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A CRONOLOGIA DA CRUCIFIXÃO:

Uma visão adventista atualizada


por André Reis, Ph.D.

Autores adventistas consideram a crucifixão de Cristo em 31 AD como uma “âncora” que


comprova a interpretação historicista dos períodos proféticos de Daniel.1 O presente artigo fornece
uma abordagem interdisciplinar para a cronologia da crucifixão a partir de uma leitura atenta do texto
bíblico, o calendário lunar judaico do primeiro século AD e aspectos astronômicos do calendário
lunar.

Dados Cronológicos nos Evangelhos

A fim de abordar adequadamente as questões relacionadas com a data da crucifixão, é importante


considerar certos aspectos cronológicos encontradas no Novo Testamento.

1. Mateus 2: 1, 19: E, tendo nascido Jesus em Belém de Judéia, no tempo do rei Herodes” ;
“Morto, porém, Herodes” (ACRF)
2. Lucas 3:1–2: “No décimo quinto ano do reinado de Tibério César, sendo Pôncio Pilatos
governador da Judéia, Herodes, tetrarca da Galiléia, seu irmão Filipe, tetrarca da região da Ituréia e
Traconites, e Lisânias, tetrarca de Abilene, sendo sumos sacerdotes Anás e Caifás, veio a palavra de
Deus a João, filho de Zacarias, no deserto.
3. Lucas 3:23: “Ora, tinha Jesus cerca de trinta anos ao começar o seu ministério…”
4. João 2:20: “Replicaram os judeus: Em quarenta e seis anos foi edificado este santuário, e tu,
em três dias, o levantarás?
Abaixo analisamos esses detalhes brevemente, pois afetam a cronologia da crucifixão.

1. l=å~ëÅáãÉåíç=ÇÉ=gÉëìë=É=~=ãçêíÉ=ÇÉ=eÉêçÇÉë
O ano 4 a.C. como o ano da morte de Herodes foi inicialmente proposto por Emil Schürer no
final do século XIX. No entanto, muitos estudiosos têm questionado essa conclusão.2 Por exemplo,

––André Reis, Ph.D. é bacharel em Teologia pelo UNASP e doutor em Novo Testamento pela
Universidade Adventista de Avondale.
1
Veja Grace Amadon, “Ancient Jewish Calendar Construction,” Ministry Magazine, March–April issues (1944); ibid., “The
‘Wednesday’ Crucifixion Argument,” Ministry Magazine, May–June (1942); ibid., “The Crucifixion Calendar,” Journal of Biblical
Literature 63/2 (June 1944): 177–190; ibid., “Ancient Jewish Calendation,” Journal of Biblical Literature 61/4 (Dec 1942): 227–280; C.
Mervyn Maxwell, God Cares, vol. 1 (Boise, ID: Pacific Press Publishing Association, 1981), 260–3; Juarez R. de Oliveira, Chronological
Studies Related to Daniel 8:14 and 9:24–27 (Engenheiro Coelho, SP, Brasil: Imprensa Universitária Adventista, 2004), 46; Henderson
Velten e Juarez de Oliveira, A Astronomia e a Glória do Adventismo: Um Estudo Sobre a Precisão do Cálculo Profético de Daniel 8:14 e
9:24–27 (Laranja da Terra, Brazil: Editora Luz do Mundo, 2019), 187–235.
2
Emil Schürer, A History of the Jewish People in the Time of Jesus Christ, 5 vols. (New York, NY: Scribners, 1896). Veja Ormond Edwards,
“Herodian Chronology” Palestine Exploration Quarterly 114 (1982) 29–42; W. E. Filmer, “Chronology of the Reign of Herod the Great,”
Journal of Theological Studies 17 (1966): 283–298; Paul Keresztes, Imperial Rome and the Christians: From Herod the Great to About 200
Paul Maier propôs o ano 1 a.C. como o ano da morte de Herodes, João Pratt 1 AD e Andrew
Steinmann 1 a.C.3 Esses desafios são baseados em parte nas informações fornecidas por Josefo. Em
primeiro lugar, Josefo diz que Herodes era quase setenta anos de idade quando morreu, enquanto em
4 aC, teria 67. Segundo, Josefo fala de um eclipse lunar pouco antes da morte de Herodes, geralmente
aceito como o eclipse de 13 março 4 aC, mas o tempo entre este eclipse e Páscoa em 4 aC tem sido
chamado de “o mês impossível” porque Josefo descreve uma série de eventos entre a morte de
Herodes e a próxima Páscoa que exige muito mais do que os 29 dias permitidos em 4 a.C. (com uma
Páscoa na lua cheia de 11 de abril).4 O próximo eclipse lunar que permitiria tempo suficiente para
todos os eventos antes da Páscoa poderia ser o eclipse de 10 de janeiro, 1 a.C., que permite um total
de 92 dias antes da Páscoa.5 Neste caso, Jesus poderia ter nascido no ano 2 a.C. o que se encaixa bem
com os 30 anos de Jesus no 15º ano de Tibério, ano esse que analisaremos em seguida.

2. l=ǨÅáãç=èìáåíç=~åç=ÇÉ=qáĨêáç
Lucas oferece talvez a mais importante informação cronológica sobre o ministério de Cristo
quando diz que João Batista começou seu ministério no décimo quinto ano do imperador romano
Tibério. A datação adventista tradicional desse ano baseia-se numa suposta corregência com Augusto
em 11–12 AD, que poria seu 15º ano entre 26–27 AD. Essa datação foi inicialmente proposta pelo
padre católico James Ussher, no século XVI.6 No entanto, este cálculo também tem sido questionado
recentemente porque, embora existam registros de um período no qual o Senado atribuiu funções
especiais a Tibério (tribunicia potestas e imperium maius), não há evidências de que o reinado de
Tibério tenha sido calculado a partir de nenhuma outra data exceto da morte de Augusto (Agosto–
setembro de 14 AD).7 Josefo, por exemplo, considera Tibério como imperador somente após a morte
de Augusto.8 Evidências arqueológicas também confirmam que o primeiro ano de Tibério começou
em 14 AD.9 O historiador romano Tácito relata que Tibério morreu no ano 23 do seu reinado e

AD (Lanham, MD: University Press of America, 1989), 1–43; Ernest L. Martin, The Birth of Christ Recalculated, 2nd ed. (Pasadena, CA:
Foundation for Biblical Research, 1980); ibid., “The Nativity and Herod’s Death”, in Chronos, Kairos, Christos: Nativity and
Chronological Studies Presented to Jack Finegan, ed. Jerry Vardaman and Edwin M. Yamauchi (Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 1989),
85–92.
3
Paul Maier, “Sejanus, Pilate and the Date of the Crucifixion,” Church History 37/1 (1968): 3–13; John Pratt, “Yet Another Eclipse for
Herod,” The Planetarian 19/4 (Dec. 1990): 8–14; Andrew E. Steinmann, “When Did Herod the Great Reign?” Novum Testamentum 51
(2009): 1–29; Josefo, Guerras dos Judeus, 1:646; Antiguidades dos Judeus, 17:191.
4
Pratt, “Another Eclipse,” 9; Josefo, Antiquities of the Jews 17.168–205. Este eventos são: (1) a enfermidade de Herodes se agrava; (2)
Herodes é levado 16 km a um lugar de águas termais mas volta ainda doente; (3) Herodes chama a todos os oficiais de todas as aldeias
(100–120 km); (4) Seu filho Antipater é executado e Herodes morre 5 dias depois; (5) um funeral suntuoso é planejado e executado; seu
cuerpo é levado 40 km e enterrado; (6) um luto de 7 dias começa, seguido de uma festa; (7) outro luto público para os patriotas
assassinados por Herodes antes do eclipse. Cf. Steinmann, “When Did Herod the Great Reign?”; Ernest L. Martin, (The Birth of Christ
Recalculated [Pasadena, CA.: Foundation for Biblical Research, 1980], 29–34) e Timothy David Barnes (“The Date of Herod’s
Death,” Journal of Theological Studies 19 [1968]: 204–19), propõem 54 e 60 dias respectivamente.
5
W. Filmer, “Chronology of the Reign of Herod the Great,” Journal of Theological Studies 17 (1966): 283–298.
6
Veja I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: A Commentary on the Greek Text. The New International Greek Testament Commentary
(Exeter: Paternoster Press, 1978), 133.
7
Veja Brian Messner, “In the Fifteenth Year” Reconsidered: A Study of Luke 3:1,” Stone-Campbell Journal 1/2 (1998): 201–211.
8
Josefo, Ant., 18.33.
9
Husband, “The Year of the Crucifixion,” 26, cita a inscrição em homenagem a um certo Germanicus que morreu em 19 AD: Anno V
Ti. Caes(aris), i.e., “No 5o ano de Tibério César.”
Suetônio relata que ele tinha 78 anos de idade, quando morreu em 37 AD.10 Considerando a forte
evidência do nascimento de Cristo por volta do ano 2 aC, as informações fornecida por Lucas 3:23
os “cerca de trinta anos” de Jesus quando começou seu ministério se encaixam bem com o décimo
quinto ano de Tibério no ano 29–30 AD. Portanto, seu décimo quinto ano no cálculo de Lucas
provavelmente acompanhou o cômputo Juliano, começando em 14 AD. Em 29–30 AD, João
começou a pregar e Jesus seguiu pouco depois, completando um ministério de 3,5 anos (4 Páscoas)
de acordo com o Evangelho de João. Os estudiosos também apontaram que o termo usado por Lucas
para se referir a Teófilo, “kratiste”, “excelente” é reservado aos oficiais romanos no livro de Atos (23:26,
24:2), o que indicaria que Teófilo como possível oficial romano seguiria essa datação do reinado de
Tibério.11
Portanto, o cálculo do reinado de Tibério a partir de uma suposta corregência com Augusto
baseado em um cálculo bastante sombrio de Siro-Macedonio é, no melhor dos casos, especulativo.
Ao comentar as evidências em favor do 29 AD Como o começo do ministério de João, Richard W.
Husband concluiu mais de um século atrás:

A opinião, portanto, de que o verso de Lucas definindo o momento em que a palavra do Senhor veio a João,
refere-se ao ano 26, é contrário à opinião dos historiadores sobre a data do início do reinado de Tibério, é
contrária à opinião da igreja primitiva, é contrária à opinião de Josefo e Filo, é refutada pela evidência de papiros
e inscrições, não tem apoio do uso da palavra ἡγεμονία [de Tibério] ... Portanto, o versículo de Lucas deve ser
interpretado naturalmente, o que torna a evidência conclusiva de que o ministério de Jesus não poderia ter
começado até o 29º ano, no mínimo.12

3. môåÅáç=máä~íçë=å~=gìǨá~
Josefo afirma que Pilatos foi nomeado procurador da Judéia 11 anos após o reinado de Tibério e
permaneceu lá por 10 anos, quando foi convocado a Roma em 36 AD. Este período é geralmente
aceito como 26–36 AD.13 Seu período na Judéia teve duas fases, uma de confronto aos costumes
judaicos, seguida de uma fase de tolerância.14 Estudiosos argumentam que a tolerância de Pilatos em
relação aos judeus começou após a morte de seu protetor em Roma, Sejano, um notório anti-semita,
que foi executado como traidor por Tibério em 18 de outubro de 31 AD.15 Maier argumenta que essa
dependência de Sejanus é evidente na ameaça dos judeus de denunciá-lo a Tibério, possivelmente
por causa de conluio com Sejano (veja João 19:12). A perda do status de amicus Caesaris, “amigo de
César” seria uma sentença de morte. Finalmente, as moedas do período de Pilatos também mostram

10
Annals, 4:1; 6.45, 50, 51; Tiberius 73:1; Veja The Lives of the Twelve Caesars by C. Suetonius Tranquillus, Loeb Classical Library,
1913), 397.
11
Marshall, The Gospel of Luke: A Commentary on the Greek Text, 43; Jacques Doukhan, Drinking at the Sources (Boise, ID: Pacific
Press, 1981), 135.
12
Richard W. Husband, “The Year of the Crucifixion,” Transactions and Proceedings of the American Philological Association 46 (1915):
26.
13
Josefo, Ant., 18.33–35, 89.
14
Ibid., 18.3, 1, 55–59; Guerras, 2.9, 2–3.
15
Veja Paul Maier, “Sejanus, Pilate and the Date of the Crucifixion,” Church History 37/1 (1968): 3–13; Harold Hoehner, “Pontius
Pilate”, Dictionary of Jesus and the Gospels, 615; Everett Ferguson, Backgrounds of Early Christianity (3ed.; Grand Rapids: Eerdmans,
2003), 32; Craig Keener, The Gospel according to John: A Commentary (Peabody, MA: Hendrickson, 2003) 2:1128; E. Mary Smallwood,
The Jews under Roman Rule: From Pompey to Diocletian (Leiden: Brill, 1976), 167–170; Brian E. Messner, “ ‘No friend of Caesar’: Jesus,
Pilate, Sejanus, and Tiberius,” Stone-Campbell Journal 11/1 (2008): 47–57. Suetonius Tiberius 61.2; Tacitus Annals, 6.18–19 and Dio
Cassius 58.14.1.
uma mudança na política após 31 AD, o que pode indicar o consentimento de Pilatos aos judeus
após 31 AD. A instituição do costume de libertar um prisioneiro antes da Páscoa pode inclusive ser
uma evidência disso.16

4. ^=Åçåëíêì´©ç=Çç=íÉãéäç=eÉêçÇá~åç
João 2:20 estabelece o início do ministério de Cristo aproximadamente 46 anos depois da
construção do templo de Herodes. Josefo diz que a obra inicial de restauração do templo começou
cerca de 10 anos após a guerra de Áctio (2 de setembro de 31 a.C.), ou seja, no final de 21 ou na
primavera 20 aC, e foi concluída cerca de 18 meses mais tarde, entre fins de 18 a.C. e a primavera de
17 a.C., estabelecendo assim o ano 46 da sua conclusão antes da Páscoa, 30 AD (considerando-se que
não há um ano “0”).17 A restauração continuou depois disso e só foi finalizada em 64 AD, 6 anos antes
da sua devastação nas mãos dos Romanos.
Assim, a informação histórica fornecida nos Evangelhos questiona a cronologia tradicional e
coloca o início do ministério de Cristo de forma bastante decisiva entre 29 e 30 AD. Com isso em
mente, agora nos concentramos no impacto desses dados na cronologia da semana da Paixão.

A Cronologia da Páscoa no Primeiro Século AD

Esta seção trata dos temas que giram em torno da cronologia da Páscoa como encontrada nas
Erscrituras. De acordo com o Antigo Testamento e a tradição judaica no tempo de Jesus, o seguinte
era o cronograma da Páscoa, de 13–16 de Nisã, os dias mais importantes para os nossos propósitos
neste estudo. Os leitores devem ter em mente que o dia judaico começava ao entardecer. Este
diagrama não é uma lista exaustiva e não possui os dias da semana, os quais são complementados
posteriormente neste artigo após a análise dos dados.

A CRONOLOGIA DA PÁSCOA –- PRIMEIRO SÉCULO AD


14 de Nisã
15 de Nisã 16 de Nisã
13 de Nisã Erev Pesach = “véspera da Páscoa”
Páscoa – Pães Asmos Festa das Primícias
“dia da preparação dos judeus”

Noite Dia Noite Dia Noite Dia Noite Dia

Fermento *Cordeiro pascal


queimado até o comido depois
meio dia do pôr do sol
“grande dia” de Festa das
Fermento tirado das casas à Trabalho *Primeiro dia da
sábado = “santa Primícias: molho
noite à luz de velas e permitido até o Páscoa
convocação” de cevada
queimado meio
do primeiro dia apresentado no
* Festa dos Pães
da Páscoa templo
Cordeiro pascal Asmos começa e
(Êxo 12:16)
sacrificado à tarde dura 7 dias
“Santa
convocação”
(Êxo 12:16)

16
Ethelbert Stauffer, “Zur Münzprägung und Judenpolitik des Pontius Pilatus,” La Nouvelle Clio, I & II (1949–1950), 495–514 citado
por Paul Maier, “Sejanus, Pilate and the Date of the Crucifixion,” Church History 37/1 (1968): 3–13.
17
Josefo, Ant., 15.354; 421; Guerras, 1.398–399.
A questão que está em jogo na determinação da cronologia da Semana da Paixão é se Jesus foi
crucificado no próprio dia da Páscoa (15 de Nisã) ou “véspera da Páscoa” (14 de Nisã) quando o
cordeiro a Páscoa era sacrificado. A aparente discrepância é criada pela cronologia de Marcos (seguida
por Mateus e Lucas) que parece indicar que Jesus e os discípulos celebraram a Páscoa na quinta-feira,
enquanto João afirma que os judeus ainda não tinha comido o cordeiro pascal na sexta-feira pela
manhã (João 18:28; 19:14, 31). Todos os evangelhos indicam que Cristo morreu no dia anterior ao
sábado semanal (Marcos 15:42; Mateus 27:62; Lucas 23:54; João 19:42).
Em seguida, analisaremos as evidências dos Evangelhos segundo uma leitura mais provável dos
Sinóticos em relação a João.

