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2 Escolha do tema
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LAO-TSÉ. Tao te king. Tradução de Huberto Rohden. 12. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993, poema 64, p.
161.
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Guia prático de redação da monografia jurídica
Dito isso, suponha-se que você escolheu fazer Direito porque considerou a
melhor opção, tendo em vista as possibilidades oferecidas no mercado de trabalho, e quis fugir
das atividades de exatas e de biológicas. Você jamais pegou ou pegará um livro de Direito para
ler pelo mero prazer. Se este é seu caso, o conselho se mantém: mesmo para quem o Direito é
chato e enfadonho, ainda assim certos assuntos são mais atrativos do que outros. Por isso,
reitero: ao final do Curso de Direito você deverá escrever uma monografia de final de curso.
Este é um bom início: escolha a matéria que você mais gosta!
Do mesmo modo ocorre com a monografia de final de especialização, a
dissertação de mestrado e a tese de doutorado. Por que o aluno escolheu se matricular, por
exemplo, no Curso de Mestrado em Direito Administrativo ou de Civil ou fazer Especialização
em Direito contratual ou em Direito Urbanístico? O melhor motivo é o gosto: escolheu a área
porque gosta dela.
Podem-se, contudo, supor várias outras razões. É possível que a atividade
profissional desempenhada tenha sido o fator primordial da escolha. O aluno, por exemplo,
passou a trabalhar num escritório especializado em Direito Administrativo e, por isso,
matriculou-se num curso de pós-graduação nessa área. Não é o melhor motivo, mas é um
motivo bastante comum. Não importa: a escolha do tema do seu trabalho sempre deve ser
definida pelo seu gosto pessoal. Ainda que você tenha optado pelo mestrado em Direito
Administrativo por razões profissionais, escolha, dentro desse campo, o assunto que você mais
gosta! Em relação ao doutorado, o campo de atuação é, em geral, o mesmo do Mestrado. É
mais fácil inovar em assuntos que você tem predileção. Minha dica é: escolha o assunto por
critérios subjetivos ou, mais precisamente, escolha assuntos que você tenha predileção.
Em decorrência dessa dica, há um erro a evitar: não solicite ao orientador um
tema a ser desenvolvido. O orientador vai lhe dar o tema que ele — orientador — gosta. Ou
pior: vai lhe dar o tema que ele gostaria de ler, ainda que ele próprio não tenha condições de
enfrentá-lo. Quase nunca acontece de o orientador apresentar um tema tendo em vista o gosto
e a capacidade do orientando. O resultado é desastroso! Após o pedido, e a indicação do
orientador, o aluno sente-se vinculado à proposta que lhe foi apresentada. Tenta, muitas vezes
à exaustão, realizá-la, apesar de não gostar do tema, ou não ter condições — por falta de
inspiração, ideias, reflexão prévia sobre o assunto — de enfrentá-lo. Lembro-me de um(a)
amigo(a) que cometeu esse erro: pediu, no doutorado, que o orientador lhe propusesse um tema
a enfrentar. O professor atendeu seu pedido dano início a seu sofrimento. Mais de um ano
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depois, eu disse ao doutorando(a): desista desse tema, escolha um que você goste! Tudo se
resolveu: meu amigo(a), após conversar com seu orientador e acertar a troca de tema, acabou
produzindo uma tese excelente e foi aprovado(a) com louvor.
Assim, escolha o assunto e o tema a partir de suas inclinações subjetivas —
de suas predileções, de seu gosto. Não cometa o erro de solicitar a terceiro um tema, pois este
lhe dará um tema do gosto dele. Fixado isso, há outros fatores a serem considerados na escolha
do tema.
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Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Princípio da liberdade das formas no Direito Administrativo. In:
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio; FERRAZ, Sérgio; ROCHA, Silvio Luís Ferreira da; SAAD, Amauri
Feres. Direito administrativo e liberdade. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 641-687.
