Você está na página 1de 7

Jesus: O incômodo silêncio da

História

Lee Salisbury
Quem é que nunca ouviu falar de Jesus de Nazaré? É claro que todo
mundo ouviu falar de Jesus. A Bíblia nos diz que sua fama se espalhou
por toda a Palestina e Síria. Ele é o homem-deus/salvador do mundo que
realizou milagres que só um deus poderia realizar. Transformou água em
vinho, alimentou milhares de pessoas com apenas alguns pedaços de pão e
peixe, andou sobre as águas, acalmou tempestades, curou cegos, surdos e
enfermos, recuperou mãos atrofiadas, expulsou demônios e ressuscitou os
mortos. Seus ensinamentos morais são considerados superiores a tudo o
que já foi ensinado.
Ele foi rejeitado por seu próprio povo, os judeus, e brutalmente
crucificado pelos romanos. Mas isto não deteve Jesus. A Bíblia nos diz que,
ao ser crucificado, céus e terra confirmaram sua divindade, causando um
eclipse do sol de 3 horas em toda a terra, um terremoto que fez com que
a cortina do templo em Jerusalém se rasgasse ao meio e que túmulos se
abrissem e homens santos ressuscitassem e aparecessem às pessoas
em Jerusalém. Três dias depois, o Filho de Deus derrotou o Diabo, o
príncipe das trevas, ressuscitou dos mortos, apareceu a seus discípulos e
então subiu aos céus. Como é possível alguém não gostar desta história
nem desejar acreditar nela?
O problema que pesquisadores sinceros e com mentes objetivas têm
com esta história espantosa é: por que os registros históricos de
escritores gregos, romanos e judeus não cristãos praticamente não
dizem nada sobre Jesus de Nazaré? Certamente que notícias sobre
acontecimentos como esses, se fossem verdadeiras, teriam se
espalhado por todo o mundo mediterrâneo. E, no entanto, os escritos que
sobreviveram, de uns 35 a 40 observadores independentes durante os
primeiros 100 anos que se seguiram à suposta crucificação e ressurreição
de Jesus, praticamente não confirmam nada. Estes autores eram
respeitados, viajados, sabiam se expressar, observavam e analisavam os
fatos, eram os filósofos, poetas, moralistas e historiadores daquela época.
Entre as mais destacadas personalidades que não mencionam Jesus,
temos:
Sêneca (4 a.C. – 65 d.C.) — Um dos mais famosos autores romanos
sobre ética, filosofia e moral e um cientista que registrou eclipses e
terremotos. As cartas que teria trocado com Paulo se revelaram uma
fraude, mais tarde.
Plínio, o velho (23 d.C. – 79 d.C.) — História natural. Escreveu 37
livros sobre eventos como terremotos, eclipses e tratamentos médicos.
Quintiliano (39 d.C. – 96 d.C.) — Escreveu Instituio Oratio, 12 livros
sobre moral e virtude.
Epitectus (55 d.C. – 135 d.C.) — Ex-escravo que se tornou renomado
moralista e filósofo e escreveu sobre a “irmandade dos homens” e a
importância de se ajudarem os pobres e oprimidos.
Marcial (38 d.C. – 103 d.C.) — Escreveu poemas épicos sobre as
loucuras humanas e as várias personalidades do império romano.
Juvenal (55 d.C. – 127 d.C.) — Um dos maiores poetas satíricos de
Roma. Escreveu sobre injustiça e tragédia no governo romano.
Plutarco (46 d.C. – 119 d.C.) — Escritor grego que viajou de Roma a
Alexandria. Escreveu “Moralia”, sobre moral e ética.
Três romanos cujos escritos contêm referências mínimas a Cristo,
Cresto ou cristãos:
Plínio, o jovem (61 d.C. – 113 d.C.) — Foi proconsul da Bitínia (atual
Turquia). Numa carta ao imperador Trajano, em 112 d.C., pergunta o que
fazer quanto aos cristãos que se reúnem regularmente antes da aurora, em
dias determinados, para cantar louvores a Cristo como se ele fosse um
deus. Uns oitenta anos depois da morte de Jesus, alguém estava adorando
a um Cristo (messias, em hebraico)! Entretanto, nada se diz sobre se este
Cristo era Jesus, o mestre milagreiro que foi crucificado e ressuscitou na
Judéia ou se um Cristo mitológico das religiões pagãs de mistério. O próprio
Jesus teria dito que haveria muitos falsos Cristos, portanto a afirmação de
Plínio não contribui em muito para demonstrar que o Jesus de Nazaré
existiu.
