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----- CA P ÍT U LO
Introd u ção:
est u d o do desempenho i n stit u c i o n al
PoR QUE alguns governos democráticos têm bom desempenho e outros não? Essa
pergunta, embora antiga, é oportuna. À medida que nosso século tumultuado se
aproxima do final, vão esfri ando os grandes debates ideológicos entre os de
mocratas liberai s e seus adversários . Ironicamente, a supremacia filosófica da
democracia liberal se faz acompanhar de uma crescente ins atisfação com seus
resu ltados práticos . D e Moscou a · East S aint Louis , da Cidade do Méx ico ao
Cairo , aumenta o desespero com as instituições públicas . Enquanto as institui
ções dem ocráticas norte-americanas ingressam em seu terceiro século de exis
tência, generaliza-se no país a impressão de que nosso projeto nacional de
autonomia está vac ilando . Na outra metade do mundo , os ex-países comunistas
da Eurásia se vêem obrigados a erigir sistemas democráticos de governo a partir
do nada. Em toda parte, homens e mulheres buscam soluções para seus pro
blemas comuns - ar men os poluído, empregos mais estáveis, cidades mais se
guras . Se poucos acreditam que podemos presci ndir do· governo, pouquíss imos
são os que ain da têm certeza de que sabemos realmente o que faz os governos
funcionarem direito .
O obj etivo deste livro é contribuir para nossa compreensão do desempenho
das instituições democráticas. De que modo as instituições formais influenciam a
prática da política e do governo? Mudando-se as instituições, mudam-se também
as práticas? O desempenho de uma instituição depende do contexto social, eco
nômico e cultural? S e transplantarmos as instituições democráticas , elas se de
senvolverão no novo ambiente tal como no antigo? Ou será que a qualidade de
uma democracia depende da qualidade de seu s cidadãos, e portanto cada povo
tem o governo que merece? Nosso objetivo é teórico . Nosso método é empírico
e tira l ições da experiência singular de reforma institucional realizada em regiões
da Itália nos últimos 20 anos. Nossas investigações nos farão mergulhar na na
tureza da vida cívica, na lógica austera da ação coletiva e na história medieval,
mas a jornada tem início na diversidade da Itália contemporânea.
capi tais renascentis tas de B olonha e Florença, contornando o s tristes e soturnos rem os questões básicas atinentes à vida cívica e à colabo ração para o bem co
arredores de Roma e depois Nápoles , e finalmente subindo as desoladas mon mum .
tanhas da B asilicata, isolada no dorso da bota italiana. 1 Para o observador atento , Os l im ites d o s novos governos COtTespondiam e m grande parte aos terr-itórios
porém , essa rápid a viagem é menos impressionante pel a distância percorrida do de regiões históricas da península, como os célebres principados da Toscana e da
que pelos contrastes históricos entre o ponto de partida e o ponto final. Lombard ia. Mas desde a unificação italiana, em 1 870, sua estrutura administra
Há muito que os
Em 1 976, S eveso; pequena cidade moderna si tuada no cinturão misto indus tiv a era muito centraliz ada, nos moldes da França napo leônica.
prefeito s diretame nte subordin ados a
trial e agrícola 1 6 quilômetros ao norte de Milão, tornou-se mundialmente fa func ionários locais eram controla dos por
mosa como local de um grande desastre ecológico , quando um a fábrica de corresp ondente às regiões. Assim, o
Roma. Jamais existira um nível de governo
e Pietrape rtosa, bem como de milhares
produtos químico s expl odiu, vertendo dioxina tóxica sobre casas , loj as, campos fato de os problem as públicos de Seveso
pequena s, passarem a ser resolvidos
e habitantes . Até muitos meses depois, os motoristas passavam pela auto-estrada de outras comuni dades i talianas , grandes e
seus cidadãos uma
que corta Seveso em alta velocidade, com as janelas bem fechadas , olhando em por governo s regionais nunca antes testados represe ntava para
basbacad os as casas cobertas com tapumes e os sinistros vul tos de capuzes bran experiê ncia de considerável import ância prática .
