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História social da infância e da família

Apresentação
Bem-vindo(a) a esta Unidade de Aprendizagem, na qual abordaremos a história da criança e da
família, o papel da escola e do(a) professor(a) na interação com as famílias e na seleção de canais de
comunicação para um diálogo efetivo.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Identificar as funções do(a) professor(a) de educação infantil em relação às famílias.


• Reconhecer práticas educativas compartilhadas com as famílias.
• Apontar práticas de comunicação e diálogo com as famílias.
Desafio
Nas relações criança/escola/família, é preciso considerar questões psicopedagógicas, psicológicas e
sociológicas envolvidas nesse processo. Sabemos que cada criança tem a sua história e a sua
família, nas quais vivencia situações diárias pautadas em valores e regras. Quando a criança entra
para a escola, ela começa a vivenciar um novo ambiente, no qual ela passa a interagir com um maior
número de pessoas, aprender novos valores, novas regras, bem como perceber divergências de
conduta. Isto é, o pensamento da criança pode levá-la a concluir: “na minha casa não é assim, mas
na escola é”, ou vice-versa. Não podemos nos esquecer que, nesse novo ambiente social, a criança
está “aprendendo a ser”. Para lidar com convergências e divergências de regras e comportamento
estabelecidas pela família e pela escola, ambas devem manter um relacionamento de confiança, ter
uma comunicação eficiente e ser parceiras na condução da gestão da escola, bem como nas
questões pedagógicas.

Agora, vamos ao desafio!

Para resolvê-lo você deverá ler a situação-problema a seguir e responder à seguinte questão: como
professor(a) desses alunos, qual seria sua atitude para aproximar-se da história desses alunos e
definir estratégias de atuação?

Situação-problema: Júlia é professora de educação infantil há 3 anos. Sempre atuou no berçário,


mas este ano assumiu uma turma de pré-escolar, de crianças com 4 anos. Já se passaram 2 meses
de aula e ela encontra, entre outros desafios, problemas em relação à conduta de alguns alunos. A
diretora tem recebido pais para conversar sobre os bilhetes que recebem da professora, por várias
vezes seguidas, e não sabem o que fazer. A diretora disse que, juntamente com a coordenadora
pedagógica e professora, verificaria como poderiam resolver a situação de forma a não
comprometer a socialização, integração e desenvolvimento das crianças.

A seguir, temos duas falas de pais que procuraram a diretora para conversar:

Mãe da criança 1: “Meu filho, em casa, é um anjinho, todos os dias a professora me envia um
bilhete dizendo que ele aprontou e está cada dia mais levado. Ela relata que ele atrapalha os jogos,
conversa muito durante as atividades e corre muito no recreio, correndo risco de se machucar, pois
não ouve ninguém. Não sei o que fazer. Devo procurar um psicólogo para ele?”

Mãe da criança 2: “A professora da minha filha já me chamou 3 vezes na escola, e o ano nem bem
começou. Ela diz que está muito preocupada com minha filha, pois, desde o momento em que entra
no portão da escola, não fala nada ou quase nada, não realiza atividades com outros colegas e
nunca sorri".

Após a conversa com 5 pais, a diretora e coordenadora da escola chamaram a professora para ouvi-
la. As duas deixaram claro para a professora que um primeiro passo seria não rotular e nem
classificar alunos e ter uma postura de receptividade perante alguns comportamentos não
desejáveis, para poder analisá-los como um comportamento de criança que está aprendendo a ser
em um novo ambiente social. A partir daí, estabeleceram-se algumas ações.

Orientações para a resposta: Acreditando que as crianças devam vivenciar, na creche e na pré-
escola, ambientes positivos, interativos e que contribuam para sua formação e desenvolvimento,
responda a esse desafio, descrevendo quais ações a professora pode realizar para:
1. conhecer melhor cada um de seus alunos;
2. estabelecer com os pais uma forma única de conduta;
3. envolver esses alunos em todas as atividades propostas, e quais intervenções ela pode usar no
desenvolvimento destas atividades;
4. definir canais de comunicação com os pais para que ambos apresentem relatórios do
comportamento das crianças após intervenções.
Infográfico
O infográfico mostra a história social da criança e da família:
Conteúdo do livro
Crianças e adultos, mesmo sendo únicos, assumem papéis diferentes, conforme o contexto vivido.
A escola significa, para a criança, a ampliação do contexto social anteriormente vivido. Nessa
ampliação, algumas variáveis devem ser consideradas na perspectiva educadora da escola e da
família, que nem sempre são convergentes. Para isso, é necessário uma relação construtiva e
estável entre escola e família, com um objetivo comum.

