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VOLUME 2, NÚMERO 6 OUTUBRO-DEZEMBRO DE 2010

PERFORMANCE DESPORTIVA
BOLETIM TÉCNICO-CIENTÍFICO
PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL DO CENTRO DE INVESTIGAÇÃO EM DESPORTO,
SAÚDE E DESENVOLVIMENTO HUMANO (ISSN 1647-3280)

EDITORES - JAIME SAMPAIO; MÁRIO MARQUES; ANTÓNIO SILVA

Editorial
Decorridos seis números do boletim Performance Desportiva, tivemos a contribuição de 48 autores. Destes
autores, 41,7% são alunos de 1º, 2º e 3º ciclos das Instituições do CIDESD e 27,1% são membros do grupo da
Performance Desportiva do CIDESD. A participação dos treinadores, directores técnicos nacionais e
selecionadores nacionais é expressiva (14,6%), bem como a participação de empresas de I+D (8,3%).
Continuamos empenhados em melhorar a comunicação entre cientistas e treinadores e comprometidos em criar
um ambiente de desenvolvimento multidisciplinar, que combine resultados provenientes do conhecimento
científico mais actual com as aplicações práticas e competências profissionais. Agradecemos o esforço e sentido
de missão de todos os que nos têm ajudado.
Os Editores,

A Velocidade Crítica Anaeróbia em Natação.


1 Universidade da
Beira Interior,
Covilhã.
Rui A. Amorim 1,2
Daniel A. Marinho1,2
2. CIDESD

O aumento da eficiência do processo de treino decorre de uma ocupação mais racional e consequente do tempo
destinado à preparação desportiva, sendo este aspecto extremamente importante na Natação Pura Desportiva. A
velocidade crítica, conceito adaptado à Natação Pura Desportiva, definido como a velocidade máxima de nado que
pode ser mantida sem exaustão durante um longo período de tempo, tem sido cada vez mais utilizada pelos
treinadores como um parâmetro de controlo e avaliação do treino. Após o vínculo deste conceito a performances
aeróbias, recentes estudos, constatando uma grande importância do sistema anaeróbio na maioria das provas de
natação, iniciaram uma abordagem à relação deste conceito em performances anaeróbias. O objectivo deste
estudo foi analisar e interpretar a velocidade crítica anaeróbia (VCAn) em jovens nadadores, nas quatro técnicas
de nado, tentando assim obter um método simples, não invasivo e pouco dispendioso para a avaliação e controlo
do treino anaeróbio. A amostra utilizada agrupou 20 nadadores (12 do género masculino e 8 do género feminino)
pertencentes ao escalão de Infantis, de um clube representativo da natação portuguesa. Para a determinação da
VCAn, cada nadador realizou, à velocidade máxima, as distâncias de 10, 15, 20 e 25m, intervaladas por 30min de
nados contínuos e livres de baixa intensidade. Na análise das relações da VCAn com as velocidades de prova nos
50, 100 e 200m, verificou-se uma elevada relação com as duas primeiras distâncias de nado, nas técnicas de

bruços, crol e costas. Pela comparação entre a VCAn e as diferentes velocidades de prova,
constatámos que os valores da VCAn se assemelham significativamente com a velocidade Neste número:
de prova dos 200m nas quatro técnicas de nado. Assim, podemos concluir que, no nosso
estudo, com a utilização de distâncias muito reduzidas para o cálculo da velocidade crítica, A Velocidade Crítica 1
obtemos um conjunto de dados que nos podem fornecer importantes informações sobre a Anaeróbia em Natação.
capacidade anaeróbia dos nadadores, podendo, desta forma, ser uma ferramenta prática
para determinar intensidades de treino, monitorizar efeitos de treino e predizer as Excelência desportiva... 2
performances em natação.
Referência: Amorim, R.A.M.G. (2010). A Velocidade Crítica Anaeróbia em jovens Futebol...fadiga 4
nadadores. Um estudo de caso em nadadores infantis nas quatro técnicas de nado. Covilhã:
R.M.A.G. Amorim. Dissertação de Mestrado em Ciências do Desporto na Universidade da
Beira Interior. Jogo de Voleibol... 6

