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A LIMITAÇÃO DO DIREITO AO VOTO NAS SOCIEDADES

ANÓNIMAS
CONFLITO DE INTERESSE VS PLURALIDADE DE INTERESSES
Por: Denilson Jota António1

RESUMO

Neste relatório analisamos o tratamento que a legislação angolana dá às situações de


limitação do direito ao voto nas sociedades anónimas, quando possivelmente haja
conflito de interesse entre o accionista e a sociedade.

Para tanto, começamos por estudar o voto, na sua generalidade, analisamos o que será
interesse da sociedade, para que este possa conflituar com o interesse dos accionistas,
estudamos os critérios definidores do conflito de interesse, fizemos uma breve incursão
sobre o tratamento dado pela legislações e jurisprudências portuguesa e brasileira, e
concluímos com a análise feita a posição adoptada pelo legislador angolano.
1
Palavras-Chave: limitação do direito ao voto; conflito de interesse; conflito formal
e conflito material

SUMÁRIO: O Voto conceito e natureza jurídica; O interesse social enquanto elemento


conformador de actuação na sociedade; O voto nas sociedades anónimas e sua
limitação; O conflito de interesse relevante – a posição do sujeito enquanto mero
indivíduo ou enquanto accionista; Critérios definidores do conflito de interesse –
critério formal e material; Limitação do direito ao foto com fundamento no conflito de
interesse.

1
Jurista, Mestrando em Direito Económico, Professor Assistente, Secretário da ECODIMA e Consultor
Jurídico e Advogado Estagiário na Sociedade de Advogados Edmundo Miguel e Associados.
E-mail: denilsonjotaantonio@gmail.com

Tel.: (+244) 924433461 / 998882019


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CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO

1. INTRODUÇÃO

As sociedades comerciais, assim como todas as pessoas colectivas, e ao contrário das


pessoas físicas, não possuem conteúdo psíquico próprio, o que as impossibilita formar
vontade de forma autónoma, sem intervenção humana. É a vontade humana que fixa
“vontade” da pessoa colectiva aquando da sua constituição, e que vai criando e
manifestando a vontade da pessoa colectiva ao longo da sua existência, pelas
actividades dos seus gestores ou administradores.

Nas sociedades comercias, a criação da vontade da sociedade é concretizada pelo


exercício do direito de participação nas deliberações sociais, através do voto, direito
atribuído a todos sócios/accionistas, o que a doutrina caracteriza como elemento
corporativo ou participativo.2

Pelo papel e importância que o direito ao voto desempenha na gestão das sociedades,
por uma lado não deve ser exercido de forma desregrada, para não lesar interesses dos
demais sócios e, concomitantemente, o interesse das sociedades e, por outro lado, não 2
pode ser limitado mais do que o necessário, razoável e proporcional, por ser um direito
fundamental para a formação da vontade da sociedade e manifestação dos interesses dos
sócios accionistas.

No entanto, a legislação angolana, em particular a Lei da Sociedades Comerciais, veta o


direito ao voto do accionista sempre que o objecto da deliberação afecte uma relação
estranha ao contrato de sociedade e de que o accionista seja parte.

Neste relatório, nos propusemos estudar esta questão, se de facto é a medida mais
acertada e que de facto vele pelo interesses e proteja direito da melhor maneira, uma vez
que, na generalidade das situações, e em outros ordenamentos jurídicos, nos parece que
se limita o conflito de interesses, enquanto em Angola se evita a pluralidade de
interesses.

2
PEDRO, Albuquerque, e GONÇALVES, Diego Costa; O Impedimento do Exercício do Direito de Voto
Como Proibição Genérica de Actuação em Conflito; Revista de Direito das Sociedades, Ano III, N.º3;
2011; pág. 658

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1.1. IMPORTÂNCIA DA PESQUISA

As sociedades anónimas, pela possibilidade de abertura do capital, o que tal vez seja a
principal razão de se optar por este tipo de sociedade, e pela existência de accionistas
minoritários, muitos dos quais não participarão directamente das deliberações exercendo
o direito de voto, impõe uma organização e funcionamento que proteja os direitos de
todos os accionistas, transparência e lealdade para com os accionistas e para com a
sociedade, o que acarreta, por um lado o dever de agir em conformidade com os
interesses sociais e, por outro lado, o dever de omissão a todas as condutos que se
mostrariam contrárias ou questionáveis aos princípios e interesses sociais.

Por outro lado, sendo a sociedade dirigida por pessoas físicas, que, humanamente, não
conhecem separações estanques entre esferas e interesses pessoais e sociais, há sempre a
possibilidade de miscigenação de interesses no momento de se tomar alguma decisão, o
que, não só no âmbito das deliberações sociais, o mesmo fenómeno verifica-se na
prática de diversos actos jurídicos, podem ser impostas restrições ao exercício de
3
direitos quando se note que o mesmo não seria exercido da melhor maneira.