A “Última Ceia” nos Evangelhos Sinóticos

A primeira questão que devemos abordar ao tentar datar a crucifixão é se a Última Ceia nos
Evangelhos Sinóticos foi realmente uma celebração completa da Páscoa com cordeiro e tudo, ou um
jantar diferente. Estudiosos têm reconhecido que a seqüência de eventos da Paixão, como descrito
na cronologia de Marcos (seguido por Mateus e Lucas) e o Evangelho de João não parece ser uma
correspondência exata com João se os Sinóticos são tomadas de forma rígida. Em uma tentativa de
conciliar os Sinóticos com of Evangelho de João, Annie Jaubert argumentou que Jesus celebrou a
Páscoa na quinta-feira como o calendário essênio segundo os Sinóticos, enquanto a Páscoa em João
ocorre de acordo com o calendário oficial do templo segundo o qual o cordeiro era sacrificado no
templo antes do pôr do sol em 14 de Nisã e o comido depois do anoitecer, na tarde do dia 15 de Nisã.
Na década de 1940, a pesquisadora adventista Grace Amadon––em contravenção à prática judaica
aceita e a fim de acomodar sua leitura dos relatos Sinóticos e Joanino–– argumentou que o cordeiro
da Páscoa era sacrificado antes do pôr do sol em Nisan 13.18 Ambas ideias foram amplamente
rejeitadas por estudiosos.19
Lido muito rapidamente, Marcos parece indicar que Jesus celebrou a Páscoa na noite de quinta-
feira. No entanto, há sérios problemas com esta leitura, como delineados abaixo:

a. Os judeus não queriam crucificar Jesus durante a “festa” da Páscoa (Marcos 14:2);
b. Nenhuma menção é feita ao sacrifício do cordeiro pascal para a Última Ceia;
c. Barrabás é libertado depois que a Páscoa já havia começado, o que cria um anacronismo
(Marcos 15:6–20);
d. Jesus é preso, julgado e crucificado num dia de Páscoa, um dia de “santa convocação” e um
sábado festivo para os judeus;
e. José de Arimatéia compra um pano de linho durante um sábado de Páscoa (Marcos 15:46, veja
João 13:26);
f. A crucifixão em 15 de Nisã quebra a tipologia do cordeiro pascal, que era morto em 14 de Nisã;

18
Amadon., “Ancient Jewish Calendation,” 245. Veja a crítica das idéiade de Amadon em Richard A. Parker, “Ancient Jewish
Calendation: A Criticism,” Journal of Biblical Literature 63/2 (June 1944): 173–176.
19
Annie Jaubert, The Date of the Last Supper (New York: Alba House, 1965). Veja also Barry D. Smith, “The Chronology of the Last
Supper,” Westminster Theological Journal 53 (1991): 29–45; Veja Massey Shepherd Jr., “Are Both the Synoptics and John Correct about
the Date of Jesus’ Death?” Journal of Biblical Literature (1961): 123–132; Veja Livro dos Jubileos, 49:1, 2, 10–12.
g. A ressurreição de Jesus no domingo quebra a tipologia da Festa das Primícias, que teria
acontecido no sábado de manhã, 16 de Nisã de acordo com uma sexta-feira 15 de Nisã

Assim, embora a cronologia da Paixão no Evangelho de Marcos parece indicar que Jesus celebrou a
Páscoa com seus discípulos, esta não parece ser a leitura mais plausível do texto por várias razões e
uma conclusão alternativa deve ser oferecida. Primeiramente, a declaração de Marcos: “ E, no
primeiro dia da Festa dos Pães Asmos, quando se fazia o sacrifício do cordeiro pascal, disseram-lhe
seus discípulos: Onde queres que vamos fazer os preparativos para comeres a Páscoa?” (14:12), pode
indicar se trata do dia em que os preparativos eram feitos para a Festa da Páscoa dos Pães Asmos (13
de Nisã) e o dia 14 começaria ao pôr-do-sol daquela tarde. Curiosamente, enquanto Lucas mantém
a explicação “quando eles sacrificaram o cordeiro pascal”, Mateus a elimina. Como o dia judaico
começa ao anoitecer, os Sinóticos pode estar indicando que a Última Ceia ocorreu na noite de 14 de
Nisã (quinta-feira), o primeiro dia do festival. Em segundo lugar, nenhum dos Sinóticos afirma que
eles “comeram” a Páscoa, mas simplesmente a prepararam, o que provavelmente significa que os
eventos foram organizados para que ocorreria no dia seguinte, 14 de Nisã.20 A ausência de elementos
de Páscoa nos Evangelhos Sinóticos––e a completa ausência de qualquer menção da Páscoa na
Última Ceia em João––têm levado estudiosos a entender que os preparativos para a Páscoa descritos
nos Sinóticos referem-se aos preparativos necessários para os judeus 13–14 de Nisã, sendo que o 14
constitui o que ainda é chamado no judaísmo Erev Pesach, a “véspera da Páscoa”. O Talmude de
Jerusalém Pesachim 1:1 também indica que os preparativos para a Páscoa começavam com a remoção
do fermento na noite de 13 de Nisã ao pôr do sol: “Na noite antes do décimo quarto [13 de Nisã]
procuram fermento luz de velas”. Assim, a preparação da sala onde a Última Ceia aconteceu, pelos
discípulos durante o dia quinta-feira 13 de Nisã, encaixa bem como a remoção do fermento e outros
preparativos para a festa. Em terceiro lugar, todo judeu tinha que fornecer seu próprio cordeiro pascal
(isto não poderia ser delegado a outra pessoa), e o complexo processo necessário para sacrificar incluía
obter um cordeiro, ir ao templo, esperar horas––devido ao grande número de sacrifícios oferecidos–
–trazer o cordeiro de volta para casa para assá-lo e comê-lo, sem falar dos preparativos adicionais, tais
como amassar e assar o pão sem fermento, preparar ervas amargas, obter os oinos (vinho) etc. Não há
nos Sinóticos nenhuma indicação de que Jesus e os outros discípulos tenham passado por esse
processo e sacrificado o cordeiro no templo naquele dia.
Que tipo de celebração os Sinóticos descrevem então, se não foi a Páscoa? Quando lemos os
Sinóticos em comparação com João––que coloca a Última Ceia “antes da Páscoa” (João 13:1)–– esta
refeição não poderia ser a Páscoa, mas sim uma refeição particular de Jesus com os discípulos em
preparação para as festividades da Páscoa em estilo da refeição judaica seudat mitzvah.21 Podemos
encontrar evidência disso em duas declarações feitas por Jesus em Mateus 26:18: “E ele lhes
respondeu: Ide à cidade ter com certo homem e dizei-lhe: O Mestre manda dizer: O meu tempo está
próximo; em tua casa celebrarei a Páscoa com os meus discípulos”; e Lucas 22:15: “E disse-lhes:
Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa, antes do meu sofrimento.” Essas duas

20
Veja Yaakov Meir Strauss, “The Erev Pesach Chagigah-Offering,” in Three Special Days: A Young Boy and His Family Celebrate
Pesach During the Time of the Second Temple (Jerusalem/New York: Feldheim Publishers, 2003), 146–161.
21
Veja David H. Stern, Jewish New Testament Commentary (Clarksville, MD: Jewish New Testament Publications, Inc., 1992), 77.
declarações indicam uma celebração privada com os discípulos “antes” do sacrifício do cordeiro
pascal; Jesus, sabendo que iria cumprir a tipologia da Páscoa no dia seguinte, instituiu a Última Ceia
enquanto ainda havia tempo.22
Esta leitura da Última Ceia como nos Sinóticos remove as aparentes discrepâncias entre a
cronologia de Marcos e a cronologia do Evangelho de João, como vemos a seguir.

A Paixão no Evangelho de João

João oferece os seguintes dados cronológicos da Paixão:

a. A Última Ceia acontece “antes da festa da Páscoa” (João 13:1);


b. Os discípulos entendem que Jesus instruiu Judas a comprar algo para a festa, mas os mercados
estariam fechados para o sábado de Páscoa 15 de Nisã (João 13:26);
c. João 18:28 indica que no dia em que Jesus foi crucificado os judeus ainda não tinham comido
o cordeiro pascal;
c. João 19:14; 31 coloca a crucifixão antes do sábado semanal––em uma sexta-feira, “a parasceve
pascal” (19:14, ARA)––que naquele ano coincidiu com o sábado do primeiro dia da Páscoa (15 de
Nisã): “
e. João 19:42 reitera que Jesus foi crucificado na “preparação dos judeus”, isto é, antes do sábado
semanal

Há quem defenda que a festa da Páscoa já havia começado na noite de quinta-feira e que os
judeus não queriam se contaminar para continuar celebrando a Páscoa na sexta-feira. Mas esta leitura
cria uma série de problemas. Primeiro, a expressão “comer a Páscoa” em João 18:28 refere-se
inequivocamente a comer o cordeiro pascal no dia 15 de Nisã logo após o pôr do sol. Segundo, os
líderes judeus queriam evitar matar Jesus durante a Páscoa, como lemos em Marcos 14:1–2: “Dali a
dois dias, era a Páscoa e a Festa dos Pães Asmos; e os principais sacerdotes e os escribas procuravam
como o prenderiam, à traição, e o matariam. Pois diziam: Não durante a festa, para que não haja
tumulto entre o povo.” Esse receio pode ser visto nos esforços por parte dos judeus de evitar transgredir
as celebrações da Páscoa, na maneira em que se apressaram para julgar Jesus tarde da noite na quinta
e na madrugada da sexta-feira, agilizaram uma crucifixão antes do início da Páscoa e do sábado e
pediram a remoção dos corpos da cruz para evitar profanar tanto o sábado quanto a Páscoa. Há que
lembrar que o dia 15 de Nisã era um dia de descanso sabático e a idéia de que os judeus iriam
participar em um julgamento capital e uma crucifixão no primeiro dia de Páscoa e ainda um sábado
de “santa convocação” (Exod 12:16) é simplesmente insustentável.

