe
para estudá-lo ao longo de sua vida acadêmica, mas não o eleja como objeto de sua monografia.
Após o estudo, e a assunção de uma resposta ao problema, aí sim, ele se torna passível de ser
eleito como objeto de estudo monográfico: um artigo ou uma monografia de grau acadêmico
mais elevado. Em suma: nunca escolha para a realização de um trabalho um tema totalmente
desconhecido, cuja conclusão principal seja, de início, ignorada.

2.8 Afinidade com o orientador

Em relação à escolha do tema apresento uma última dica: escolha temas que
tenham afinidade com seu orientador. É surpreendente como tantos alunos violam essa diretriz.
Eu escrevi um trabalho intitulado “Arbitragem e Administração Pública: contribuição para o
15
Guia prático de redação da monografia jurídica

sepultamento do tema”10. Nele, defendi que a utilização da arbitragem pela Administração


Pública é inconstitucional. O título do meu trabalho por si revela de modo claro minha posição
sobre o assunto. Faz algum sentido um aluno me procurar para orientá-lo na realização de uma
monografia sobre a arbitragem na Administração, com a pretensão de defender sua validade?
Qual seria sua intenção: procurar convencer o orientador de que este se equivocou? Não faz
sentido! Para evitar essa situação, antes de escolher um orientador, deve-se ler a bibliografia
do respectivo professor. Como a maioria dos discentes não faz essa leitura prévia, é bastante
comum a escolha equivocada de orientadores. O orientando escolhe alguém que tem
convicções profundamente opostas, e já defendeu o oposto do que ele pretende sustentar.
A questão não se restringe à divergência. Se o orientador não tem afinidade
com o tema, não tem condições de realizar uma orientação satisfatória. Suponha-se que o aluno
adote como linha teórica de seu trabalho a Lógica Jurídica. Quem estudou um pouco do tema
sabe que a linguagem da Lógica é bem específica, é uma linguagem formalizada, baseada em
uma série de símbolos e fórmulas, abarcante de vários conceitos próprios. O jargão é tão
peculiar que o texto se torna quase enigmático para quem não possui um conhecimento
mínimo. Um professor que despreza a Lógica Jurídica terá bastante dificuldade de
compreender o trabalho, quanto mais de orientar a sua realização. Ora, se o aluno pretende
realizar uma monografia assentada na Lógica Jurídica deverá procurar um orientador que
conheça o tema.
A situação piora quando envolve questões ideológicas. Um exemplo
didático: é tolice escolher um ateu para ser orientador de um trabalho de teologia que
pressuponha a aceitação de certos dogmas religiosos. E vice-versa: é tolice escolher um
religioso como orientador de um trabalho que pretenda provar a inexistência de Deus. Questões
científicas ao contrário das religiosas, não se alicerçam na fé, mas também envolvem uma
“crença”: o cientista acredita no acerto de certas teses.11 O problema nas ciências ônticas —
do mundo do ser — é, de certa forma, contornado pela demonstração do desacerto científico.
O assunto será retomado adiante, quando do exame da metodologia científica. Antecipo: no

______________
10
Uma versão atualizada foi publicada em: MARTINS, Ricardo Marcondes. Estudos de direito administrativo
neoconstitucional. São Paulo: Malheiros, 2015, Cap. 2, p. 63-81.
11
Conforme esclarece A. F. Chalmers: “Um cientista normal não deve ser crítico do paradigma em que
trabalha”. (CHALMERS, A. F. O que é ciência afinal? Tradução Raul Fiker. São Paulo: Brasiliense, 1993,
p.126.
16
Guia prático de redação da monografia jurídica