Suetônio (69 d.C. – 122 d.C.) — Em A vida dos imperadores, com a
história de 11 imperadores, ele conta, em 120 d.C., sobre o imperador
Cláudio (41 d.C. – 54 d.C.), que ele expulsou de Roma os judeus que, sob a
influência de Cresto, viviam causando tumultos. Quem é Cresto? Não há
menção a Jesus. Seria este Cresto um agitador judeu, um dos muitos falsos
messias, ou um Cristo mítico? Este trecho não prova nada sobre a
historicidade de um Jesus de Nazaré.
Tácito (56 d.C. – 120 d.C.) — Famoso historiador romano. Seu Annuals,
referente ao período 14-68 d.C., Livro 15, capítulo 44, escrito por volta de
115 d.C., contém a primeira referência a Cristo como um homem executado
na Judéia por Pôncio Pilatos. Tácito declara que Cristo, o fundador, sofreu a
pena de morte no reino de Tibério, por ordem do procurador Pôncio Pilatos.
Os estudiosos apontam várias razões para se suspeitar de que este trecho
não seja de Tácito nem de registros romanos, e sim uma inserção posterior
na obra de Tácito:
A referência a Pilatos como procurador seria apropriada na época de
Tácito, mas, na época de Pilatos, o título correto era prefeito.
Se Tácito escreveu este trecho no início do segundo século, por que os
Pais da Igreja, como Tertuliano, Clemente, Orígenes e até Eusébio, que
tanto procuraram por provas da historicidade de Jesus, não o citam?
Tácito só passa a ser citado por escritores cristãos a partir do século 15.
O que é claro e indiscutível é que um período de 80 a 100 anos sem
nenhum registro histórico confiável, depois de fatos de tal magnitude, é
longo o bastante para levantar suspeitas. Além do mais, é insuficiente citar
três relatos tão curtos e tão pouco informativos para provar que existiu um
messias judeu milagreiro chamado Jesus que seria Deus em forma humana,
foi crucificado e ressuscitou.
Há três autores judeus importantes do primeiro século:
Philo-Judaeus (15 a.C. – 50 d.C.) — de Alexandria, era um teólogo-
filósofo judeu que falava grego. Ele conhecia bem Jerusalém porque sua
família morava lá. Escreveu muita coisa sobre história e religião judaica do
ponto de vista grego e ensinou alguns conceitos que também aparecem no
evangelho de João e nas epístolas de Paulo.
Por exemplo: Deus e sua Palavra são um só; a Palavra é o filho
primogênito de Deus; Deus criou o mundo através de sua palavra; Deus
unifica todas as coisas através de sua Palavra; a Palavra é fonte de vida
eterna; a Palavra habita em nós e entre nós; todo julgamento cabe à
Palavra; a Palavra é imutável.
Philo também ensinou sobre Deus ser um espírito, sobre a Trindade,
sobre virgens que dão à luz, judeus que pecam e irão para o inferno, pagãos
que aceitam a Deus e irão para o céu e um Deus que é amor e perdoa.
Entretanto, Philo, um judeu que viveu na vizinha Alexandria e que teria
sido contemporâneo a Jesus, nunca menciona alguém com este nome
nem nenhum milagreiro que teria sido crucificado e depois ressuscitou
em Jerusalém, sem falar em eclipses, terremotos e santos judeus
saindo dos túmulos e andando pela cidade. Por que? O completo silêncio
de Philo é ensurdecedor!
Flavius Josephus (37 d.C. – 103 d.C.) — era um fariseu que nasceu
em Jerusalém, vivia em Roma e escreveu História dos judeus (79 d.C.) e
Antiguidades dos judeus (93 d.C.). Apologistas cristãos (defensores da fé)
consideram o testemunho de Josephus sobre Jesus a única evidência
garantida da historicidade de Jesus. O testemunho citado se encontra em
Antiguidades dos judeus. Ao contrário dos apologistas, entretanto, muitos
estudiosos, inclusive os autores da Encyclopedia Britannica, consideram o
trecho uma inserção posterior feita por copistas cristãos.
Ele diz que:
Naquele tempo, nasceu Jesus, homem sábio, se é que se pode chamar
homem, realizando coisas admiráveis e ensinando a todos os que
quisessem inspirar-se na verdade. Não foi só seguido por muitos hebreus,
como por alguns gregos, Era o Cristo. Sendo acusado por nossos chefes, do
nosso país ante Pilatos, este o fez sacrificar. Seus seguidores não o
abandonaram nem mesmo após sua morte. Vivo e ressuscitado, reapareceu
ao terceiro dia após sua morte, como o haviam predito os santos profetas,
quando realiza outras mil coisas milagrosas. A sociedade cristã que ainda
hoje subsiste, tomou dele o nome que usa.
Por que este trecho é considerado uma inserção posterior?
Josephus era um fariseu. Só um cristão diria que Jesus era o Cristo.