o � e várias d�ssas
A partir de 1 970, pudem os acompa nhar de perto a . evoluça
�
selho region al . Pioneiro legisl ativo em muitas áreas, o governo da Emília passou A experiência regional i taliana foi feita sob medida para um estudo compa
da palavra à ação , e sua eficácia é ates tada por dezenas de creches e parques in rati vo da dinâmica e da ecologia do desenvolvimento institucional . Assim com o
dustriais, teatros e cen tros de formação profissional espalhados pela região . Os 0 botânico pode estudar o desenvolvimento das pl antas medindo o cresc imento
cidadãos que debatem na piazza de B olonha não deixam de criticar o seu go de sementes geneticamente idênticas em terrenos diferentes, também o estudioso
verno regi on al , mas estão muitíssimo mai s satisfei tos do que os apúlios. Por que do desempenho governamental pode examinar a evolução dessas novas organ i
a nova instituição teve bom desempenho na Emili a-Romagna e na Puglia não ? zações, formalmente idênticas, em seus diversos ambientes sociais econômicos,
:
A questão central que se coloca em nossa viagem explora,tória é a seguinte: culturais e po líticos. Será que as nov as organizações se desenvolvenam realmente
Quais são as condições necessárias para criar instituições fortes, responsáveis e de forma idêntica em solos tão diferentes quanto os de S eveso e Pietrapertosa?
eficazes? A experiência regi onal italiana oferece uma oportunidade única para Se não , que elementos seri am responsáveis pelas diferenças? As respostas a essas
responder a essa questão. É uma rara oportunidade para estudarmos sistemati perguntas têm uma importância que transcende as fronteiras da Itália, já q � e es
camente o nascim ento e o desenvolvim en to de um a nova instituição. tudiosos, políticos e cidadãos comuns de todos os p aíses do mundo - m dus
Primeiro , em 1970, criaram-se sim ul taneamente 1 5 novos governos regionais trializado, pós-industrializado e pré-industrializado - estão empenhado � em
com estruturas e mandatos consti tucionais basicamente idênticos. Em 1976177, descobrir com o as instituições representativas podem funcionar de modo eficaz.
após a acirrada luta política que será descri ta no capítulo 2, todas as regiões pas
saram a ter autoridade sobre uma amp la gama de assun tos públicos. Em con
traste parcial com essas 1 5 regiões "ordinárias", outras cinco regiões "especiais" MAP EAM ENTO DA VIAG EM
tinham sido criadas alguns anos antes , com poderes constitucionai s um pouco
mai s amplos. Essas cinco regiões si tuavam-se em áreas limítrofes que foram
ameaçadas por um movimento separatis ta no final da TI Guena Mundial. Em cer A ciência política tem-se ocupado das instituições desde a Antigüidade, mas re
tos aspectos, os governos regio nais especiais se distinguem pel o fato de serem centemente os teóricos passaram a abordar as questões institucionais com vigor
mai s antigos e terem poderes mais amplos. No mais, porém , podem seguramente e cri atividade renovados, em nome do "novo institucional ismo". Para tanto ser
figurar ao lado das 15 regiões ordinárias . De modo geral, neste livro valemo-nos viram-se da teoria do s jogos e da construção de modelos de escolha racional,
de dados referentes a todas as 20 regiões . concebendo as insti tuições como "jogos em forma extensiva" , nos quais o com
No início dos anos 90, os novos governos , mal contando duas décadas de p ortamento dos atores é definido pel as regras do jogo. 3 Teód � os da org � ni� ação
. .
existência, gastavam quase um décimo do produto interno bruto i tali ano . Todos salientaram os papéis e as rotinas, os símbolos e os deveres mstitucwnms. Ins
' tituci onal istas históricos detectaram continuidades no governo e na política e des
os governos regionais ti nham se tornado responsáveis por áreas com o assuntos
urbanos, agricultura, habi tação , hospitais e serviços de saúde, obras públicas , en tacaram a cronologia e as seqüências no desenvo lvimento insti tucional . 5
s ino profissionalizante e desenvolvimento econômico. Embora os regi onal istas Os novos insti tucionalistas divergem entre si com relação a muitos pontos,
continuassem se queixando das limi tações impostas pelas autoridades centrais , to tan to teóricos quanto metodol ógicos. Mas estão de acordo em dois pontos fun
das as novas instituições j á dispunham de autoridade suficiente para serem postas damentais:
à prova. No papel, essas 20 instituições são praticamente i dênticas e dispõem
virtualmente dos mesm os poderes. 1. As instituições moldam a política. As normas e os procedimentos operacionais típicos
Em segundo lugar, porém , os contextos social , eco nômico , político e cultural que compõem as instituições deixam sua marca nos resultados políticos na medida em ,
em que foram implantadas as novas instituições eram radicalmente distintos. S o que estruturam o comportamento político. Os resultados não podem ser mera�nente re
cial e economicamente, certas regiões, como a Basilicata de Pietrapertosa, equi duzidos à interação de jogo de bilhar dos indivíduos nem à interseção das forças so
paravam-se aos países do Terceiro Mundo , ao passo . que outras, como a
ciais gerais. As instituições influenciam os resultados porque moldam a identidade, o
poder e a estratégia dos atores.
