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Bianca Trajano Bion

Heloísa da Costa Cabral Marinho e Silva


Milena Guerra de Lucena
4º período de psicologia B

Trabalho da 1ºCP
Pesquisa em campo nas escolas pública e particular, na
análise da conduta de um psicólogo escolar ou a falta dele

2022
Com o retorno às aulas presenciais, escolas públicas e privadas têm que lidar com os efeitos
da pandemia de COVID-19 nos membros de suas comunidades, especialmente os estudantes,
que estão em pleno desenvolvimento biopsicossocial. Em entrevistas, representantes de
instituições de ensino infantil, fundamental e médio relatam que muitas crianças e
adolescentes retornaram mais vulneráveis, com questões socioemocionais agravadas, lacunas
de aprendizagem e dificuldades para interagir com colegas. As consequências de anos de
isolamento se somam a desafios já conhecidos, como dificuldades de aprendizagem,
envolvimento dos familiares e responsáveis no dia a dia da escola, entre outros. Neste “novo
normal”, a psicologia escolar se torna cada vez mais importante.

Um psicólogo escolar pode trazer benefícios por causa de seu olhar sistêmico, voltado às
condições institucionais e socioeconômicas e às relações intersubjetivas presentes na escola,
entre alunos, familiares, professores e demais funcionários. Essa dinâmica inclui o próprio
psicólogo, que não consegue ser neutro ou objetivo, por estar implicado na comunidade,
transformando e sendo transformado por ela. (MARTINS, 2003)

Essa é a realidade da psicóloga escolar e clínica Janayna Rosas da escola Brinquedos e


Brincadeiras, localizada em Casa Amarela, Zona Norte do Recife, que atende 400 alunos do
ensino infantil e fundamental I. Na escola, seu foco é a prevenção e a intervenção. “No
espaço escolar, meu papel é de intervenção e prevenção, não de acompanhamento clínico e
tratamento, como na clínica. Trabalho em parceria com as coordenações pedagógicas,
professores e demais funcionários. A gente atende às demandas das famílias. Se percebemos
que a criança tem atraso no desenvolvimento, orientamos a respeito de especialistas que
podem ser procurados. Também faço um trabalho de estimulação pedagógica, em que a
criança pode aprender o que não consegue na sala de aula, pela maneira que o professor
passa. Além disso, fazemos treinamentos com professores, palestras, rodas de diálogo,
campanhas com temas específicos ao longo do ano, como bullying”, explica. A Brinquedos e
Brincadeiras segue preceitos da filosofia sócio-construtivista, mas ainda aplica provas, como
no modelo tradicional. “Acreditamos em construir o conhecimento juntos, levando em
consideração o saber prévio do aluno. Usamos a ludicidade, aprendizagem significativa, mas
o aluno trabalha com livros tradicionais, tarefa de casa, avaliação”, diz.

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Segundo Janayna, a pandemia causou impacto na saúde mental dos estudantes e levou a
mudanças no comportamento e a atraso no desenvolvimento. Antes do isolamento, as queixas
eram relacionadas ao rendimento pedagógico, indisciplina, relação com familiares e
professores. Depois, demandas quanto ao desenvolvimento cognitivo e questões
socioemocionais, tanto na escola quanto em seu consultório, triplicaram.

“Olhando para o infantil, vemos crianças que passaram dois anos convivendo apenas com os
pais, avós, irmãos, apresentam atraso na fala, que não respondem quando são chamadas pelo
nome, porque realmente tem um diagnóstico, ou porque, em casa, são chamadas apenas por
apelidos. Outras desaprenderam algumas habilidades motoras, como abrir a lancheira e pegar
a comida na hora do lanche, porque devem ter recebido todo um mimo dentro de casa, uma
facilitação. Não houve estimulação. Estudantes do ensino fundamental I chegam no portão e
tem medo de entrar na escola porque não conhecem mais o espaço, não sabem o que vão
encontrar. Nós, na escola, fizemos todo um trabalho humanizado para acolher os alunos, nos
preparamos. Não necessariamente todos têm crises de ansiedade. Podem estar ansiosos numa
situação pontual ou reproduzindo comportamentos de casa, pois os pais perderam os
empregos e desencadearam pânico, ou por estar vivendo um momento difícil. Temos uma
criança que perdeu os avós e o padrinho em menos de um mês por causa da COVID-19. As
lacunas existem, tanto no campo cognitivo quanto no socioemocional, e não podem ser
apagadas, vamos precisar aprender a lidar com elas”, afirma.

Por ser a única psicóloga da escola, Janayna sistematiza o atendimento. Todas as quartas-
feiras, a prioridade são os pais ou responsáveis. Nos demais dias, professores e alunos. Além
disso, há eventos específicos para discutir o progresso das crianças e adolescentes, como
plantões pedagógicos, momento em que professores, coordenadores e a psicóloga ficam
disponíveis para falar sobre resultados e outras questões.