1. A “preparação da Páscoa”. João 19:14 diz: “E era a preparação da páscoa, e quase à hora sexta;
e disse aos judeus: Eis aqui o vosso Rei.” Há quem sustente que a “preparação para a Páscoa” era
simplemente uma “sexta-feira da semana da Páscoa”. Mas o termo técnico para o dia da semana

22
Além disso, há evidências que a igreja primitiva celebrava a Santa Ceia como uma “refeição agape” que era uma celebração da vida
cristã para comunhão e ação de graças sem referência à Páscoa.
judaica entendida como “sexta-feira” não é realmente paraskeue (lit. “preparação”), mas prosábbaton,
“antes de sábado”, conforme explicado em Marcos 15:42: “Ao cair da tarde, por ser o dia da
preparação [paraskeue], isto é, a véspera do sábado [prosábbaton].” Além disso, se paraskeue por si só
é um” termo técnico para sexta-feira, devemos perguntar por que João acrescenta tou pascha (“da
Páscoa”) para a expressão se ele já havia indicado em 18:28 que esses eventos estavam acontecendo
durante a Páscoa. Por essa razão, deve haver uma explicação mais convincente para esta nota
explicativa de João.23
O fato é que tomar paraskeue tou pascha como “sexta-feira da semana da Páscoa” remove um
importante contexto semítico dessa expressão. Devemos ter em mente que o Novo Testamento foi
escrito em grego por judeus palestinos que freqüentemente pensavam em hebraico e aramaico, mas
escreviam em grego, o que produzia construções sintáticas que os gregos não escreveriam. Muitas
vezes, o grego do NT deve ser traduzido em aramaico ou hebraico para esclarecimento. Um bom
exemplo é o livro de Apocalipse, que está cheio de hebraísmos.24 Como muitos comentaristas de João
indicam, a frase grega paraskeue tou pascha em João 19:14 provavelmente tem a frase técnica hebraica
erev pesach, lit. “a véspera da Páscoa” (cf. a ARA “parasceve pascal”) como pano de fundo, que se
refere ao dia anterior à festa da Páscoa––14 de Nisã––quando o cordeiro pascal era sacrificado.25 Os
regulamentos para o que ainda é observado como o Erev Pesach são encontrados no antigo livro de
leis judaicas, o Mishnah, e permanecem em vigor até hoje no judaísmo.26
Além de Erev Pesach, também parece claro que João usa paraskeue para se referir aos preparativos
para o sábado semanal em João 19:31 e 42, onde ele usa “paraskeue ton Ioudaion”, “a preparação dos
judeus” para o sábado semanal. Aqui, novamente, devemos nos perguntar se seria necessário
adicionar o adjetivo “judeu” se paraskeue por si só significasse “sexta-feira”. O que emerge aqui é que
estamos lidando com diferentes significados da palavra paraskeue, regidos pelo genitivo tou pascha e
ton Ioudaion. Isso indica que João tem diferentes aplicações para a palavra em mente: um paraskeue
se aplica à “véspera da Páscoa” e o outro se aplica ao sábado judaico. Tomado em conjunto, portanto,
o uso de paraskeue por João para tanto a “véspera da Páscoa”/Erev Pessach bem como para o “dia
judeu de preparação” para o sábado semanal indica inequivocamente que a Páscoa/15 de Nisã nesse
ano caiu no sábado e não sexta-feira.
E há uma razão teológica muito importante pela qual João destaca os eventos que acontecem na
“véspera da Páscoa”: Jesus morreu exatamente quando os cordeiros pascais estavam sendo sacrificados
no templo, demonstrando que Ele cumpriu a tipologia de cordeiro da Páscoa como “o cordeiro de
Deus” (João 1:29, 36; cf. 19:36). Até a hora da crucifixão é relevante para João: enquanto Marcos
coloca a crucifixão de Jesus na terceira hora, ou seja, 9:00 (cf. Mar 15:25), João atrasa sua liberação
23
Alberto Treiyer, “The Chronology of Passover and the Passion According to the Bible, the Astronomy, and the Spirit of Prophecy,”
(manuscrito não-publicado, 2019).
24
Veja Salomon Glassius, Philologiae sacrae qua totius sacrosanctae Veteris & Novi Testamenti, scripturae, tum stylus & Literatura, tum
sensus & genuinae interpretationis ratio expenditur, 5 vols., 5th ed. (Frankfurt: 1623); G. Adolf Deissmann, Bible Studies: Contributions
Chiefly from Papyri and Inscriptions to the History of the Language, the Literature, and the Religion of Hellenistic Judaism and Primitive
Christianity, 2nd ed., trans. Alexander Grieve (Edinburgh, 1909); James W. Voelz, “The Language of the New Testament,” ANRW
II.25.2: 894–977; Max Wilcox, “Semitisms in the New Testament,” ANRW II.25.2: 977–1029; Steven Thompson, Apocalypse and
Semitic Syntax (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1985), 1.
25 Solomon Zeitlin, “The Date of the Crucifixion According to the Fourth Gospel,” Journal of Biblical Literature 51/3 (1932): 268.
26
Veja Shulchan Aruch Orach Chayim, Misnah Berurah: The Classic Commentary to Shulchan Aruch Orach Chayim Comprising the
Laws of Jewish Conduct, ed. Rabbi Aviel Orenstein, vol. 5B (Jerusalem: Pisgah Foundation, 1995), 225–257.
para ser crucificado para o “meio-dia” (cf. 19:14). A partir deste momento, até que chegasse ao
Gólgota carregando a cruz e morresse, deve ter levado várias horas, o que justapõe a sua morte ao
momento em que os cordeiros eram oferecidos no templo antes do pôr do sol de 14 de Nisã. Gerald
L. Borchert declara neste ponto: “Esse dia era o dia em que o Cordeiro de Deus seria sacrificado para
a última Páscoa. Esse dia era o mesmo em que o povo de Israel sacrificava o cordeiro, preparando-se
para a celebração da Páscoa. O simbolismo é tão poderoso que é quase irresistível em suas
implicações”.27

2. O “grande dia” de sábado. João 19:31 diz: “Então, os judeus, para que no sábado não ficassem
os corpos na cruz, visto como era a preparação, pois era grande o dia daquele sábado, rogaram a Pilatos
que se lhes quebrassem as pernas, e fossem tirados.” Há quem diga, por exemplo, que a festa da Páscoa
não era um sábado completo portanto, este “grande dia” de sábado em João 19:31 é um sábado
especial porque ocorreu dentro da semana da Páscoa e que o sábado semanal era mais sagrado do
que o sábado de Páscoa, dia de santa convocação. O objetivo desse argumento é tenta minimizar este
“grande dia” de santa convocação a fim de manter 15 de Nisã na sexta-feira. Mas este argumento
ignora que a referência a este “grande dia” de sábado (megale hemera ekeinou tou sabatou) é derivado
de Êxo 12:16, que diz sobre a Páscoa: “Ao primeiro dia, haverá para vós outros santa assembléia;
também, ao sétimo dia, tereis santa assembléia; nenhuma obra se fará nele, exceto o que diz respeito
ao comer; somente isso podereis fazer.”28 O texto de Isa 1:13 na LXX usa exatamente a mesma
expressão como João quando trata tanto de um sábado como um “grande dia” como diferentes
eventos: “e também as Festas da Lua Nova, os sábados [ta sabbata], e a convocação das congregações
[kai hemeran megalen]; não posso suportar iniqüidade associada ao ajuntamento solene.” Portanto, é
muito provável que João esteja usando a linguagem de Isaías para coincidir o sábado semanal
juntamente a “santa convocação” convocada para o primeiro dia da Páscoa, 15 de Nisã, que
começaria ao pôr do sol daquela sexta-feira até o pôr do sol de sábado.
Finalmente, o pedido por parte dos líderes judeus para que os corpos fossem removidos da cruz
para este “grande dia” sábado e primeiro dia da Páscoa coloca um outro desafio para a idéia de que
Jesus foi crucificado no primeiro dia de Páscoa visto que um julgamento capital e uma crucifixão
neste dia de sábado seriam tão objetáveis quanto permitir que os corpos crucificados passassem a noite
na cruz (cf. Deut 21:22–23). George R. Beasley-Murray conclui corretamente: “Para os líderes judeus
era duplamente importante que esta lei fosse observada nesta ocasião, já que era um sábado e o dia
da Páscoa”.29

3. Alusão ao cordeiro pascal. João 19:36 oferece talvez o argumento mais claro de que ele
entendeu que Jesus cumpriu a tipologia do cordeiro pascal. Na passagem que descreve o
quebramento das pernas dos ladrões crucificados com Jesus, João explica que suas pernas não foram
quebradas em conformidade com a tipologia do cordeiro pascal “E isto aconteceu para se cumprir a

27
Gerald L. Borchert, John 12–21, vol. 25B, The New American Commentary (Nashville: Broadman & Holman Publishers, 2002), 257.
28
Veja Encyclopaedia Judaica, eds. Fred Skolnik, and Michael Berenbaum, 2nd ed., vol. 15 (Detroit/Jerusalem: Thomson Gale/Keter
Publishing House, 2007), 678.
29
George R. Beasley-Murray, John, Word Biblical Commentary, vol. 36 (Dallas, TX: Word, Incorporated, 2002), 353.
Escritura: Nenhum dos seus ossos será quebrado.” Há aqui uma alusão a Núm 9:12, onde lemos
sobre o cordeiro pascal: “Não deixarão sobrar nada até o amanhecer e não quebrarão nenhum osso
do cordeiro” (NIV; cf. Êxo 12:10, Sal 34:20). Tal alusão ao cordeiro pascal não teria sentido se a morte
de Jesus não tivesse cumprido sua tipologia.