Lombardia de S eveso, já estavam se tornando pós-industrializadas . De permeio
com os aspectos ligados ao desenvolvimento, havia as diferen tes tradições po
líticas . As vizi nhas Venécia e Emili a-Romagna, por exemplo, tinham pe1fis eco 2. As instituições são moldadas pela história. Independentemente de outros fatores que
possam influenciar a sua forma, as instituições têm inércia e "robustez". � ortanto
nômicos semel hantes em 1970, mas a Venécia era fervorosamente católica,
corpmificam trajetólias históli cas e momentos decisivos. A história é importanfe por
enquanto a Emil ia-Romagna, a fivela do "Cinturão Vermel ho" da Itália central, .
que segue uma trajetória: o que ocorre antes (mesmo que tenha sido de certo modo
era control ada pelos comunistas desde 1945 . Certas regiões tinham herdado po "acidental") condiciona o que ocorre depois. Os indivíduos podem "escolher" suas
líticas clientel istas que perm aneci am mais ou menos inal teradas desde os tempos instituições, mas não o fazem em circunstâncias que eles mesmos criaram, e suas es
medievai s . Outras haviam sido transformadas pelas grandes ondas de migração e colhas por sua vez influenciam as regras dentro das quais seus sucessores fazem suas
mudanças sociais que varreram a Itália durante il boom dos anos 50 e 60. escolhas.
I NTRO D U Ç Ã O 25
24 CAPÍTULO
,
Nosso estudo da experiência regional italiana visa a contribuir com evidências apen as simbólica ) . A menos que essa política seja "n ada a fazer" ela tem que
.
empíricas desses dois tópicos. Tomando as instituições como variável indepen ser implementada - criar novas creches (ou incentivar a iniciativa privada a
mais freq ü ência.
dente , investigamos empiricamente como a mudança institucional infl uencia a fazê- lo), pôr mais guardas na ronda, hastear bandeira s com
tem que ser ao
identidade, o poder e a estratégia dos atores políticos. Depois , tom ando as ins Para ter um bom desempe nho, uma instituiçã o democrá tiCa
o e efi
tituições como variável dependente, exami namos como o desempenho institu mesmo tempo sensível e eficaz: sensível às demand as de seu eleitorad
demand as .
cional é condici onado pela história. caz na u tilização de recursos limitad os para atender a essas
exemplo , o
E ntre essas duas etapas, porém, incluún os uma terceira, que tem sido negli Esse é um campo cheio de complex idades . Para ser eficaz, por
andas que ain
.
genCiada nos estudos recentes sobre as instituições . O desempenho prático· das governo muitas vezes tem que ser previden te e antecipa r-se a dem
articulad as . Polêmic as e impasse s podem obstruir o processo a
insti tuições, segundo presumimos, é moldado pelo contexto social em que el as da não foram
quando ela é
atu am. qualquer moment o . Os resultado s da ação governa mental, mesmo
propone ntes es
Assim como um indivíduo pode definir e defender seus interesses diferente bem planej ada e implem entada, po dem não ser aqueles que os
afinal a qua
mente em diferentes contextos institucionais, também uma instituição formal po peravam . Contud o, o desempenho instituc ional é importa nte porque
bolsas de estudo,
de atuar diferentemente em diferentes contextos. Conquanto não tenha sido lidade do governo interess a à vida das pessoas : concedem-se
, vacinam -se crianças - ou então (se o governo falhar)
destacado nas teorias recentes, esse ponto é familiar à maiori a dos que estudam pavime ntam-se estradas
nada disso acontec e ?