Creatividade...perícia 9
PERFORMANCE DESPORTIVA
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A excelência desportiva a descoberto –


uma contribuição fora do círculo
académico
Aldo M. Costa1,2 António J. Silva2,3
ajsilva@utad.pt

1 Universidade da Beira Interior, Covilhã.


2. CIDESD
3. Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real.

Para além da literatura científica, seja em Darwin (“sempre defendi que, exceptuando
periódicos, capítulos de livros ou mesmo os idiotas, os homens não diferem muito no
obras inteiras, encontramos vários textos intelecto, apenas no zelo e no trabalho
que exploram a temática do talento, por árduo”), a expressão de talento depende
vezes de forma inevitavelmente comercial. quase exclusivamente do modo como o
Não obstante a contribuição de alguns treino é conduzido. Esse treino, designado
desses textos, um deles merece-nos de treino intensivo, assentará num paradoxo
especial atenção – o livro recente de onde o esforço para o desempenho de
Daniel Coyle (2009) – “O código do determinada tarefa ou sub-tarefa
talento. Ora o autor, na esteira de tantos pressupõem a presença do erro e “ao
outros livros de dominância editorial, parecermos estúpidos, tornamo-nos mais
alicia ao potencial leitor a revelação do inteligentes”. Com efeito, afirma o autor, que
“segredo” para se tornar um executante nessas experiências repetitivas devemos
excepcional em distintas áreas (o entender que somos obrigados a abrandar o
desporto, a arte, a música e mesmo a ritmo, a cometer erros de execução e, mais
matemática). Seria um tanto importante, a corrigi-los. A chave estará na
decepcionante para académicos e racionalização dessa correcção por parte do
cientistas de diferentes domínios, que os executante.
últimos 50 anos de investigação em
aprendizagem motora, treino e expertise Coyle oferece um exemplo concreto de
fossem resolvidos por Coyle, um treinador como funciona essa racionalização:
de basebol infantil do Alasca, após uma “imaginemos que está numa festa e luta por
viagem épica ao estilo Darwinista aos ditos se lembrar do nome de um conhecido. Se
viveiros de talentos. alguém lhe fornecer o nome, as hipóteses de
o esquecer de novo são altíssimas. Mas se
O “segredo” é revelado por Coyle logo conseguir lembrar-se do nome sem ajuda –
nos primeiros capítulos; nestes disparando o sinal para si próprio, ao
percebemos a influência marcante, quase contrário de receber essa informação – irá
obsessiva, das teorias evolucionistas de gravá-lo na sua memória. Não porque o
Charles Darwin. Assim, tal como para nome tenha alguma importância ou porque a
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A excelência desportiva a descoberto –


uma contribuição fora do círculo
académico (cont.)
sua memória tenha melhorado mas, simplesmente, porque
treinou de forma mais intensiva”.

Ao longo do livro são apresentados vários outros


exemplos de como essa racionalização no domínio motor
(por exemplo) funciona e de que maneira ela é distinta dos
contextos de treino a que estamos habituados a defender.
Entre muitos, o mais evidente reporta-se à existência de
futebolistas de elite brasileiros, que parecem surgir quase
sem interrupção ao longo dos últimos 50 a 70 anos. A
justificação encontra-se na designada “incubadora” de
talentos – a modalidade futsal. De facto, muitos dos
jogadores históricos apenas tomaram contacto com a bola
e campo regulamentar de futebol de onze muito depois de
se tornarem jogadores exímios de futsal, onde a dimensão
do terreno de jogo e do peso da bola obrigam a
execuções técnicas de maior complexidade e rapidez, a
par de uma tomada de decisão com muito menos opções
viáveis de sucesso. Assim, tal como no basquetebol, a
oportunidade de repetição de determinada tarefa motora
(es forç o) e consequ ente r aciona lização é
significativamente superior (dada a menor dimensão do
http://thetalentcode.com/
terreno de jogo). A par disso, assiste-se ainda à explosão
do futebol de rua, que assume um papel extraordinário no
aumento dessa oportunidade de prática, colocando os
futebolistas brasileiros adolescentes com 3 a 4 vezes mais
tempo de prática do que outros congéneres europeus.

