Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ANÓNIMAS
CONFLITO DE INTERESSE VS PLURALIDADE DE INTERESSES
Por: Denilson Jota António1
RESUMO
Para tanto, começamos por estudar o voto, na sua generalidade, analisamos o que será
interesse da sociedade, para que este possa conflituar com o interesse dos accionistas,
estudamos os critérios definidores do conflito de interesse, fizemos uma breve incursão
sobre o tratamento dado pela legislações e jurisprudências portuguesa e brasileira, e
concluímos com a análise feita a posição adoptada pelo legislador angolano.
1
Palavras-Chave: limitação do direito ao voto; conflito de interesse; conflito formal
e conflito material
1
Jurista, Mestrando em Direito Económico, Professor Assistente, Secretário da ECODIMA e Consultor
Jurídico e Advogado Estagiário na Sociedade de Advogados Edmundo Miguel e Associados.
E-mail: denilsonjotaantonio@gmail.com
1. INTRODUÇÃO
Pelo papel e importância que o direito ao voto desempenha na gestão das sociedades,
por uma lado não deve ser exercido de forma desregrada, para não lesar interesses dos
demais sócios e, concomitantemente, o interesse das sociedades e, por outro lado, não 2
pode ser limitado mais do que o necessário, razoável e proporcional, por ser um direito
fundamental para a formação da vontade da sociedade e manifestação dos interesses dos
sócios accionistas.
Neste relatório, nos propusemos estudar esta questão, se de facto é a medida mais
acertada e que de facto vele pelo interesses e proteja direito da melhor maneira, uma vez
que, na generalidade das situações, e em outros ordenamentos jurídicos, nos parece que
se limita o conflito de interesses, enquanto em Angola se evita a pluralidade de
interesses.
2
PEDRO, Albuquerque, e GONÇALVES, Diego Costa; O Impedimento do Exercício do Direito de Voto
Como Proibição Genérica de Actuação em Conflito; Revista de Direito das Sociedades, Ano III, N.º3;
2011; pág. 658
As sociedades anónimas, pela possibilidade de abertura do capital, o que tal vez seja a
principal razão de se optar por este tipo de sociedade, e pela existência de accionistas
minoritários, muitos dos quais não participarão directamente das deliberações exercendo
o direito de voto, impõe uma organização e funcionamento que proteja os direitos de
todos os accionistas, transparência e lealdade para com os accionistas e para com a
sociedade, o que acarreta, por um lado o dever de agir em conformidade com os
interesses sociais e, por outro lado, o dever de omissão a todas as condutos que se
mostrariam contrárias ou questionáveis aos princípios e interesses sociais.
Por outro lado, sendo a sociedade dirigida por pessoas físicas, que, humanamente, não
conhecem separações estanques entre esferas e interesses pessoais e sociais, há sempre a
possibilidade de miscigenação de interesses no momento de se tomar alguma decisão, o
que, não só no âmbito das deliberações sociais, o mesmo fenómeno verifica-se na
prática de diversos actos jurídicos, podem ser impostas restrições ao exercício de
3
direitos quando se note que o mesmo não seria exercido da melhor maneira.
A metodologia escolhida para a pesquisa foi o método dedutivo. Temos como ponto de
partida a generalidade das leis e da doutrina, para chegar a conclusões de situações
concretas limitação do direito ao voto em Angola, os possíveis fundamentos e
constrangimentos da posição adoptada pelo legislador. 4
2. CONCEITO DE VOTO
Entendem os adeptos da teoria contratualista que o interesse social seja o interesse dos
sujeitos do contrato social (art. 980.º do Código Civil) – e daqueles que a ele adiram –
efectuando contribuições para exercício comum de uma actividade, com o escopo de
partilha de lucros.11 Já para os defensores da teoria institucionalista, o interessa da
sociedade envolve o interesse de todos os que participam do objecto social, incluindo os
8
Verbo Enciclopédia Luso- Brasileiro de Cultura, Lisboa, Editorial verbo, páginas 1654
9
Acórdão do Tribunal de Relação Coimbra, Processo n.º 776/10/TJCBR.C1, de 06 de Novembro de
2012; Acórdão do Tribunal de Relação do Porto, processo nº 2830/15.0T8VNG.P1, de 13 de Novembro
de 2017, disponíveis em www.dgsi.pt
10
Manuel de Andrade; Teoria Geral da Relação Jurídica; II Volume; Almedina Editora; 1974; pág.
