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SILVA, Severina Rodrigues de Almeida Melo.

Mediação escolar no transtorno de


espectro autista: abordagem na sala de recursos multifuncional. Revista Educação
Pública, v. 19, nº 6, 26 de março de 2019. Disponível em:
https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/6/mediacao-escolar-no-transtorno-
de-espectro-autista-abordagem-na-sala-de-recursos-multifuncional

Mediação escolar no transtorno de espectro autista:


abordagem na sala de recursos multifuncional

Mesmo com todas as políticas educacionais de inclusão estabelecidas no


Brasil, o país ainda tem muito que caminhar para estabelecer o acesso e a
permanência de crianças portadoras de necessidades educacionais especiais na
escola regular, dentro de uma perspectiva inclusiva, embora a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional – LDBEN (Lei nº 9.394/96) estabeleça a Educação
Especial como uma modalidade a ser ofertada dentro da escola regular de ensino.
A educação é um bem social e deve ser usufruído por todos os cidadãos,
inclusive as pessoas com algum tipo de deficiência, pois, como garantido em lei
federal, a educação é um direito de todos; para tal, não basta garantir acesso, mas
também a permanência e a aprendizagem. Para ocorrência da verdadeira inserção de
portadores de necessidades especiais no ambiente escolar, se faz necessária a
execução de políticas públicas que tratem a Educação Especial na perspectiva
inclusiva.
Durante a realização do curso de Atendimento Educacional Especializado,
chamou-me atenção a condição das crianças autistas e os métodos utilizados para o
desenvolvimento da sua aprendizagem, o que me instigou a realizar um trabalho com
crianças portadoras de necessidades especiais na sala de recursos multifuncional
(SEM), em especial com crianças autistas, como base no seguinte questionamento:
qual contribuição traz o mediador escolar na sala de recursos multifuncional, sob o
atendimento educacional especializado (AEE)?
Entretanto, na condição de mediadora do AEE, tive oportunidade de buscar
novos caminhos e realizar estudos que ampliaram minha visão como educadora e me
permitiram refletir sobre a postura do mediador na Educação Especial, o seu
contributo para o desenvolvimento das crianças atendidas e a importância do
estabelecimento de vínculos com familiares e professores da sala regular.
Para realização deste estudo, foram tomadas por base a observação direta e
as vivências adquiridas durante o atendimento de uma criança portadora do espectro
autista em uma SEM de escola da rede municipal de Alagoinha/PB. Sendo assim, este
trabalho encontra-se dividido em seções que trazem a proposição do caso, a análise
e clarificação do problema, os aspectos metodológicos e as considerações finais
acerca do estudo.
O objetivo geral deste artigo é apresentar como está ocorrendo a inclusão de
alunos portadores do transtorno de espectro autista (TEA) sob mediação do
profissional da SRM. Para a consecução desse objetivo procurou-se identificar e
analisar as principais políticas públicas que visam contribuir para a inclusão escolar
de alunos com deficiências e necessidades educacionais especiais; elaborar um plano
de atendimento educacional especializado que atenda às necessidades das crianças,
respeitando suas características e ritmos; e compreender os conceitos de Educação
Especial e educação inclusiva.
Como metodologia desenvolvida para esta pesquisa, realizou-se uma
abordagem qualitativa, com estudo de caso, seguido de pesquisa exploratória e
documental, segundo Carvalho (2008). Foi realizada uma pesquisa de campo com
observação direta e entrevista semiestruturada direcionada à mãe da criança
observada e ao professor da sala regular. Para Marconi e Lakatos (1999, p. 94), a
entrevista é “encontro de duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações
a respeito de um determinado assunto”.
Proposição do caso, análise e clarificação problema
R.A.N., 10 anos de idade, diagnosticado com transtorno de espectro autista
(TEA), está matriculado no 3º ano do Ensino Fundamental da sala de aula regular na
Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor Néu, localizada no Sítio Barro de
Fátima, a 8 km do município de Alagoinha/PB.
A escola faz parte de uma comunidade carente com cerca de 130 famílias,
todas com base econômica na agricultura familiar e auxiliadas pelo Governo Federal
via programas oficiais (Bolsa Família etc.).
Segundo relato da mãe, R. A. N. nasceu de parto normal após uma gravidez
bastante complicada, na qual ela teve que tomar vários medicamentos para dores; ela
o amamentou até dois anos de idade; R. A. N. andou com um ano e meio e nunca
respondia aos estímulos dos familiares.
Para comunicar-se, ele só balbuciava; depois de dois anos é que desenvolveu
sua maneira de comunicação: quando queria algo, colocava as mãos de seus
familiares em cima do objeto desejado – e continua assim até hoje.
R. A. N. está frequentando o 3º ano; ele não permanece no interior da sala,
entra e sai durante todo o tempo de permanência na escola, relacionando-se
restritivamente com seus pares. No contraturno ele frequenta a sala de recurso
multifuncional, na própria escola, sendo recebido duas vezes por semana com
atendimento de uma hora cada. A SRM é, para a acriança em questão, um dos