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esteja no exercício de função pública, por exemplo, não é assunto próprio do Direito
Administrativo. Ao revés, é indiscutível tema dessa seara jurídica a responsabilidade civil do
Estado ou de quem lhe faça as vezes no exercício da função administrativa. Essa ressalva — a
escolha de um assunto próprio da subárea do curso em que o aluno se matriculou — leva a uma
importante restrição inerente à escolha do tema.
Há um expediente prático: consulte os principais manuais e cursos da
respectiva matéria. Neles encontram-se os assuntos que dizem respeito a ela. Deve-se escolher
um desses assuntos. Pois bem: se a especialização ou o mestrado é em Direito Administrativo,
veja o sumário de um Curso — v.g., o Curso de Direito Administrativo de Celso Antônio
Bandeira de Mello3. Ali estão os assuntos que dizem respeito ao Direito Administrativo.
Escolhido o assunto, deve ser escolhido um tema. Este não se confunde com
o título, mas está diretamente relacionado com ele. Enquanto o tema é o objeto da monografia,
o título é a sua denominação. Apesar da diferença conceitual, o título deve espelhar da melhor
forma possível o tema; o ideal é que o indique de modo direto e preciso. Por um lado, não deve
possuir palavras insuficientes para expressá-lo; por outro não deve possuir palavras
desnecessárias. O título perfeito é o que possui o número de palavras exatas para identificar o
tema da monografia.
A diferença entre o assunto e o tema é a amplitude: o tema é mais específico
do que o assunto. Se a monografia diz respeito ao Direito Administrativo (assunto); diz respeito
ao serviço público (assunto), diz respeito à permissão de serviço público (assunto), resta definir
qual será seu tema, que é mais específico: “natureza da permissão de serviço público”,
“permissão de serviço público e precariedade”. Outro exemplo: responsabilidade civil do
Estado é um assunto relativo ao Direito Administrativo. São temas referentes a esse assunto:
“nexo causal na responsabilidade civil do Estado”, “excludentes de imputação na
responsabilidade civil do Estado”; “responsabilização do servidor público em face da
responsabilização civil do Estado”; “responsabilidade civil do Estado na concessão de serviço
público”.
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3
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 33. ed. São Paulo: Malheiros,
2016.
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Guia prático de redação da monografia jurídica
2.4 Problema
Ainda sobre a escolha do tema, apresento mais uma dica. A monografia deve
resolver um ou mais problemas jurídicos. Por isso, é fundamental para a escolha do tema,
definir qual será o problema jurídico a ser enfrentado. Definido o problema, obtém-se o tema.
A lição é apresentada por Rafael Mafei Rabelo Queiroz: “o problema constitui o próprio tema
de uma pesquisa”4. Assumo essa lição com ressalvadas. É muito comum que o aluno defina o
assunto, mas não defina o tema. Pretende escrever, por exemplo, sobre o fomento
administrativo (assunto), mas não identifica o tema a ser enfrentado. Daí a preciosa dica:
responder qual problema jurídico se pretende enfrentar. A partir da definição do problema,
chega-se ao tema. Suponhamos que ele quer demonstrar que para celebração de contratos de
gestão deve ser realizado processo licitatório e o chamado “chamamento público” é uma fuga,
ilícita”, de várias regras licitatórias. Esse é o problema que ele quer enfrentar. Do problema,
ele obterá o tema: “Processo de escolha da Organização Social pelo Poder Público”. Perceba-
se: o tema não é propriamente o problema, mas é revelado por ele.
Muitas vezes, o tema diz respeito a vários problemas. Suponha-se o tema
“concessão de direito real de uso para fins de moradia”. Envolve vários problemas: a natureza
jurídica dessa concessão; a validade da Medida Provisória n. 2.220/01; a possibilidade de ser
imposta pelo Judiciário sem violação da separação dos poderes ou da autonomia federativa. O
pesquisador pode resolver enfrentar todos os problemas que envolvam esse tema. Por isso,
discordo da assertiva que o problema é o tema. Não necessariamente. Sê-lo-á quando o tema
envolver apenas um problema. É perfeitamente possível, todavia, que envolva uma série de
problemas. Mesmo nesse caso, não se nega a vinculação entre um e outro: é da identificação
dos problemas a serem enfrentados que se encontra o tema da monografia.