Mesmo assim, há desafios no envolvimento de alguns pais com a escola. “Resistência dos
pais existe desde que eu comecei a atuar nas escolas. Ligamos, colocamos aviso na agenda,
mandamos e-mails para algumas famílias, mas não vêm conversar. Em uma situação, nós
tivemos que mandar um telegrama para a mãe, Além disso, há pais que não aceitam
diagnóstico dos filhos. A criança tem laudo desde os 2 anos, mas os pais nunca mostraram à
escola. É importante ter um relacionamento transparente com as famílias”, comenta a
psicóloga.

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Janayna afirma que o trabalho não é feito apenas na sua sala. Ela circula pelo pátio na hora do
recreio, frequenta aulas, conversa com outros funcionários da escola. “O aluno que mais
chama nossa atenção é aquele que tira notas baixas em todas as disciplinas, não apenas em
uma ou duas. Aqueles que não conseguem se concentrar. E o tipo que é super falante em sala,
mas só passa o recreio sozinho. As demandas têm diferentes origens: vêm do professor; às
vezes vêm da própria família, que pede que a gente converse com a criança/adolescente
porque percebeu mudança no comportamento; em algumas situações, o estudante me procura
espontaneamente. Eu sempre tenho o cuidado de ver o aluno mais de uma vez, não só em sala
de aula, sentado com a atividade, mas também como ele se comporta no recreio. E não faço
isso sozinha, envolve os professores, os auxiliares de sala, as tias do recreio, bato papo com
eles, que têm mais contato com a criança ou o adolescente no dia a dia, é um laboratório.
Todos na escola têm sua função”, enfatiza.

A psicóloga escolar precisa criar estratégias para garantir o sigilo. “Quem está do lado de fora
da minha sala não consegue ver quem está dentro. Em casos mais delicados, eu peço para a
coordenação chamar o aluno durante a aula, quando não há muito movimento nos corredores.
Na volta, ele pode entregar um livro ao professor, como se tivesse sido esse o motivo da
saída. Temos todo o cuidado. Entre os pequenos, sou conhecida como a tia do segredo”,
relata.

Janayna também trabalha com a inclusão de alunos com distúrbios de aprendizagem e


deficiências. “A gente tem esse olhar de inclusão no processo de aprendizagem de crianças e
adolescentes com Transtorno do Espectro Austista (TEA), dislexia, discalculia, déficit de
atenção e hiperatividade. Por exemplo, eles têm direito a provas adaptadas. Alguns têm
menos conteúdos, imagens ampliadas, fonte da letra maior, questões apenas na frente da
folha. Tem criança que faz avaliação oral. No caso da dislexia, a criança responde a prova e o
profissional transcreve as respostas em outra folha. Outros são avaliados por aspectos
diferentes. Respeitamos todas as especificidades, dentro das adaptações de cada ciclo”, diz.

Outro braço do seu trabalho é o apoio e preparação dos professores no dia a dia e em eventos
anuais. Ela citou que em dezembro e janeiro, ocorrem palestras, oficinas de ludicidade,
reuniões para definir livros didáticos e outras atividades.

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Para poder desempenhar o trabalho, Janayna aposta sempre na qualificação constante. Ela fez
estágio na área escolar, durante a graduação; concluiu duas pós-graduações e um mestrado.
Hoje, se dedica aos estudos da hebiatria e ressalta a importância da multirreferencialidade na
prática da psicologia escolar. “É uma área da medicina focada em adolescentes. Em outro
espaço escolar, trabalho com adolescentes do ensino fundamental II, e aparecem outras
questões, de gênero, de descobertas sexuais. A gente tem que estar antenado, preparado para
atender essas demandas, orientar tanto o estudante quanto as famílias. A interdisciplinaridade
é muito importante. Existem milhares de situações. E não existe um manual, vamos
aprendendo a ser psicólogos no dia a dia, com cada paciente, com cada estudante, com cada
caso que chega”, diz.

GINÁSIO PERNAMBUCANO

Na Escola de Referência em Ensino Médio (Erem) Ginásio Pernambucano, unidade Cruz


Cabugá, no bairro de Santo Amaro, o diretor Daniel Oliveira afirma que a falta de psicólogo é
uma lacuna grande na educação porque a equipe, formada apenas por gestores e professores,
não está preparada para atender a algumas necessidades dos estudantes, tanto no campo
socioemocional quanto cognitivo. A escola tem 550 alunos matriculados no ensino integral
técnico.

“O que a gente identifica muito hoje são as novas necessidades que os jovens apresentam.
Muitos deles têm fragilidade na construção socioemocional muito intensa, isso acaba
requerendo das famílias um tratamento complementar que a escola não pode proporcionar. Só
há psicólogos nas gerências regionais de ensino. O estudante é encaminhado para lá, mas não
é desenvolvido nenhum trabalho efetivo de acompanhamento dos problemas que ele
apresenta na escola e as possíveis soluções que possa ter”, explica Daniel.

