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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

CÂMPUS GOIÁS
CURSO DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA

ATIVIDADE AVALIATIVA II
TÓPICOS ESPECIAIS DE FILOSOFIA I
A IDEIA DA LIBERDADE EM HEGEL E MARX

CIDADE DE GOIÁS
FEVEREIRO, 2022
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
CÂMPUS GOIÁS
CURSO LICENCIATURA EM FILOSOFIA

ATIVIDADE AVALIATIVA II
TÓPICOS ESPECIAIS DE FILOSOFIA I
A IDEIA DA LIBERDADE EM HEGEL E MARX

Trabalho apresentado por José Octávio Abramo ao


curso de Licenciatura em Filosofia – 6º Período e à
disciplina de Tópicos Especiais de Filosofia I,
ministrada pela Prof.ª Dr.ª Júlia Sebba Ramalho
Morais.

CIDADE DE GOIÁS
ROTEIRO PARA O TRABALHO
Dissertação sobre os trechos estudados dos “Manuscritos Econômico-Filosóficos”,
de Karl Marx, de 1844.

De pé, ó vítimas da fome!


De pé, famélicos da terra!
Da ideia a chama já consome,
a crosta bruta que a soterra.
Cortai o mal bem pelo fundo,
de pé, de pé, não mais senhores.
Se nada somos neste mundo,
sejamos tudo, ó produtores.
Bem unidos façamos,
nesta luta final,
uma terra sem amos,
a Internacional!
(...)

Eugène Pottier/Pierre De Geyter

A perna dói. Dói muito. Mas mesmo assim ele acelera a motocicleta, costurando entre
os carros, ouvindo xingamentos. Está atrasado. Saiu atrasado pois teve que, novamente,
pedir algum dinheiro emprestado para deixar em casa. A mulher entrará no trabalho às
sete da manhã, caixa de supermercado. O casal de filhos, cinco e três anos, ficarão com
a avó materna. Enquanto ziguezagueia no trânsito já intenso da avenida, dá graças a
Deus que conseguiu voltar ao trabalho muito antes do que os médicos indicaram,
mesmo com a dor insuportável na perna. No culto irá agradecer novamente ao pastor,
com certeza as orações foram fundamentais para a sua recuperação. O pastor disse que o
esforço e a dedicação são sempre recompensados por Deus. Se conseguir continuar com
o ritmo de trabalho de, pelo menos, doze horas diárias, terminará de pagar sua moto em
mais dezoito meses apenas. Terá pago quatro motos ao banco, mas depois disso com
certeza as coisas irão melhorar. Recebe um dólar, em média, por entrega, mais algumas
(poucas) gorjetas. Economizando muito sua renda e o salário da esposa, acredita que
conseguirá, em alguns anos, dar entrada em um financiamento de um apartamento
popular. Lembra do rosto do filho mais velho, hoje é seu aniversário e ele não pode
esquecer de comprar aquele revólverzinho de espoleta, que viu numa loja popular no
centro. O tema da festa do menino, que queria da Frozen, imagina!, será do Mito.
Conseguiu convencer o filho, afinal nosso presidente acabou com a ameaça comunista
no país. Deus, pátria e família! A imagem do rosto do filho é a última sinapse que seu
cérebro fará. No segundo seguinte estará esmagado no asfalto, atropelado por um
caminhão que furou o farol vermelho. Em algumas horas, antes mesmo do que sobrou
do seu corpo ser levado pelo IML, a multinacional de entregas por aplicativo já terá
substituído seu número no sistema por outro número. Os algoritmos são muito
competentes, melhores que qualquer pessoa para sistematizar tudo isso.
Nesta pequena ficção (?) não há nomes. Nomes são para pessoas, para seres humanos.
Não para números/produtos/objetos.

Os Manuscritos Econômicos-Filosóficos (1844), obra do jovem Karl Marx (1818-1883),