Por este facto, importa estudar as situações e as condições de limitação do direito ao


voto, bem como as razões que fundamentam tal limitação, para que assim, não se deixe
exercer o direito de forma indevida, e, por outro lado, não se limite o exercício do
direito mais do que o necessário.

1.2. PROBLEMÁTICA DA PESQUISA

Entretanto, se considerarmos que as sociedades anónimas, enquanto pessoas colectivas,


a princípio não possuem conteúdo psíquico, não tento nesses termos ”vontade própria”,
a sua vontade seria formada e manifestada pelas pessoas físicas que a criaram e por
aqueles que a dirigem. Sendo a estes limitado o direito de votar, não estaríamos, de
alguma forma a limitar a formação e manifestação da vontade da própria sociedade?

Por outro lado, limitar o direito ao voto em todas as relações, estabelecidas ou a


estabelecer, entre a sociedade e o accionista, estranha ao contrato de sociedade,
conforme faz a legislação angolana, será a melhor forma de proteger os interesses da
sociedade e dos demais accionistas?

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Coloca-se em questão se evitamos o conflito de interesse ou a pluralidade de interesses,
que, dentro da autonomia da vontade, não é algo proibido.

1.3. BREVE REFEÊNCIA SOBRE A METODOLOGIA E A ESTRUTURA


DO TRABALHO

Para responder a tal questão empreendemos em pesquisas documentais e bibliográficas


resultando no presente trabalho estruturado em quatro capítulos, sendo que no primeiro
trazemos questões introdutórias, no segundo apresentaremos a fundamentação teórica
falando sobre o quadro legal e doutrinário sobre o voto, na generalidade, no terceiro
capítulo abordamos sobre a limitação do exercício do direito ao voto com fundamento
no conflito de interesse, e no quarto capítulo apresentaremos as nossas conclusões e
sugestões.

A metodologia escolhida para a pesquisa foi o método dedutivo. Temos como ponto de
partida a generalidade das leis e da doutrina, para chegar a conclusões de situações
concretas limitação do direito ao voto em Angola, os possíveis fundamentos e
constrangimentos da posição adoptada pelo legislador. 4

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CAPÍTULO II – O VOTO

2. CONCEITO DE VOTO

O voto pode ser entendido como um instrumento jurídico de aceitação ou rejeição de


uma proposta de deliberação colectiva, oriunda da necessidade de se expressar a
vontade em nome de uma colectividade3.4

Na história e política, o voto é sinonimo e exercício de poder. Um poder legalmente


atribuído ou reconhecido às pessoas. Logo, uma faculdade, podendo o seu titular
exercer ou não o seu direito de voto de forma lícita.5 5

O código das Sociedades Comerciais, bem como a doutrina dominante, reconhece o


direito ao voto como um direito corporativo geral de todos os sócios, como resultado da
subscrição do contrato da sociedade, assinatura ou aumento do capital social, logo, um
direito inderrogável6

2.1. NATUREZA JURÍDICA DO VOTO

O voto constitui uma forma de tutela e realização de determinado interesse. É


justamente o interesse que caracteriza a natureza jurídica do voto, pelo que,
compreendê-la, começa pela compreensão do “interesse”.7
3
ROSA, Edisval Nuno Vaz Santa; Abuso de Direito nas Deliberações Sociais; Dissertação de Mestrado
em Direito das Empresas e do Trabalho, sob orientação do PhD. Manuel António Pita; Instituto
Universitário de Lisboa, Departamento de Economia Política; Lisboa; 2018
4
FURTADO, Pinto; Deliberações das Sociedades Comerciais; Almedina Editora; Lisboa; 1995; pág. 38
5
Ibdem, pág 103
6
PUPO CORREIA, Miguel; Direito Comercial, Direito da Empresa; 10.º Edição; 2007; pág. 270;
FURTADO, Pinto; Código das Sociedades Comerciais Anotado; Almedina; 6.º Edição; 2011; pág. 332
7
ROSA, Edisval Nuno Vaz Santa; Abuso de Direito nas Deliberações Sociais; Dissertação de Mestrado
em Direito das Empresas e do Trabalho, sob orientação do PhD. Manuel António Pita; Instituto
Universitário de Lisboa, Departamento de Economia Política; Lisboa; 2018; pág. 13

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As actividades mentais e psicológicas são movidas por interesse, enraizado na
necessidade de se atender a necessidades orgânicas e afectivas. Daí que, a teoria geral
do Direito, tentando conceitualizar o interesse, apresenta duas posições, uma subjectiva
e outra objectiva, sendo que a primeira fundamenta que o interesse é a motivação lógica
de desejo ou apetência, e a segunda que o interesse seja uma pura relação entre uma
pessoa e um bem, apto a satisfazer uma necessidade ou que confira utilidade.8