Com essa especificação, retomo o que disse há pouco. O tema será mais
extenso quando maior o número de problemas a serem enfrentados. Quanto maior o número
de problemas, maior a extensão da pesquisa, do trabalho e, pois, maior a chance de o
pesquisador se perder na realização do trabalho. Fica a dica: se você tiver muito tempo para a
pesquisa e redação do trabalho, pode assumir um tema que envolva muitos problemas. Se
possuir pouco tempo, restrinja-se a apenas um problema. Se você já for um pesquisador
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4
QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo. Monografia jurídica passo a passo: projeto, pesquisa, redação e formatação.
São Paulo: Método, 2015, p. 30.
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experiente, pode assumir, com menos risco, a empreitada de enfrentar vários problemas. Se
não tiver muita experiência, recomendo cautela: é mais fácil ter êxito a partir de um tema
restrito a apenas um problema.
Como a maioria esmagadora das pessoas que cursam Direito não gosta de
Direito, é bastante comum a escolha de temas não jurídicos. Como antecipei, não me alongarei
neste manual com considerações teóricas. Restringir-me-ei ao necessário para a compreensão
do que chamo de “tema jurídico”. Hart observa, logo no início de seu consagrado “O conceito
de Direito”, que, ao contrário do que ocorre em outras searas, muito se discute sobre o
significado do Direito5. Para conceituar a química ou a medicina gastam-se poucos parágrafos,
quando não apenas um. André Franco Monto observa que Direito é uma palavra análoga, pois
diz respeito a diferentes significados inter-relacionados6. A partir de um corte metodológico,
Montoro refere-se a cinco significados: a) norma; b) faculdade; c) justiça; d) ciência; e) fato
social7. A depender do significado atribuído à palavra “direito”, o significado de “tema
jurídico” variará.
Para mim, esse problema, ínsito ao fenômeno jurídico, decorre de algo que
me referi há pouco: boa parte daqueles que lidam com o Direito não gosta do Direito. Por isso,
tornou-se bastante comum a extensão (ou deturpação) do conceito. Por exemplo: Já que não
gosta de Direito, passa a sustentar que Direito é Sociologia e faz Sociologia sob pretexto de
fazer Direito. Trata-se de um “erro” — se não intencional — ou de um “ardil” — se proposital
— bastante comum. Deve ser evitado e combatido.
Assumo uma postura normativista do fenômeno jurídico: Direito é norma ou,
mais precisamente, um conjunto de normas jurídicas vigentes em determinado território em
certo momento histórico. Se você resolveu estudar Direito no Brasil, resolveu estudar as
normas jurídicas vigentes no território brasileiro. Eis o objeto do Direito: o estudo das normas
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5
HART, H. L. A. O conceito de direito. Tradução de Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo; WMF
Martins Fontes, 2012, p. 1.
6
Não é, pois, nem unívoca, não possui apenas um significado, nem equívoca, não possui diferentes significados
não relacionados entre si. Cf. MONTOR, André Franco. Introdução à ciência do direito. 22. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1994, p. 42.
7
Idem, p. 52.
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jurídicas. A Ciência do Direito é o ramo do conhecimento que tem por objeto o estudo do
Direito, ou seja, do conjunto das normas jurídicas.
Apenas para que fique claro: se seu trabalho versar sobre Direito Ambiental,
versará sobre as normas jurídicas que regem o meio ambiente, e não sobre a Ecologia. Inisito:
não é monografia de Geografia ou de Biologia, mas de Direito Ambiental: normas jurídicas
referentes ao meio ambiente. Se seu trabalho versar sobre Direito Econômico, versará sobre as
normas jurídicas que disciplinam as relações econômicas, não versará sobre Economia. O que
muitos teóricos da Análise Econômica do Direito fazem é, para mim, Economia, e não Direito.