Direito a “verdade científica” não é obtida pela experimentação, mas pelo convencimento.
Assim, não é possível demonstrar ao orientador o acerto ou desacerto de uma tese por meio de
uma “prova científica”, de uma “experiência realizada em laboratório”. No Direito, que é uma
disciplina deôntica, um campo hermenêutico, ou seja, uma Ciência da interpretação, descabe
falar em demonstração, mas, sim, em convencimento12.
Em que pese essa diferenciação, considero, regra geral, problemático, mesmo
nas ciências naturais, escolher um orientador que assume teses científicas incompatíveis com
as que se pretende defender. Isso porque, apesar de a tese ser, nas Ciências naturais, passível
de demonstração, todo cientista assume um programa teórico e tende a defendê-lo mesmo
diante da comprovação de certos desvios13. Sem embargo, esse problema é, de certa forma,
contornado com a possibilidade de demonstração efetiva do desacerto do modelo. Pode-se
dizer que nas Ciências naturais, a escolha de um orientador que adota um modelo contraditório
com o que se pretende sustentar é inconveniente, mas não impossível.
No Direito — e este manual tem por objeto a realização de monografias
jurídicas — em que a demonstração do desacerto da tese é impossível, em que o cientista se
convence do acerto de uma tese a partir da assunção de uma série de premissas teóricas,
estabelecidas após reflexão, e muitas vezes assentadas em questões puramente ideológicas —
não há apenas inconveniência, mas praticamente impossibilidade. É sempre oportuno lembrar
a lição de Tobias Barreto, difundida por Carlos Ayres Britto: Direito “não é só uma coisa que
se sabe; é também uma coisa que se sente”14. O Cientista do Direito convence-se de uma tese
não apenas por argumentos linguísticos, de interpretação literal, filológica, do texto normativo.
Mas por convicções sobre a justiça da proposta hermenêutica. Digo isso para evidenciar como
é problemático pretender “convencer” o cientista do Direito do desacerto da tese por ele
sustentada.
Não quero ser mal interpretado: um bom cientista do Direito muda bastante
de opinião em decorrência de novas leituras, novas reflexões. Contudo, o aluno que assume a
empreitada de, ele próprio, “convencer” seu orientador a mudar de opinião, assume uma tarefa

______________
12
PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova retórica. Tradução
Maria Ermantina Galvão. 1. ed., 5. tir. São Paulo: Martins Fontes, 2002, §1º, p. 15-17.
13
É o que explica com muita didática: CHALMERS, A. F. O que é ciência afinal?, op. cit., p. 112.
14
AYRES BRITTO, Carlos. O Humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 75.
17
Guia prático de redação da monografia jurídica

bastante inglória e um tanto quando presunçosa. O risco de fracasso é altíssimo. Só pessoas


muito ingênuas ou muito tolas assumem esse risco.
Muitos criticam esse posicionamento imputando ao orientador intolerância.
Considero a crítica infundada. A democracia, de fato, pressupõe respeitar a opinião do outro.
Se o orientador considera determinada tese uma tolice, sua opinião também deve ser respeitada.
Não se trata de desrespeito à opinião do orientando, mas de seriedade científica, de respeito às
convicções científicas do orientador. Se o cientista é sério, ele assume posições hermenêuticas
a partir de atividade intelectual séria, decorrente de muita pesquisa e bastante reflexão. Quando
se convence de que uma tese “x” seja absolutamente equivocada, é bastante problemático
conceder, por meio da orientação, um título a alguém que pretenda sustentar justamente a tese
“x”. Não se trata de intolerância, mas de seriedade científica. Por meio da orientação, há ativa
participação do orientador na consolidação e divulgação da tese proposta pelo orientando.
Posto isso, fixo a seguinte diretriz: ao escolher um orientador na área jurídica
para realização de um estudo monográfico, deve-se conhecer a posição do Professor sobre o
assunto. Se ele possui uma opinião contraditória com a que se pretende sustentar, de duas, uma:
ou se escolhe outro tema, ou se escolhe outro orientador. Comumente, o estudante que viola
essa regra o faz por desconhecimento da posição de seu orientador. Não se deve escolher um
orientador antes de conhecer sua bibliografia. O erro é contornável: descoberta a opinião do
orientador — se contraditória com a tese pretendida — muda-se o tema. Insistir, nesse caso,
na manutenção do tema e do orientador, com todo respeito, é próprio ou da imaturidade ou da
burrice.
Duas últimas observações. Primeira: jamais o discente deve mudar de
opinião para agradar o orientador. Troque de tema ou troque de orientador, não troque de
opinião! Nisso, difundo uma lição que me foi passada por meu orientador no mestrado e no
doutorado, Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, de quem sou eterno discípulo. Dizia ele,
em suas aulas, que o ser humano é típica espécie de “manada”. Quando todos marcham para
um lado, sentimo-nos inclinados a marchar para o mesmo lado. Causa um desconforto muito
grande marchar sozinho para o lado contrário. Contudo, concluía, é dever ético seguir suas
próprias convicções. Se você está convencido do acerto científico de uma tese, é seu dever
ético sustentá-la. Mudar de opinião para agradar alguém é falta de ética e absoluta falta de
seriedade científica. Quando sua opinião for incompatível com a ideologia de seu orientador,
ou troque de tema ou troque de orientador, mas não troque de opinião.
18
Guia prático de redação da monografia jurídica