Acompanhe um trecho da obra Aprender e ensinar na educação infantil, de Bassedas, Huguet e Solé.
Este livro serve de base teórica para nossa Unidade de Aprendizagem.

Boa leitura.
APRENDER E ENSINAR
NA EDUCAÇÃO INFANTIL
EULÀLIA BASSEDAS
TERESA HUGUET
ISABEL SOLÉ
2 BASSEDAS, HUGUET & SOLÉ

B318a Bassedas, Eulália


Aprender e ensinar na educação infantil [recurso eletrônico] / Eulália
Bassedas, Teresa Huguet, Isabel Solé ; tradução Cristina Maria de Oliveira. –
Dados eletrônicos – Porto Alegre : Artmed, 2007.

Editado também como livro impresso em 1999.


ISBN 978-85-363-1090-9

1. Educação Infantil – Prática Pedagógica. I. Huguet, Teresa. II. Sole,


Isabel. III. Título.

CDU 373.2

Catalogação na publicação: Juliana Lagôas Coelho – CRB 10/1798


282 BASSEDAS, HUGUET & SOLÉ

7.1 INTRODUÇÃO do os motivos mais profundos que a tornam


imprescindível. Da perspectiva psicológica, o
No decorrer deste capítulo, retomaremos e fato de considerar o desenvolvimento das cri-
ampliaremos algumas questões que apareceram anças um processo mediado social e cultural-
em capítulos anteriores e que são referentes à mente – mas que não passa de um processo di-
função da professora em relação às famílias. Co- rigido por dentro e, em boa parte, impermeável
meçaremos com algumas considerações de or- na influência externa – obriga-nos a conside-
dem psicológica, psicopedagógica e sociológica rar a importância dos contextos – principalmen-
que, ao nosso ver, outorgam uma importância te da escola e da família – nos quais esse cresci-
específica à relação família/escola no desenvol- mento pessoal é uma realidade.
vimento das crianças. Vamos abordar, mais adi- Assim, entendemos que, nesses contextos, as
ante, os diferentes âmbitos para os quais essa crianças assumem alguns papéis, estabelecem
relação mostra-se benéfica, sempre destacando algumas interações e participam em padrões de
os matizes que aparecem em função dos dife- condutas cada vez mais complexos, de maneira
rentes contextos e conforme a idade das crian- que incorporam, aos poucos, os elementos pró-
ças. Em terceiro lugar, falaremos dos diversos prios de sua cultura, à medida que encontram
tipos de relações que estabelecemos: de um lado, pessoas que lhes guiam, deixando-as participa-
a comunicação com famílias concretas, diferen- rem e acompanhando-as em direção à autono-
ciando o mais cotidiano e informal do mais pla- mia; dessa forma, o desenvolvimento pessoal
nejado; de outro, a participação das famílias na será um fato inseparável da socialização.
escola, tanto no âmbito mais vinculado à ges- Assim, a perspectiva ecológica (Bronfenbren-
tão como ao de cunho pedagógico. De acordo ner, 1987) destaca que, ainda que seja impor-
com esses aspectos, comentaremos alguns pro- tante a qualidade dos contextos primários ou
blemas freqüentes e tentaremos oferecer algu- microssistemas, também o será a relação entre
mas estratégias gerais que possam evitá-los ou os diversos microssistemas em que as crianças
minimizá-los. participam (o autor refere-se com o nome de
mesossistema) de fato, os contextos são dife-
rentes, mas a criança é a mesma. Assume pa-
7.2 FAMÍLIA E ESCOLA: DOIS péis específicos, interações peculiares e apren-
CONTEXTOS DIFERENTES, UM de, em cada lugar, aspectos da cultura e manei-
OBJETIVO COMUM1 ras de apropriar-se do que “importa”, o que fun-
ciona em um contexto, e tenta utilizá-lo no
Na etapa de educação infantil, é tão comum outro.
que as famílias e as professoras tenham uma Como não poderia ser de outra maneira, a
comunicação freqüente que acabam esquecen- interpretação que vai fazendo do mundo, das
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suas regularidades, das normas que o regem e perder de vista que as divergências e as discre-
do papel que desempenha reflete naquilo que pâncias, em si mesmas, não constituam um
se encontra em ambos os contextos. O que se conflito; o conflito é encontrado, mais adiante,
