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SITUAÇÕES PROBLEMAS NA INCLUSÃO ESCOLAR: UMA PERSPECTIVA

ATRAVÉS DE BENINCÁ E O SENSO COMUM PEDAGÓGICO

Rosimar Siqueira Esquinsani


Humberto de Freitas Bambini

INTRODUÇÃO (resumo)
O presente trabalho apresenta dois casos de alunos da educação especial.
No presente trabalho são descritos dois casos bem complexos de alunos
público alvo da educação especial, um de um aluno de anos iniciais, cerca de 9 a 10
anos, e outro dos anos finais, cerca de 16 a 17 anos. Além de estarem em etapas
diferentes da educação básica, ambos os casos podem proporcionar reflexões
acerca das possibilidades e dificuldades enfrentadas pela educação especial. Para
contemplar esta tarefa, será aproveitado o conceito de senso comum pedagógico
desenvolvido por Elli Benincá em sua tese O Senso Comum Pedagógico, Práxis e
Resistência, visando sua importância para se pensar também os problemas
envolvendo a educação especial.

SITUAÇÃO 1: ANOS INICIAIS

Antes de situar o aluno, é preciso contextualizar o ambiente escolar no qual


ele está inserido. A escola em questão se localiza em um bairro periférico, marcado
violências, abusos e negligências.
pela vulnerabilidade social e seus casos de violência, abusos e negligência. Além
dessas dificuldades presentes no bairro, a escola está inserida na rede educacional
do município, o que acarreta nas exigências e entraves burocráticos muito
conhecidos no sistema educacional brasileiro. Essa situação já demanda um grande
esforço no trabalho pedagógico voltado aos alunos típicos, e quanto aos alunos
público alvo da educação especial, tanto o esforço como as dificuldades são
maiores.
Como muitas escolas públicas, essa também sofre com a falta de estrutura e
condições para atender a demanda dos alunos público alvo da educação especial.
Nesse cenário encontramos a situação de um aluno com transtorno opositor
desafiador, hiperatividade e deficiência intelectual. Além desses fatores, o
comportamento do aluno é marcado pela agressividade e impaciência, sempre
desejando realizar suas vontades quando quer e como quer, ao menor sinal de
fica agressivo com a pessoa que o impede.
impedimento a essas vontades, se revolta e parte para a agressividade com a
pessoa que o impede.
Essa agressividade recorrentemente se voltava também aos colegas, sendo
frequente a ocorrência de brigas e discussões. Ao ficar impaciente com alguma
atividade ou qualquer fato que o aborreça, também era comum a tentativa de fuga
da sala. Essa situação se tornava mais complexa devido ao cenário familiar do
são separados e mantém relação pouco amistosa.
aluno, seus pais eram separados e com uma relação pouco amistosa. A mãe é
quem acompanhava o aluno na escola com mais frequência, e segundo ela havia
semanas em que ele ficava com o pai e outras que ficava com ela. No entanto
essas narrativas ficaram cada vez mais contraditórias, nos dias em que o
comportamento do aluno se mostrava mais calmo, a mãe justificava dizendo que
isso era devido a estar sob os cuidados dela, e quando o comportamento se
mostrava de difícil manejo a justificativa era por estar com o pai, pois este não dava
a medicação prevista. Todavia, chegava momentos em que o aluno supostamente
ficava com o pai apenas no fim de semana, outros a semana inteira, e momentos
em que ele ficava com o pai quando era conveniente como desculpa para seu
comportamento inadequado.
Com o passar do tempo, as demais narrativas da mãe também se mostravam
o
contraditórias, até um ponto onde ela parou com algumas e admitiu sua parte, como
por exemplo quando afirmou que não dava ao filho a medicação prevista, não por
entraves financeiros ou de acesso, mas por discordar da receita do médico. O
comportamento do aluno piorava e em contrapartida a mãe se recusava a dialogar
com a escola sobre isso, sempre achando maneiras de culpar os outros pela
situação, mesmo quando seu filho agredia outros colegas e funcionários, a culpa era
sempre do outro. Através das irmãs desse aluno, mais velhas e que estudavam na
mesma escola, foi descoberto que em casa a mãe o deixava sem nenhum tipo de
rotina ou orientação, chegando inclusive a demonstrar negligência quando o aluno
agredia suas irmãs.
Frente a esse cenário, tanto escolar como familiar, não se deve esperar que o
apagar
aluno se porte no modelo do aluno ideal tanto descrito pelos manuais. Essa situação
nos leva a pensar diversos fatores. :É possível pensar que a escola não demonstra
capacidade de lidar com o aluno, é possível culpar a negligência familiar, é possível
até, para quem lida diretamente com o aluno, ficar irritado com os comportamentos
como se pode perceber, é uma situação complexa que envolve a análise de diversos fatores na busca por
alternativas e soluções para melhorar o manejo com o aluno.