São economistas perdidos na área jurídica. Outro exemplo: se seu trabalho versar sobre Direito
Urbanístico, deve versar sobre as normas jurídicas que disciplinam o meio urbano, e não sobre
Urbanismo, campo de outras searas do conhecimento humano. Não se confundem Direito
Tributário com Ciência das Finanças e Direito Administrativo com Ciência da Administração.
Escrever uma monografia jurídica é escrever sobre normas jurídicas. É enfrentar problemas
jurídicos!
Eis por que só há três tópicos que podem procedentemente ocupar o estudioso e o
operador do direito positivo: o da existência jurídica, o da validade dos atos e o dos efeitos
de direito oriundos de fatos ou de atos jurídicos.8
Quando o estudante se restringe a apresentar como pensam os doutrinadores ou os
julgadores em certo momento histórico, ele não apresenta um estudo jurídico, mas
sociológico. Trata-se de um erro muito comum. Dessarte: a monografia que se restringe a
apresentar um panorama doutrinário ou jurisprudencial sobre dado assunto não é uma
monografia jurídica, mas sociológica. É uma questão sociológica — insisto — apurar como
pensa a comunidade jurídica em certo local e em certo momento histórico. Retomarei este
tema adiante, quando examinar a elaboração do texto propriamente dito. Por ora, fixo o
seguinte: tema jurídico envolve a elucidação de qual (ou quais) norma (s) versa(m) sobre
certo assunto; qual o conteúdo e o alcance delas, se são válidas ou não. A análise jurídica
deve se restringir a apurar se dada conduta é permitida, obrigatória ou proibida e a apurar
quais as consequências jurídicas da violação da obrigatoriedade e da proibição. Estabelecido
o assunto, na busca de um tema, você deve buscar um tema jurídico. Fuja de temas
sociológicos.
Outro erro muito comum é enveredar por uma temática política. Duas
expressões latinas facilitam a diferenciação entre a problemática jurídica e a política: a
expressão de lege federenda indica “lei a ser criada”; a expressão de lege lata indica “nos
termos da lei”. Quando se pretende a alteração do Direito, a análise é de lege feredenda, quer
dizer, refere-se às normas a serem editadas no futuro. Quando se propõe a compreensão do
direito vigente, a análise é de lege lata, refere-se ao direito posto. A monografia jurídica deve
limitar-se a fazer propostas de lege lata, e não de lege ferenda. Quem envereda por propostas
de lege federanda, faz estudo político e não jurídico. Para a Ciência do Direito, retoma-se, o
que interessa é quais as normas existentes, qual seu conteúdo e seu alcance, e se são válidas ou
inválidas. Caso sejam válidas, é absolutamente impertinente, na análise jurídica, saber se
poderiam ser melhores. O aprimoramento das leis vigentes é, enfim, uma questão política e
não jurídica.
Dou um exemplo de minha área. Há quem considere que a lei geral de
licitações — a Lei 8.666/93 — foi fruto de um lobby de empreiteiras. Diante disso, seria o caso
de alterar certas regras, tornando-a mais adequada a outros setores. Independente do acerto ou
do desacerto da tese, fato é que a análise empreendida não é jurídica, mas política. Saber se
houve ou não lobby é uma questão de história, de sociologia, não é um problema de Direito. O
que importa para o Direito é se a Lei é compatível ou incompatível com a Constituição, ou
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8
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Serviço público e concessão de serviço público. São Paulo:
Malheiros, 2017, p. 43.
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2.6 Utilidade
não consegue apresentar nada de novo sobre dado tema, desista dele. Procure um tema em que
você possa “contribuir” de alguma forma. O critério é simples: haverá interesse em publicar
seu trabalho ou ele simplesmente diz, de modo pior, o que já foi dito antes?
Devo fazer uma ressalva para não ser mal compreendido. Quando me refiro
ao “interesse em publicar” não me refiro ao “interesse comercial”, mas ao “interesse
científico”. São motivações absolutamente distintas. Do ponto de vista comercial, é bem
possível que haja grande interesse na publicação de um manual que simplesmente reproduza o
que os outros já disseram, como uma apostila ou resumo para concursos. Não é esse interesse
a que me refiro, mas sim ao interesse da comunidade científica tendo em vista o progresso da
Ciência. Sempre que, de alguma forma, a monografia contribua para o progresso da Ciência, a
comunidade científica séria terá interesse em vê-lo publicado.