ambientes escolares onde ela se sente mais à vontade, dedicando um pouco de sua
atenção aos estímulos lúdicos das atividades que são desenvolvidas.
Capítulo V
Da Educação Especial
Art. 58. Entende-se por Educação Especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade
de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para
educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades ou superdotação
§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado na escola regular
para atender às peculiaridades da clientela de Educação Especial.
§ 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços
especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não
for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular (Brasil, 1996).
A criança não interage com as atividades propostas na sala regular,
apresentando maior dificuldade nas atividades que envolvem coordenação motora. R.
A. N. é capaz de expressar suas necessidades, desejos e interesses, porém utiliza as
pessoas ao seu redor como instrumento para conseguir o desejado. Com relação aos
recursos disponibilizados na escola, ele prefere os objetos com formatos circulares.
Durante observações realizadas na sua rotina escolar, foi possível perceber
que ele demonstra inquietações, gosta de brincar sozinho, de ter atenção e de correr
com alguém ao seu lado, se locomove independentemente, inclusive vai ao banheiro,
se alimenta e bebe água sozinho. Porém a maior dificuldade é instigar sua
comunicação oral e corporal, devido ao déficit de comunicação que apresenta.
Pelo relato escrito, sua mãe demonstrou muita preocupação com o futuro de
seu filho, pois percebe que a maior dificuldade enfrentada não é com as características
que ele tem devido ao TEA, mas sim com o preconceito das pessoas. Ela ainda relatou
que, sem sua presença, o filho parece estar perdido; ela tem grande expectativa na
SRM, de forma que a rotina das atividades o ajude na comunicação. A mãe reconhece
que houve mudanças mínimas, mas significativas, na rotina do filho após ter iniciado
o AEE; ela relata também que foi na SRM, pela professora/mediadora, que recebeu o
maior apoio para lidar com seu filho.
Sobre o acompanhamento psicológico, a profissional da área relatou que
durante visitas à escola pôde perceber que R. A. N. apresenta avanços consideráveis,
como ficar na sala de AEE de maneira confortável com a professora/mediadora,
conseguindo em alguns momentos interagir do seu modo com algumas crianças,
mantendo comunicação pela emissão de sons, pois ele não desenvolveu a fala. O que
a preocupa no momento é o fato de a criança não conseguir ficar dentro da sala
regular; na maioria do tempo fica no pátio da escola em posição fetal. Pode-se
comprovar que tais comportamentos ocorrem a partir de mudanças na rotina escolar,
familiar ou até mesmo da falta de compreensão de suas necessidades.
É comum que essas crianças apresentem manifestações de sua inflexibilidade
de maneira exacerbada. [...] É fácil compreender que, no ambiente escolar, com todos
os seus estímulos e vendo-se em meio a muitas outras crianças, a tantas falas e
atitudes das outras pessoas que, aliás, não lhe são familiares, a criança reaja assim.
Essas reações, de forma recorrente, podem ser de choro intenso, de movimentos
corporais repetitivos, de indiferença em relação aos apelos e tentativas de ajuda, de
apego a determinados locais fixos na escola e de recusa em deslocar-se conforme
orientado. Também já observamos, em casos mais complexos, autoagressões ou
reações abruptas envolvendo objetos ou mesmo alguma outra pessoa (Belizário Filho,
2010, p. 22).
Dado o exposto, é necessário que se busquem e estabeleçam reações a tais
comportamentos dentro do espaço escolar, de forma que as medidas tomadas levem
em consideração as potencialidades da criança em questão, para que, a partir da
problemática, sejam estabelecidas estratégias pedagógicas que conduzam os
envolvidos à superação do problema.
Para tal, todo profissional da escola tem que compreender as características
da síndrome de espectro autista, pois só assim poderá compreender as crianças e
suas necessidades. Conhecendo melhor a realidade da criança, o trabalho
pedagógico desenvolvido poderá alcançar êxito.
É de suma importância o estabelecimento de vínculos entre familiares,
professores, crianças e demais profissionais envolvidos, para que as atividades
propostas estejam direcionadas às necessidades e peculiaridades de cada criança,
pois, embora o contexto escolar receba crianças que apresentem a mesma condição
especial, cada uma tem seu ritmo e individualidade, de forma que cada uma tem sua
rotina estabelecida, a qual deve ser respeitada para obter o melhor desenvolvimento
da aprendizagem.
O profissional da SRM pode contribuir para a orientação na elaboração de
metas e estratégias de ensino dos demais profissionais que formam a escola, fazendo
com que cada criança tenha sua identidade, seus medos, anseios e desejos
respeitados, bem como seus direitos garantidos na escola comum.
Metodologia
A pesquisa foi centrada na Escola Municipal Professor Néu, localizada no Sítio
Barro de Fátima, zona rural do município de Alagoinha/PB. Essa escola atende
crianças da localidade, advindas na sua maioria de famílias carentes que têm como