apresenta tem elementos específicos de cada na maneira como cada um dos contextos posi-
meio e de outros que são comuns, especialmente ciona-se diante de uma perspectiva que não é
nessa etapa. Assim, pode ser que, somente na idêntica à sua e que pode – ou não pode – apro-
escola, a criança tem oportunidade de discutir ximar-se, posicionar-se a favor. Voltaremos a
com um companheiro sobre a posse de um ob- discutir esse tema, mais adiante.
jeto, porém, tanto em casa como na escola, terá Em qualquer caso, a partir da perspectiva
a oportunidade de fazer uma refeição; somente psicológica de favorecer o crescimento harmô-
em casa vê televisão, mas tanto em casa como nico da criança, convém que os educadores di-
na escola é preciso recolher os brinquedos cada rijam seus esforços tanto às características das
vez que acaba um jogo. Como é previsível, e experiências educativas que estão a seu alcance
como já dissemos muitas vezes no decorrer des- no contexto da escola, como às relações que es-
te livro, a entrada na escola supõe uma ampli- tabelecem com o seu contexto primário, que é
ação importantíssima do meio da criança; gra- a família. Todos os dois compartilham muitas
ças a tal ampliação, pode aceder a novas rela- funções educativas que buscam a socialização
ções, a novas emoções e a novos conhecimen- em determinados valores, a promoção das ca-
tos. Porém, também é evidente que, embora haja pacidades cognitivas, motoras, de equilíbrio
essa ampliação, conforme os âmbitos, ocorre- pessoal, de relação interpessoal e de inserção
rão diferenças pouco significativas entre o que social, e compartilham, também, o cuidado e o
acontece em casa e o que acontece na escola; bem-estar físico e psíquico, não perdendo de vis-
novos âmbitos farão surgir pequenas divergên- ta que ambos têm a responsabilidade de apoiar
cias e algumas discrepâncias serão abertas. o que é feito no outro contexto e favorecer o de-
Quando se faz referência à necessidade de senvolvimento da criança.
que exista uma relação construtiva e estável Situando-nos agora em uma perspectiva um
entre a escola e a família, relevamos a convi- pouco diferente, um pouco mais sociológica,
vência, primeiro, do conhecimento mútuo e, convém que assimilemos as mudanças tão im-
segundo, da possibilidade de compartilhar cri- portantes que, em poucas décadas, tanto a es-
térios educativos capazes de eliminar essas dis- trutura familiar como a escola sofreram. Com
crepâncias que podem ser prejudiciais à crian- relação à primeira, a concentração da popula-
ça. Precisa ficar claro que a escola e família são ção nas áreas urbanas e o auge dos valores que
contextos diferentes e que, nesses contextos, as primam pela independência e pelo individua-
crianças encontrarão coisas, pessoas e relações lismo sobre outros, como a solidariedade e os
diversas; nisso consiste em parte a sua riqueza e sentimentos de pertencer a um grupo, tornaram
potencialidade. Também é preciso considerar a família cada vez menor e, ao mesmo tempo,
que as divergências sobre as quais falamos nem mais solitária. Não faz muito tempo – e isso
sempre são da mesma ordem. Há muitas variá- ocorre em determinadas zonas – a família ex-
veis que incidem para que a perspectiva educa- tensa (avós, irmãos, primos, etc.) funcionava
dora de uma família e de uma escola encon- como um suporte dos seus próprios pais na ques-
trem-se mais ou menos próximas: depende do tão do complexo trânsito que a paternidade
grau em que os progenitores puderam procurar comporta. As responsabilidades, de alguma
e selecionar o lugar que lhes pareça mais ade- maneira, encontravam-se um pouco mais divi-
quado às suas idéias e expectativas; depende didas; e, de outra, as crianças tinham modelos
também do grau em que as escolas se abram e diversos e amplas relações que lhes permitiam
mostrem-se como são. Sobretudo, convém não vinculações e aprendizagens muito variadas.
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A isso adicionamos que o próprio conceito las, as quais, além disso, encontram-se com sé-
