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XXXVIII Olimpı́ada Cearense de Matemática

Nı́vel 3 - Ensino Médio


Problema 1. Seja ABC um triângulo equilátero com lados de comprimento igual a 3 e
seja D o ponto sobre o lado BC tal que o comprimento do segmento CD vale 1. Sejam
M o ponto médio do segmento AD e Γ o cı́rculo de centro M e tangente ao segmento AC.
Se E é o ponto sobre o segmento AB tal que DE tangencia Γ, calcule o comprimento
de BE. Justifique sua resposta.

Solução. Sejam F e G os pontos de tangência de Γ com AC e DE, respectivamente


(veja a Figura 1 abaixo). Note que 4GM D ≡ 4F M A (pelo caso cateto-hipotenusa de
congruência de triângulos retângulos). Logo, GM
cD = F McA, e segue que G, M e F são
colineares. Como a reta que passa por G e F é perpendicular aos segmentos AC e DE,
concluı́mos que tais segmentos são paralelos. Então, 4ABC ∼ 4EBD. Como ABC é
equilátero, segue que EBD também é. Logo, BE = BD = 2.

Figura 1: esboço da solução.

Problema 2. Encontre, com justificativa, todos os inteiros positivos a, b e p, tais que p


é primo e
1 1 1
= 2 + 2.
p a b
Prova (esboço). Se p1 = a12 + b12 , então a2 b2 = (a2 + b2 )p e, daı́, p | a ou | b. Se a = pc (o
caso em que p | b pode ser tratado de modo análogo), então pc2 b2 = p2 c2 + b2 , de modo
1 1
que p | b. Sendo b = pd, obtemos c2 + d2 = pc2 d2 ou, ainda, p = c2
+ d2
. Mas aı́,

1 1 1 1
2≤p= 2
+ 2 ≤ 2 + 2 = 2,
c d 1 1

o que força termos p = 2 e c = d = 1. Então, a = b = 2.

Problema 3. Considere o polinômio M (x, y) = 1 − 3x2 y 2 + x2 y 4 + x4 y 2 . Prove que:


(a) M (a, b) ≥ 0, para todos a, b ∈ R.

(b) M não pode ser escrito como uma soma de quadrados de polinômios em x, y e com
coeficientes reais.
Prova. Para o item (a), use a desigualdade

a+b+c √
3
≥ abc, se a, b, c ≥ 0
3

com a = 1, b = x2 y 4 e c = x4 y 2 .
Para (b), suponha que M (x, y) = ri=1 fi (x, y)2 , com fi (x, y) de coeficientes reais.
P

Como o grau de M (x, y) é 6, cada fi tem grau no máximo 3, logo é combinação linear,
com coeficientes em R, de

1, x, y, x2 , xy, y 2 , x3 , x2 y, xy 2 , y 3 .

Se x3 aparecesse em algum fi , então x6 apareceria em M com coeficiente positivo, o que


não é o caso. Logo, nenhum dos fi tem x3 como termo. De modo análogo, concluı́mos
que y 3 , x2 , y 2 , x e y também não aparecem. Portanto,

fi (x, y) = ai + bi xy + ci x2 y + di xy 2 .

fi2 implica que −3 =


P
Comparando coeficientes, concluı́mos que a igualdade M = i
P 2
i bi , o que é absurdo, pois bi ∈ R para cada i.

Problema 4. Duas parábolas de eixos perpendiculares se intersectam em quatro pontos


distintos, A, B, C e D. Prove que ABCD é um quadrilátero inscritı́vel.