É possível que, ao final da pesquisa, você não consiga produzir nada
diferente. Nem por isso, com exceção do Doutorado, deixará de obter o título pretendido. Não
haverá sentido em publicar seu trabalho. Como cientista, você terá fracassado. Daí a dica:
escolha um tema que, mesmo antes de realizar a pesquisa, você “sinta” que conseguirá
contribuir, de alguma forma com o progresso científico, dizendo algo diferente do que já foi
dito. Insisto: a diferença não está necessariamente na proposta de uma nova tese, mas na
apresentação de uma diferente sistematização, argumentação, explicação, etc. Se você
escolher um tema que sente que poderá contribuir, a chance de efetivamente contribuir é muito
maior. Em síntese: não se proponha a escrever simplesmente o que outros já escreveram.
Para definir seu tema você deve identificar qual (ou quais) problema(s)
jurídico(s) pretende enfrentar. Deve buscar problemas em que você sinta que conseguirá
contribuir, de alguma forma, ao aprimoramento científico. Apresento-lhe mais uma dica:
escolha um tema que você sabe onde vai chegar. Noutras palavras, escolha um tem que você
sabe qual resposta dará ao problema proposto. Quando da realização da pesquisa, você vai,
certamente, ter que estudar o assunto. É possível que, em alguns aspectos, ao ler novos autores,
ao se deparar com novos argumentos, você mude de opinião. Contudo, seu estudo não deve
partir do zero.
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Guia prático de redação da monografia jurídica
Para se formar em Direito, o bom aluno tem que estudar. Durante a faculdade,
estudará assuntos que sequer tinha conhecimento. Num curso de especialização, mestrado,
doutorado é de se esperar que o discente seja apresentado a autores e teorias que lhe eram
totalmente desconhecidas. É uma ilusão, própria de tolos, pensar que ao final de um Curso de
Direito, seja ele qual for, o discente não necessitará mais estudar. O estudo do direito é similar
ao sacerdócio: é eterno. Ao longo da vida acadêmica e profissional, o estudante deparar-se-á
com novos temas, novas propostas, novas teorias. Insisto: esse estudo, a ser realizado pelo
estudante durante o curso ou após a obtenção do diploma, não se confunde com o estudo para
realização de um trabalho monográfico. O estudo para elaboração da monografia é um estudo
dirigido, que deve partir de uma boa pré-compreensão do assunto.
Quem escolhe um tema totalmente desconhecido, cujas respostas aos
respectivos problemas são totalmente ignoradas, dificulta ao extremo sua empreitada. Ainda
que seja possível chegar a um ótimo resultado — e elaborar uma monografia excelente —, a
probabilidade de êxito é bem menor. Quanto mais o aluno ignora o tema, menor é a sua chance
de realizar um bom trabalho. Por isso, deve escolher um problema que já se saiba resolver.
Pode-se até ignorar todos os argumentos, até mesmo ignorar certos conceitos ou certas
informações, mas é fundamental saber onde se quer chegar. Há uma vinculação entre este item
e o antecedente: em geral, só é possível acreditar que se tem algo a contribuir para um tema,
quando se tem um prévio conhecimento dele e se sabe, de antemão, onde se quer chegar.
Se você não tem a mínima ideia de qual a resposta a dado problema, deixe
para estudá-lo ao longo de sua vida acadêmica, mas não o eleja como objeto de sua monografia.
Após o estudo, e a assunção de uma resposta ao problema, aí sim, ele se torna passível de ser
eleito como objeto de estudo monográfico: um artigo ou uma monografia de grau acadêmico
mais elevado. Em suma: nunca escolha para a realização de um trabalho um tema totalmente
desconhecido, cuja conclusão principal seja, de início, ignorada.