as instituições e a reforma instituci on al. As Consti tuições no estilo Westminster ender a
que os ingleses deixaram para trás ao desi stir do império tiveram destinos muito Há muito que a ciência social compar ativa empenh a-se em compre
podemo s identi
diferen tes em diferentes partes do mundo . Indo mais além dessa generalização dinâmic a do desemp enho instituci onal. Na literatur a existente,
principa is de explicar esse desemp enho . A primeir a corrente
segund o a qual "o contex to é importante", vamos averiguar que características do ficar três maneira s
o onal. Essa tradição deriva dos estudos
contexto social exercem maior influência no desempenho insti tucional. de pensam ento enfatiza profeta instituci
modo de análise política surgido da efervesc ência cons
Que entendemos por "desempenho instituci onal"? Para certos teóricos, as ins jurídico s formais , um
XIX. 8 O trabalho "Considerações sobre o governo repre
tituições políticas representam basi camente "as regras do jogo", as normas que titucion alista do século
de pensamento
regem a tomada de decisões coletiva, o palco onde os conflitos se manifestam sentativ o", de John Stuart Mill, reflete a crença dessa corrente
al e process ual" .9 O célebre tratado de M ill versa
e (às vezes) se resolvem. 6 (As teorias desse tipo geralmente tomam como mo na "invent ividade estrutur
engenha ri a constitu cional, a investig ação das formas
delo o Co ngresso norte-americano . ) Ter "êxito", para esse tipo de instituição , sig principalmente sobre a 10
das a um governo represe n tativo eficaz. Essa cor
nifica capacitar os atores a res olver suas divergênc ias da maneira mais eficiente instituc ionais mais adequa
ou domina ndo a análise do desemp enho democr á
possível , considerando suas diferentes preferências. Tal concepção das ins tituições rente de pensam ento continu
do século XX. "Em geral admitia -se [nessas análises ]
políticas é pertinente, mas não esgota o papel das instituições na vida pública. tico até a primeir a metade
boa arrumaç ão
As insti tuições são mecan ism os para alcançar propósitos, não apenas para al que o governo represe ntativo viável ( . . . ) dependi a ( . . . ) apenas da
de uma razoáve l dose. de sorte na vida econôm ica e
cançar acordo. Querem os que o governo faça coisas, não apenas decida coi sas de suas partes formais e
e que uma boa estrutur a supriria até mesmo a falta
- educar as crianças , pagar os aposentados , coibir o crim e, gerar empregos, nas questõe s instituc ionais;
11
conter a alta dos preços, incutir valores fam iliais e assim por diante . Não es de sorte. "
ha n o período
tam os todos de acordo sobre qual dessas coisas é mais urgente, nem so bre com o O fracasso das experiê ncias democr áticas na Itália e n a Aleman
Terceira e Quarta Repúbl icas frances as, j unto
elas devem ser fei tas, nem mesmo sobre s e todas valem a pena. Mas todos nós, entre guerras e o imobili smo da
relação às bases sociais e econôm icas da po
exceto os anarquistas , concordamos que as instituições governamentais têm que com a crescen te sensibil idade em
pondera da da manipu lação instituc ionaL O
agir pelo men os al gumas vezes com relação a pel o menos algumas dessas ques lítica, conduziram a um a visão mais
o bom desemp enho. Na época contem porânea , po
tões . Tal fato deve condicionar a noção que venham os a ter de êxito ou fracasso projeto esmera do não garantia
os reformadores
insti tucional . rém, tanto os defenso res do "novo instituc ionalism o" como
novame nte aos determi nantes organiz acionais
Neste estudo, o conceito de desempenho institucional baseia-se num modelo pragmá ticos passaram a dar atenção
es de textos constitu cionais, · consulto res ad
bem simples de governança: demandas s ociais � in teração política � governo do desemp enho insti tucional . Redator
lvi mento dão muita atenção ao proj eto
� opção de política � implemen tação . As in stituições governamentais rece ministrativos e especia listas em desenvo
melhora r o desemp enho. Arturo Israel,
bem subsídios d o meio social e geram reações a esse meio . Pais que trabalham instituc ional em suas recomendações para