de família “nuclear” padrão (pai, mãe e filhos) rios competidores na sua tarefa. O impacto das
começa a ser questionado por diferentes áreas. linguagens, mensagens e valores que são trans-
Existem alguns argumentos de que, em uma mitidos às crianças através dos meios de comu-
época na qual proliferaram as famílias mono- nicação – especialmente pela televisão – e dos
parentais, as famílias unidas e reconstituídas, jogos de vídeos não pode ser avaliado de ma-
convém que os nossos modelos ajustem-se às neira sistemática e precisa; porém, tudo leva a
novas realidades, se não quisermos correr o ris- crer que é notável e, às vezes, contraditório com
co de atuar com preconceitos. Schaffer (1994) o que queremos transmitir a partir das instân-
alerta para o fato de que os profissionais (pro- cias educativas “profissionais”.
fessores, assistentes sociais, psicólogos) não es- Pelo que, em geral, a escola e, em particu-
tão imunizados contra esses preconceitos, como lar, a etapa de educação infantil fazem, as mu-
mostra o exemplo que, diante de vídeos de cri- danças não estão menos espetaculares. Nin-
anças de diferentes idades e de situações famili- guém põe em dúvida, hoje, que educar não se
ares diversas, tendem a considerar mais proble- reduz a instruir. A opção para uma formação
máticas e inadaptáveis aquelas que julgam pro- integral que leve em conta todas as capacida-
ceder de famílias não-padronizadas (Fry & des da pessoa é uma opção razoável, mas, ao
Addington, 1984, citado por Schaffer, 1994). Ao mesmo tempo, complexa e difícil. No caso de
mesmo tempo, os próprios trabalhos de Scha- crianças pequenas, a ascensão do caráter edu-
ffer e dos pioneiros de Bronfenbrenner (1987) cativo que se dispensa na escola não quer dizer
coincidem ao destacar a importância das rela- abandonar as atividades que tendem ao bem-
ções interpessoais que se estabelecem na famí- estar físico; tem sido necessário, e ainda o é, re-
lia sobre a sua estrutura, como o fato de que as considerar de todos os ângulos o que se faz na
relações ficam condicionadas pelo apoio e pela escola, visando a favorecer o desenvolvimento
ajuda que os seus membros recebem por parte das crianças, utilizando todas as atividades para
de familiares significativos (p. ex., do cônjuge estimulá-las. Um caminho muito importante,
que vive no lar em caso de divórcio; de avós ou e que temos vivenciado nos últimos anos, está
outros familiares que podem colaborar) e por na chegada dos meninos e das meninas de três
parte de instituições e serviços sociais. anos aos centros da extinta EGB*. Fazer uma
De qualquer forma, essas novas estruturas escola adequada para essas crianças supõe, às
familiares sofrem de estresse, porque um pro- vezes, muitas dores de cabeça e sempre muito
genitor sozinho assume as responsabilidades e esforço que, em geral, já estão recompensados
as tarefas que, em outras situações, podem ser pelas mudanças que, no âmbito institucional,
divididas ou compartilhadas; essa também é foi possível gerar. Enfim, educar a partir da es-
uma conseqüência das dificuldades econômi- cola também apresenta hoje algumas dificul-
cas enfrentadas em muitos casos e, sobretudo, dades específicas, diferentes do que podia exis-
em função dos estereótipos sociais construídos tir há alguns anos.
em torno de famílias diferentes que continuam Todas esses condicionantes de ordem mais
vigentes, apesar dos resultados das pesquisas que social produzem sentimentos de desconcertos,
os questionam e que entorpecem a possibilida- de perplexidade e, muitas vezes, de solidão nos
de de seu desenvolvimento. agentes educadores; a complexidade da tarefa
Ao mesmo tempo, as exigências sociais so- pode facilmente atrapalhá-los e, diante disso, a
bre o que é uma pessoa educada têm aumenta-
do notavelmente em poucos anos. Paralelamen-
te, incrementaram-se as expectativas sobre a *N. de T. EGB sigla antiga, hoje LOGSE, correspondente à