O Testemunho da Igreja Primitiva em Apoio à Cronologia de João

O entendimento de que Jesus foi crucificado no mesmo dia em que os cordeiros da Páscoa eram
oferecidos no templo, 14 de Nisã, segundo João, era fundamental para a igreja primitiva. Várias linhas
de evidências canônicas e não canônicas demonstram isso:

1. Paulo. Ao escrever aos coríntios, Paulo compara Jesus ao cordeiro pascal: “Pois Cristo, nosso
Cordeiro pascal, foi sacrificado.” (1 Cor 5:7). Este paralelo não teria sentido se Jesus tivesse sido
sacrificado após o sacrifício do cordeiro, quebrando assim a tipologia. Mais tarde, na mesma carta,
Paulo concorda com João quando não menciona uma tipologia de Páscoa na Última Ceia, mas
simplesmente diz que essa ceia aconteceu “na noite em que foi traído” (1 Cor 11:23). Além disso,
ainda de acordo com a tipologia da Páscoa, Paulo vê a ressurreição de Jesus como o cumprimento da
oferta das Primícias no templo de manhã depois da Páscoa (16 de Nisã): “Mas de fato Cristo
ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dentre aqueles que dormiram” e “mas cada um
por sua vez: Cristo, a primícia; depois, quando ele vier, os que lhe pertencem” (1 Cor 15:20, 23). A
Festa das Primícias foi criada em conexão com Páscoa como lemos em Lev 23: 10–11: “Fala aos
filhos de Israel e dize-lhes: Quando entrardes na terra, que vos dou, e segardes a sua messe, então,
trareis um molho das primícias da vossa messe ao sacerdote; este moverá o molho perante o
SENHOR, para que sejais aceitos”. Aqui, novamente, os paralelos da Páscoa traçados por Paulo não
teriam sentido se os eventos da morte e ressurreição de Jesus não coincidissem com os eventos.

2. As Primícias em Mateus. A ressurreição dos “santos” no momento da ressurreição, conforme


descrita em Mateus 27:51–53 corrobora a interpretação Paulina de que a ressurreição de Jesus
cumpriu a tipologia da Festa das Primícias no dia 16 de Nisã: “Eis que o véu do santuário se rasgou
em duas partes de alto a baixo; tremeu a terra, fenderam-se as rochas; abriram-se os sepulcros, e muitos
corpos de santos, que dormiam, ressuscitaram; e, saindo dos sepulcros depois da ressurreição de Jesus,
entraram na cidade santa e apareceram a muitos.” Esta cena indica uma tradição muito antiga que
interpretava a ressurreição como cumprindo a tipologia da Festa das Primícias.
3. A controvérsia Quartodécima. O historiador Eusébio de Cesaréia fala da controvérsia
“Quartodécima” (do dia 14 de Nisã) que surgiu no segundo século, porque todas as igrejas da Ásia
celebrada a Ceia do Senhor em 14 de Nisã, de acordo com o Evangelho de João. Eusébio escreve:

Naquele tempo houve uma grande controvérsia, porque todas as dioceses da Ásia consideravam correto, como uma
tradição mais antiga, observavam a festa da Páscoa do Salvador no décimo quarto dia da lua, como se havia ordenado
aos judeus sacrificar o cordeiro. Portanto, era necessário terminar o jejum naquele dia, não importa o dia da semana.30

O bispo de Éfeso, Polícrates, argumentou junto com seus colegas bispos que eles deveriam
“manter o costume que haviam recebido do passado”. Em sua carta a Vítor, o bispo de Roma, que
queria excomungá-los, escreve:

Nós, portanto, mantemos o dia sem alterá-lo, sem tirar nem pôr. De fato, na Ásia, grandes luminares adormeceram,
como aqueles que ressuscitarão no dia da vinda do Senhor, quando ele vier com a glória do céu para procurar todos
os seus santos; [tacomo] Filipe, um dos doze apóstolos, que adormeceu em Hierápolis, [também] as suas duas filhas
que envelheceram virgens, e sua outra filha que vivia no Espírito Santo e repousa em Éfeso; e também João, que
deitou sobre o peito do Senhor, que era [o ‘se tornou’] um sacerdote vestido de pétala tanto uma testemunha e um
professor. Ele jaz em Éfeso. Além disso, também em Esmirna Policarpo, bispo e mártir, e Tráseas, bispo e mártir,
Eumenia, mártir, que jaz em Esmirna. Por que eu deveria mencionar Sagáris, bispo e mártir, que jaz em Laodicéia,
ou o bendito Papirius, ou Melito, o eunuco que em todas as coisas vivia pelo Espírito Santo, que jaz em Sardes
aguardando a visita do céu, quando ele ressuscitará dos mortos? Todos estes observaram o décimo quarto dia para a
Páscoa de acordo com o Evangelho, em nada se desviam dele, mas seguem a regra da fé.31

A menção do Apóstolo João por Polícrates é bastante relevante e indica que a cronologia de uma
crucifixão em 14 de Nisã é realmente a intenção do Evangelho de João. Em sua prática de defesa
pelas igrejas da Ásia para celebrar a crucifixão em 14 de Nisã, Irineu apela ao mártir da Igreja do
século II, Policarpo: “Como ele sempre tinha feito na companhia de João, discípulo de nosso Senhor
e dos outros apóstolos com quem ele havia se associado”.32 Em sua resposta carta, os bispos da
Palestina também apoiam 14 de Nisã quando dizem: “Deixamos claro que em Alexandria também a
celebram no mesmo dia, como nós, porque cartas foram enviadas, para que possamos observar o dia
santo em harmonia e juntos”.33

4. O Didache. Capítulo 9-10 do Didache, um documento cristão do primeiro século AD, reflete
uma tradição joanina que relaciona a Última Ceia com a Páscoa (Eucaristia), mas com um estilo
refeição “ágape”, do Grego “amor”, que tem o sentido de “comunhão cristã”.

5. Sobre a Páscoa de Melito de Sárdis. Em sua homilia na Páscoa direito Peri Pascha, Melito,
bispo de Sardes no segundo século, suporta Nisã 14 como o dia da crucifixão, quando escreve:

30
Historia Eclesiastica, 5.3.
31
Ibid., 5.24.2–8. Veja a análise sobre a controvérsia Quartodécima em John Behr, John the Theologian & His Paschal Gospel: A Prologue
to Theology (Oxford: Oxford University Press, 2019), 77–98; Dorothy Lee, “Paschal Imagery in the Gospel of John: A Narrative and
Symbolic Reading,” Pacifica: Journal of the Melbourne College of Divinity (2011): 13–29.
32
Ibid., 5.24.16.
33
Ibid., 5.25.
Mas enquanto as ovelhas são abatidas e a pascha é comida [o cordeiro]
E o mistério está sendo realizado,
e as pessoas regozijam-se [euphrainetai]. (16)

Matastes o Senhor na grande festa


E festejastes [euphrainomenos], enquanto ele estava morrendo de fome;
Tínheis vinho para beber e pão para comer, ele tinha vinagre e fel (80).34

O uso do mesmo termo para “regozijar-se” (euphraino) para o dia 14 de Nisã indica que o autor
tem em mente o mesmo evento que coincide com a morte de Cristo.

6. Fontes adicionais em favor da cronologia de João. Além do cânon bíblico e da história da


igreja, fontes históricas adicionais apontam para uma crucifixão em 14 de Nisã.

a. O Talmude Babilônico. O tratado Sanhedrin 43a do Talmude Babilônico diz:

Na véspera da Páscoa, eles enforcaram Yeshu [o nazareno]. Durante quarenta dias antes de realizada a execução,
um arauto saiu e gritou: “Vai ser apedrejado porque praticou feitiçaria e induziu Israel à apostasia. Qualquer
um que possa dizer qualquer coisa a seu favor, permita que ele se apresente e implore por ele.” Mas desde que
nada foi apresentado em seu favor, ele foi enforcado na véspera da Páscoa.35

b. O Evangelho de Pedro. O autor do livro não-canônico o Evangelho de Pedro também segue a


cronologia de João quando escreve, “E lhe entregaram ao povo no dia anterior pães asmos, na festa”.

Em suma, estas fontes históricas fornecer um importante testemunho histórico das primeiras
fontes cristãs em apoio da cronologia da crucifixão em Nisã 14. Próxima de João, abordamos os fatores
astronômicos que afetam o namoro da crucifixão.