O facto de que os contractos de sociedade sejam fundados na união de pessoas com o


objectivo de realizar determinada actividade visando o lucro, parece-nos questionável,
senão mesmo indesejável, que determinado sócio prossiga interesses próprios. É a esse
entendimento que nos conduz a jurisprudência portuguesa, fundamentando que votando
o sócio em interesse próprio, tal direito cessa ou é limitado quando o seu interesse
colide de forma incompatível com o interesse social.9

A sociedade comercial é, em si e enquanto resultado de um contrato de sociedade, a


conciliação e concentração de interesses, materializando-se num único interesse, o
interesse comum/colectivo, que resultada das vontades manifestadas no contracto,
havendo assim unidade de interesse, daí que todos os mios e recursos da sejam 6
utilizados e dirigidos para esse e em função deste interesse. 10

No estudo das sociedades comerciais, interesse social é também analisado segundo


duas perspectivas ou duas teorias, uma contratualista e outra institucionalista.

Entendem os adeptos da teoria contratualista que o interesse social seja o interesse dos
sujeitos do contrato social (art. 980.º do Código Civil) – e daqueles que a ele adiram –
efectuando contribuições para exercício comum de uma actividade, com o escopo de
partilha de lucros.11 Já para os defensores da teoria institucionalista, o interessa da
sociedade envolve o interesse de todos os que participam do objecto social, incluindo os

8
Verbo Enciclopédia Luso- Brasileiro de Cultura, Lisboa, Editorial verbo, páginas 1654
9
Acórdão do Tribunal de Relação Coimbra, Processo n.º 776/10/TJCBR.C1, de 06 de Novembro de
2012; Acórdão do Tribunal de Relação do Porto, processo nº 2830/15.0T8VNG.P1, de 13 de Novembro
de 2017, disponíveis em www.dgsi.pt
10
Manuel de Andrade; Teoria Geral da Relação Jurídica; II Volume; Almedina Editora; 1974; pág.
170ss.
11
VENTURA, Raul; Sociedade por Quotas; Coimbra, Volume II, 1996; pág. 150-151; Oliveira
Ascensão, Direito Comercial, Sociedades Comerciais, IV- parte geral,pág.68-69; Mignoli, L´interesse
sociale, (página 748,) citado pela Carmem Alborch Bataller em El Direcho de Voto del Alccionista
Madrid, Editora Tecnos- 1977, páginas,96-97

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trabalhadores, clientes e outros. Autonomiza o interesse dos sócios para uma entidade
distinta. A sociedade.12

Do nosso lado, perfilhamos a posição contratualista, sendo a sociedade comercial, em


primeira instância, um instrumento dos sócios para exploração de uma actividade
empresarial lucrativa. Para fundamentar esta posição, basta analisar a relevância de cada
contrato dos que participam do objecto social, e veremos que obedecem uma
hierarquização de interesses, onde o interesse social, não tendo qualidade diversa do
interesse dos sócios, situa-se num plano de preferência superior aos demais interesses,
possuindo estes últimos menor peso e menor intensidade.13

Assim, em todas as sociedades, o voto será o poder de exprimir uma declaração de


vontade em acto colectivo, vontade que deverá obrigar a sociedade e/ou o destinatário
da deliberação no sentido do voto como resultado do contrato social14

2.2. O INTERESSE SOCIAL ENQUANTO ELEMENTO


CONFORMADOR DE ACTUAÇÃO NA SOCIEDADE

Assim como em toda organização ou grupo social, dentro da sociedade comercial 7


existem regras gerais de comportamento e princípios norteadores das actividades dos
seus membros, e, para a questão que analisamos, importa evidenciar a lealdade e o
dever de actuação compatível ao interesse social.15

O Supremo Tribunal de Justiça Português entende que o dever de lealdade aplica-se nas
relações dos sócios com a sociedade e entre si, integrando a ideia básica de status do
sócio; nas relações da sociedade para com os sócios, implicando um alargamento ex
bona fide da competência da Assembleia Geral; e nas relações dos administradores com
a sociedade e com os próprios sócios.16

12
Alborch Bataller Carmen, El Derecho de Voto del Accionista, Prologo Manuel Broseta Pont,
Madrid,Editora Tecnos, 1977, pág. 96
13
Coutinho De Abreu, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, I volume, Página745;
António Manuel Pita, Direito aos Lucros, Almedina, Coimbra, 1989,página 120; Coutinho de Abreu,
Curso de Direito Comercial Das Sociedades II volume, página 360
14
FRADA, Portugal Carneiro da; Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil; Almedina; 2004;pág.
382
15
Vasconcelos Pedro Pais, Participação Social nas sociedades, Almedina, 2ºEdição, 2006, página 325
16
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07/11/2017, processo n.º 1919/15.0T8OAZ.P1