Mundo , diz que é mais fácil cons
fora procuram creches acessíveis, comerciantes preocupam-se com furtos em especia lista em desenvo lvim ento do Terceiro
ação para manter essa estrada. Em
sua � loj as , veteranos de gu erra execram a morte do patri otismo . Os parti dos truir uma estrada do que formar uma organiz
. tucional , ele chama a atenção pa
pohttcos e outro s gru pos articulam esses interesses, e as au toridades, quando seu recente trabalho sobre desenvolvimento insti
acional na implementaçã o e re-
muito , del iberam sobre o que fazer. Então , adota-se uma política (que pode ser ra as limitaçõ es de ordem adminis trativa e organiz
26 CAPÍT U LO I NTRO D UÇÃ O 27
comenda melhorias no projeto institucional para aumentar as possibilidades de gwe s italianas nos permitem observar diretamente a complex a relação entre
êxito . 1 2 Elinor Ostrom é uma observadora atenta das instituições interessadas em modernida de e desempen ho institucion al . ·
s uperar o "drama dos bens comuns" - o dilema da ação coletiva que ameaça A terceira c onente de pensamento destaca a importânci a dos fatores sacio
"recursos comuns" como aguadas, pesqueiros etc . Ao comparar várias iniciativas culturais no desempenho das instituições democrática s. Essa tradição também se
nesse sentido , fracassadas ou bem-sucedidas, Ostrom extrai algumas lições s obre arroga uma origem ilustre. Diz Platão, em A República, que os governo s variam
c omo projetar instituições que funcionem direito . 13 de acordo com a disposição de seus cidadãos. Mais recentemen te, os cientistas
Noss a pesquisa só diz respeito indiretamente a essas questões relativas ao s ociais recorreram à cultura política para explicar a diversidad e de si stemas po
projeto institucional. De fato, em nosso estudo , o modelo institucional se man lítico s nacionais . O estudo de Almond e Verba sobre a cultura cívica, um mo
teve c onstante : criaram-se sim ultaneamente governos regionais com estrutura or derno clássico desse gênero, procura explicar as diferenças de governo de
ganizaci onal s im ilar. O que variou em nos sa pesquisa foram fatores ambientais, mocrático nos Estados Unidos, na Grã-Breta nha, na Itália, no México e na
como o contexto econômico e a tradição po lítica. Como tais fatores são mais di Alema nha, exam inando as atitudes e as orientaçõe s políticas agrupadas na rubrica
16
fíceis de serem manipulados por eventuais reformad ores, pelo menos a curto pra de "cultura cívica" . Provavelmente o exemplo mais ilustre da tradição saci o
zo, nossa pesquisa não deve conter fórmulas para o êxito institucional . Por outro cultural da análise política (e que é especi almente pertinente para o nosso es
. 17
lado, o fato de o modelo institucional ser uma constante na experiência regional tudo) c ontinua sendo Da democrac ia na América, de Alexis de Tocquevil le
italiana significa que podemos identificar mai s seguramente a influência de ou Tocquevi lle ressalta a conexão entre o s costumes de u m a sociedade e suas prá
do co
tros fatores no êxito institucional. ticas políticas . As associ ações cívicas, por exemplo, reforçam os "hábitos
ração" que são essenci ais às instituiçõe s democrát icas estáveis e eficazes . Esta e
Não examin amos diretamente os efei tos do projeto institucional no desem
outras proposiç ões do gênero terão papel central em nossa análise.
penho , mas nem por isso deixamos de tratar das conseqüências da mudança ins
titucional. Nossa análise da evolução dos governos regionais em seus dois Quando procurávamos extrair dos detalhes da experiênc ia italiana algumas li
primeiros decênios inclui uma comparação "antes e depois" que nos ajuda a ções de importân cia geral , de muito nos valeram as advertênc ias de um antigo
avaliar o impacto da reforma institucional . Como a in stituição e suas lideranças estudio so do desenvolv imento institucion al local. Em seu consagrad o estudo TVA
foram aprendendo e se adaptando com o passar do tempo - a "biologia de and the grass roots, Philip Selznick observou que "a investigaç ão teótica, quando
.
