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escola-na-promocao-da-saude-mental-dos-estudantes
Publicado em NOVA ESCOLA 31 de Agosto | 2022

Prática pedagógica

Qual o papel e os limites


da escola na promoção da
saúde mental dos
estudantes?
Ambiente escolar pode ser um espaço estratégico para
desenvolver ações em parceria com as famílias e
profissionais da saúde, além de acolher e encaminhar os
casos
Tatiane Calixto

Crédito: Getty Images


O retorno às aulas 100% presenciais na EM Professor Anísio Teixeira, em
Uberaba (MG), no início deste ano, foi “assustador”. Assim definiu a própria
diretora da unidade, Edna Maria Chimango dos Santos. Conflitos entre alunos,
casos de depressão e automutilação e relatos de ideações suicidas acenderam
um sinal de alerta: era preciso olhar com atenção para a saúde mental dos
alunos. “Nós esperávamos ter que lidar com questões de saúde mental nesse
retorno, mas não imaginávamos enfrentar um abalo tão grande”, conta Edna.
Os casos de automutilação aumentaram, inclusive, entre os alunos mais novos.
“Tivemos situações com crianças do 3º ano [do Ensino Fundamental]”, lembra a
diretora.
Infelizmente, o cenário descrito na escola mineira não é algo isolado. Pelo
Brasil, casos semelhantes estão desafiando educadores após a retomada das
aulas presenciais. Um mapeamento desenvolvido pela Secretaria de Educação
do Estado de São Paulo e o Instituto Ayrton Senna apontou que dois em cada
três estudantes do 5º e 9º do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio
da rede estadual relataram sintomas de depressão e ansiedade. O
levantamento contou com a participação de 642 mil alunos e mostrou também
que, do grupo avaliado, um em cada três afirmou ter dificuldades para
conseguir se concentrar na sala de aula, 18,8% relataram se sentir totalmente
esgotados e sob pressão, 18,1% disseram perder totalmente o sono por conta
de preocupações e 13,6% não ter confiança em si.
Diagnosticar ou tratar problemas de saúde mental não é a função dos
educadores. No entanto, o ambiente escolar pode ser um espaço estratégico
para identificar quando algo não vai bem e encaminhar os casos, além de
acolher os alunos e promover um espaço seguro para que eles se expressem. O
impacto desse tipo de ação afeta de maneira direta e positiva o desempenho
dos estudantes e o clima escolar.
Um olhar atento para o estudante
A saúde mental dos estudantes não é assunto novo. Porém, a pandemia da
Covid-19 multiplicou os desafios. “As crianças foram afastadas das rotinas
básicas de convivência e, com isso, muitos alunos tiveram que reaprender a
cumprir compromissos e combinados”, avalia o psiquiatra Gustavo Estanislau,
especialista em Psiquiatria da Infância e da Adolescência e organizador do livro
Saúde mental na escola: o que os educadores devem saber.
Segundo ele, as lacunas pedagógicas deixadas pelo ensino remoto também
potencializaram em alguns alunos uma desmotivação com os estudos, sem
contar a falta de convívio social ou o luto ao perder familiares durante a
pandemia.“A escola não pode ter o papel de diagnosticar ou tratar seus alunos,
mas um olhar cuidadoso é fundamental”, destaca o médico. Um estudante
extrovertido que passa a ficar mais calado, a falta de participação nas aulas e
tristeza ou irritabilidade constantes são pontos que devem chamar a atenção
dos educadores, que têm o olhar privilegiado sobre os alunos.“Entre os sinais
mais frequentes está o estresse. Um estado de alerta que deixa a pessoa à flor
da pele, chorando com mais facilidade ou estourando com frequência. Assim,
ela tem dificuldade de concentração e fica mais propensa a se machucar ou a
usar drogas, por exemplo.”
A ansiedade também vem sendo muito observada, de acordo com Estanislau.
Nesses casos, o aluno tende a demonstrar muitas preocupações e insegurança,
o que pode levar à queda no rendimento escolar e ao afastamento dos amigos,
fazendo com que não sinta prazer em estar na escola. “Existem diferentes
realidades. Mas o ideal é que o educador esteja próximo à família para, aos
primeiros sinais de um problema, comunicar o que acontece. O professor não
deve tentar diagnosticar e nem julgar o que está havendo, mas pode acolher.
Porém, a gente sabe que não é fácil e nem todas as famílias estão abertas para
isso.”