170ss.
11
VENTURA, Raul; Sociedade por Quotas; Coimbra, Volume II, 1996; pág. 150-151; Oliveira
Ascensão, Direito Comercial, Sociedades Comerciais, IV- parte geral,pág.68-69; Mignoli, L´interesse
sociale, (página 748,) citado pela Carmem Alborch Bataller em El Direcho de Voto del Alccionista
Madrid, Editora Tecnos- 1977, páginas,96-97
O Supremo Tribunal de Justiça Português entende que o dever de lealdade aplica-se nas
relações dos sócios com a sociedade e entre si, integrando a ideia básica de status do
sócio; nas relações da sociedade para com os sócios, implicando um alargamento ex
bona fide da competência da Assembleia Geral; e nas relações dos administradores com
a sociedade e com os próprios sócios.16
12
Alborch Bataller Carmen, El Derecho de Voto del Accionista, Prologo Manuel Broseta Pont,
Madrid,Editora Tecnos, 1977, pág. 96
13
Coutinho De Abreu, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, I volume, Página745;
António Manuel Pita, Direito aos Lucros, Almedina, Coimbra, 1989,página 120; Coutinho de Abreu,
Curso de Direito Comercial Das Sociedades II volume, página 360
14
FRADA, Portugal Carneiro da; Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil; Almedina; 2004;pág.
382
15
Vasconcelos Pedro Pais, Participação Social nas sociedades, Almedina, 2ºEdição, 2006, página 325
16
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07/11/2017, processo n.º 1919/15.0T8OAZ.P1
Partindo deste entendimento podemos depreender que, pelo menos a nível legal, a 8
legislação Angolana não estabelece essa distinção. A Lei n.º 1/04, de 13 de Fevereiro,
Lei das Sociedades Comerciais, regula as sociedades anónimas, nos seus artigos 301.º e
seguintes, mencionando e tipificando vários direitos e obrigações, sem os caracterizar
como essenciais ou sociais.
Todavia, quanto ao direito ao voto, a flexibilidade que o seu conteúdo legal apresenta,
para através do contrato de sociedade fazer corresponder a certo número de acções um
voto ou sobre a forma de exercício do direito ao voto, parece-nos que não permitir
classificar o direito ao voto como essencial ou social, na medida em que possibilita
retirar de certos accionistas, os que não detêm o número de acções a que o contrato faça
corresponder um voto, o direito de votar.
17
Vasconcelos Pedro Pais, Participação Social nas sociedades, Almedina, 2º Edição, 2006
18
Almeida António Pereira, Sociedades Comercial e Valores Imobiliário, Editora
Coimbra,2008,página102.
19
Cfr. BREYER, Beatriz Krause; Conflito de interesse – A nova posição da CVM; Trabalho de Conclusão
de Curso, sob orientação do professor João Pedro Nascimento apresentado à FGV DIREITO RIO como
requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em DIREITO; Rio de Janeiro; 2013; pág. 9
Em Angola, o artigo 403.º da Lei das Sociedades Comerciais, faz igualmente menção
de um conjunto de situações em que o direito ao voto é vetado ao accionista e termina
com uma proibição geral para “qualquer relação, estabelecida ou a estabelecer, entre a
sociedade e o accionista, estranha ao contrato de sociedade”.
Entendemos que a referida disposição legal diga respeito a relações jurídicas, e parece-
nos oportuno reflectir se são relações jurídicas em sentido amplo ou m sentido restrito.
Em sentido amplo, são relações jurídicas todo o facto social relevante e regulado pelo
direito por produzir consequências jurídicas. E em sentido restrito será relação jurídica
9
todo facto social regulado pelo direito pela atribuição a uma parte de um direito
subjectivo e a outra o correspondente dever jurídico ou estado de sujeição21.
20
Ibdem, pág. 13
21
Mota Pinto; Teoria Geral do Direito Civil; 4.º Edição; Coimbra Editora; 2005; pág. 177
22
Cfr. BREYER, Beatriz Krause; Conflito de interesse – A nova posição da CVM; Trabalho de Conclusão
de Curso, sob orientação do professor João Pedro Nascimento apresentado à FGV DIREITO RIO como
requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em DIREITO; Rio de Janeiro; 2013, pág. 9
23
Ibdem, pág. 9
Por outro lado, se considerarmos que estejam em causa os fins sociais da empresa, a
relação jurídica em causa para vectação do direito ao voto, poderá ser entendida em
sentido amplo, na medida em que assim se dará maior abrangência, e,
concomitantemente, maior protecção aos interesses que a norma procura acautelar ao
vetar de determinado accionista o direito ao voto.