e culpar o aluno por isso, recaindo em antigos estereótipos sofridos por alunos do
público alvo da educação especial.
Mas sabemos que é uma situação complexa e que envolve diversos fatores,
não cabe buscar culpados, mas sim compreender esses fatores para buscar
alternativas e soluções de melhor manejo com o aluno. O primeiro passo deve ser
conhecer esse aluno, mas conhecer além do laudo, conhecê-lo como sujeito, seus
confuso gostos, preferências, desgostos, dificuldades, facilidades etc. A partir desse
processo, que é lento, deve ser construído aos poucos através do cotidiano da sala o que deve
ser
de aula, que não só será possível elaborar atividades pedagógicas que chamem a construído?
atenção desse aluno, como também será criado um vínculo, de grande importância
tanto para quebrar resistências ao aprender quanto no comportamento
indisciplinado.
Esse conhecimento do aluno e seus gostos também pode auxiliar na escolha
da melhor abordagem pedagógica, pois nenhum aluno é igual, seja típico ou atípico,
eles aprendem de modos diferentes. Quanto ao comportamento agressivo e
desafiador, podemos nos questionar se o ambiente em que ele está inserido, a
turma, colegas, professores, e certas atitudes, são gatilhos para impulsionar esses
comportamentos, mesmo que inconscientemente. Identificados esses gatilhos se
torna possível evitá-los ou minimizá-los, criando um ambiente mais acolhedor e
favorecendo o aparecimento de comportamentos positivos.
Fundamental também deve ser o acolhimento por parte dos colegas e do
professor, compreendendo os motivos do comportamento do aluno para que assim
se torne possível um ambiente de respeito, motivação e reforço positivo,
promovendo a inclusão também dentro da sala de aula como convívio, não apenas
em atividades pedagógicas. A parte mais complexa e de difícil manejo é a que foge
do controle da escola, como a vida familiar do aluno e a inflexibilidade no diálogo
por parte dos responsáveis. Uma alternativa pode ser também a mudança na
abordagem, talvez uma convocação para uma reunião de pais geral da turma, não
apenas individualmente, pedir sugestões para os responsáveis de que maneira a
situação com o aluno pode ser melhor conduzida, dentro do possível e alcançável
para a escola. Também é essencial que a criança tenha acompanhamento
psicológico e com a medicação adequada em dia, embora isso também não possa
ser controlado pela escola.
SITUAÇÃO 2: ANOS FINAIS

Nessa mesma escola, porém nos anos finais, se encontra um aluno com um
caso muito complexo e de difícil manejo, porém em perspectivas diferentes. Aqui o
aluno sofre de paralisia cerebral, necessitando de andador para a locomoção, não
consegue reter informações, encontrando extrema dificuldade para memorizar
conceitos introdutórios como letras e números de um a dez, e era frequente a
situação de contar diversas vezes o mesmo acontecimento, além de relatos com
contradições e sem ordem causal bem definida.
Pelo aspecto cognitivo, a dificuldade para adaptar atividades pedagógicas se
mostrou significativa por parte dos professores, devido a não retenção e os
conhecimentos de “conteúdo” muito limitados, embora os professores buscassem
dedicar atenção para, pelo menos, ouvir o aluno em aula, já que ele demonstrava
grande interesse em externalizar sentimentos, gostos e acontecimentos de sua vida.
Pelo lado familiar, os responsáveis se mostravam presentes e também investindo no
anos finais? desenvolvimento do filho, seja por terapias, consultas, remédios e demais
atividades, todavia, os responsáveis tinham a grande expectativa do aluno sair
alfabetizado da escola, algo improvável devido às condições já citadas e o fato do
aluno se encontrar na última etapa dos anos iniciais. Tentativas foram feitas para a
alfabetização, das mais diversas formas, porém infrutíferas.
O quadro do aluno parecia, de certo modo, desesperador, devido às grandes
limitações, a situação mudou de cenário quando se procurou outra abordagem para
trabalhar com o aluno. O aluno demonstrava muita ansiedade, perceptível pela fala
acelerada, dificuldade em se expressar com clareza devido a essa rapidez, e
constantes preocupações com coisas externas à escola. Percebendo isso, o monitor
desse aluno começou a escutar o aluno sobre seus problemas, sentimentos,
acontecimentos, e geralmente acompanhado de outra atividade, como sentar ao ar
livre, colocar os pés na grama, realizar pinturas com tinta, jogos pedagógicos
diversos. Além da mera escuta, o monitor também auxiliou o aluno a organizar os
fatos que ocorriam durante a fala, elaborando uma sequência lógica.
Com o passar do tempo se percebeu a tranquilidade no aluno, se
comunicando com mais clareza, devagar e com uma carga menor na fala sobre
seus sentimentos. Embora seus problemas não tenham ido embora, foi perceptível
a maior facilidade do aluno para falar sobre eles. Essas atividades também
ajudaram o aluno a aproveitar mais a escola, sem estar apenas sentado pintando
algo e escanteado pelos colegas, embora é preciso ressaltar que essas atividades
não excluíram o aluno de sua turma, ele continuou frequentando as aulas e
interagindo com eles, apenas tinha um tempo para realizar essas atividades
paralelas, ao final do processo, o aluno se mostrou muito grato por esses pequenos
momentos, porém muito significativos. Talvez seja possível criticar a abordagem por
não dar muita ênfase nos conteúdos ditos “formais” da educação, e pode ter sua
razão. Entretanto, o trabalho desenvolvido com o aluno não pode ser considerado
perda de tempo ou sem nenhum valor.