Fatores astronômicos da data da crucifixão

Como exploramos em nossa seção anterior, tudo indica que o ministério de Jesus não tenha
começado antes de 29 AD, possivelmente em 30 AD, o que torna sua morte na primavera de 31 AD
muito cedo, de acordo com a cronologia de João (4 Páscoas). Além disso, os dados astronômicos das
fases lunares, bem como as práticas do calendário judaico do primeiro século, constituem um
obstáculo praticamente intransponível para que o ano 31 AD seja o ano da crucifixão.36
Para entender os problemas astronômicos que cercam o ano da crucifixão, devemos lembrar que
o ano judaico segue um calendário lunar no qual o mês começa com a primeira lua crescente ao
anoitecer. Se a primeira lua crescente estiver muito perto do sol poente para ser vista (durante a
conjunção), o começo do mês é atrasado no máximo no dia seguinte, já que a duração máxima de

34
Veja Stuart George Hall, Melito of Sardis On Pascha and Fragments (Oxford: Clarendon Press, 1979), 43; Clemens Leonhard, The
Jewish Pesach and the Origins of the Christian Easter (Berlin/New York: Walter de Gruyter, 2006), 42–55.
35
A expressão “o Nazareno” encontra-se somente no manuscrito de Munique.
36
Veja a introdução a este tema em C. Phillip Nothaft, Dating the Passion: The Life of Jesus and the Emergence of Scientific Chronology
(200–1600) (Leiden/Boston: Brill, 2012), 20–33.
um mês judaico é de 30 dias. As condições climáticas para ver a nascente não costumam ser um
obstáculo na Palestina, uma vez que os céus de sua região desértica oferecem noites claras para a
observação da lua crescente durante os meses de março a abril. Além disso, como explicado por Sacha
Stern:

É bem sabido que o calendário rabínico foi


originalmente baseado no aparecimento da lua
nova, implicando em um procedimento
observacional (como descrito em detalhes no
Mishnah RoshHashanah); e que mais tarde, foi
substituído por um calendário calculado, baseado na
conjunção do meio (ou molad).37

Papiros de Elefantina (V século a.C.) mostram que


os judeus naquela época pareciam haver sido
treinados no cálculo das fases da lua, o que pode A lua crescente iniciava o mês judeu.
Foto de Marek Nikodem
indicar que a duração do mês lunar poderia ter sido
“calculado” já no primeiro século AD.38 Este método, sem dúvida, os judeus aprenderam durante o
exílio babilônico––especialmente considerando os nomes babilônicos dos meses adotados pelos
judeus após o exílio––que a partir do século VII aC. já se preocupavam em prever a lua crescente,
independentemente de sua observação.39 A lua crescente era usada para “consagrar” os cálculos
astronômicos anteriormente esperados, segundo registra um rabino no Talmud de Jerusalém: “Não
se presta muita atenção para as testemunhas sobre a lua nova [crescente]” sugerindo que eles já
sabiam o que era astronomicamente plausível.40 Outras passagens no Tosefta também implicam que
“em certos casos, o novo mês teria sido declarado, independentemente de quando a lua nova tivesse
sido vista”, explica Sacha Stern.41
É importante também considerar o tema da intercalação de um mês adicional ao calendário
judaico. Como o ano lunar é mais curto do que o solar (cada mês lunar é de cerca de 29.5 dias, o que
torna o ano 11 dias mais curtos do que o dia solar), cada dois ou três anos, os judeus intercalavam um
13º mês após o mês de Adar, um Adar II (ou Adar Sheni, sempre com 29 dias), a fim de encaixar o
calendário lunar com o solar e para que a Páscoa não caísse antes do equinócio vernal. O mês Adar
II é adicionado no dia 30 do mês de Adar e, por essa razão, o Adar II nunca tem mais de 29 dias (até

37
Sacha Stern, Calendar and Community: A History of the Jewish Calendar: 2nd Century BCE–10th Century CE (Oxford: Oxford
University Press, 2001), 103.
38
Segal, “Intercalation and the Hebrew Calendar,” 285, 288; Veja Mishnah Rosh haShanah 1.6; Sanhedrin 1:2; Rosh haShanah 3:1;
2:6, b. Talmud Sanhedrin 10b, 11; b. Talmud Rosh haShanah 2:8; 31; 19b; 20a, Arakhin 9b. Veja a discussão da prática Rabínica em
Reimund Leicht, “Observing the Moon: Astronomical and Cosmological Aspects in the Rabbinic New Moon Procedure,” in Time,
Astronomy, and Calendars in the Jewish Tradition, eds. Sacha Stern and Charles Burnett (Leiden/Boston: Brill, 2014), 27–39.
39
Veja o registro extenso compilado por A. J. Sachs and H. Hunger, Astronomical Diaries and Related Texts from Babylon; ibid.,: Diaries
from 652 B.C. to 262 B.C. (Vienna, 1988); ibid. Diaries from 261 B.C. to 165 B.C. (Vienna, 1989) and ibid., Diaries from 164 B.C. to 61
B.C. (Vienna, 1996); veja também Louay J. Fatoohi, F. Richard Stephenson and Shetha S. Al-Dargazelli, “The Babylonian First Visibility
of the Lunar Crescent: Data and Criterion,” in Journal of the History of Astronomy (1999).
40
y. Talmud Shebiith 10:2.
41
Sacha Stern, Calendar and Community, 159
mesmo o Adar I também pode ter apenas 29 dias).42 De acordo com a literatura rabínica, a decisão
de adicionar um mês adicional era tomada pelo menos 30 dias antes da Páscoa, durante a Festa de
Purim (fevereiro–março), e era baseada principalmente em três fatores, de acordo com os rabinos:
“Três sinais que deixam claro que o ano deve ser intercalado: o estado prematuro das culturas cevada,
o estado embrionário da árvore e o atraso do equinócio [vernal] [t’qufah, 21 de março]).”43 A
relevância do equinócio vernal na decisão de intercalar um Adar II parece óbvia porque, embora os
judeus não pudesse prever se o grão estaria maduro para a cerimônia das Primícias (quando o sumo
sacerdote agitava um ramo de cevada “perante o Senhor” no dia 16 de Nisã, Lev 23:10–11), o que
dependia de variáveis meteorológicas, os judeus podiam calcular o equinócio vernal que
acompanhava o amadurecimento do grão. Esta “regra do equinócio” era bem conhecido pelos
judeus, como indicado por Filo, quando ele diz que as Escrituras “acham apropriado calcular o ciclo
dos meses segundo o equinócio vernal” e “o equinócio da primavera deve ser considerado como o
início do ciclo dos meses”.44 Segundo Josefo, a Páscoa ocorre quando o sol está no zodíaco de Áries,
o que também indica o equinócio vernal.45 Se esses cálculos indicassem que o 16 de Nisã cairia antes
do equinócio vernal, o Adar II era automaticamente intercalado após o Adar (um ano com o mês
adicional é chamado embolismo ou ano bissexto). Esta regra do equinócio vernal tornava os dias 6–
7 de março no calendário juliano o limite absoluto para o dia 1 de Nisã, para que a Páscoa caísse
depois do equinócio vernal.46
No Pentateuco, a Páscoa foi prescrita para o mês de Abibe (heb. aviv, que se refere à madurez dos
grãos de cevada na primavera) como lemos em Êxodo 13:4; 23:15: “Hoje, mês de abibe, estais saindo.
... Guardarás a Festa dos Pães Asmos; sete dias comerás pães asmos, como te ordenei, ao tempo
apontado no mês de abibe”. Por esta razão, o mês de Abibe/Nisã sempre deve coincidir com a chegada
da primavera. Tem-se argumentado que os judeus não permitiam a Páscoa no mês de março porque
a cevada não estaria madura para a Festa das Primícias. Jacob Milgrom, no entanto, afirma que “em
geral, a cevada não estava madura para o dia 16 de Nisã… ou para qualquer um dos dois sábados
seguintes… particularmente se eles caem no final de março ou no início de abril”.47 A solução para
esse problema é o fato de que a cevada amadurece em diferentes períodos e lugares na Palestina e os
sacerdotes permitiam que fosse trazido um punhado de cevada de qualquer parte da Judéia para a