Coyle dá-nos outra informação reveladora, assente agora


em estudos preliminares da área da neurofisiologia -
sugere a mielina como a “chave da fala, da leitura e da
capacidade de aprendizagem”. Desta modo o neurónio
liberta o epicentro biológico da aprendizagem motora
para a matéria isoladora que envolve as fibras nervosas – a
mielina, responsável pelo aumento da potência,
velocidade e precisão do impulso nervoso.
PERFORMANCE DESPORTIVA
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Futebol, Remate e Fadiga

No jogo de Futebol de alto nível A fadiga, por exemplo, é um factor


destaca-se a importância associada claramente inibidor da performance de
aos princípios de jogo na dinâmica remate. Se olharmos para o jogo de
das equipas, como os que estão futebol rapidamente compreendemos
relacionados com os esquemas que todas as acções que nele ocorrem
tácticos (bolas paradas), com a não são realizadas em condições
dinâmica sectorial ofensiva e óptimas. De facto, parece existir um
defensiva, com os aspectos de impacto negativo na coordenação
transição inerentes, enfim, com o mu s cu l a r co m a l to s n í v e is de
conjunto de “normas concentração de lactato com
1,2
comportamentais” ou “referenciais consequentes alterações cinemáticas
Ricardo Ferraz de comportamento” que dão nos membros inferiores (por exemplo,
identidade e que caracterizam uma menor velocidade angular dos membros
forma de jogar. inferiores). Essas alterações na
performance de remate parecem ser
Nessa dinâmica comportamental da
aco mp an h ad as d e u m d e cl ín io
equipa, existem determinados
significativo dos níveis de activação da
detalhes que são decisivos na
capacidade muscular o que indicía que
concretização dos objectivos e daí
as mudanças na qualidade técnica por
a sua importância em entendê-los e
efeito da fadiga podem dever-se à
em exercitá-los convenientemente
incapacidade muscular gerada bem
em contexto de treino.
como às mudanças no padrão de
O remate enquadra-se nessa lógica coordenação muscular por razões
e o seu entendimento adequado e fisiológicas inerentes. Não obstante,
exercitação conveniente em ainda não é claro o efeito concreto da
Mário Marques 1,2
contexto de treino pode ser fadiga na performance multisegmentar.
importan te na procura de Com efeito, embora os efeitos negativos
mmarques@ubi.pt condições que conduzam a uma da fadiga sobre a força e a potência
maior eficácia individual e muscular estejam bem documentados
1 Universidade da colectiva. na literatura, a importância dessas
Beira Interior, mudanças na performance de remate
Covilhã. O remate, de forma genérica,
carece de um maior desenvolvimento
podemos entendê-lo como o
2. CIDESD embora facilmente se depreenda da sua
re su ltado de u m conju n to
importância.
encadeado e sequencial de acções
ofensivas que devem obedecer a Nesta perspectiva, o treino do remate
determinados princípios de jogo deve obrigar a uma atenção prática
do modelo de jogo do treinador. É especial. Deve-se treinar o remate/
a consequência final visível do situações de finalização criando-se
objectivo permanente e incessante condições próximas do contexto do jogo
na procura intencional de zonas e, sobretudo, próximas do jogo que
próximas da baliza e na criação de idealizamos que a nossa equipa
situações de finalização. apresente.
A análise dos factores que o Ainda existe na prática a ideia,
possam potenciar ou inibir, em sobretudo se a equipa apresenta alguns
treino e/ou competição reveste-se, problemas na finalização, em treinar-se
por isso, de grande importância a mesma de forma analítica sem ter em
nessa lógica de conhecimento e conta os potenciais factores que
interacção. decorrem do jogo e com ela
relacionados. Não nos parece adequado
treinar o remate, por exemplo, em
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Futebol, Remate e Fadiga (cont.)