Em relação à escolha do tema apresento uma última dica: escolha temas que
tenham afinidade com seu orientador. É surpreendente como tantos alunos violam essa diretriz.
Eu escrevi um trabalho intitulado “Arbitragem e Administração Pública: contribuição para o
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Guia prático de redação da monografia jurídica
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10
Uma versão atualizada foi publicada em: MARTINS, Ricardo Marcondes. Estudos de direito administrativo
neoconstitucional. São Paulo: Malheiros, 2015, Cap. 2, p. 63-81.
11
Conforme esclarece A. F. Chalmers: “Um cientista normal não deve ser crítico do paradigma em que
trabalha”. (CHALMERS, A. F. O que é ciência afinal? Tradução Raul Fiker. São Paulo: Brasiliense, 1993,
p.126.
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Guia prático de redação da monografia jurídica
Direito a “verdade científica” não é obtida pela experimentação, mas pelo convencimento.
Assim, não é possível demonstrar ao orientador o acerto ou desacerto de uma tese por meio de
uma “prova científica”, de uma “experiência realizada em laboratório”. No Direito, que é uma
disciplina deôntica, um campo hermenêutico, ou seja, uma Ciência da interpretação, descabe
falar em demonstração, mas, sim, em convencimento12.
Em que pese essa diferenciação, considero, regra geral, problemático, mesmo
nas ciências naturais, escolher um orientador que assume teses científicas incompatíveis com
as que se pretende defender. Isso porque, apesar de a tese ser, nas Ciências naturais, passível
de demonstração, todo cientista assume um programa teórico e tende a defendê-lo mesmo
diante da comprovação de certos desvios13. Sem embargo, esse problema é, de certa forma,
contornado com a possibilidade de demonstração efetiva do desacerto do modelo. Pode-se
dizer que nas Ciências naturais, a escolha de um orientador que adota um modelo contraditório
com o que se pretende sustentar é inconveniente, mas não impossível.
No Direito — e este manual tem por objeto a realização de monografias
jurídicas — em que a demonstração do desacerto da tese é impossível, em que o cientista se
convence do acerto de uma tese a partir da assunção de uma série de premissas teóricas,
estabelecidas após reflexão, e muitas vezes assentadas em questões puramente ideológicas —
não há apenas inconveniência, mas praticamente impossibilidade. É sempre oportuno lembrar
a lição de Tobias Barreto, difundida por Carlos Ayres Britto: Direito “não é só uma coisa que
se sabe; é também uma coisa que se sente”14. O Cientista do Direito convence-se de uma tese
não apenas por argumentos linguísticos, de interpretação literal, filológica, do texto normativo.
Mas por convicções sobre a justiça da proposta hermenêutica. Digo isso para evidenciar como
é problemático pretender “convencer” o cientista do Direito do desacerto da tese por ele
sustentada.
Não quero ser mal interpretado: um bom cientista do Direito muda bastante
de opinião em decorrência de novas leituras, novas reflexões. Contudo, o aluno que assume a
empreitada de, ele próprio, “convencer” seu orientador a mudar de opinião, assume uma tarefa
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12
PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova retórica. Tradução
Maria Ermantina Galvão. 1. ed., 5. tir. São Paulo: Martins Fontes, 2002, §1º, p. 15-17.
13
É o que explica com muita didática: CHALMERS, A. F. O que é ciência afinal?, op. cit., p. 112.
14
AYRES BRITTO, Carlos. O Humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 75.
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Guia prático de redação da monografia jurídica
boa parte do que se disse. Deve-se evitar esse risco mediante a assunção de temáticas diferentes
e, para tanto, o recomendável é a adoção de assuntos diferentes. Por exemplo, no mestrado
tratei dos efeitos dos vícios do ato administrativo — tema referente ao assunto “ato
administrativo” —, no doutorado tratei da regulação administrativa —, tema referente à
intervenção do Estado na ordem econômica e social. Ao adotar assuntos diferentes, o autor
evita, de modo bastante eficaz, o risco de propor trabalhos similares para obtenção de diferentes
titulações.