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Por isso, outro ponto importante é otimizar a conexão entre escola e aluno. Na
opinião do médico, a escola precisa ser um lugar onde os adultos se
comportam de forma estável porque, muitas vezes, esse é o único ambiente
onde a criança encontra isso. Esse aspecto, no entanto, também passa por
olhar para o professor. Foi isso que a diretora Edna, do começo desta
reportagem, entendeu que precisava fazer para começar a mudar o cenário
visto no início do ano.
Projeto une música e empatia
O primeiro passo dado por Edna na Anísio Teixeira foi dimensionar o problema.
Da mesma forma que a unidade mapeou as lacunas de aprendizagem, uma
avaliação diagnóstica específica foi realizada para entender o estado emocional
dos cerca de 800 alunos, da Educação Infantil aos Anos Finais do Ensino
Fundamental.
A diretora explica que foram aplicados formulários com atividades de escrita e
desenho para que os estudantes expressassem seus sentimentos. Em paralelo,
os momentos de formação continuada dos professores foram utilizados para,
além de acolhê-los, permitir que fossem orientados no desenvolvimento das
propostas relacionadas ao projeto. “No primeiro momento também tivemos
que acolher o professor, ouvir as suas dores e depois prepará-los para acolher
os alunos.”
Em seguida, a escola definiu que uma etapa importante era trabalhar o
entendimento de empatia e que a música seria o fio condutor do projeto.
Assim, após escolher um título para o projeto, denominado de Empatia, os
professores passaram a usar canções de formas variadas nas aulas de
diferentes disciplinas, debatendo as letras e discutindo o assunto, além de
buscar atividades para que os alunos praticassem a empatia.
Assim, são feitas interpretações de letras de músicas, criação de acrósticos com
o nome do projeto e os títulos das canções, construção de frases e slogans em
Língua Portuguesa e elaboração de cartazes, faixas e murais em Artes, por
exemplo. Edna salienta que essa é uma forma de avançar com os conteúdos
pedagógicos, mas garantindo oportunidades para debater as questões
socioemocionais. Outras atividades práticas que integram o projeto são
contações de histórias e jogos colaborativos, que apresentam novas realidades
aos estudantes e os ajudam a ampliar a capacidade de escuta e a respeitar e a
reconhecer a importância do outro.
As famílias também se envolvem ao responder pesquisas, via whatsApp, sobre
o tema. As atividades culminam em momentos semanais, nos quais toda a
comunidade escolar se reúne para cantar a canção escolhida. “É um momento
de muita emoção, acolhimento e fortalecimento de vínculos. É hora de
mostrarmos que estamos unidos”, resume a diretora. E o repertório é eclético.
Já fizeram parte das atividades canções da banda Titãs, Gonzaguinha e Bruno e
Marrone.
Para os estudantes que apresentam casos mais complexos, a escola conseguiu,
em parceria com a Prefeitura de Uberaba, dois psicólogos que realizam rodas
de conversa e mediação de conflitos. As atividades são sempre acompanhadas
por um professor. É uma maneira, segundo Edna, de aumentar o repertório dos
docentes sobre o assunto. Há também situações em que a família é
comunicada e encaminhada para a rede municipal de saúde. “No início do ano,
tivemos que desacelerar e olhar muito para essa questão emocional. Mas, hoje,
já podemos focar mais no pedagógico porque a saúde mental dos nossos
alunos está melhor”, afirma Edna. “Aprendemos na marra que se não
atentarmos para as questões socioemocionais, não identificamos problemas de
saúde mental não podemos avançar. Não é possível trabalhar sem olhar para o
aluno de forma integral.”
Simone André, especialista em Educação integral e desenvolvimento
socioemocional, explica que as competências socioemocionais protegem a
saúde mental dos estudantes, na medida em que oferecem experiências
educacionais que, de forma intencional, fortalecem o relacionamento consigo
mesmo, com o outro e o coletivo, preparando o estudante para lidar com as
situações de incerteza, ansiedade, estresse e vulnerabilidade que caracterizam
a sociedade contemporânea.
Metodologias ativas e saúde mental
Para além das intervenções específicas, que muitas vezes são necessárias para
garantir e promover a saúde mental dos alunos, Angela Uchoa Branco,
professora emérita da Universidade de Brasília (UnB) e doutora em Psicologia
pela Universidade de São Paulo (USP), diz ser fundamental que as escolas
renovem suas práticas pedagógicas, no sentido de motivar e gerar a
participação ativa dos alunos no processo de ensino e aprendizagem.
O que pode ajudar, segundo ela, é a promoção de encontros e rodas de
conversa, de forma a favorecer maior cooperação e colaboração entre os
professores, tanto em nível socioafetivo quanto em trocas de ideias e práticas
pedagógicas e inclusivas.
“Com isso, não apenas os conteúdos das disciplinas são mais bem ensinados,
mas os alunos terão mais oportunidades de se expressarem e serem ouvidos e
valorizados, fortalecendo a autoestima e a autoconfiança, essenciais para o seu
desenvolvimento pleno. Além disso, promover debates e discussões em sala de
aula poderá permitir o aprofundamento de questões essenciais à formação
cidadã e democrática dos estudantes, para que celebrem a diversidade e a
inclusão nos contextos educativos e fora deles”, avalia Angela. Tudo isso pode
contribuir para a saúde mental de todos, estudantes e educadores.