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O conteúdo e dimensão do dever de actuação no interesse da sociedade varia consoante
o tipo de sociedade adoptado pelos sócios, a posição que o sócio/agente ocupa na
sociedade e perante os outros sócios, relevância da actuação e preferência, sendo assim,
um elemento sensível.17 No entanto, o dever de actuação compatível ao interesse da
sociedade não implica a inexistência de interesse do sócio, que, como entende a
doutrina, a finalidade do enriquecimento pessoal acrescenta o respeito pelo interesse
comum.18

2.3. O VOTO NAS SOCIEDADES ANÓNIMAS E A SUA LIMITAÇÃO

As sociedades anónimas são caracterizadas por um conjunto de situações jurídicas,


direitos e deveres para os accionistas em virtude das acções de que são proprietários.
Entretanto, os direitos e deveres delas resultantes não possuem caracterização uniforme,
podendo variar entre direitos essenciais e sociais, conforme sejam directamente
resultantes das acções ou possam ser atribuídos ou afastados pelo estatuto social ou
deliberação da Assembleia Geral da sociedade19.

Partindo deste entendimento podemos depreender que, pelo menos a nível legal, a 8
legislação Angolana não estabelece essa distinção. A Lei n.º 1/04, de 13 de Fevereiro,
Lei das Sociedades Comerciais, regula as sociedades anónimas, nos seus artigos 301.º e
seguintes, mencionando e tipificando vários direitos e obrigações, sem os caracterizar
como essenciais ou sociais.

Todavia, quanto ao direito ao voto, a flexibilidade que o seu conteúdo legal apresenta,
para através do contrato de sociedade fazer corresponder a certo número de acções um
voto ou sobre a forma de exercício do direito ao voto, parece-nos que não permitir
classificar o direito ao voto como essencial ou social, na medida em que possibilita
retirar de certos accionistas, os que não detêm o número de acções a que o contrato faça
corresponder um voto, o direito de votar.

17
Vasconcelos Pedro Pais, Participação Social nas sociedades, Almedina, 2º Edição, 2006
18
Almeida António Pereira, Sociedades Comercial e Valores Imobiliário, Editora
Coimbra,2008,página102.
19
Cfr. BREYER, Beatriz Krause; Conflito de interesse – A nova posição da CVM; Trabalho de Conclusão
de Curso, sob orientação do professor João Pedro Nascimento apresentado à FGV DIREITO RIO como
requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em DIREITO; Rio de Janeiro; 2013; pág. 9

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A Lei das Sociedades Anónimas brasileiro, Lei n.º 6.404, no seu artigo 115.º, para
melhor defesa dos interesses da sociedade e do socio minoritário, nomeia algumas
poucas situações em que ao accionista é vetado o direito ao voto, e conclui com uma
formulação de proibição genérica “quando o accionista tiver interesses conflituantes
com os da sociedade20, deixando a determinação da doutrina e da jurisprudência a
determinação do sentido, alcance e critério de determinação do conflito de interesse de
acordo a concepções objectivas ou subjectivas de interesse.

Em Angola, o artigo 403.º da Lei das Sociedades Comerciais, faz igualmente menção
de um conjunto de situações em que o direito ao voto é vetado ao accionista e termina
com uma proibição geral para “qualquer relação, estabelecida ou a estabelecer, entre a
sociedade e o accionista, estranha ao contrato de sociedade”.

Entendemos que a referida disposição legal diga respeito a relações jurídicas, e parece-
nos oportuno reflectir se são relações jurídicas em sentido amplo ou m sentido restrito.

Em sentido amplo, são relações jurídicas todo o facto social relevante e regulado pelo
direito por produzir consequências jurídicas. E em sentido restrito será relação jurídica
9
todo facto social regulado pelo direito pela atribuição a uma parte de um direito
subjectivo e a outra o correspondente dever jurídico ou estado de sujeição21.

O direito ao voto é a faculdade através da qual o accionista faz-se ouvir e participa na


formação da vontade da sociedade22. Este entendimento nos conduzirá, naturalmente a
entender que a vontade da sociedade seja, na verdade o interesse dos sócios, a obtenção
e maximização do lucro.

Entretanto, a doutrina alemã entende que a vontade da sociedade transcenda a


maximização de lucro e esteja directamente interligada a função social da empresa, e
esta deve ser prosseguida, mesmo que em detrimento do interesse dos sócios
(maximização do lucro) que ocupa o segundo plano.23

20
Ibdem, pág. 13
21
Mota Pinto; Teoria Geral do Direito Civil; 4.º Edição; Coimbra Editora; 2005; pág. 177
22
Cfr. BREYER, Beatriz Krause; Conflito de interesse – A nova posição da CVM; Trabalho de Conclusão
de Curso, sob orientação do professor João Pedro Nascimento apresentado à FGV DIREITO RIO como
requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em DIREITO; Rio de Janeiro; 2013, pág. 9
23
Ibdem, pág. 9

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A consideração da primeira posição, segundo a qual o interesse da sociedade seja a
maximização dos lucros, concluiremos que o artigo 403.º da Lei das Sociedades
Comerciais apenas veta ao accionista o direito ao voto quando estejam em causam
relações jurídicas em sentido restrito entre este e a sociedade, pois, são estas mais
susceptíveis de afectar situações jurídicas patrimoniais tanto passivas quanto activas.