único sustento a agricultura familiar e o auxílio financeiro de programas como o Bolsa
Família.
Como metodologia de pesquisa, foram utilizados estudo de caso, pesquisa
exploratória e bibliográfica, seguidos de observação direta e entrevista com familiares,
professor da sala de aula regular e psicólogo, com base em questionário
semiestruturado.
A pesquisa exploratória objetiva o desenvolvimento, o esclarecimento e a
alteração de conceitos, de forma que se chegue ao fim do problema investigado,
conforme Gil (2002). Sobre estudo de caso, Gil (2002, p. 77) menciona que a utilização
do método por pesquisadores é fundamentada em propósitos como:
a) explorar situações da vida real cujos limites não estão claramente definidos;
b) descrever a situação do contexto em que está sendo feita determinada
investigação; e
c) explicar as variáveis causais de determinado fenômeno em situações muito
complexas que não possibilitam a utilização de levantamentos e experimentos.
Guerra (2006) diz que o questionário é utilizado como indução sistemática que
promove a captura da percepção do entrevistado, de forma que se possa interpretá-
la à luz do referencial teórico.
Considerações finais
Primeiramente, é importante dizer que não há respostas para todas as
questões da educação. Existem, sim, relatos, experiências, trabalhos e trocas de
saberes na construção de um caminho.
O transtorno de espectro autista é um distúrbio neurológico com características
de comprometimento da habilidade da criança em diversas áreas, como comunicação,
interação social e no processo de aprendizagem escolar. Assim, a Educação Especial
sob a ótica inclusiva exige que sejam estabelecidas grandes mudanças no sistema
educacional para que a inclusão verdadeiramente aconteça.
O aluno com autismo aprende diferente, deseja diferente e pensa diferente. O
essencial é disciplinar a atividade e não imobilizar a criança; corrigir ensinando, não
reprimindo, pois o princípio afetivo da atividade conduz à disciplina e à socialização.
A partir desse pressuposto, espera-se que entrem em cena as políticas públicas
com suas regulamentações, leis e diretrizes garantindo na esfera nacional a
ocorrência de um sistema educacional verdadeiramente inclusivo.
Este trabalho objetivou mostrar a importância da mediação escolar frente à
SRM como forma de diminuir as barreiras que dificultam a socialização e a
permanência da criança autista na escola, em especial dentro da sala de aula regular.
Casos como esse mostram que a educação inclusiva é propriamente um estudo de
caso, explicitando que cada caso é único, tomando por base a singularidade do sujeito
investigado.
Especificamente sobre o estudo de caso aqui apresentado, percebe-se a
insegurança dos agentes envolvidos no processo de inserção dessa criança autista
no espaço regular de ensino. Esse choque de realidade faz com que o aluno autista
seja comparado com o aluno regular, o que de imediato já demonstra o desrespeito à
sua condição e à sua individualidade.
Assim, espera-se que, pela mediação estabelecida pelo professor da SRM,
aconteçam o respeito às suas particularidades e o desenvolvimento da comunicação
oral e corporal do aluno, de forma que tal progresso possa ampliar as demais
atividades pedagógicas a serem desenvolvidas com o estudante na sala de aula
regular. É importante manter uma relação saudável com a família e o professor da
sala regular, pois o papel do mediador se estende por levar informações aos familiares
da criança mediada.
Na educação inclusiva, percebe-se que as propostas não estão finalizadas,
pois ocorre a ressignificação de papéis, e o professor passa várias vezes da condição
de transmissor para a de receptor. Dessa forma, espera-se que todo planejamento
estabelecido para o AEE possibilite a flexibilização, levando os profissionais
envolvidos a perceber a necessidade da troca de experiências e que tais trocas
promovem a apropriação e a construção de novos saberes.
Referências
BELIZÁRIO FILHO, José Ferreira. A Educação Especial na perspectiva da
inclusão escolar: transtornos globais do desenvolvimento. Vol. 9. Fortaleza: Ed. UFC,
2010.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – (LDBEN). Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília: Câmara dos
Deputados, Edições Câmara, 2015. Disponível em: http://www.ufsj.edu.br/portal2-
repositorio/File/proen/ldb_11ed.pdf. Acesso em: 5 de maio de 2018.
CARVALHO, M. A. F. C. Formação de professores em educação de
adultos. Estudo de caso: o ensino recorrente na escola secundária Rodrigues de
Freitas. Universidade de Santiago de Compostela, 2008.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisas. 6ª ed. São Paulo:
Atlas, 2002.
GUERRA, I. C. Pesquisa qualitativa e análise de conteúdo: sentidos e formas
de uso. Estoril: Principia, 2006.
MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E. M. Técnicas de pesquisa. 6ª ed. São Paulo:
Atlas, 1999.
Publicado em 26 de março de 2019
Como citar este artigo (ABNT)
SILVA, Severina Rodrigues de Almeida Melo. Mediação escolar no transtorno
de espectro autista: abordagem na sala de recursos multifuncional. Revista Educação
Pública, v. 19, nº 6, 26 de março de 2019. Disponível em:
https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/6/mediacao-escolar-no-transtorno-
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