potencialidade educativa da família e das esco- etapa do ensino fundamental.


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tentação de delegar parcial ou totalmente a pró- tivo geral de compartilhar a ação educativa em
pria responsabilidade a outros contextos pode alguns âmbitos mais específicos:
ser muito forte. Pode ser que assim se enten-
dam as queixas dos professores que consideram • Conhecer a criança.
que os pais “pedem tudo para a escola: que as • Estabelecer critérios educativos comuns.
crianças aprendam, que sejam educadas, que • Oferecer modelos de intervenção e rela-
as ensinemos a comer...”; e as que os pais, às ção com as crianças.
vezes, consideram que a escola não se empe- • Ajudar a conhecer a função educativa da
nha o suficiente na educação de seus filhos. escola.
Essa tarefa é tão complexa que há trabalho
para todos. O que convém é não complicá-la, e Essa questão não é exaustiva. Cada assem-
sim torná-la mais simples e gratificante. Em bléia de professores concretiza, no seu PEC, os
uma perspectiva de colaboração mútua, que objetivos que se planeja em relação com a fa-
passa pela confiança e pelo conhecimento, é mília (ver Capítulo 6). É preciso considerar os
possível fazer o que seja necessário: assegurar âmbitos apresentados no sentido genérico que
que os dois contextos de desenvolvimento mais o centro interpretará, ampliará e especificará em
importantes nos primeiros anos de vida de uma função de seu Projeto Educativo do Centro.
pessoa possam compartilhar critérios educati-
vos que facilitem o crescimento harmônico das
crianças. Conhecer a criança
Quando a criança ingressa na escola, por
7.3 COMPARTILHAR A AÇÃO pequena que seja – e quanto maior, ainda mais
EDUCATIVA – já viveu, em sua família, um conjunto de ex-
periências transcendentes a si. Os professores e
Por tudo o que acabamos de dizer, conside- as professoras necessitam saber como é essa cri-
ramos que o contato entre a família e o educa- ança, quais os seus ritmos, que pautas de rela-
dor é uma questão primordial, que convém cui- ção está estabelecendo e com que pessoas, o que
dar e fazer funcionar. De fato, na educação in- lhe agrada e o que não lhe agrada, etc. Freqüen-
fantil, o contato entre os pais, as mães e os pro- temente, essas informações são obtidas medi-
fessores costumam ser mais freqüentes do que ante uma entrevista inicial que serve também
em outras etapas e, por isso, podem estar mais para marcar os primeiros contatos entre a esco-
relacionados com os comentários da jornada ou la e a família.
com determinados acontecimentos que não Ao mesmo tempo, a informação de uma
ocorrem normalmente. entrevista, principalmente quando é a inicial –
Os contatos informais são importantes por condicionada pelo desconhecimento mútuo,
diversas razões: permitem um conhecimento pela necessidade de fazer com que todos tenham
progressivo dos agentes educadores da criança; uma boa expressão – é limitada. Conhecer a
ajudam os pais e as mães a tranqüilizarem-se e criança envolve alguns outros contatos nos
a verem com segurança a estada do seu filho quais possam aprofundar-se algumas impres-
ou de sua filha na escola; a própria criança pode sões iniciais, rechaçar outras e criar-se novas.
ver que as pessoas adultas significativas para ela Um aspecto fundamental que é preciso ir des-
têm coisas a dizer-lhe, etc. cobrindo constitui nas mudanças que os pais
Do nosso ponto de vista, as relações entre a observam no seu filho ou sua filha e que po-
família e o professor devem concretizar o obje- dem ser atribuídas ao fato de ir à escola. É ób-
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vio que esse conhecimento será facilitado, à fazendo uma representação cada vez mais ajus-
medida que se abdique de visões deterministas tada dos interlocutores. Não há dúvidas de que
que levam a “rotular” ou classificar uma cri- tudo isso pode contribuir para ter uma visão
ança ou a sua família; ao contrário, aumentará mais ajustada de si mesmo, para entender me-
na mesma proporção em que se sintam receptivos lhor o que passa em cada contexto e, por fim,
ao que dizem ou fazem e possam aceitar-se. viver com mais tranqüilidade tudo o que faz re-
Por outro lado, em relação aos professores, ferência à educação da criança. O contato entre
aos pais e às mães, eles aprendem a conhecer os pais, as mães e os professores deve servir para
novas dimensões de seu filho; não há dúvidas que possam ver-se como colaboradores que com-
de que a escola representa uma ampliação im- partilham determinados interesses e tarefas. É
portantíssima do meio com o qual a criança muito importante evitar qualquer manifestação
interage: adultos diferentes, outros companhei- ou comportamento que contribui para fazer re-
ros, espaços físicos e objetos distintos, novas presentações mútuas não-desejáveis (rivais, es-
pautas de relação, etc. A informação sobre como pecialistas/não-especialistas, etc.) que criem
está atuando na escola, com os outros adultos e dependências excessivas de uns em relação aos
com os companheiros pode ensiná-los a ver a outros ou que estabeleçam limites muito rígi-
criança de uma maneira diferente – pode ser dos em relação à ação educativa que, em am-
que aquele menino que em casa é um “anji- bos os contextos, dirigem-se à mesma criança.
nho”, na escola seja mais inquieto; talvez a pe-
quena tirana de casa, na escola seja mais soli-
dária – e pode ser que essa representação per- Estabelecer critérios educativos
mita-lhes esperar coisas diferentes, em um sen- comuns
tido menos determinista do que pode habitual-
mente ser. Uma conseqüência interessante do conhe-
Nessa etapa, conhecer a menina ou o meni- cimento compartilhado progressivo que os pais,
no significa querer defini-los ou “rotulá-los”. A as mães e os professores constroem sobre a cri-
criança está começando a ser ela mesma, a di- ança é a possibilidade de estabelecer critérios
ferenciar-se das outras e a construir sua própria educativos comuns. Cada contexto é diferente
identidade; para consegui-lo, é indispensável e, portanto, são diferentes as pautas de relação
que os adultos que a educam e com ela convi- que se estabelecem, os papéis que existem, as
vem não façam representações estáticas sobre atividades nas quais se manifestam e as condu-
sua pessoa, já que sempre acabam transmitin- tas que são esperadas. Porém, com freqüência,
do isso à criança e condicionando-a. Ao contrá- apresenta-se a necessidade de estabelecer deter-
rio, é preciso ter muito cuidado, na escola e em minados acordos que favorecem a transição da
casa, para não cair em definições, nem em clas- criança de um contexto a outro, a coerência do
sificações; convém substituir o verbo ser (“Car- que se pede a ela ou do que se proíbe, o que
los é...”) por um mais flexível, como mostrar- favorece, em uma só palavra, o seu desenvolvi-
se ou estar (“Carlos se mostra...”, “Carlos mento.
está...”). Dessa forma, deixaremos a porta aber- Muitas vezes, a mãe, o pai e a professora atu-
ta às mudanças e à aceitação da criança ser de am de maneira diferente diante de uma mes-
maneira diferente ou nova. ma manifestação da criança; com freqüência,
Trata-se de um conhecimento progressivo e quando isso acontece, sentimo-nos tentados a
mútuo que tem a virtude fornecer indicadores mostrar nossa bondade sobre a atuação da ou-
para os pais, às mães e aos professores não ape- tra pessoa. Agora, por que agimos de maneira
nas conhecerem melhor a criança que vive em diferente? Provavelmente por muitas razões, mas
todos os contextos, como também para irem uma razão que nem sempre é bastante valori-
APRENDER E ENSINAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL 287