senvolvimentista" , por assim dizer, do crescimento institucional - é tema que se concentra em determinada estrutura ou evento histórico, é sempre aniscada
tensão constante entre a preocupa ção de apreender e interpreta r
se inclui em nossa pesquisa. Teria a criação dos novos governos regionais acar Isso por causa da
in
retado mudanças na prática da política e do governo na Itália? A mudança ins plen amente como história o material investigad o e a preocupa ção especial de
. 1 8 Mesm o procurand o não violentar as ricas
tituci onal influenciou a maneira pela qual os líderes e os cidadãos colaboram e duzir rel ações abstratas e gerais"
divergem no tocante às políticas públ icas? Como e até que ponto, na prática, as particularidades da experiênc ia ital iana, devemos também fazer justiça às impli
reform as institucionais modificam o comportamento ? Voltaremos a essas ques cações mais amplas que ela venha a ter para a nossa compreen são do governo
tões no capítulo 2. democrático.
A segunda corrente de pensamento no que se refere ao desempenho das ins
tituições dem ocráticas enfatiza os fatores sócio-econômicos. Desde Aristóteles , os
M ÉTODOS DE I NVESTIGAÇÃO
sociólogos políticos afirmam que as perspectivas da verdadeira democracia de
pendem do desenvolvimento social e do bem -estar econômico . Teóricos contem
s
porâneos , como Robert A. Dahl e Sey mour Martin Lipset, também destacaram A verdade, disse Karl Deutsch, se acha na confluênc ia de fluxos de evidência
e,
vários aspectos da modernização (saúde, educação etc .) em suas análises das independ entes . O cientista social prudente, assim como o investido r experient
condições básicas do governo democrático estável e eficaz. 14 Até mesmo para o tem que recorrer à diversific ação para aumentar o potencial de um único
ins
que
observador casual , é mais do que evidente que a verdadeira democracia está es trumento , compensa ndo assim suas deficiênci as. Eis a máxima metodoló gica
treitamente associada à modernidade sócio-econômica, tanto no tempo quanto no segui mos neste estudo. Para entender como funciona uma i nstituição - e tam
espaço. Os c ientistas sociais dedicados ao estudo do desenvolvimento institu bém como diferentes instituiçõe s funcionam diferentem ente -, temos que em-
cional no Terceiro Mundo enfatizaram igualmente os fatores sócio-econômicos. pregar várias técnicas .
Arturo Israel, por exempl o , afirm a que "a melhoria do desempenho institucional Tomamos de empréstim o aos antropólog os e aos jornali stas tarimbado s a téc
de
é parte essencial do processo de modernização. A não ser que se moderni ze, um nica da criteriosa observaçã o de campo e do estudo de caso . Num processo
país não terá um desempenho à altura dos padrões hoje vigentes no mundo de "impregna ção e investigaç ão" , como define Richard Fenno, o pesquisad or tem
senvolvido ". 1 5 Os diferentes níveis de desenvolvimento sócio-econômico das re- que embeber-s e das minúci as de um a instituição - a fim de conhecer seus cos-
28 C A P ÍT U L O I NTRO D U Ç Ã O 29
tumes e suas práticas, seus fortes e seus fracos, tal como fazem os que vivem 0 Quatro baterias de entrevistas pessoais com conselheiros regionais nas seis regiões es
o seu dia-a-di a. Essa imers·ão aguça nossas intuições e fornece muitas pistas para colhidas, entre 1 970 e 1 989. As mais de 700 entrevistas realizadas ao longo de quase
entendermos como a instituição se mantém e se adapta ao seu meio. Freqüen 20 anos forneceram-nos um retrato inédito das instituições regionais do ponto de vista
de seus protagonistas.
temente nosso relato se vale de exemplos e insights colhidos ao longo de duas
décadas de inquirição pel as regiões da Itál ia e de impregnação do ambien te local .
o Três baterias de entrevistas pessoais com líderes comunitários nas seis regiões esco
Os cientistas sociai s nos lembram , porém, que existe uma diferença entre in lhidas , entre 1 976 e 1 989, e uma sondagem nacional por via postal junto a esses lí
tuição e evidênci a. Nossas impressões contrastantes do governo em Bari e em deres em 1 983. Banqueiros e líderes rurais, prefeitos e jornalistas, líderes trabalhistas
B olonha, por mais vívidas que sej am , têm que ser comprovadas, assim com o e representantes da classe empresarial - esses entrevistados conheciam bem seu go
nossas especul ações teóricas têm q u e ser disciplinadas por meio d e rigorosa ve verno regional e deram-nos a perspectiva de quem está de fora e é informado.