Por outro lado, se considerarmos que estejam em causa os fins sociais da empresa, a
relação jurídica em causa para vectação do direito ao voto, poderá ser entendida em
sentido amplo, na medida em que assim se dará maior abrangência, e,
concomitantemente, maior protecção aos interesses que a norma procura acautelar ao
vetar de determinado accionista o direito ao voto.

2.4. O CONFLITO DE INTERESSE RELEVANTE – A POSIÇÃO DO


SUJEITO ENQUANTO MERO INDIVÍDUO OU ENQUANTO
ACCIONISTA

A este respeito, só é vetado o direito ao voto do accionista quando haja, pelo menos,
mais um interesse que este pretenda acautelar, além dos seus interesses enquanto 10
accionista, procurando, assim, interesses pessoais. Nada obsta a que o accionista, nesta
qualidade, procure seus interesses, aliás, é justamente para isso que o direito ao voto
existe, para que os accionistas expressem a sua vontade e o seu interesse dentro da
sociedade. É neste âmbito, que o artigo 403.º da Lei das sociedades Comerciais, veta o
direito ao voto nas constituídas ou a constituir entre o accionista e a sociedade,
estranhas, aqui entendemos exteriores, ao contrato de sociedade.

É perfeitamente concebível e conciliável que nas sociedades anónimas sejam


prosseguidos simultaneamente interesses dos sócios e interesses da sociedade, enquanto
instituição – empresa. Essas duas posições só são conflituantes quando o julgador
coloca-se no plano interior ou exterior da sociedade. Se estiver no plano interior o
interesse em causa será o dos sócios, que quer numa perspectiva singular, quer no
colegial dos sócios, o interesse será a maximização dos lucros. Por outro lado, no plano
exterior, o interesse da sociedade corresponderá aos interesses da empresa, quais sejam
a sua auto-sustentabilidade, a geração e manutenção de empregos, o aumento e
aperfeiçoamento da produção.24
24
Ibdem, pag. 15

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O problema de conflitos de interesse só surge, a nosso entender, e conforme espelha a
disposição normativa supracitada, quando, no exercício do direito ao voto, o accionista
prossiga interesses diversos a qualidade de accionista e diversos a sociedade.

Sendo certo que os sujeitos de direito satisfazem suas necessidades com o domínio e uso
das coisas, o conflito de interesse surge quando uma única situação juridicamente
relevante mostra-se apta para satisfazer interesses distintos, de pessoas distintas e estas
tenham alguma relação com o bem, ou seja, estes tenham alguma legitimidade. Ao vetar
o direito ao voto do sócio, a Lei procura evitar esse conflito de interesse, em benefício
da sociedade comercial, deixando o accionista sem a possibilidade de intervir na decisão
que lhe tornaria legítimo em mais de uma situação sobre o bem objecto da deliberação.25

Assim, o único interesse atendível aquando da votação é o interesse da sociedade, sendo


restringida a possibilidade de algum accionista votar em prejuízo dos demais accionistas
ou da sociedade, conferindo para si alguma vantagem injustificada.26

A lei das sociedades comerciais veta o direito ao voto do accionista nas situações em
que da deliberação resultariam a concessão de vantagens em seu benefício, vestido ou
11
não da qualidade de accionista, ou a oneração de responsabilidades enquanto sócio.

As sociedades anónimas, pela possibilidade de abertura do capital, são organizadas


estrutural e funcionalmente de modos a garantir segurança e confiança no mercado. E a
possibilidade de sócios que façam parte do conselho votarem em interesse diverso do
interesse da sociedade, mesmo que a quantidade de votos nesse sentido não sejam
suficientes para formar a deliberação, abre dúvidas e inseguranças sobre a empresa no
mercado, colocando-a sob suspeição.27

O problema torna-se ainda maior se se tratar de sócio administrador ou de accionista


maioritário. Natural e humanamente o accionista não poderá dissociar o seu papel de
administrador ou de accionista maioritário, aquando da votação. Impondo-se que se lhe
vete o direito ao voto, em obediência ao princípio segundo o qual ninguém pode julgar e
decidir em causa própria.28
25
FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes; Conflito de Interesse nas Assembleias de S:A;
Malheiros; São Paulo, 1993; Citado por Ibdem pág. 16
26
Ibem, pág 17
27
Neste sentido, vide BORBA, José Edwaldo Tavares; Direito Societário; 6a edição. rev. aum. E atual.
Renovar: Rio de Janeiro, 2001. pág. 309
28
Cfr. EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. vol. 1. Quartier Latin: São Paulo, 2011. p.