escrita aos vinte e seis anos do filósofo, já demonstram sua acurada percepção do
sistema capitalista, e a alienação do trabalhador em praticamente todos os aspectos de
sua vida, e que iria culminar na sua magnum opus O Capital, cujo primeiro livro
publicado em 1867, único publicado em vida, seria seguido por mais dois póstumos, O
Processo de Circulação do Capital (1885) e O Processo Global da Produção Capitalista
(1894), publicados por Friedrich Engels a partir de manuscritos e anotações de Marx,
além de um quarto livro, Teorias Sobre a Mais-Valia, publicado em 1905 por Karl
Kautsky, a partir de comentários de Marx a outros autores de economia política.
Nos trechos estudados neste semestre fica claro o entendimento do autor quanto à
alienação do trabalhador pelo sistema capitalista. Segundo A Ideologia Alemã
(Marx/Engels 1846), o que nos caracteriza como seres sociais é justamente a
transformação da natureza pelo trabalho humano, porém o capitalismo, em especial a
partir da Revolução Industrial em meados do século XVIII, irá destituir dos
trabalhadores qualquer autonomia sobre o seu trabalho, seus meios de produção, a sua
produção e mesmo sobre suas vidas. Dessa forma o trabalhador deixa de ser um ser
genérico, no mundo objetivo, no qual o seu trabalho e o produto resultante dele é a
objetivação de sua vida genérica, para se transformar num ser estranho a ele e, seu
trabalho, apenas um meio para sua existência individual (MARX, 2021, p. 85).
Essa alienação (estranhamento) provocada pelo capitalismo é mesmo maior que a do
feudalismo, no qual os vassalos ao menos eram senhores de parte dos meios de
produção. Essa alienação se dá em todos os níveis da produção capitalista. O
trabalhador é alienado dos meios de produção (ferramentas e suas matérias bruta e
prima); do sistema de produção ao não ter a noção total dele; do objeto final (produto)
que fabrica e da sua própria vida e tempo de vida, ao não ter mais a ligação básica entre
a natureza inorgânica e sua objetivação pelo trabalho. Dessa forma, seu trabalho se
caracteriza como externo a ele, negando-se a ele e, assim, causando infelicidade física,
espiritual e material, fazendo com que o trabalhador se perceba enquanto "ser" apenas
fora do trabalho e em "não-ser" quando no trabalho. Assim esse homem apenas é ativo e
livre em suas funções básicas, comuns a todos os animais, de morar, comer, beber e
procriar, transformando-se portanto em um animal. A contrapartida dada pelo
capitalismo é um salário, um sintoma dessa alienação, que servirá apenas como meio de
sobrevivência, mínimo, para que o trabalhador tenha energia suficiente para se manter
trabalhando. E, quanto mais produz, menos tem.

O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto
mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna
uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a
valorização do mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em proporção direta
a desvalorização do mundo dos homens (Menschenwelt). O trabalho não
produz somente mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como
uma mercadoria, e isto na medida em que produz, de fato, mercadorias em
geral. MARX, 2021, p. 80.

Quase dois séculos depois da publicação dos Manuscritos, é impressionante a


capacidade que o capitalismo, em especial nos últimos cinquenta anos, teve de
aprimorar todos esses meios descritos pelo jovem Karl Marx de, mais que alienar, fazer
com que os trabalhadores se sintam burgueses. A uberização do trabalho transforma os
trabalhadores em "empreendedores". A precarização não é percebida, afinal um
empreendedor faz acontecer a sua vida, resolve e conquista tudo de que precisa, sem
patrões! O Estado, que deve ser cada vez menor e com menos participação na economia,
é coisa de comunistas. Tudo doura a pílula de forma soberba. A midia enaltece os
grandes empresários, bilionários que se sacrificam para poder oferecer empregos a
milhares de pessoas. Caso alguns deles cometam fraudes (roubos) bilionárias em
alguma grande empresa, não é problema pois o que não se noticia não existe e o Estado
está aí para socorrer essas empresas. Lucros privados, prejuízos socializados. Não há
maior forma de falta de amor do que um bilionário. Os shoppings, esses maravilhosos
mundos do consumo, sem relógios para não se perceber a passagem do tempo, com
pisos lisos que impedem de se andar rápido, são feitos para se gastar o que não se tem
comprando o que não é preciso. As redes sociais, as maiores ferramentas já criadas pelo
gênio humano para se aprofundar a solidão e o distanciamento entre as pessoas,
conectando instantaneamente milhões delas, mostram todos felizes, realizados, bonitos e
magros, em bares, restaurantes, viagens. Não se pode tomar um cafezinho sem o clique
e a postagem. O 1% mais rico da população mundial, detém 70% de toda a riqueza
global. Marx virou no túmulo agora. A meritocracia é fato. Pegue-se uma exceção,
preferencialmente mulher, preta, pobre, da comunidade, que após, desculpe a expressão,
defecar sangue para poder minimamente se sobressair, será escolhida por algum
instituto bancado por algum bilionário para estudar no exterior e retornar como o
exemplo da regra. Se você não consegue, desculpe, você é um fracassado, preguiçoso.
Assim o capitalismo continua, firme, forte e estúpido. Destruindo o futuro; não da
natureza pois ela não está nem aí para qualquer destruição, cem anos depois que o
último ser humano expirar, tudo estará verde de novo; mas da humanidade. E não se
percebe nada.
Mas sou otimista! Tenho certeza que os golfinhos farão melhor!

REFERÊNCIAS
MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo/SP: Editora Boitempo,
2021.

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