rificação . As técnicas quantitativas podem alertar-nos quando nossas impressões,
baseadas em um ou dois casos mais notáveis , são enganosas ou inconsistentes . 0 Seis sondagens nacionais especialmente autorizadas e também várias dezenas de outras
Igualmente importante é a análise estatística, que nos permite comparar simul sondagens junto ao eleitorado entre 1 968 e 1 988. Tais entrevistas permitiram� nos re
taneam ente vários casos diferentes e muitas vezes descobtir configurações mais gistrar as diferenças regionais em termos de visão política e engajamen�o � octa� , bem
.
como conhecer as opiniões dos que se fazem representar pelas novas mstttmçoes .
sutis porém significativas , assim como um qu adro pontilhista de S eurat pode ser
melhor apreciado quando nos distanciamos mais da tela.
A l ógica de nossa investigação exige a comparação simultânea de 1 5 ou 20
F i g u ra 1 . 1
regi ões em múltiplos aspectos, e técnicas como a regressão múltipla e a análise
Est u d o d as r e g i õe s ital i an a s , 1 9 7 0 - 8 9
fatorial simplificam muito essa tarefa . Contudo, procuram os minimizar a intro
missão de métodos estatísticos complicados em nosso relato , geralmente recor
rendo a percentuai s e gráficos . Os resultados aqui apresentados passaram não só
nos testes convenci onais de significânci a estatística, mas também no famoso "tes Regiões
te traumático interocular" de John Tukey. 19 selecionadas
Assim como num romance polici al , para desvendarmos o mistério do desem Outras regiões
penho institucional , temos que investigar o passado - ou melhor, os diversos
passados das várias regiões . Em se tratando de certas épocas, os historiadores da
Itália deixaram rel atos extraordinariamente ricos que são importan tíssimos para
nossa tarefa, de modo que nos valemos amplamente de seu trabalho . Além disso ,
no que se refere aos últimos· I 00 anos, desc obrimos um vasto material estatístico
que nos permitiu quantificar, e assim testar com mai or rigor, algumas de nossas
conclusões mai s surpreendentes. Não somos historiadores de profissão, e nossos
esforços nesse campo são rudimentares, mas, em qualquer análise institucional
que se preze, as ferramentas do histori ador são um complemento indispensável
dos métodos antropológicos e comportamentais .
Em suma, a diversi dade de nossos propósitos exigia métodos que propicias
sem não só abrangência - a capacidade de abordar diferentes problemas e suas
transformações num dad o período -, mas também uma análi se mais profunda
de certos temas, regiões e períodos da reforma. Queríamos reu nir evidências sis
temáticas tanto no tempo quanto no espaço para procedermos a uma análise tan
to longitudinal quanto de corte transversal.
Para fornecer esse tipo de inform ação , realizamos uma série de estudos se
parados que a ptincípio focalizaram seis regiões escolhidas para representar a am
pla diversidade existente na penínsul a ital iana. (A figura 1 . 1 dá uma visão geral
dos lu gares pesqu isados . ) Nossos estudos, detalhados no apêndice A, incluíram :
30 CAP ÍTU LO 1 I NTRO D U Ç Ã O 31
o Exame minucioso de inúmeros indicadores estatísticos do desempenho insti tucional em
todas as 20 regiões, como desctito no capítulo 3 . imbuídos de espírito público, por relações políticas iguali tárias, por uma estrutura
social firmada na confiança e na colaboração. Certas regiões da Itália, como pu
o Expetiência única, realizada em 1 983 e detalhada no capítulo 3, vi sando a testar a soli demos constatar, são favorecidas por padrões e sistemas dinâmicos de engaja
citude do governo em atender a consultas de cidadãos comuns em todas as 20 regiões. mento cívico , ao passo que outras padecem de uma política verticalmente
estruturada, uma vida social caracterizada pela fragmentação e o isolamento, e
o Estudos de caso abordando política institucional e planejamento regional nas seis re uma cultura dom inada pela desconfiança. Tais diferenças na vida cívica são fun
giões escolhidas, entre 1 976 e 1 989, e também uma análise minuci osa da legi sl ação damentais para explicar o êxito das instituições .