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2.5. CRITÉRIOS DEFINIDORES DO CONFLITO DE INTERESSES
2.5.1. O CONFLITO DE INTERESSES SEGUNDO O CRITÉRIO FORMAL

O critério a adoptar tem impacto directo na determinação do momento em que o direito


ao voto é vetado. Se antes da votação, não podendo o accionista votar, logo de início, ou
depois, da votação, ficando o voto do accionista sujeito a anulabilidade. 29

Os defensores do critério formal entendem que se trata de uma proibição absoluta, e não
de um direito de exercício controlado, sujeito a verificação de outras situações. Entende-
se que o n.º 6 do artigo 404, da Lei das Sociedades Comerciais ao dispor que “o
accionista não pode votar”, faz surgir a proibição genérica, anterior ao exercício do
direito ao voto, para todas as situações em que se vislumbre a existência de uma relação
de interesses potencialmente conflituantes entre o accionista e a sociedade, mesmo nas
situações em que, eventualmente, o assunto submetido a votação possa ser benéfico para
a sociedade, portanto, questões materiais ou substantivas seriam aqui irrelevantes.30

Para tanto, no primeiro momento, caberia ao accionista pronunciar-se sobre o seu


impedimento para votar. Não o fazendo, e em seguida, seria conferido aos accionistas
que não tenham relação de interesse com a situação sob votação, além da posição que 12

ocupam enquanto accionista da sociedade, o poder de verificar a legitimidade do


accionista a quem se pretenda vetar o direito ao voto. Tal acontece em momento prévio,
e assim convém porque o valor que a lei pretende acautelar é a segurança e confiança
nas deliberações, bem como o total comprometimento com os interesses da sociedade,
afastando a dúvida sobre a prossecução de fins paralelos, e não, propriamente, a
ocorrência de danos, prejuízos, ou outra situação que careça de prova posterior. Aliás,
se assim o fosse, sempre que não se pudesse provar os danos ou prejuízos,
eventualmente causados, o voto do accionista teria sido validado, mesmo que motivado
por interesses diversos ao da sociedade.31

Entretanto, abre-se a possibilidade, e nalgumas vezes verificou-se o facto, de accionistas


que não têm relações estranhas a sociedade, fora da sociedade, servirem-se desse

656/657
29
Cfr EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. vol. 1. Quartier Latin: São Paulo, 2011. p. 660
30
Vide COMPARATO, Fabio Konder. FILHO, Calixto Salomão. O Poder de Controle na Sociedade
Anônima. Forense: Rio de Janeiro, 2008. p.391
31
Cfr. CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. vol. 2 Saraiva: São
Paulo, 1998. Pág. 410-418

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mecanismo, contra outros sócios que tenham interesses diferentes dos seus, não
propriamente diferentes ou conflituosos aos interesses da sociedade. E nestes termos, o
recurso a este mecanismo constitui falso pretexto e desvirtualizador do instituto, que foi
criado para a protecção do interesse da sociedade e não de grupos de accionistas32

2.5.2. O CONFLITO DE INTERESSES SEGUNDO O CRITÉRIO


MATERIAL

Para os defensores dessa teoria, antes da votação, a arguição de conflito de interesse, só


pode ser feita pelo próprio accionista impedido, uma vez que, sendo o voto um elemento
essencial para a formação da vontade da Sociedade em Assembleia, as situações que
levam a sua restição não devem ser fixadas por analogia ou interpretação extensiva. Os
demais accionistas só teriam como determiniar a existência de interesse conflituante
após o exercício do direito ao voto, quando se verificar que o voto foi exercido num
sentido prejudicial ou manifestamente contrário ao interesse da sociedade.33

Mesmo tendo o accionista interesses além paralelo aos da sociedade, votando num
sentido que se mostrar benéfico ou conforme aos interesses da sociedade, o seu voto 13
deve ser validado, na medida em que a existência de interesse paralelo coloca o
accionista sob suspeição e não impedimento absoluto. O objectivo é proteger o interesse
da sociedade e não proteger a existência de interesses extra-sociais. Seria ilícito votar
em interesse contrário ou em lesão da sociedade e não votar com interesses extra-
sociais. Assim, se o accionista entender que os seus interesses não venham a lesar os
interesses da sociedade aquando da votação, deve este exercer o seu direito ao voto
normalmente. E se algum outro accionista entender que o accionista com interesses
extra sociais não devesse votar e que o seu voto contraria e lesa os interesses da
sociedade, deve este posteriormente convocar outra assembleia para deliberar sobre o
voto do accionista suspeito, ou recorrer as suas garantias judiciais.34

32
NASCIMENTO, João Pedro Barroso do. Conflito de Interesses no exercício do Direito de Voto nas
Sociedades Anônimas. 1a parte. in Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. no. 25. coord.
Arnoldo Wald. Revista dos Tribunais, 2004. Pág. 87
33
vide BREYER, Beatriz Krause; Conflito de interesse – A nova posição da CVM; Trabalho de
Conclusão de Curso, sob orientação do professor João Pedro Nascimento apresentado à FGV DIREITO
RIO como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em DIREITO; Rio de Janeiro; 2013; pág.
21

34
ibdem, pág. 21-22

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Com isto a determinação do critério a adoptar fica sempre dependente de interpretação
doutrinária e jurisprudencial.