zada é porque interpretamos, de maneira dife- estratégias que os pais adotaram e considerar
rente, aquela manifestação ou aquele compor- que a visão da escola é necessariamente mais
tamento. Uma condição prévia para combinar adequada que a da família; a partir dessas pre-
estratégias de intervenção em relação à criança missas pode-se estabelecer uma relação cons-
consiste, precisamente, em entrar em acordo na trutiva.
interpretação que fazemos da conduta que nos Em um clima de respeito e valorização mú-
preocupa. É possível que nos sintamos angusti- tuos, presididos pela segurança da discreção e
ados diante de uma criança que se mostre re- pela confidencialidade, será possível combinar
traída e é possível, também, que sua mãe saiba estratégias, coisas concretas e alcançáveis que
que ela se comporta assim até adquirir confi- consideramos necessárias para adequar ao de-
ança nas outras pessoas (ou seja, para confiar senvolvimento da criança. Como não se trata
em alguém, essa criança precisa de mais tempo de impor nada, mas de negociar e de chegar a
do que o considerado razoável). Atuar – ou não acordos, deveremos explicar-nos e escutar, de-
fazer nada – diante desse fato e de outros seme- veremos saber pedir e saber ceder e deveremos
lhantes exige, antes de tudo, estar de acordo envolver-nos também (adotando as mesmas es-
quanto à sua significação. tratégias tratadas, mantendo contatos freqüen-
Acrescentamos que as condições do contex- tes com a família para conversar-se, observar a
to em casa e na escola são diferentes, o que con- criança, etc.) no processo que contribuímos para
tribui para que a atuação dos adultos, diante pôr em funcionamento.
das manifestações das crianças, possa ser influ- No estabelecimento de critérios educativos
enciada pelo contexto institucional: mais ou comuns, um caso específico é o das famílias de
menos crianças, espaço amplo ou reduzido, crianças com necessidades educativas espe-
número de adultos, etc. É possível que em casa, ciais, provocadas por condições pessoais ou tipo
por exemplo, a mãe ou um avô possam estar social. Naturalmente, não podemos generalizar,
sempre observando a criança, insistindo para pois cada caso é diferente; porém, convém ter
que recolha os brinquedos, enquanto na escola presente que essas famílias estão aprendendo a
esse comportamento regularmente é feito de aceitar que o seu filho ou a sua filha são dife-
uma maneira diferente e possivelmente menos rentes e que tal aprendizagem é bastante difícil,
individualizada. É lógico que a criança, a prin- podendo provocar uma ampla gama de senti-
cípio, responde de modo diferente: que na sua mentos: culpabilidade, agonia, incompetência,
casa seja ordenada e que na escola resista em exigência desmedida aos educadores e às edu-
deixar as coisas arrumadas. cadoras, proteção excessiva do filho e da filha,
Por outro lado, quando nos propomos a es- negociação do problema, etc. Às vezes, os pais e
tabelecer determinadas estratégias ou pautas de as mães têm expectativas pouco positivas a res-
atuação acordadas com a família, não devemos peito da criança e a respeito de sua própria atu-
esquecer nunca de que se trata: trata-se de uma ação como agentes educadores; isso se torna
família que possui as suas pautas de relação, a mais evidente à medida que as necessidades da
sua dinâmica e o seu equilíbrio. Tendo em vista criança são mais graves e permanentes. Outras
o respeito e a valorização da família – e somente vezes, ao contrário, tendem a não ver as dificul-
a partir do respeito e da valorização da escola dades e a atuar de uma maneira pouco ade-
pela família – poderemos desempenhar a difí- quada para ajudá-la, porque, afinal, negam o
cil tarefa de tomar decisões sobre a educação problema.
das crianças. Convém lembrar que não existe Por sua vez, os professores podem sentir-se
família-padrão e que cada uma é diferente, tem também atrapalhados diante de um menino ou
a sua história e a sua forma peculiar de regu- de uma menina diferente, da atuação que é
lar-se. Deve-se evitar dar lições ou desprezar as menos previsível que a dos demais e sobre o qual
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sentem exercer menos influência. Freqüente-