A este respeito, só é vetado o direito ao voto do accionista quando haja, pelo menos,
mais um interesse que este pretenda acautelar, além dos seus interesses enquanto 10
accionista, procurando, assim, interesses pessoais. Nada obsta a que o accionista, nesta
qualidade, procure seus interesses, aliás, é justamente para isso que o direito ao voto
existe, para que os accionistas expressem a sua vontade e o seu interesse dentro da
sociedade. É neste âmbito, que o artigo 403.º da Lei das sociedades Comerciais, veta o
direito ao voto nas constituídas ou a constituir entre o accionista e a sociedade,
estranhas, aqui entendemos exteriores, ao contrato de sociedade.
Sendo certo que os sujeitos de direito satisfazem suas necessidades com o domínio e uso
das coisas, o conflito de interesse surge quando uma única situação juridicamente
relevante mostra-se apta para satisfazer interesses distintos, de pessoas distintas e estas
tenham alguma relação com o bem, ou seja, estes tenham alguma legitimidade. Ao vetar
o direito ao voto do sócio, a Lei procura evitar esse conflito de interesse, em benefício
da sociedade comercial, deixando o accionista sem a possibilidade de intervir na decisão
que lhe tornaria legítimo em mais de uma situação sobre o bem objecto da deliberação.25
A lei das sociedades comerciais veta o direito ao voto do accionista nas situações em
que da deliberação resultariam a concessão de vantagens em seu benefício, vestido ou
11
não da qualidade de accionista, ou a oneração de responsabilidades enquanto sócio.
Os defensores do critério formal entendem que se trata de uma proibição absoluta, e não
de um direito de exercício controlado, sujeito a verificação de outras situações. Entende-
se que o n.º 6 do artigo 404, da Lei das Sociedades Comerciais ao dispor que “o
accionista não pode votar”, faz surgir a proibição genérica, anterior ao exercício do
direito ao voto, para todas as situações em que se vislumbre a existência de uma relação
de interesses potencialmente conflituantes entre o accionista e a sociedade, mesmo nas
situações em que, eventualmente, o assunto submetido a votação possa ser benéfico para
a sociedade, portanto, questões materiais ou substantivas seriam aqui irrelevantes.30
656/657
29
Cfr EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. vol. 1. Quartier Latin: São Paulo, 2011. p. 660
30
Vide COMPARATO, Fabio Konder. FILHO, Calixto Salomão. O Poder de Controle na Sociedade
Anônima. Forense: Rio de Janeiro, 2008. p.391
31
Cfr. CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. vol. 2 Saraiva: São
Paulo, 1998. Pág. 410-418
Mesmo tendo o accionista interesses além paralelo aos da sociedade, votando num
sentido que se mostrar benéfico ou conforme aos interesses da sociedade, o seu voto 13
deve ser validado, na medida em que a existência de interesse paralelo coloca o
accionista sob suspeição e não impedimento absoluto. O objectivo é proteger o interesse
da sociedade e não proteger a existência de interesses extra-sociais. Seria ilícito votar
em interesse contrário ou em lesão da sociedade e não votar com interesses extra-
sociais. Assim, se o accionista entender que os seus interesses não venham a lesar os
interesses da sociedade aquando da votação, deve este exercer o seu direito ao voto
normalmente. E se algum outro accionista entender que o accionista com interesses
extra sociais não devesse votar e que o seu voto contraria e lesa os interesses da
sociedade, deve este posteriormente convocar outra assembleia para deliberar sobre o
voto do accionista suspeito, ou recorrer as suas garantias judiciais.34
32
NASCIMENTO, João Pedro Barroso do. Conflito de Interesses no exercício do Direito de Voto nas
Sociedades Anônimas. 1a parte. in Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. no. 25. coord.
Arnoldo Wald. Revista dos Tribunais, 2004. Pág. 87
33
vide BREYER, Beatriz Krause; Conflito de interesse – A nova posição da CVM; Trabalho de
Conclusão de Curso, sob orientação do professor João Pedro Nascimento apresentado à FGV DIREITO
RIO como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em DIREITO; Rio de Janeiro; 2013; pág.