condições facilitadoras, sem No treino procura-se a


condicionantes de execução, sem e x a c e r b a ç ã o d e
oposição e sem ter em conta o comportamentos e nesta lógica
impacto fisiológico do jogo, devemos procurar a
visível no aparecimento da exacerbação da acção de
fadiga. remate em contexto de fadiga
próximo do jogo e por isso
A questão parece portanto surgir aqui denominado de contexto
ao nível do como treinar. específico. Podemos, por isso,
Concentremo-nos no factor falar em “fadiga específica” e
fadiga. “esforço específico” a partir
A aquisição de um determinado do qual deverá assentar o
princípio de jogo obriga a um treino de competências
rigor acérrimo nos meios e específicas para o jogo e,
métodos a utilizar tendo como neste caso concreto, o treino
base a Especificidade como da acção de remate/situações
princípio metodológico de finalização relacionado com
referencial. Não fará grande o “jogar” que pretendemos
sentido exercitar o remate em que a nossa equipa expresse
situação de repouso sem ter em em campo.
conta a componente de esforço Para isso deveremos escolher
relacionada com o jogo. Assim e identificar claramente os
acontecendo, desvirtuam-se os princípios de jogo que
objectivos do treino. Deverá, pretendemos que a nossa
pois, exercitar-se de forma equipa apresente na procura
integrada em tarefas onde se de situações de finalização e
relacione com a componente de treiná-los através de exercícios
esforço de forma a aproximar-se específicos e portanto
de uma situação real. Por contextualizados. Só nesta
exemplo, ser integrado em perspectiva criaremos
situações de trabalho táctico condições que contribuirão
intenso onde a componente de para um aumento de eficácia
esforço seja exacerbada. Ou da nossa equipa.
então ser integrado no decorrer
ou no final da sessão de treino em
contexto de esforço similar ao
jogo.
Neste sentido também devemos
ter presente a fadiga relacionada
com o esforço “mental”,
associado, por exemplo, ao grau
de dificuldade dos exercícios que
levará o jogador a um
determinado nível de superação
comportamental e que nos levará
a outra dimensão no
entendimento do esforço e do
treino.
PERFORMANCE DESPORTIVA
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A eficácia nas acções do jogo de Voleibol de Alto Nível no


último Campeonato do Mundo 2010 – Roma.

1.Director Técnico Nacional da Federação Portu-


guesa de Voleibol

2. CIDESD
2,3
Daniel Lacerda 1 Paulo Vicente João 3. Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro,
lacerdadaniel@hotmail.com pvicente@utad.pt
Vila Real.