produzida em todas as 20 regi ões de 1 970 a 1 984. Tais proj etos não só forneceram A forte relação entre desempenho institucional e comunidade cívica leva-nos
nos matetial para avaliar o exercício diátio da política e do governo nas regiões, mas inevitavelmente a indagar por que certas regiões são mais cívicas do que outras.
também ajudaram-nos a interpretar dados estatísticos mai s anti-sépticos. (Nossas vi sitas Esse é o tema do capítulo 5. Buscando uma respo sta, remo ntamos a um período
regulares a cada uma das seis regiões escolhidas permitiram-nos também vivenciar o importante , quase um milênio atrás, quando se estabeleceram em diferentes par
devastador terremoto que atingi u o sul da Itália em 1 980, bem como suas conseqüên tes da Itáli a dois regimes contrastantes e inovadores - uma poderosa monarquia
cias.) Em suma, passamos a conhecer bem essas regiões e seus protagonistas.
no Sul e um notável conj unto de repúblicas comunais no Centro e no Norte.
Desde esses primeiros tempos medievais até a unificação ital iana no século XIX,
pudemos encontrar diferenças regionais sistemáticas nos modelos de engajamento
S I N OPSE DO LIVRO cívico e solidariedade social . Tais tradições tiveram conseqüências decisivas para
a qual idade de vida, tanto pública quanto privada, hoje existente nas regiões ita
Nos anos 70, um tumultu ad o período de reform a rompeu com a secular tradição lianas.
italiana de governo centralizado , delegando aos novos governos regionais poderes Por último , o capítulo 6 averigua por que os modelos e sistemas de enga
e recursos sem precedente. No capítulo 2, investigamos com o disseminou-se o jamento cívico influenciam tanto as perspectivas de um governo eficaz e res
processo de reforma e quai s as suas conseqüências para a prática da política e ponsável, e por que as tradições cívicas se mantêm estáveis por tanto tempo. A
do governo no nível local . Como se efetuou a reforma, considerando a inércia abordagem teórica aqui desenvolvida, fundamentada na lógica da ação coletiva e
das velhas instituições? Será que a nova instituição alterou realmente a natureza no concei to de "capital social", visa não apenas a explicar o caso italiano, mas
da liderança política e o modo pel o qual os políticos exercem seu ofício ? Terá também a conj ugar perspectivas históricas e de escolha racional de modo a que
ela modificado a distribuição da influência e do poder políticos? Será que acar possamos compreender melhor o desempenho institucional e a vida pública em
retou mudanças perceptívei s para os eleitores dos novos governos, e, nesse caso, muitos outros casos. Nossas conclusões refletem o poder da mudança institucio
qual a impressão deles a esse respeito? Que indícios existem da influência que nal para remodelar a vida política e as poderosas restrições que a históri a e o
a mudança institucional supostamente exerce no comportamento político ? contexto social impõem ao êxito institucional. Este livro não se pretende um ma
O principal obj etivo deste estudo é examinar as origens do governo eficaz. nual prático para reformadores democráticos , mas certamente formula os grandes
Para fundamentar a pesquisa, o capítulo 3 apresenta uma análise comparativa e desafios com que todos nos defrontamos.
abrangente dos processos e decisões referentes à adoção de políticas em cada
uma das 20 regiões. Enqu anto o capítulo 2 ex amina as mudanças ao longo do
tempo, o capítulo 3 (e seguintes) faz comparações no âmbito espacial. Quão es
táveis e eficientes são os governos das várias regiões? Quão inovad oras s ão as
suas leis? Quão eficaz é a implementação de suas políticas em áreas como s aú
de , habitaç ão , agricultura e desenvolvimento industrial ? Acaso eles satisfazem
pronta e efetivamente às expectativas de seus cidadãos? Em s uma, que institui
ções tiveram bom desempenho e que instituições não tiveram?
O capítulo 4, que de certo modo constitui o cerne de nosso estudo, procura
explicar essas diferenças de desem penho instituci onal. Nele examinamos a co
nexão entre modernidade econômica e desempenho institucional . E, o que é mais
importante, examinam os a relação entre desempenho e natureza da vida cívica -
o que chamam os de "comunidade cívica". Como foi observado na interpretação
clássica da democraci a americana feita por Tocquevi lle e em outros estudos so
bre a virtude cívica, a comunidade cívica se caracteriza por cidadãos atuantes e