mente experimentamos sentimento de rechaço/
rejeição, em um extremo, ou de envolvimento
excessivo, em outro; seguidamente, o que pre-
domina é o sentimento de incompetência, de
não saber o que fazer. Não há dúvidas de que
tais sentimentos influem tanto na interação com
a criança como na relação com a sua família,
que pode ser menos fluida do que o desejável.
Talvez esses sentimentos não possam ser evita-
dos, mas podem ser atenuados, se for possível
conversarmos, revermos a orientação para ad-
ministrar a situação, trabalharmos de maneira
conjunta com especialistas cuja perspectiva in-
cide na resposta educativa em relação à crian-
ça.
Nesses casos, a intervenção de outros profis-
sionais – psicopedagogos, terapeutas, fonoau-
diólogos, psicólogos, etc. – é um fato necessá-
rio que contribui para dar segurança tanto aos
pais como aos educadores. A colaboração de to-
dos os envolvidos é imprescindível; os pais e,
sobretudo, as crianças pequenas beneficiam-se
do trabalho e do acompanhamento conjunto
que professores e outros profissionais estabele-
cem em relação à criança. Cada um, a seu
modo, precisa conhecer e compartilhar as men-
sagens e os critérios trabalhados com os pais e
as mães, para não correr o risco de confrontar-
se e de contribuir para sua própria insegurança
no momento de agir.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
Dica do professor
Assista, agora, a um vídeo sobre como se pode estabelecer a comunicação entre escola e famílias.

Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.
Exercícios

1) A família e a escola devem considerar algumas importantes ações que são fundamentais no
processo educativo desenvolvido junto às crianças. Dessa forma, podemos considerar:

A) Não há necessidade de conhecer a criança em suas características da faixa-etária, bem como,


em suas experiências e vivências cotidianas. Pois, a criança irá aprender apenas aquilo que o
adulto ensinar.