No desporto actual, a observação e a análise do como critério ser o local reservado aos observado-
jogo têm ganho uma importância crucial, possibili- res e scouters, constituindo o local ideal para
tando o melhoramento do rendimento individual e recolha das informações sobre o posicionamento,
colectivo, contribuindo para o planeamento do pro- deslocamento, execução e finalização das diferentes
cesso de treino e para uma caracterização da acções avaliadas. A área de filmagem foi composta
modalidade. Segundo Garganta (2001), a importân- pela totalidade do terreno de jogo.
cia da “análise do jogo” é um elemento fundamen-
Os resultados apontam para uma eficácia do serviço
tal e indispensável na busca de factores que condi-
entre os 22% e os 32%. Estes valores traduzem a
cionam não só o rendimento desportivo, mas tam-
noção actual do serviço, o qual, hoje em dia, não se
bém, na procura de respostas que expliquem o
limita ao gesto que permite colocar a bola em jogo,
aumento ou diminuição da eficácia, dos diferentes
constituindo a primeira acção que pretende dificul-
procedimentos do jogo (acções do jogo: serviço,
tar a tarefa ao adversário. As equipas analisadas
recepção, distribuição, ataque, bloco e defesa).
apresentam uma média de erro de 15,75%, o que
Cada vez mais, a observação é orientada para a denota um número elevado de faltas nesta acção do
análise situacional. Se anteriormente era necessário jogo. No entanto, este número é compensado pelo
saber o rendimento em cada acção de jogo, hoje valor médio de serviços ponto (3,25%), conjunta-
em dia é fundamental a observação e análise de mente com o valor médio de serviços positivos
cada acção de uma forma muito específica. (16,5%). A percentagem de erro poderá reflectir a
Devemos ter conhecimento, para além do sucesso atitude agressiva imposta no serviço. Se, por um
da acção, a situação em que foi realizada. lado, verificamos uma elevada percentagem de
erro, os valores que permitem uma recepção fácil
Neste contexto, pretendemos identificar a eficácia (59,5%), por outro, observa-se uma adaptação fo-
das acções de jogo nas equipas finalistas do mentada pela qualidade técnica e organização tácti-
Campeonato do Mundo (CM) de Voleibol de 2010. ca colectiva das equipas recebedoras.
O CM de Voleibol é considerado o expoente máxi- Em relação à recepção (ver quadro 1), o valor médio
mo das competições internacionais. Após várias de eficácia encontrado foi de 67,5%. O valor médio
fases de qualificação realizadas em todo o mundo, de recepção positiva (perfeita e mais) foi de 67,75%.
resultam 24 equipas que disputam entre si o título Claramente acima da média surge a selecção bra-
de Campeão Mundial. Com a regularidade de se sileira. Esta acção, associada à anterior, é o ponto de
disputar de 4 em 4 anos, esta competição é um mo- partida para o jogo. Não temos dúvidas que o suces-
mento excepcional para avaliar o desenvolvimento so da sua execução influencia a organização ofen-
da modalidade ao mais alto nível. Foram analisados siva de uma equipa.
os últimos 10 jogos do CM (realizado em Itália entre
os dias 25 de Setembro e 10 de Outubro de 2010), No que se refere às acções ofensivas de ataque (KI
num total de 38 sets, registando-se os seguintes ou side out - a resposta ao serviço adversário, com-
resultados: 4 jogos disputados a 3-0, 4 jogos dispu- posto por recepção, distribuição e ataque e o KII –
tados a 3-1 e 2 jogos disputados a 3-2.Os dados denominado por contra - ataque), as equipas
foram recolhidos em directo através do software apresentam valores próximos dos 50% na eficácia
Data Volley e Data Vídeo, e confirmados com a es- geral. Verifica-se que a classificação final é propor-
tatística oficial da prova. Foi utilizada uma câmara, cional aos valores de side-out e KII. Se fizermos uma
colocada atrás da linha final do campo de voleibol, análise linear da dependência do side-out para
num plano superior ao recinto de jogo, garantindo equilibrar o marcador e o KII para distanciar uma
uma recolha de imagens simultânea, pormenoriza- equipa no marcador, o Brasil apresenta valores ni-
da e contextualizada. Este posicionamento teve tidamente acima do seu adversário. Se associarmos
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A eficácia nas acções do jogo de Voleibol de Alto Nível no