Josephus teria tido que renunciar às suas crenças para dizer isto, e
Josephus morreu ainda um fariseu.
Josephus costumava escrever capítulos e mais capítulos sobre gente
insignificante e eventos obscuros. Como é possível que ele tenha
despachado Jesus, uma pessoa tão importante, com apenas algumas
frases?
Os parágrafos antes e depois deste trecho descrevem como os romanos
reprimiram violentamente as sucessivas rebeliões judaicas. O parágrafo
anterior começa com “por aquela época, mais uma triste calamidade
desorientou os judeus”. Será que “triste calamidade” se refere à vinda do
“realizador de mil coisas milagrosas” ou aos romanos matando judeus? Esta
suposta referência a Jesus não tem nada a ver com o parágrafo anterior.
Parece mais uma inclusão posterior, fora de contexto.
Finalmente, e o que é ainda mais convincente, se Josephus realmente
tivesse feito esta referência a Jesus, os Pais da Igreja pelos 200 anos
seguintes certamente o teriam usado para se defender das acusações de
que Jesus seria apenas mais um mito. Contudo, Justino, Irineu, Tertuliano,
Clemente de Alexandria e Orígenes nunca citam este trecho. Sabemos que
Orígenes leu Josephus porque ele deixou textos criticando Josephus por
este atribuir a destruição de Jerusalém à morte de Tiago. Aliás, Orígenes
declara expressamente que Josephus, que falava de João Batista, nunca
reconheceu Jesus como o Messias (”Contra Celsum”, I, 47).
Não somente a referência de Josephus a Jesus parece fraudulenta
como outras menções a fatos históricos em seus livros contradizem e
omitem histórias do Novo Testamento:
A Bíblia diz que João Batista foi morto por volta de 30 d.C., no início da
vida pública de Jesus.
Josephus, contudo, diz que Herodes matou João durante sua guerra
contra o rei Aertus da Arábia, em 34 – 37 d.C.
Josephus não menciona a celebração de Pentecostes em Jerusalém,
quando, supostamente: judeus devotos de todas as nações se reuniram e
receberam o Espírito Santo, sendo capazes de entender os apóstolos cada
qual em sua própria língua; Pedro, um pescador judeu, se torna o líder da
nova igreja; um colega fariseu de Josephus, Saulo de Tarso, se torna o
apóstolo Paulo; a nova igreja passa por um crescimento explosivo na
Palestina, Alexandria, Grécia e Roma, onde morava Josephus. O suposto
martírio de Pedro e Paulo em Roma, por volta de 60 d.C., não é mencionado
por Josephus. Os apologistas cristãos, que depositam tanta confiança na
veracidade do testemunho de Josephus sobre Jesus, parecem não se
importar com suas omissões posteriores.
A Encyclopedia Britannica afirma que os cristãos distorceram os fatos ao
enxertar o trecho sobre Jesus. Isto é verdade? Eusébio (265-339 d.C.),
reconhecido como o Pai da história da Igreja e nomeado supervisor da
doutrina pelo imperador Constantino, escreve em seu Preparação do
evangelho, ainda hoje publicado por editoras cristãs como a Baker House,
que às vezes é necessário mentir para beneficiar àqueles que requerem tal
tratamento. Eusébio, um dos cristãos que mais influenciou a história da
Igreja, aprovou a fraude como meio de promover o cristianismo! A
probabilidade de o cristianismo de Constantino ser uma fraude está
diretamente relacionada à desesperada necessidade de encontrar
evidências a favor da historicidade de Jesus. Sem o suposto testemunho de
Josephus, não resta nenhuma evidência confiável de origem não cristã.
Justus de Tiberíades é o terceiro escritor judeu do primeiro século.
Seus escritos foram perdidos, mas Photius, patriarca de Constantinopla
(878-886 d.C.), escreveu Bibleotheca, onde ele comenta a obra de Justus.
Photius diz que do advento de Cristo, das coisas que lhe aconteceram ou
dos milagres que ele realizou, não há absolutamente nenhuma menção (em
Justus). Justus vivia em Tiberíades, na Galiléia (João 6:23). Seus escritos
são anteriores às Antiguidades de Josephus, de 93 d.C., portanto é provável
que ele tenha vivido durante ou imediatamente após a suposta época de
Jesus, mas é notável que nada tenha mencionado sobre ele.
A literatura rabínica seria logicamente o outro lugar para se pesquisar a
historicidade de Jesus de Nazaré. O Novo Testamento alega que Jesus é o
cumprimento da profecia judaica sobre o messias, crucificado no dia da
Páscoa. Naquele dia, supostamente houve um terremoto em Jerusalém, a
cortina de seu templo se rasgou de alto a baixo, houve um eclipse do sol,
santos judeus ressuscitaram e andaram pela cidade. Três dias depois,
Jesus ressuscitou e depois subiu aos céus diante de todos.