Ele também percebeu um aumento nas demandas socioemocionais durante a pandemia e


relata que é normal encontrar adolescentes chorando na frente da escola, com medo de entrar.
“O número de estudantes que apresentaram síndrome de pânico, frustração, medo, foi muito
grande. É normal chegar, às 07h30, e encontrar alguém chorando. Eles dizem que estão tendo
crise, síndrome do pânico ou estresse, mas na verdade muitos não sabem definir o que estão
sentindo. Quase todos os dias, atendemos os estudantes, sempre tentamos acolher. Quando dá
para juntar todo mundo, fazemos palestras, formações. Também trabalhamos o tema na sala

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de aula. Na disciplina projeto de vida, trabalhamos a inteligência emocional, estimulamos a
discussão sobre o tema. Se for um caso mais sério, chamamos a família para conversar, tentar
entender o que está acontecendo com o aluno”

Sobre o assunto, Daniel levanta um ponto que considera essencial: o acolhimento dos
professores do Ginásio Pernambucano. “Não dá para pensar que só os alunos têm problemas.
Os profissionais da escola também têm. Temos que ter essa outra perspectiva, esse olhar
diferenciado e oferecer atendimento para eles também. Quem é que acolhe os acolhedores?
Esse ano, conseguimos fazer parte de um programa, um investimento da secretaria de
educação, que lançou ações para atendimento dos professores. Prevê contratação de
psicólogo da área para trabalhar essas questões com eles. A gente entende que, ao fortalecer o
professor, fortalecemos o aluno na ponta, também”, acredita.

Além de acolher e escutar os alunos, o psicólogo na instituição poderia contribuir na


identificação de fatores de problemas de aprendizagem ou até mesmo de distúrbios, como
TDAH, diz Daniel. “O professor percebe que aquele estudante tem uma dificuldade de se
concentrar, mas não sabe o porquê. Ele não consegue fazer essa leitura sozinho. Na minha
formação como professor de geografia, eu tive a disciplina de psicologia escolar, mas, pela
forma como foi contextualizada, pouco acrescentou. Acho que na academia, a discussão está
no campo de conceituar as coisas, mas não de como lidar com o problema. Você aprende o
que é TDAH, autismo, mas não sabe como identificar. Não sabe o que fazer quando
identificar, quais estratégias utilizar. E aí, muitas vezes, você cobra do professor uma coisa
que ele não faz, não porque não quer fazer, mas porque não sabe. Nem sabe fazer ou nem
sabe que existe”, desabafa.

A psicóloga escolar também é necessária para auxiliar com as interrelações presentes na


instituição de ensino. Os estudantes ficam das 07h30 às 15h na escola e sentem que as
demandas são desproporcionais. Kauane Domingos, 15 anos, atualmente no 2º ano do ensino
médio, acredita que uma psicóloga poderia avaliar a carga de estudos e identificar se a
demanda excessiva está prejudicando a aprendizagem e o desenvolvimento social. “A gente
veio do EAD e foi praticamente jogado no modelo integral. Não estamos conseguindo lidar
com tudo que temos que entregar. Todo mundo está perdido. O que eu sou além de uma
estudante do integral? Não conseguimos construir uma vida social fora da escola, porque
estamos estudando o tempo todo”.

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A estudante relata ainda que os colegas sentem falta de ser ouvidos e de ter um vínculo
melhor com os professores. “No ano passado, estudar para a prova do SSA foi extremamente
puxado. A gente não teve nenhum apoio. Este ano, já vi muitas crises de pânico, ansiedade,
raiva, na sala e no banheiro. Após a pandemia, foi um susto voltar e ver muitas pessoas
reunidas. Não estamos preparados. Sentimos apoio dos professores, mas não é da maioria.
Quando somos ouvidos, nos sentimos acolhidos e calmos. É reconfortante. Seria bom fazer
algo diferente na escola, momentos de descontração. Até se os professores pegassem uma
hora para conversar com os alunos, falar sobre a vida. Passamos 9 horas, todos os dias, só
ouvindo. Queremos falar também. Acho que uma psicóloga poderia ajudar a organizar isso”,
comenta.

A escuta diagnóstica profissional é um instrumento que leva o psicólogo a compreender a


singularidade das demandas, investigá-las, questioná-las, buscando, com lucidez, gerir a
intersubjetividade dos afetos presentes na relação (MARINHO-ARAÚJO, 2016).

“Acho que a psicologia é uma área muito aberta e necessária para as escolas, porque a escola
acaba reproduzindo tudo que acontece na sociedade lá fora. Só que reproduz isso numa escala
micro, com as experiências de vários espaços”, conclui Daniel.

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Referências

MARTINS, João Batista. Psicologia em estudo, volume 8, Universidade Estadual de Maringá, 2003.
Disponível em: <https://www.scielo.br/j/pe/a/csF5QYj5QWmBgMpDF4Kz8dx/abstract/?lang=pt#>
Acesso em: 24/03/2022

MARINHO-ARAUJO, Claisy Maria. Inovações em Psicologia Escolar: o contexto da educação


superior. Estudos de psicologia (Campinas), Campinas , v. 33, n. 2, p. 199-211, June 2016 .
Disponível em: <http://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
166X2016000200199&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 24/03/2022.

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