último Campeonato do Mundo 2010 – Roma (cont.).
as acções de ataque com a recepção positiva possibilidade de contactar a bola nesta linha ou a
(perfeita e mais), o campeão do mundo apresenta possibilidade de esta ocupar de forma organizada
64% de eficácia no side-out (KI) e 59% na transição uma determinada parte do terreno, é crucial para
(KII). obter sucesso no contacto com a bola.
Relativamente à tendência das zonas de acção de De referir que, em termos tácticos, a opção pela
ataque (ver quadro 2), podemos verificar que a zona utilização do libero na zona 5 em situações de defesa
mais solicitada é a zona 4. No entanto, a zona 3 foi unânime. Verificámos que a equipa que possui
aparece na maioria das equipas como sendo a se- um maior número de acções de bloco positivas foi
gunda mais solicitada. De referir que esta predom- aquela que maior número de acções de defesa real-
inância é bem mais notória no side-out, o que izou. Podemos mencionar que a questão da defesa
demonstra a extraordinária capacidade técnica e depende directamente da qualidade e capacidade
táctica das equipas avaliadas na acção de recepção. organizativa, disciplina táctica e estratégica. A
A zona defensiva, ou 2ªlinha, apresenta valores de relação com o bloco é fundamental para uma boa
eficácia superiores às zonas mais utilizadas, zona prestação defensiva.
ofensiva ou 1ª linha. É pertinente salientar a im-
Como considerações finais, denota-se que as equi-
portância actual do jogador oposto, sendo consider-
pas analisadas apresentam valores elevados de
ado o jogador mais preponderante numa equipa,
eficácia, demonstrando uma grande qualidade téc-
visto que toda a organização táctica da própria equi-
nico-táctica dos seus jogadores, resultando um
pa assim o obriga. O Brasil utiliza todas as zonas do
equilíbrio constante ao longo do jogo. Os dados
campo, primeira e segunda linha, demonstrando a
demonstram existir uma predominância de acções
complexidade ofensiva em termos espaciais
positivas ou capazes de criarem grandes
apresentada ao longo deste CM.
dificuldades, em detrimento de acções negativas
Passando à acção de bloco (ver quadro 3), os nas acções de ataque (KI e KII).
valores são considerados excepcionais, num total de
De todas as acções ofensivas, o serviço é aquela que
130 blocos ponto em 38 sets disputados, resultam
demonstra uma maior percentagem de erro, bem
uma média de 3,42 blocos ponto por set, o que a
como uma maior percentagem de acções de con-
este nível nos parece invulgar. Actualmente a quali-
tinuidade de pouca dificuldade (o que indica que a
dade técnica dos centrais trouxeram uma melhoria
qualidade técnico-táctica do adversário é bastante
de toda a organização defensiva da equipa, con-
elevada). Parece-nos a acção em que os atletas as-
tribuindo para a obtenção destes valores. Constatou
sumem um maior risco, tentando criar dificuldades
-se ainda um contacto positivo com a bola na acção
ou obter ponto directo;
de bloco (permitindo o contra-ataque) em 22,25%
das acções de ataque. Verificou-se uma superiori- A qualidade da primeira acção (serviço ou bloco)
dade do ataque em relação ao bloco e o mesmo em tem grande influência no resultado final do rally. No
relação à defesa. No entanto, nos ataques de 3º tem- entanto, a relação serviço/bloco não é directa, isto
po as equipas conseguiram efectuar quase sempre é, a equipa que apresenta melhor eficácia de serviço
uma oposição de bloco triplo nas zonas 4 e 2 não é aquela que apresenta melhor índice de bloco;
nomeadamente.
Já a relação recepção/ataque é directa: ou seja, a
O Brasil apresenta uma média superior às restantes equipa que apresenta maior eficácia na recepção é
equipas, com 3,1 blocos por set, superiorizando-se a aquela que apresenta melhor eficácia no ataque em
Cuba, com 2,5 de acções, à Servia, com 2,6 de side-out (KI) e por sua vez uma grande superiori-
acções, e à Itália, com 2,4 de acções por set. dade em relação à defesa.
Por último a defesa, os valores encontrados dizem Apesar de existirem acções do jogo que contribuem
apenas respeito às acções em que existiu contacto mais para o desfecho final do jogo que outras, é fun-
com a bola. Constatando-se uma superioridade clara damental orientar o treino não só para o domínio das
do ataque em relação à defesa. Perante análise real- acções de jogo de maior eficácia (como o serviço e
izada, podemos verificar que em termos médios o ataque, pela sua influência directa no resultado do
apenas 14,5% das acções de ataque possibilitaram jogo de Voleibol) mas para o seu enquadramento
contacto com a bola na defesa e que apenas 11,5% táctico com uma forte componente decisional.
do total de acções possibilitaram manter a bola em
jogo. Referência

As equipas apresentam uma preocupação pela or- Garganta, J. (2001) A análise da performance nos
ganização da 1ª linha de defesa (bloco), sendo esta, jogos desportivos. Revisão acerca da análise do
fundamental para o sucesso defensivo da equipa. A jogo. Rev Port Ciências do Desporto 1 (1): 57-64.
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A eficácia nas acções do jogo de Voleibol de Alto Nível no


último Campeonato do Mundo 2010 – Roma (cont.).