CAPÍTULO III – A LIMITAÇÃO DO DIREITO AO VOTO POR CONFLITO


DE INTERESSES

3. LIMITAÇÃO DO DIREITO AO VOTO COM BASE NO CONFLITO DE


INTERESSE

A legislação vigente estabelece a proibição de voto em situações de conflito de interesse


como um instrumento preventivo que actua no momento de formação da vontade da
sociedade no acto de votação.35

A nível de jurisprudência, parece não haver unanimidade quanto ao critério adoptado,


variando em função do Estado (país), instituição que resolve o litígio e até em função do
relator sorteado na distribuição.

O Supremo Tribunal de Justiça Português entende que estaríamos diante de um sócio


em conflito de interesse com a sociedade quando haja diversidade desarmónica,
14
objectivamente avaliada, entre o interesse do sócio e o interesse da sociedade. Qualquer
voto envolve reflexivamente um interesse pessoal, pelo que o impedimento de voto
apenas existe quando esse interesse seja antagónico ao da sociedade, não importando
que seja contrário ao da sociedade.36

Assim, havendo suspeita de conflito de interesse, isto é na dúvida, deve prevalecer o


direito ao voto. Só nas situações taxativas o direito ao voto seria vetado, entendendo-se
que nestas haveria mesmo conflito de interesse.37

No Brasil, a resolução de casos desta natureza, conflitos em sociedades anónimas, em


primeira instância compete a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Sob proposta da
Superintendência de Relações com Empresas (SEP) foi instaurada acusação para apurar
eventuais irregularidades, numa deliberação, por unanimidade, em que se aprovou o

35
Coutinho Abreu, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, IV volume, 2010, página 66
36
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo número: 1860/08.2T8ABF.E1.S1, de 27-02-2018;
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/06/78 (BMJ 278º-265).
37
Raul Ventura, 1989.página 286 (citado pelo Coutinho Abreu, Vol. IV, p.70,)

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pagamento de receitas líquidas em benefício de uma empresa, na qual um dos
accionistas, fazendo parte da assembleia e da votação, detinha acções.38

Parece-nos que a redactora da deliberação da CVM, fundamentou o seu voto


considerando que o accionista controlador votou em deliberação em que se beneficiava
de modo particular, com o pagamento em benefício de outra sociedade por ele
controlada, sendo que, por isso, devia ser considerado impedido.39

Assim entendeu a relatora que tenha havido conflito de interesse pela existência de
existência de interesse além daquele enquanto accionista. Um interesse paralelo,
resultante da afiguração do accionista nos dois contractos, devendo este abster-se para
não incorrer em negócio consigo mesmo.40

Ademais, a relatora entendeu não ser necessário provar o benefício do accionista em


detrimento da sociedade, pois, sendo o accionista controlador, não se podiam garantir os
interesses dos accionistas minoritários, considerando que, nenhum accionista votaria
contra o interesse da companhia, pelo simples facto de tratar-se de um contrato
celebrado com o controlador da empresa, pois estariam votando contra os próprios
15
interesses. Estando evidente a adopção do critério formal.41

No entanto, importa também analisar os argumentos dos votos vencidos na deliberação


da CVM, que, entendemos claramente, tiveram como base o critério substancial.

Os votos vencidos tiveram como fundamento a liberdade. Tal como a liberdade de


iniciativa, bem como as demais liberdades, a liberdade de voto constitui regra, devendo
todos accionistas votar sempre. No entanto, constatando que o accionista deixou de
cumprir o seu dever, votando fora do interesse da sociedade e que tal voto tenha sido
decisivo para a deliberação, seria permitida a anulação da deliberação.42

Podemos depreender do ponto trazido para fundamentar o voto vencido, que as leis
privadas estabelecem clara e especificamente as excepções de proibição. Proibições
genéricas seriam soluções aplicáveis para quando, e no caso, o accionista não cumprisse
com o seu dever perante a sociedade, uma vez que não se pode ter por certo e garantido,
38
Inquérito Administrativo CVM n. TA/RJ2001/4977.
39
Idem
40
Idem
41
Idem
42
Idem

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que o accionista faltaria com o seu dever perante a sociedade e os demais accionistas.,
cabendo ao accionista avaliar se estará ou não em conflito de interesses, o que só
acontece quando o segundo interesse seja extrínseco a qualidade do accionista e os
interesses sejam excludentes.43