Segunda: não estou a sustentar que o orientando deve adotar todas as


opiniões do orientador. Como ele, por dever ético, deve seguir suas próprias convicções, é
praticamente impossível inexistir divergências com o orientador. O que se deve evitar são
divergências ideológicas sérias, assunção de teorias frontalmente contraditórias com premissas
teóricas fundamentais adotadas pelo orientador. Espero que tenha ficado claro: divergências
com o orientador são comuns e, na atividade científica séria, até necessárias. O que se deve
evitar é a escolha de temas em que as conclusões centrais sejam frontalmente contraditórias
com as convicções teóricas do orientador ou, o que é mais grave, com suas convicções
ideológicas.

2.8 Repetição do tema

O mesmo tema pode ser objeto de uma dissertação de mestrado, de uma


monografia de especialização, de uma monografia de graduação ou de um artigo científico. O
que variará é o grau de aprofundamento do exame. Por evidente, o exame de um problema num
artigo de quinze páginas não terá o mesmo grau de minúcia e aprofundamento do que o exame
do mesmo problema numa dissertação de cem páginas. Em relação à tese de doutorado, o
exame deverá apresentar uma teoria científica até então não apresentada.
Dito isso, faço um breve comentário sobre a repetição de temas. Não vejo
problema algum em repetir o tema de um artigo num trabalho de conclusão de curso,
dissertação ou tese. Os trabalhos serão substancialmente diferentes, tendo em vista a diferença
de extensão da análise. Como antecipado, não se confundem a análise realizada em 15 páginas
e a análise realizada em 100 páginas.
Em relação aos outros casos — v.g., a repetição do tema na dissertação e na
tese de doutoramento, ou na monografia de especialização e na dissertação de mestrado, não
considero recomendável. Sigo, nesse ponto, também a diretriz que me foi apresentada por meu
eterno mestre, Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, que era bastante restritivo à repetição
da temática. O motivo é facilmente intuído: há um grande risco de “aproveitar” boa parte do
que se escreveu anteriormente e, pois, obter dois títulos com o mesmo trabalho, o que gera uma
grave fraude.
Há acentuado risco que isso ocorra, ainda que o cientista esteja de boa-fé. Se
já escreveu sobre um assunto e volta a escrever sobre ele, há uma tendência natural a repetir
19
Guia prático de redação da monografia jurídica

boa parte do que se disse. Deve-se evitar esse risco mediante a assunção de temáticas diferentes
e, para tanto, o recomendável é a adoção de assuntos diferentes. Por exemplo, no mestrado
tratei dos efeitos dos vícios do ato administrativo — tema referente ao assunto “ato
administrativo” —, no doutorado tratei da regulação administrativa —, tema referente à
intervenção do Estado na ordem econômica e social. Ao adotar assuntos diferentes, o autor
evita, de modo bastante eficaz, o risco de propor trabalhos similares para obtenção de diferentes
titulações.

Você também pode gostar