Quadro 1. Rendimento do Brasil

Quadro 2. Distribuição de acções de ataque por zona e por equipa.

Quadro 3. Rendimento da acção bloco por equipa.


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Criatividade, Inteligência e Perícia

Nuno Leite1,2
nleite@utad.pt Jaime Sampaio1,2
ajaime@utad.pt

Existe alguma controvérsia entre os conceitos de necessidade de incorporar situações


inteligência táctica e criatividade no desporto. A deliberadamente tácticas nos programas de
inteligência táctica refere-se a comportamentos que preparação desportiva, preferencialmente com
expressam a habilidade de encontrar a solução ideal cooperação e oposição, onde os jogadores sejam
perante o problema colocado. Por exemplo, quando estimulados a descobrir os companheiros melhor
um jogador de basquetebol em situação defensiva colocados para lançar ao cesto ou rematar à baliza. Ao
toma a decisão de se antecipar e colocar na trajectória mesmo tempo, a intervenção dos treinadores deverá
de determinado atacante no sentido de lhe provocar ser menos frequente durante o jogo para favorecer o
uma falta ofensiva. Por outro lado, a criatividade refere desenvolvimento dos mecanismos que influenciam o
-se a comportamentos que expressam decisões foco de atenção dos jogadores. A criatividade e a
inabituais, raras e até únicas como solução para os atenção poderão ser igualmente desenvolvidas
problemas colocados. Por exemplo, quando os recorrendo a métodos de ensino centrados em
jogadores realizam passes sem olhar para um local aumentos progressivos da interferência contextual.
onde estará um receptor ou quando se utiliza uma Um exemplo da manipulação desta interferência
acção técnica fora de qualquer padrão habitual para contextual pode ser treinar a precisão do passe no
fazer chegar uma bola em boas condições a um basquetebol através de diferentes técnicas, passe
companheiro de equipa. Esta capacidade de com duas mãos por cima da cabeça, passe de peito
improvisar de forma eficaz em situação de jogo parece com duas mãos e passe lateral com uma mão. O treino
estar relacionada com o desenvolvimento motor e em blocos ou com aumento gradual da interferência
perceptivo, como sejam a atenção, a antecipação, o contextual parecem ser formas complementares de
reconhecimento de padrões e o conhecimento de aumentar progressivamente a dificuldade do contexto
probabilidades da situação. Aliás, a capacidade de prática. No alto-rendimento desportivo, qualquer
diferenciada de controlar um elevado número de uma das habilidades referidas ao longo deste
elementos do jogo pode explicar como Cristiano documento podem ser consideradas como factores de
Ronaldo passa a bola para um espaço aparentemente selecção e exclusão. O avanço dos sistemas de
vazio sabendo que um companheiro de equipa estará observação e análise dos adversários tem
colocado para receber o passe. possibilitado às equipas conhecer as rotinas tácticas
individuais dos jogadores e as estratégias das equipas
Evidências empíricas têm revelado diferenças entre
para os jogos, pelo que a criatividade e a capacidade
desportistas peritos e novatos nalgumas destas
de improvisação podem ajudar os jogadores a
habilidades perceptivas. Apesar de diversos autores
solucionar os problemas colectivos.
sugerirem que os programas de detecção e
acompanhamento de talentos poderiam beneficiar de Referências
uma melhor compreensão dos desportos a partir do
Kannekens, R., Elferink-Gemser, M. and Visscher, C.
desenvolvimento de soluções tácticas originais em
(2009) Tactical skills of world-class youth soccer
crianças e jovens (a infância é o período onde a
teams. Journal of Sports Sciences, 27:8, 807-812.
treinabilidade destes aspectos é mais acentuada),
normalmente somos confrontados com orientações Porter, J. and Magill, R.(2010) Systematically
metodológicas contraditórias e que limitam o potencial increasing contextual interference is beneficial for
de desenvolvimento cognitivo e atlético dos learning sport skills. Journal of Sports Sciences, First
desportistas. Alguns estudos recentes podem ser vistos published on: 15 September 2010 (iFirst)
como importantes contributos para a descoberta de
novos paradigmas de investigação e de aplicação Memmert, D. (2011) Creativity, expertise, and
prática, ligados à criatividade, atenção e à influência attention: Exploring their development and their
contextual na preparação desportiva (Kannekens, relationships. Journal of Sports Sciences, 29: 1, 93 -
Elferink-Gemser & Visscher, 2009; Porter & Magill, 102, First published on: 18 November 2010 (iFirst)
2010; Memmert, 2011). Na generalidade, reforça-se a
PERFORMANCE DESPORTIVA

Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano

O Boletim técnico-científico Performance Desportiva é um boletim técnico-científico que tem o ob-


jectivo de publicar material que combine os resultados provenientes do conhecimento científico
mais actual com as aplicações práticas e o conhecimento profissional. Pretende divulgar informação
e produzir conhecimento em três linhas de investigação prioritárias: 1) Determinantes genéticos,
biomecânicos e fisiologicos da performance, através do desenvolvimento de modelos descritores e
preditivos do movimento humano e a sua relação com a performance desportiva; 2) Análise da per-
formance desportiva, através da observação, tratamento e interpretação de registos de performance
desportiva estáticos e dinâmicos; 3) Análise da performance motora, através da avaliação e controlo
das performances motoras. O âmbito de aplicação destas linhas é durante ou após o processo de
treino ou competição desportivas e centra-se nos desportistas, nos treinadores e nos juízes, mascu-
linos e femininos, envolvidos no desporto de formação e no desporto de alto-rendimento.
Conselho Editorial
António Jaime Eira Sampaio; Antonio Jose Rocha Martins da Silva; António Manuel Vitória Vences de Brito; Carlos Manuel Marques
da Silva; Carlos Manuel Pereira Carvalho; Jorge Manuel Gomes Campaniço; José Augusto Afonso Bragada; José Carlos Gomes de
Carvalho Leitão; José Eduardo Fernandes Ferreirinha; Luís Miguel Teixeira Vaz; Mário António Cardoso Marques; Nuno Miguel
Correia Leite; Paulo Alexandre Vicente João; Tiago Manuel Cabral dos Santos Barbosa; Victor Manuel de Oliveira Maçãs

Contribuições para o Boletim...


O Performance Desportiva é um boletim sujeito a revisão científica e técnica, mas é aberto e encoraja-
se à participação de todos os interessados nesta àrea do conhecimento. Os artigos a submeter deverão
ter entre 1000-1500 palavras, podendo também conter quadros e/ou figuras (até o máximo de 2).

Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano E-mail (secretariado): cidesd.geral@utad.pt


Edifício CIFOP – Rua Dr. Manuel Cardona E-mail (direcção): cidesd.direcao@utad.pt
UTAD – Apartado 1013 – 5001-801 Vila Real Telefone: 259 330 155
Fax: 259 330 168

MAIS INFORMAÇÕES!
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Formação técnica e científica no âmbito da Performance Desportiva

Doutoramento
Ciências do Desporto — Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Mestrado
Jogos Desportivos Colectivos — Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Avaliação nas Actividades Físicas e Desportivas — Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Ciências do Desporto — Universidade da Beira Interior
Licenciatura
Ciências do Desporto. Ramos: Desportos Individuais; Jogos Desportivos Colectivos — Universidade de
Trás-os-Montes e Alto Douro
Licenciatura em Desporto — Instituto Politécnico de Bragança
Cursos de Especialização Tecnológica
Treino Desportivo do Jovem Atleta — Instituto Politécnico de Bragança

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