Outrossim, fundamenta o voto vencido que, vetar genericamente o direito ao voto, pelo
aparente conflito de interesse, estaríamos a partir da presunção de que este cometeria
uma ilicitude, caso fosse legal que este votasse. Quando na verdade, em situações
genéricas presume-se que as pessoas cumprem a lei, pois, assim como a boa-fé, o
cumprimento da lei constitui regra. Se assim não fosse, nenhuma relação ou sociedade
subsistiria, o princípio da boa-fé, e da confiança de que as pessoas por ele se guiam, é
que torna viável a constituição e manutenção de relações.44

Assim, entende-se que sempre seria possível, e em todas as relações, presumir haver
maldades, sentimentos e interesses inconfessos, inviabilizando as relações e interacções
humanas, só sendo justificável restringir direitos e liberdades, não por presunções, mas
quando efectivamente se demonstrem violados direitos e interesses a que se deviam
proteger. 16

No entanto, a teoria adoptada para determinar o conflito de interesse relatado no caso


supra, mostrou-se insuficiente para um caso seguinte, decidido pela mesma instituição.
O Processo ficou conhecido como “Caso PREVI” 45, E nele, o colégio de decisores
fundamentaram que para que haja conflito de interesse é necessário que:

1. Os interesses situem-se em posições contrapostas ou antagónicas e que não


possam coexistir;
2. Seja demonstrado o prejuízo acusado à companhia, assim como seu nexo de
causalidade com o exercício do direito;
3. O interesse seja extra social;
4. P interesse tenha caracter patrimonial;
5. Sendo irrelevante o carácter subjectivo do direito.~
Assim, afigura-se uma clara adopção da teoria do conflito substancial, exigindo,
portanto, que do conflito de interessa deva resultar, obrigatoriamente:
43
Idem
44
Idem
45
Inquérito Administrativo CVM n. RJ2002/1153

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1. Ganho de alguma vantagem para o accionista;
2. A exclusão da premissa de que este votará contra os interesses da sociedade;
3. Cabendo somente ao accionista em suposto conflito julgar se estaria em conflito
de interesse.

CAPÍTULO IV - CONCLUSÃO 17
Ao longo do relatório, verificamos que o voto é o principal instrumento para criação e
manifestação do interesse da sociedade, que, pelo conceito de contrato social bem como
das demais situações que concorrem para a constituição de uma sociedade comercial, é
fundada na vontade dos sócios, que, unificadas, forma a vontade ou interesse social.

Vimos ainda que o direito ao voto pode ser limitado por situações de interesse pessoal,
nas questões especificadas por lei, e em Angola nas alíneas a); b); e c), do n.º 6, do
artigo 404.º da Lei das Sociedades Comerciais, e por situações de conflito de interesse
entre a sociedade e o accionista, nos moldes laminados da alínea d) do dispositivo legal
em causa.

O facto de a legislação angolana não estabelecer directamente o termo “conflito de


interesse” estabelecer antes um conjunto de situações e depois vetar o voto quando for
objecto de deliberação “qualquer relação estabelecida ou a estabelecer entre a sociedade
e este sócio” não quer dizer que em a nossa legislação tenha resolvido o problema mais
acertadamente. O que está em causa é evitar que decisões tomadas sob conflito de

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interesse prejudiquem a sociedade e os demais accionistas, e não limitar a pluralidade de
interesses.

Por outro lado, os casos em que a sociedade esteja em relação com outra sociedade, que
tem personalidade jurídica própria, sociedade em que o accionista também detenha
participação, não estariam protegidos, na medida em que a relação seria com outra
sociedade e não com o accionista.

A regra, o ideal, é que todos os accionistas votem e, só excepcionalmente, o direito ao


voto seja vetado a algum accionista. As primeiras alíneas do n.º 6, do artigo 404.º
seriam excepções expressas para o veto do direito ao voto, enquanto a última alínea,
genérica conforme se apresenta, na sua aplicação deve ser delimitada às situações em
que, igualmente, interessariam ao accionista em detrimento da sociedade. Aplicando a
todas as relações a estabelecidas ou a estabelecer entre o sócio e a sociedade, seria mais
do que o legislador quis dizer, porque, na verdade, nem todas as relações prejudicariam
ou estariam desconformes ao interesse da sociedade. E não podemos aplicar para a
generalidade uma limitação, quando a generalidade constitui regra e a limitação
excepção, devendo, por isso, ser mais específica o possível. 18

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Jurisprudência Consultada

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-11-2017, processo-número:


1919/15.0T8OAZ.P1.S1

Acórdão do Tribunal de Relação Coimbra, Processo n.º 776/10/TJCBR.C1, de 06 de


Novembro de 2012;

Acórdão do Tribunal de Relação do Porto, processo nº 2830/15.0T8VNG.P1, de 13 de


Novembro de 2017

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo número: 1860/08.2T8ABF.E1.S1, de


27-02-2018;

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/06/78 (BMJ 278º-265).

21

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