Algum tempo depois, no dia de Pentecostes, os judeus de várias nações
se reuniram e viram o Espírito Santo descer na forma de línguas de fogo; a
igreja cristã se expandiu de forma explosiva entre judeus e pagãos, com
sinais e milagres acontecendo por toda a parte. Em 70 d.C., Jerusalém foi
cercada pelos romanos, que destruíram Israel como nação e dispersaram os
judeus.
Ainda que os rabinos não aceitassem Jesus como o Messias, o impacto
dos acontecimentos à volta de Jesus logicamente teria sido registrado nos
comentários ao Talmud (os midrash). A história e a tradição oral dos judeus
registradas nos midrash foram atualizadas e receberam sua forma final pelo
rabino Jehudah ha-Qadosh por volta de 220 d.C. Em seu livro O Jesus que
os judeus nunca conheceram, Frank Zindler diz que não há uma única fonte
rabínica da época que fale da vida de um falso messias do primeiro século,
dos acontecimentos envolvendo a crucificação e ressurreição de Jesus ou
de qualquer pessoa que lembre o Jesus do cristianismo.
Não há locais históricos na Terra Santa que confirmem a historicidade
de Jesus de Nazaré. Monges, padres e guias turísticos que levam
peregrinos cristãos (aceitam-se doações) aos locais dos acontecimentos
descritos na Bíblia dificilmente podem ser considerados pessoas isentas.
Ainda citando Zindler, Não há confirmação não tendenciosa desses locais.
Nazaré não é mencionada nem uma vez no Antigo Testamento. O Talmud
cita 63 cidades da Galiléia, mas não Nazaré. Josephus menciona 45 cidades
ou vilarejos da Galiléia, mas nem uma vez cita Nazaré. Josephus menciona
Japha, que é um subúrbio da Nazaré de hoje. Lucas 4:28-30 diz que Nazaré
tinha uma sinagoga e que a borda da colina sobre a qual ela tinha sido
construída era alta o suficiente para que Jesus morresse se o tivessem
realmente jogado lá de cima. Contudo, a Nazeré de nossos dias ocupa o
fundo de um vale e a parte de baixo de uma colina. Não há “topo de colina”.
Além disso, não há nenhum vestígio de sinagogas do primeiro século.
Orígenes (182-254 d.C.), que viveu em Cesaréia, a umas 30 milhas da atual
Nazaré, também não fala em Nazaré. A primeira referência à cidade surge
em Eusébio, no século 4. O melhor que podemos imaginar é que Nazaré só
surgiu depois do século 2. Esta falta de evidência histórica parece ser a
explicação para o fato de não haver nenhuma menção a Nazaré em nenhum
registro, de nenhuma origem não cristã. Ou seja, Nazaré não existia no
primeiro século.
Não há tempo nem espaço para se falar de outras cidades significativas
citadas no Novo Testamento, mas as evidências históricas e arqueológicas
quanto a Cafarnaum (mencionada 16 vezes no N.T.) e Betânia, ou o
Calvário, são, assim como no caso de Nazaré, igualmente fracas e até
mesmo desmentem as Escrituras.
Mentes críticas e objetivas se destacam por procurar confirmação
imparcial dos supostos fatos. Quando a única evidência disponível de um
acontecimento ou de seus resultados é, não apenas questionável e
suspeita, mas também aquilo que os divulgadores do acontecimento ou
resultado querem que você acredite, convém desconfiar. O fato é que os
escritores judeus não-cristãos, gregos e romanos das décadas que se
seguiram à suposta crucificação e ressurreição de Jesus nada dizem sobre
ninguém chamado Jesus de Nazaré. Uma pessoa justa sempre estará
disposta a analisar novas evidências, mas, 2 mil anos depois, o cristianismo
continua tendo tantas evidências imparciais sobre Jesus quanto sobre o
Mágico de Oz, Zeus ou qualquer um dos muitos deuses-redentores daquela
época.

Lee Salisbury, nascido em Stillwater, Minesotta, foi um pastor


pentecostal de 1972 a 1986. Ele fundou e dirige o Clube do pensamento
crítico em Minesotta, escreve colunas para www.axisoflogic.com, onde este
artigo foi publicado pela primeira vez, e participa de debates públicos.
Referências
The Jesus the Jews Never Knew, por Frank R. Zindler
Encyclopedia Britannica
Deconstructing Jesus, por Robert Price, Ph.D.
Obras completas de Josephus, tradução de William Whiston, Ph.D.
The Jesus Puzzle, por Earl Doherty
The Jesus Mysteries, por Timothy Freke e Peter Gandy

Você também pode gostar