B) A escola deve reconhecer a família como fundamental no processo de desenvolvimento e


aprendizagem dos alunos. Assim como a família deve respeitar e reconhecer a escola como
um lugar de aprendizagem e desenvolvimento das crianças. Ou seja, família e escola devem
ter o mesmo objetivo a criança/aluno como foco do processo educativo.

C) Escola e família não necessitam combinar suas ações para com as crianças, pois são contextos
diferentes.

D) Escola e família não necessitam combinar suas ações.

E) Os professores devem desenvolver todo o processo de ensino-aprendizagem em sala de aula.


As atividades para casa não devem ser enviadas, pois a família não poderá auxiliar as crianças
em suas aprendizagens, por falta de tempo ou de conhecimento.

2) Não se pode negar que, atualmente, educar não se restringe a instruir. Dada as alternativas a
seguir, selecione aquela que exemplifica CORRETAMENTE essa complexidade.

A) A escola deve abandonar as atividades que tragam o bem-estar físico.

B) A escola deve priorizar cuidar da alimentação e higiene diária das crianças.

C) A professora deve considerar a criança de todos os ângulos, isto é, tudo que ela é e faz na
escola, desenvolvendo atividades para estimulá-la.

D) A escola deve priorizar o trabalho com os conteúdos do currículo.

E) O trabalho com as emoções da criança deve ser delegado aos pais.

3) A participação da família na escola tem fundamental importância no processo de


desenvolvimento e aprendizagem dos alunos. Destaque qual (quais) ação (ões) as escolas
podem promover para chamar as famílias a participar mais da vida escolar de seus filhos:

I – Convidar as famílias a participar de Associações de Pais e/ou Conselhos Escolares.


II – Convidar as famílias a participar “Dia da família na escola”, nos quais são realizadas várias
ações entre elas: oficinas, palestras...
III – Chamar as famílias a estarem presentes nas reuniões, as quais informam o
desenvolvimento e as aprendizagens dos alunos, na escola, compreendendo seus avanços e
suas dificuldades.

A) I e II

B) II

C) II e III

D) III

E) I, II e III

4) Existem várias formas de se conhecer uma criança. Uma delas é a entrevista inicial. Porém,
esta deve ser seguida de outras formas de contato com a família, pois ela é considerada
limitada. Posto isso, pode-se dizer que essa limitação se dá porque:

A) Propicia o conhecimento dos gostos e ritmos da crianças.

B) Permite o conhecimento de mudanças contínuas da criança, observadas pelos pais, pelo fato
de ela ir à escola.

C) Desfavorece o conhecimento aprofundado sobre impressões iniciais e a criação de novas.

D) Favorece a inclusão da criança.

E) Possibilita que pais e mães comecem a conhecer novas dimensões do seu filho.

5) De abordo com (BASSEDAS, 1999, P.286) “Uma consequência interessante do


conhecimento comprartilhado progressivo que os pais, as mães e os professores constroem
sobre a criança é a possibilidade de critérios educativos comuns.” Sendo assim, há
necessidade de se estabelecer determinados acordos entre a família e a escola, que
favoreçam e qualifiquem o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos. Considerando o
exposto destaque os critérios comuns, que devem ser adotados pela família e pela escola
para que os alunos tenham êxito no processo de desenvolvimento da aprendizagem
I – Manter junto aos alunos combinações comuns para o desenvolvimento do hábito da
leitura, reservando na escola e em casa horários para o desenvolvimento dessa prática.
II – Realizar combinações comuns entre a família e a escola, que serão fundamentais para os
cuidados com a higiene e a saúde das crianças, como por exemplo: a lavagem adequada das
mãos antes das refeições e a escovação dos dentes após as refeições.
III – Ter a combinação em comum, na família e na escola, de que após a criança brincar, os
brinquedos devem ser guardados.
Assinale a alternativa correta

A) Somente a alternativa I

B) Todas as alternativas estão corretas

C) Somente a alternativa II

D) Somente a alternativa III

E) As alternativas II e III
Na prática
Veja algumas ações que fortalecem, a cada dia, a interação professora/família/escola.
Saiba +
Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor:

Aprender e Ensinar na Educação Infantil

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Relação família-escola: práticas educativas utilizadas por pais e


professores

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