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Fortalecimento da autoestima dos alunos


Em Guarujá (SP), a EM Lucimara de Jesus Vicente apostou no fortalecimento da
autoestima dos estudantes para enfrentar o desafio da volta às atividades
presenciais. Lá, esse retorno também evidenciou uma piora na saúde mental
dos alunos, o que exigiu um planejamento diferenciado. Casos de ansiedade e
depressão explodiram na unidade, que atende os Anos Finais do Ensino
Fundamental. A escola teve, inclusive, que acionar a família de um estudante ao
descobrir que ele tinha planos suicidas.
“Não nos cabe julgar nem dimensionar o que eles estão sentindo, mas percebi
que precisava tê-los mais próximos”, conta a coordenadora da escola, Mônica
Rodrigues da Silva Bartolotto. Foi assim que nasceu o projeto Formosuras, com
o objetivo de fazer do ambiente escolar um espaço de amparo e fortalecimento
de vínculos com os alunos por meio de atividades do cotidiano.
Mônica diz que a proposta é intervir em casos observados pelos professores e
encaminhar esses alunos para atividades no contraturno escolar. “Às vezes, não
há nenhuma dificuldade pedagógica, mas uma mudança no perfil do aluno”,
detalha. O objetivo é criar uma rede de apoio entre os estudantes e a
construção de um ambiente seguro e acolhedor.
A ideia, conforme a coordenadora, é fortalecer a autoestima do aluno,
mostrando que ele é capaz e importante para a escola. Durante um dia na
semana, no contraturno, é proposto o encontro do grupo, que tem
revezamento entre os participantes, conforme as necessidades. “Trabalhamos
atividades que privilegiam a melhora da autoestima, a autoconfiança e também
o desenvolvimento de habilidades interpessoais. Os alunos realizam tarefas
como apoio na sala de informática, organização de livros e arquivos e auxílio ao
setor administrativo. Intercalando com essas atividades, são feitas rodas de
conversas sobre diferentes assuntos. Em algumas ocasiões, contamos com
ajuda voluntária de diferentes profissionais e até mesmo psicólogos”.
A definição das atividades e os temas das conversas são estabelecidos em
conjunto com os estudantes. Durante os encontros, são usadas diferentes
estratégias, como construção de um diário de bordo para registro de emoções,
leitura de livros e poesias e atividades de pintura. De acordo com Mônica, todas
com o propósito de expandir a capacidade de lidar com os sentimentos de
forma equilibrada.
Sempre que possível, a escola procura diversificar as atividades com a
participação de outros mediadores convidados que desenvolvem temas de
escolha dos estudantes. O primeiro foi uma roda de conversa sobre
autoestima, conduzida por uma universitária do último ano do curso de
Psicologia. A abordagem baseou-se na leitura do livro O pedaço que falta, de
Shel Silverstein. “Por meio de reflexões sobre diversidade, buscou-se entender
que é legítimo que as pessoas tenham tempos de resposta diferentes aos
estímulos emocionais que sofrem no dia-a-dia”, lembra Mônica. “A escola é um
local importante para o estudante que precisa desse tipo de ajuda. Primeiro,
porque pode acolhê-lo e, depois, porque pode encaminhá-lo para um serviço
adequado, o que, às vezes, a família tem dificuldade em fazer”, finaliza a
coordenadora.

6 livros para acolher e abordar temas


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Consultoria pedagógica: Simone André, especialista em Educação integral e


desenvolvimento socioemocional.

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