42
Veja b. Talmud Rosh haShanah 19b: “E no nome de nosso mestre, disseram: um [Adar] é siempre completo [30 dias] e o outro sempre
defeituoso [29 dias], até que sejais informados de que o novo mês não se atrasou [i.e, os dois podem ter 29 dias]. Enviaram a Mar ʿUqva
[uma mensagem]: Adar adjacente a Nisã é sempre defeituoso [com 29 dias].” Veja Chaim Pearl, “Adar”, in Oxford Dictionary of the
Jewish Religion, ed. Adele Martin, 2nd edition (Oxford: Oxford University Press, 2011), 18.
43
Tosefta Sanhedrin 2:2, 2:13. Judah Ben-Zion Segal, “Intercalation and the Hebrew Calendar,” Vetus Testamentum 7/3 (July 1, 1957):
266, dice: “A incidência do solstício e do equinócio era, de fato, o fator primário pelo qual a intercalação era regulamentada entre os
judeu nesse tempo––ou até mesmo antes.” Veja b. Talmud Sanhedrin, 11b; cf. Julian Morgenstern, “The Three Calendars of Ancient
Israel,” Hebrew Union College Annual 1 (1924): 13–78; ibid., “Additional notes on “the three calendars of ancient Israel,” Hebrew Union
College Annual 3 (January 1, 1926): 77–107. M. Sprengling, “Chronological Notes from the Aramaic Papyri: The Jewish Calendar;
Dates of the Achaemenians (Cyrus-Darius II),” The American Journal of Semitic Languages and Literatures 27/3 (Abril 1911): 252,
demonstrou que Nisã poderia começar até em 17 de março segundo os Papiros Elefantinos. Veja Mishnah Eduyoth 7.7; b. Talmud
Shekalim 1.1; Sanhedrin 12b.
44
Quaest et. solui Exodum, 1.1.
45
Josefo, Ant., 3.10.5.
46
Tosefta Sanhedrin 2:8, 9: “Não podem intercalar anos succesivos … E não podem intercalar um ano sabático, nem o ano seguinte a
ele. Nesses casos, o costume é intercarlar o ano anterior ao ano sabático.”
47
Jacob Milgrom, Leviticus 17–23, The Anchor Bible (New York: Doubleday, 2001), 1983. O Talmude de Jerusalém Shebiith 1:2 afirma
que a cevada “não está nem tenra, nem seca, mas num meio termo.”
cerimônia das Primícias como indicado no Mishnah.48 Não era necessário que toda a colheita
estivesse madura, mas apenas que os primeiros grãos colhidos, mesmo que não totalmente maduros,
fossem apresentados. Em 2019, encontrou-se cevada madura no Vale do Jordão no dia 6 de março.49
Finalmente, além da equinócio vernal e a maturidade da cevada, dois factores adicionais
impactavan adicionando adar II de acordo com as regras encontrados em Tosefta Sanhedrim: (1) não
pode haver dois anos bisextos consecutivos (com Adar II) e; (2) um ano sabático (a cada 7 anos) não
poderia ser um ano bissexto, nem o ano após o ano sabático, apenas no ano anterior.
Com base na discussão anterior sobre as regras do calendário judaico, voltamos agora para o
calendário lunar do ano 31. Bradley Schaefer (NASA) compilou todos as luas crescentes em torno da
Páscoa em Jerusalém durante o governo de Pilatos (26–36 AD), de acordo com seu coeficiente de
visibilidade.50 No ano 31, o mês de Adar começou com a lua crescente na noite de domingo 11 de
fevereiro e durou 29 dias. A lua crescente na segunda-feira, 12 de março não foi visível de acordo com
Schaefer (-1.3R),51 no entanto, quando aplicamos as regras do calendário judaico, vemos que o mês
de Adar antes de Nisã nunca tinha mais do que 29 dias (cf. Talmude Babilônico Rosh Hashaná 19b).
Portanto, o mês de Nisã começou com uma lua nova do dia 12 de março. Como a Páscoa cairia
naturalmente após o equinócio vernal––fornecendo cevada madura para a Festa das Primícias––
concluímos que o ano 31 não precisou de um mês Adar II.52 Portanto, o dia 1 de Nisã começou em
29 de Adar, 12 de março, colocando a lua cheia da Páscoa 14 dias depois, na segunda-feira, 26 de
março de 31 AD ao pôr do sol (veja a Figura 1).53
Para fins de verificação, permitamos um Adar II hipotético no ano de 31. Como o primeiro mês
de Adar começou com a lua crescente na noite de domingo 11 de fevereiro (1.3R visibilidade) e teve
um máximo de 30 dias (poderia ter 29 também), o 1º dia de Adar II começou na noite desta terça-
feira 13 de março. Nisã 1 começaria exatamente 29 dias depois (Adar II sempre tinha 29 dias), com a
lua crescente visível na quarta-feira, 11 de abril, colocando assim a Páscoa/15 de Nisã
impreterivelmente ao pôr do sol da quarta-feira, 25 de abril de 31 AD (veja a Figura 2). O que
descobrimos é que, mesmo com Adar II, o ano 31 ainda não satisfaz os critérios porque um Adar II
(29 dias) não permite um atraso de um dia adicional para encaixar o 15 de Nisã na quinta-feira à
noite, muito menos um atraso de dois dias para ajustar a um 15 de Nisã na sexta-feira à noite de acordo
com o Evangelho de João. A Páscoa de abril de 31 AD ainda cairia dois dias antes da cronologia dos
Evangelhos, o que é insustentável.
Podemos até mesmo aplicar um teste final para a data da crucifixão comparando os nossos
resultados com as regras judaicas de intercalação, a lista de anos sabáticos compilada por Ben
Wacholder (do mês civil judaico de Tishri 1 a Elul 30, de outono a outono) e a lista de luas crescentes

48
Cf. Mishnah Menahot 10.2–3.
49
Veja https://yrm.org/2019-abib-confirmed/.
50
Bradley Schaefer, “Lunar Visibility and the Crucifixion,” The Quarterly Journal of the Royal Astronomical Society 31/81 (March 1990):
57.
51
Fator de visibilidade 1.3R: valores em torno ou acima de 1.0R indicam visibilidade, valores negativos indicam que não há avistamento
52
Mishnah Menahot 10.2. O problema também ocorria durante a Festa das Semanas/Pentecostes, sete semanas a partir de 16 de Nisã,
quando era apresentados pães feitos de trigo da safra anterior; cf. Talmud Babilônico Menahot 10:33: “Os dois pães: é necessário trazê-los
da nova safra, mas se não houver nenhum, pode-se trazê-los do armazém.”
53
Esta informação pode ser confirmada ao comparar os calendários disponíveis nos sites www.hebcal.com e
www.timeanddate.com/calendar mudando-se o ano para 31 etc., e o país para Israel, exceto que estes calendários não consideram as
regras de intercalação judaicas, como a dos anos sabáticos.
de Schaefer para os anos 29–33 AD, que cobre a Páscoa em questão aqui. (Lembre-se que o ano lunar
é aproximadamente 11 dias mais curto que o ano solar). Na lista de Schaefer para o ano 30 AD, vemos
que que a lua de 23 de março/1 de Nisã não tem visibilidade suficiente (-0.6R), no entanto, como o
mês Adar antes de Nisã nunca tem mais do que 29 dias, isso requer que Nisã inicie sem o avistamento
da lua em 23 de março (na lua nova), e a Páscoa cai no dia 5 de abril. O ano 31, como vimos, não
precisou do Adar II porque o dia 1 de Nisã caiu em 12 de março, o que colocou a Páscoa naturalmente
após o equinócio vernal, na terça-feira 26 de março. Em seguida, passamos ao ano 32 e verificamos
que Nisã 1 cairia em 1 de março e, portanto, muito antes do equinócio vernal, o que levou à
intercalação de Adar II (com 29 dias) e moveu o 1 dia de Nisã ao pôr do sol de 31 de março e a Páscoa
em 14 de abril de 32. Como o ano 32 foi bissexto (com Adar II), o 31 e o 33 não foram anos bisextos
(de acordo com a regra de não intercalar anos consecutivos e só no ano anterior ao ano sabático), o
que coloca 1 de Nisã no ano 33 no dia 20 de março e a Páscoa/15 de Nisã na sexta-feira, 3 de abril de
33 AD.
O ano 31 AD como o ano da crucifixão foi originalmente descartado por Isaac Newton, porque a
tentativa de reconciliar a Páscoa com a lua cheia naquele ano gera “erros enormes, que seriam
claramente visíveis nos céus, mesmo para o olho inexperiente.”54 Apesar deste fato inescapável,
autores adventistas ainda defendem a crucifixão em uma sexta-feira, 15 de Nisã em 31 AD, mas para
isso têm que aceitar certas pressuposições e ignorar importantes dados históricos, cronológicos e até
mesmo científicos. Um certo autor, por exemplo, conclui errôneamente que o ano 31 como o ano
da crucifixão possui “impressionante confirmação astronômica.”55 C. Mervyn Maxwell aceita a
crucifixão em 14 de Nisã, mas precisa atrasar o início do mês de Nisã em 3 dias, de terça a sexta-feira,
o que é insustentável. Ele admite que o ano 31 pode ser um candidato como o ano da crucifixão
apenas “se condições meteorológicas e astronômicas combinaram para colocar 1 de Nisã naquele
ano com um intervalo máximo depois da lua nova”, isto é, “aceitando-se algumas pressuposições não
provadas mas razoáveis”.56 Mas, como vimos, tais pressuposições não são “razoáveis” em absoluto, mas
são diretamente contrariadas pelos dados astronômicos e pelo calendário judeu da Palestina do
primeiro século. Por sua vez, Juarez de Oliveira defende a crucifixão em 15 de Nisã mas numa quinta-
feira, 26 de abril, 31 AD.57 Em um livro recente intitulado A Astronomia e a Glória do Adventistmo–
–ainda usando datas questionáveis Parker e Dubberstein––Velten e Oliveira ignoram vários fatores
discutidos nesse artigo e defendem a Páscoa no dia 27 de abril 31, o que, como vimos, é uma
conclusão absolutamente insustentável (veja Tabela e Figura 1).58

54
Isaac Newton, Observations on the Prophecies of Daniel and the Apocalypse (London: Darby & Browne, 1733), 164.
55
Treiyer, “The Chronology,” 15.
56
Maxwell, God Cares, 263; de Oliveira, Chronological Studies, 46.
57
Veja Richard A. Parker and Waldo H. Dubberstein, Babylonian Chronology (Chicago, IL: University of Chicago Press, 1942).
58
Velten e de Oliveira, A Astronomia e a Glória do Adventismo, 209.
O ano da crucifixão: 33 AD