Prova 1 (esboço). Escolhendo um sistema cartesiano no qual os eixos coordenados


coincidam com os eixos das parábolas dadas, podemos assumir que elas têm equações
y = ax2 + b e x = cy 2 + d, com a, c > 0. Fazendo A(x1 , y1 ), B(x2 , y2 ), C(x3 , y3 ),
D(x4 , y4 ), comece observando que x1 , x2 , x3 , x4 (resp. y1 , y2 , y3 , y4 ) são dois a dois
distintos.
←→ ←→ ←→ ←→
Se m1 , m2 , m3 , m4 denotam os coeficientes angulares de AB, BC, CD, AD, calcule
−y1
m1 = xy22 −x 1
= a(x2 + x1 ) e, da mesma forma, m2 = a(x3 + x2 ), m3 = a(x3 + x4 ),
m4 = a(x1 + x4 ).
←→
Denotando por α e β os ângulos trigonométricos do eixo das abscissas às retas AB e
←→
BC, respectivamente, temos m1 = tan α, m2 = tan β. Faça δ = ABC b e  = C DA. b Se

δ,  6= 90 , mostre que δ = α + π − β e calcule

a(x1 − x3 ) a(x3 − x1 )
tan δ = , tan  = .
1 + a2 (x1 + x2 )(x2 + x3 ) 1 + a2 (x1 + x4 )(x3 + x4 )

Então, use Trigonometria novamente para obter

δ +  = π ⇔ tan δ = − tan  ⇔ (x1 + x2 )(x2 + x3 ) = (x1 + x4 )(x3 + x4 ).

Agora, mostre que x1 , x2 , x3 , x4 são as raı́zes da equação polinomial a2 cx3 + 2abcx2 −


x + (b2 + d) = 0 e, a partir daı́, conclua que x1 + x2 + x3 + x4 = 0; finalmente, use esta
última relação para terminar a prova. Se δ = 90◦ (resp.  = 90◦ ), use um argumento
análogo ao acima para mostrar que  = 90◦ (resp. δ = 90◦ ).

Prova 2. Escolhemos um sistema cartesiano em que os eixos do sistema sejam as di-


retrizes das parábolas e os focos tenham coordenadas positivas. Nesse sistema, seja
F1 = (a1 , b1 ) o foco da parábola cuja diretriz é o eixo-x e F2 = (a2 , b2 ) o foco da parábola
cuja diretriz é o eixo-y. Vamos provar que o ponto C = (a1 + a2 , b1 + b2 ) é o centro do
cı́rculo desejado. Seja P = (x, y) um dos pontos de interseção das duas parábolas.
Temos que a distância de P a F1 é igual à distância de P ao eixo-x. Logo,

(x − a1 )2 + (y − b1 )2 = y 2 . (1)

Analogamente,
(x − a2 )2 + (y − b2 )2 = x2 . (2)

Agora, veja que:

(x − (a1 + a2 ))2 = (x − a1 )2 + (x − a2 )2 − x2 + 2a1 a2 .

e
(y − (b1 + b2 ))2 = (y − b1 )2 + (y − b2 )2 − y 2 + 2b1 b2 .

Somando as duas últimas equações e usando (1) e (2) temos que:

(x − (a1 + a2 ))2 + (y − (b1 + b2 ))2 = 2a1 a2 + 2b1 b2 .



Logo a distância de P até C é igual a 2a1 a2 + 2b1 b2 e não depende de x e y. Assim
todos os pontos de interseção das duas parábolas estão a uma mesma distância de C.

Prova 3. Sejam y = ax2 + b e x = cy 2 + d. Queremos x0 , y0 , R ∈ R tais que (x − x0 )2 +


(y − y0 )2 = R2 , para toda solução (x, y) do sistema de equações
(
y = ax2 + b
.
x = cy 2 + d

Ora, se (x, y) é uma tal solução, então

y−b x−d
x2 + y 2 = + ,
a c

de sorte que
 1 2  1 2 1 1 b d
x− + y− = 2+ 2− − .
2c 2a 4a 4c a c
q
1 1 1
Portanto, basta tomar x0 = 2c , y0 = 2a e R = 4a2
+ 4c12 − ab − dc (que sabemos ser
 2  2
1 1
positivo, por ser igual à soma de quadrados x − 2c + y − 2a , com pelo menos um
1 1

par (x, y) diferente de 2c , 2a .