O CONCEITO DE SENSO COMUM SEGUNDO BENINCÁ

Elli Benincá, em sua tese, trata das várias reflexões acerca do senso comum na
História da Filosofia indo de Aristóteles a Boaventura de Souza Santos. Neste sentido,
de elucidar o conceito de senso comum, Benincá nos mostra o quanto este conceito tem
despertado interesse durante a história da Filosofia ocidental. E que serve como divisor
de águas a partir da modernidade pois é visto por muitos dos pensadores como
ingenuidade, sem a acuidade do conhecimento científico tão propalado e destacada a
partir da Modernidade e da Revolução Industrial.
Tanto é que, para o Positivismo de Comte, foi colocado como um estágio inferior
de conhecimento. Já, Kant avalia como sendo um senso de comunidade:

“Kant afirma que “por sensus communis tem que se entender a


idéia de um sentido comunitário, isto é, de uma faculdade de
julgamento, que na sua reflexão considera em pensamento (a
priori) o modo de representação de todo o outro, como que para
ater o seu juízo à inteira razão humana e assim escapar à ilusão
que teria influência prejudicial sobre o juízo” (1992, p.196).
O conceito de sensus communis fica, assim, vinculado à faculdade
do juízo, como um a priori. Kant faz coincidir o conceito de sentido
comum com a faculdade de juízo. Sua preocupação é buscar a
regra universal e, para tanto, precisa abstrair aquilo que, no estado
da representação, é matéria, isto é, sensação. Presta-se, pois,
atenção, apenas, nas peculiaridades formais de seu estado de
representação (1992, p.196). (BENINCÁ, 2002, p. 46)

Portanto, pode ser um senso de julgamento que parte da realidade, por outro, o
autor alemão trata isso também como um senso vulgar por estar presente em toda
parte. Outro autor que também trata do conceito de Senso Comum é Boaventura de
Souza Santos, este, por outro viés de análise, entende que o Senso Comum é um
núcleo de conhecimento, por um lado ingênuo, por outro lado, emancipatório.
É munido com o senso comum que encontramos o aluno na educação básica,
dependendo do local onde esse aluno vive, ele carrega consigo as opiniões, conceitos e
postura dessa região. Como educador, é recorrente a visão de, através da educação
formal, se está introduzindo o aluno ao conhecimento científico por meio das disciplinas
com seus saberes organizados sistematicamente (língua portuguesa, matemática,
ciências etc), sendo esse conhecimento científico valorizado em detrimento do senso
comum portado pelos alunos.
Essa perspectiva acaba por desvalorizar o senso comum como conhecimento, e
não se indaga as suas raízes e justificações. Benincá, ao refletir sobre o senso comum,
o reconhece como uma forma de conhecimento com profundo valor por ser um saber
empírico e que auxilia o indivíduo em sua sobrevivência e manutenção da identidade:

O saber cultural presente no cotidiano é processado e transformado em


consciência através da experiência, que arranca os sentidos presentes no
cotidiano cultural e os transforma em consciência. A experiência mais
significativa, entretanto, é a do atendimento às necessidades da pessoa,
a qual produz na pessoa o sentido da defesa da sobrevivência e fornece
ao senso comum os critérios de avaliação e julgamento de todos os
conhecimentos e sentimentos oferecidos pelo contexto externo. É por
essa razão que o senso comum é também sabedoria, pois as pessoas
que realizaram experiência em favor da sobrevivência e também em favor
da defesa de sua identidade se tornam resistentes sempre
que ameaçadas.” (BENINCÁ, 2002, p. 85)

Benincá destaca o conceito de Senso Comum Pedagógico, demonstrando que os


educadores também são portadores de um senso comum, como podemos perceber
através da perspectiva que valoriza o conhecimento científico em detrimento do senso
comum e o desqualifica. Frente a isso, é preciso reconhecer a importância do senso
comum, refletir sobre ele, para que seja parturiente de um novo saber e um Ser
emancipado, nas palavras de Benincá é preciso fazer: “A ressignificação dos sentidos
presentes na consciência ingênua através do caminho da prática ou da reflexão,
constitui certamente, o processo pedagógico mais importante e mais rico para a
presente análise” (BENINCÁ, 2002, p. 85)

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