Como o ano 31 deve ser descartado pelas razões anteriormente consideradas, é necessário buscar
um ano que se encaixe com os dados cronológicos disponíveis nos Evangelhos, como o início do
ministério de Jesus no 15º ano de Tibério (29–30 AD), quatro Páscoas durante o ministério de Jesus,
de acordo com João (2:13; 6:51; 11:51; 19:14, 31, 42), o calendário judaico do primeiro século e dados
astronômicos para permitir a “véspera da Páscoa”/14 de Nisã em uma sexta-feira.
De acordo com a tabela das luas crescentes para o período de 26–36 AD de Schaefer, a lua
crescente de 1 de Nisã que cai numa sexta-feira durante o ministério de Jesus foi a da sexta-feira, 20
de março do ano 33––começando no pôr do sol de 29 de Adar––com visibilidade de 2.0R. Com isso
a lua cheia da Páscoa/15 de Nisã caiu no entardecer de sexta-feira, 3 de abril de 33.59 Como prova
adicional, a lista de anos sabáticos de Wacholder confirma que, como o ano 32 foi um ano bissexto,
o ano 33 não foi, o que coloca impreterivelmente a data da Páscoa ao pôr do sol da sexta 3 de abril.
Isaac Newton foi o primeiro a chegar à sexta-feira, 3 de abril de 33 AD como o provável ano da
crucifixão (mas optou pela sexta-feira, 23 de abril de 34 AD porque ele defendia cinco páscoas em
João).60 No início do século XX, a mesma data foi calculada por J.K. Fotheringham e nos início da
década de 1980, Humphreys e Waddington, com base no trabalho de Fotheringham, também
defenderam a 33 AD, especialmente por causa do eclipse lunar de Jerusalém naquele dia, ao qual
Pedro pode ter aludido em seu sermão registrado em Atos 2:20 como o cumprimento da predição
encontrada em Joel 2:31.61 Schaefer, no entanto, adverte que esse eclipse não era visível em Jerusalém
nesta data.62 Seja como for, com ou sem a evidência adicional do eclipse, o ano 33 AD ainda é o ano
mais provável da crucifixão, levando em consideração todas as evidências. Na edição revisada de seu
Manual da Cronologia Bíblica, Jack Finegan também vota em 3 de abril de 33 AD.63
Esta data é bastante atraente porque passa em todos os testes analisados aqui, especialmente
porque o início da Páscoa/15 de Nisã no entardecer da sexta-feira 3 de abril de 33 tem o respaldo do
Evangelho de João, o que permite o cumprimento da tipologia de Jesus como “o Cordeiro de Deus
que tira o pecado do mundo”(João 1:29, 36). Como “a nossa Páscoa” (1 Coríntios 5:7), Cristo morreu
precisamente quando os cordeiros eram sacrificados no templo naquela sexta-feira.
Consequentemente, este ano também permite a tipologia da Festa de Primícias oferecidas no
segundo dia de Páscoa no templo (domingo, 16 de Nisã no ano 33), de acordo com Levítico 23:10–
11 e Paulo (1 Cor 15:20, 23).64

59
Schaefer, Lunar Visibility, 57.
60
Veja John Pratt, “Newton’s Date for the Crucifixion,” Quarterly Journal of Royal Astronomical Society 32 (Sept 1991): 301–304.
61
J. K. Fotheringham, “The Evidence of Astronomy and Technical Chronology for the Date of the Crucifixion,” Journal of Theological
Studies 35 (1934): 146–62; ibid., “Astronomical Evidence for the Date of the Crucifixion,” The Journal of Theological Studies 12 (1910):
120–27.
62
Schaefer, “Lunar Visibility,” 62–66.
63
Jack Finegan, Handbook of Biblical Chronology (Revised Edition; Peabody, MA: Hendrickson, 1998), 353–369.
64
As objeções de Roger T. Beckwith, Calendar and Chronology, Jewish and Christian (Leiden/Boston: Brill, 2001), 289–296, contra o
uso da astronomia para definir o ano da crucifixão podem ser refutadas facilmente com a evidência analisada neste artigo.
Ellen White e o ano 31 AD

Como Ellen White lida frequentemente com todos os assuntos do adventismo, algumas de suas
declarações são brevemente revisadas aqui. Em O Grande Conflito (399), ela escreve:

Aqueles símbolos se cumpriram, não somente quanto ao acontecimento mas também quanto ao tempo. No dia
catorze do primeiro mês judaico, no mesmo dia e mês em que, durante quinze longos séculos, o cordeiro pascal havia
sido morto, Cristo, tendo comido a Páscoa com os discípulos, instituiu a solenidade que deveria comemorar Sua
própria morte como o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.” Naquela mesma noite Ele foi tomado por
mãos ímpias, para ser crucificado e morto.

“Naquela noite” significa que os eventos ocorreram na noite de 14 de Nisã, a “véspera da Páscoa”
quando o cordeiro da Páscoa era sacrificado. Além disso, em O Desejado de Todas as Nações (555)
ele escreve: “Cristo ressurgiu dos mortos como as primícias dos que dormem. Era representado pelo
molho movido, e Sua ressurreição teve lugar no próprio dia em que o mesmo devia ser apresentado
perante o Senhor. Por mais de mil anos esta simbólica cerimônia fora realizada.” Estes cumprimentos
tipológicos não teriam sido possível se Jesus morreu na sexta-feira, 15 de Nisã e resuscitou no
domingo, 15 de Nisã no ano 31, porque o cordeiro pascal era sacrificado no dia 14 de Nisã e a Primícia
apresentada ao Senhor em 16 de Nisã. Como temos mostrado de forma conclusiva, os dias 14–16 de
Nisã caíram de terça-feira a quinta-feira e nunca de sexta a domingo, como lemos nos Evangelhos
(ver Figura 1).
Portanto, enquanto Ellen White concorda com João e Paulo quando ressalta que a tipologia do
cordeiro pascal e da Festa das Primícias se cumpriram na crucifixão e ressurreição de acordo com o
“evento” e o “tempo”, uma crucifixão no ano 31 AD em última análise, nega esse importante
princípio.

Conclusão

Como analisado aqui, ignorar a cronologia da crucifixão na “véspera da Páscoa” como lemos em
João cria uma infinidade de discrepâncias teológicas, cronológicas e astronômicas. Em resumo, o ano
31 AD só poderia ser o ano da crucifixão se tivesse sido um ano bisexto (descartado pelas regras
judaicas), dito mês adicional de Adar II tinha 30 dias (não permitido) e a crucifixão ocorreu no dia da
Páscoa/15 de Nisã, um sábado semanal e dia de Páscoa (inconcebível). Por estas razões, o ano 31 AD
deve ser sumariamente descartado como o ano da crucifixão.
Tendo analisado várias linhas de evidência para estabelecer a cronologia da Paixão, podemos
agora revisar o diagrama da Páscoa que vimos anteriormente, agora com os dias corretos da Semana
da Paixão de Nosso Senhor acrescentados com base na cronologia de João, que aponta para uma
crucifixão na sexta-feira, 3 de abril de 33 AD (veja a próxima página).
CRONOLOGIA DA CRUCIFIXÃO NO ANO 33 AD
Quinta-feira, 2 de abril Sexta-feira, 3 de abril Sábado, 4 de abril Domingo, 5 de abril
(12 am–12 am) (12 am – 12 am) (12 am–12 am)
(12 am a 12 am)
Nisan 14
Nisan 15 Nisan 16
Nisan 13 Erev Pesach = “véspera de la Pascua”
Páscoa – Pães Asmos – Sábado Festa das Primícias
“Dia de preparação dos judeus”

Noite Dia Noite Dia Noite Dia Noite Dia

*Os judeus ainda


não tinham * Cordeiro
comido o cordeiro pascal comido
*Última Ceia
* Fermento tirado das casas à (João 18:28) * Festa das
“antes da “grande dia” de
noite à luz de velas * Primeiro dia Primícias
Páscoa” sábado = “santa
* Cordeiro pascal da Páscoa
(João 13: 1) convocação”
*Os discípulos preparam para sacrificado *RESSURREIÇÃO
(Êxo 12:16)
a Páscoa durante o dia * A Festa dos (1 Cor 15:20, 23)
*Jesus preso
* Jesus julgado e Pães Asmos
crucificado começa e dura 7
dias

q~ÄÉä~=K Lista de anos bisextos (+) em relação a anos sabáticos


(Ben Zion Wacholder, “The Calendar of Sabbatical Cycles During the Second Temple and the Early Rabbinic Period,” 190)

Anos Julianos (AD)


Sequencia de Anos Sabáticos
(Ano judeu de Tishri 1 – Elul 30, outono a outono)

27/28 Ano Sabático

28/29 1

29/30 (+) 2

30/31 3

31/32 (+) 4

32/33 5

33/34 (+) 6

34/35 Ano Sabático


Figura 1. Páscoa em março de 31 AD

Figura 2. Páscoa hipotética em abril de 31 AD


Figura 3. Páscoa em abril de 33 AD
Figura 4: Luas crescentes antes da Páscoa, 26–36 AD
(Schaefer, “Lunar Visibility,” 57)

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