Problema 5. Sejam k e n inteiros tais que k ≥ 3 e n > k3 . Se ai , bi , ci (1 ≤ i ≤ n)




são 3n números reais distintos, prove que há ao menos k + 1 números distintos dentre
os 3n números ai + bi , ai + ci , bi + ci . Mostre que essa afirmação não é necessariamente
verdadeira se n = k3 .


Prova. Por contradição, suponha que há no máximo k números distintos dentre os 3n
números ai + bi , ai + ci , bi + ci , digamos x1 , x2 , . . . , xk .
Seja n > k3 . Como ai + bi , ai + ci e bi + ci são dois a dois distintos e k3 é o
 

número de subconjuntos de três elementos do conjunto {x1 , x2 , . . . , xk }, temos que existem


1 ≤ i < j ≤ n tais que

{ai + bi , ai + ci , bi + ci } = {aj + bj , aj + cj , bj + cj }.

Mas aı́, não é difı́cil verificar que ao menos um dos números do conjunto {ai , bi , ci } seria
igual a ao menos um dos elementos do conjunto {aj , bj , cj }, o que é um absurdo.
Para um contra-exemplo quando n = k3 , queremos que haja somente k números


distintos dentre os 3n números ai + bi , ai + ci , bi + ci , mas que os 3n números ai , bi ,


ci ainda sejam dois a dois distintos. Para tanto, observe inicialmente que, tomando k
números reais distintos arbitrários x1 , x2 , . . . , xk , podemos formar n = k3 subconjuntos


de três elementos de {x1 , x2 , . . . , xk } e escolher uma bijeção arbitrária entre as famı́lias


 o
n k
ai + bi , ai + ci , bi + ci ; 1 ≤ i ≤ n =
3

e
{xr + xs + xt ; 1 ≤ r < s < t ≤ k}.
Uma vez feito isso, teremos, para 1 ≤ i < j ≤ n,

ai + bi = xαi , ai + ci = xβi , bi + ci = xγi

e
aj + bj = xαj , aj + cj = xβj , bj + cj = xγj ,

onde 1 ≤ αi , αj , βi , βj , γi , γj ≤ k são tais que αi , βi , γi são dois a dois distintos, o mesmo


ocorrendo com αj , βj , γj .
Encarando cada um dos dois ternos de igualdades acima como um sistema linear,
podemos calcular ai , bi , ci (resp. aj , bj , cj ) em função de xαi , xβi , xγi (resp. xαj , xβj ,
xγj ), obtendo, em cada caso, três números distintos (uma vez que xαi , xβi , xγi (resp. xαj ,
xβj , xγj ) são dois a dois distintos. Assim, o ponto é que devemos ter

{ai , bi , ci } ∩ {aj , bj , cj } = ∅

ou, o que é o mesmo,

{xαi + xβi − xγi , xαi + xγi − xβi , xβi + xγi − xαi }

e
{xαj + xβj − xγj , xαj + xγj − xβj , xβj + xγj − xαj }

disjuntos.
É, pois, suficiente mostrarmos ser possı́vel escolher x1 , x2 , . . . , xk de tal forma que

xr + xs − xt 6= xu + xv − xw

sempre que r, s, t e u, v, w forem dois ternos de inteiros distintos do intervalo [1, k], com
{r, s, t} =
6 {u, v, w}. Como podemos ter t ∈ {u, v} ou w ∈ {r, s}, uma possı́vel escolha é
tomarmos
x1 = 21 , x2 = 23 , x3 = 25 , . . . , xk = 22k−1 .

A unicidade da representação binária dos naturais garante que as condições acima estarão
satisfeitas, ainda que tenhamos t ∈ {u, v} ou w ∈ {r, s}.

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