21
34
ibdem, pág. 21-22
35
Coutinho Abreu, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, IV volume, 2010, página 66
36
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo número: 1860/08.2T8ABF.E1.S1, de 27-02-2018;
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/06/78 (BMJ 278º-265).
37
Raul Ventura, 1989.página 286 (citado pelo Coutinho Abreu, Vol. IV, p.70,)
Assim entendeu a relatora que tenha havido conflito de interesse pela existência de
existência de interesse além daquele enquanto accionista. Um interesse paralelo,
resultante da afiguração do accionista nos dois contractos, devendo este abster-se para
não incorrer em negócio consigo mesmo.40
Podemos depreender do ponto trazido para fundamentar o voto vencido, que as leis
privadas estabelecem clara e especificamente as excepções de proibição. Proibições
genéricas seriam soluções aplicáveis para quando, e no caso, o accionista não cumprisse
com o seu dever perante a sociedade, uma vez que não se pode ter por certo e garantido,
38
Inquérito Administrativo CVM n. TA/RJ2001/4977.
39
Idem
40
Idem
41
Idem
42
Idem
Outrossim, fundamenta o voto vencido que, vetar genericamente o direito ao voto, pelo
aparente conflito de interesse, estaríamos a partir da presunção de que este cometeria
uma ilicitude, caso fosse legal que este votasse. Quando na verdade, em situações
genéricas presume-se que as pessoas cumprem a lei, pois, assim como a boa-fé, o
cumprimento da lei constitui regra. Se assim não fosse, nenhuma relação ou sociedade
subsistiria, o princípio da boa-fé, e da confiança de que as pessoas por ele se guiam, é
que torna viável a constituição e manutenção de relações.44
Assim, entende-se que sempre seria possível, e em todas as relações, presumir haver
maldades, sentimentos e interesses inconfessos, inviabilizando as relações e interacções
humanas, só sendo justificável restringir direitos e liberdades, não por presunções, mas
quando efectivamente se demonstrem violados direitos e interesses a que se deviam
proteger. 16
CAPÍTULO IV - CONCLUSÃO 17
Ao longo do relatório, verificamos que o voto é o principal instrumento para criação e
manifestação do interesse da sociedade, que, pelo conceito de contrato social bem como
das demais situações que concorrem para a constituição de uma sociedade comercial, é
fundada na vontade dos sócios, que, unificadas, forma a vontade ou interesse social.
Vimos ainda que o direito ao voto pode ser limitado por situações de interesse pessoal,
nas questões especificadas por lei, e em Angola nas alíneas a); b); e c), do n.º 6, do
artigo 404.º da Lei das Sociedades Comerciais, e por situações de conflito de interesse
entre a sociedade e o accionista, nos moldes laminados da alínea d) do dispositivo legal
em causa.
Por outro lado, os casos em que a sociedade esteja em relação com outra sociedade, que
tem personalidade jurídica própria, sociedade em que o accionista também detenha
participação, não estariam protegidos, na medida em que a relação seria com outra
sociedade e não com o accionista.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Alborch Bataller Carmen, El Derecho de Voto del Accionista, Prologo Manuel Broseta
Pont, Madrid,Editora Tecnos, 1977
BORBA, José Edwaldo Tavares; Direito Societário; 6a edição. rev. aum. E atual.
Renovar: Rio de Janeiro, 2001
Carmem Alborch Bataller, El Direcho de Voto del Alccionista Madrid, Editora Tecnos;
1977
EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. vol. 1. Quartier Latin: São Paulo, 2011
JOSE Nuno Marques Estaca na sua obra sobre, O interesse Da Sociedade nas
Deliberações Sociais, Almedina; 2003
Mota Pinto; Teoria Geral do Direito Civil; 4.º Edição; Coimbra Editora; 2005 pág. 177
PUPO CORREIA, Miguel; Direito Comercial, Direito da Empresa; 10.º Edição; 2007
ROSA, Edisval Nuno Vaz Santa; Abuso de Direito nas Deliberações Sociais;
Dissertação de Mestrado em Direito das Empresas e do Trabalho, sob orientação do
PhD. Manuel António Pita; Instituto Universitário de Lisboa, Departamento de
Economia Política; Lisboa; 2018
Vasconcelos Pedro Pais, Participação Social nas sociedades, Almedina, 2ºEdição, 2006
21