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Ensaios de Sociologia

Material Teórico
A vida em redes: A Sociologia de Manuel Castells

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. João Elias Nery

Revisão Textual:
Prof. Ms. Fatima Furlan
A vida em redes: a sociologia de
Manuel Castells

• Introdução

• Da Sociedade em Redes aos Movimentos


Sociais em Rede

• Manuel Castells: vida e obra

··Nesta unidade estudaremos a vida e a obra do sociólogo


MANUEL CASTELLS, que tem extensa publicação em torno
das questões que dão origem à SOCIEDADE E REDES.
··Você encontrará informações acerca dos temas abordados
pelo sociólogo, aspectos das metodologias utilizadas e sua
relação com o mundo das ideias no Brasil, incluindo os livros
aqui editados.

MANUEL CASTELLS, desenvolveu sua obra na Espanha, na França e, por mais de duas
décadas, nos EUA.
Castells desenvolveu o conceito de SOCIEDADE EM REDES, por meio do qual procura
expressar como a formação das redes virtuais de comunicação e informação alteraram
as relações na sociedade das últimas décadas dos anos 1990, levando à SOCIEDADE
INFORMACIONAL, que tem as TICs – tecnologias da informação e da comunicação – como
elemento central do processo de constituição. A partir dessa interpretação o autor analisa
como os diferentes segmentos se apropriaram das redes virtuais e quais estratégias utilizaram,
dentre estes, o setor financeiro, que impulsionou a financeirização do sistema em nível global
e, muitas vezes se contrapondo a ele, os movimentos sociais, analisados por Castells como
movimentos sociais em rede.
As ideias de Castells têm grande repercussão e atualidade, navegando na sociedade em
redes como parte da cultura sociológica do século 21, dialogando com diversos segmentos -
do capital financeiro aos movimentos sociais em rede -, sendo que esses últimos fazem parte
das análises mais recentes do autor, o que inclui o Brasil e movimentos sociais, como os que
ocorreram em junho de 2013, aos quais o autor dedica especial atenção, como o faz com
aqueles conhecidos como Primavera Árabe.

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Unidade: A vida em redes: A Sociologia de Manuel Castells

Contextualização

Nesta unidade, analisamos a obra do sociólogo MANUEL CASTELLS. A apresentação inclui


os principais conceitos desenvolvidos, as obras publicadas e a repercussão de seu trabalho,
tanto no âmbito propriamente acadêmico no campo da sociologia, quanto no que se refere a
movimentos sociais do século 21.
O trabalho de Castells tem como principal foco o que ele definiu como sociedade em redes,
a partir do qual elabora um amplo painel das relações sociais, culturais e do mundo do trabalho
que ocorre a partir das últimas décadas do século 20.
A obra de Castells é referência para a compreensão das mudanças que ocorreram com
a introdução das TICs – tecnologias da informação e da comunicação como integrante dos
processos produtivos e da globalização.
O autor produziu parte de sua obra na Europa, particularmente na Espanha, seu país de
origem, e na França, país no qual realizou seus primeiros estudos sociológicos. Posteriormente,
atuou por mais de duas décadas, em universidades dos EUA, acompanhando com interesse as
novas tecnologias que se desenvolviam naquele país.
A Sociologia de Castells caracteriza as relações sociais do mundo contemporâneo, no qual a
virtualidade real se faz presente e a vida se desenvolve, em grande parte, nos espaços virtuais
nos quais construímos nossas identidades.

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Introdução

Em 1895, a exibição do que é considerado o primeiro filme cinematográfico colocou os


presentes diante de uma novidade que impressionou as pessoas. Em um tempo em que as
novidades já se faziam presentes nas relações sociais, de trabalho e no cotidiano, mesmo os
cosmopolitas parisienses ficaram impactados pelas imagens em movimento que os irmãos
Lumière apresentavam pela primeira vez.
Muitos consideram que as inovações caracterizam a modernidade. Fotografia, eletricidade,
cinema, telégrafo, rádio, tevê estão entre as invenções modernas que representaram grandes
inovações para a vida em sociedade e, por essa razão, são estudadas por cientistas sociais e
por pesquisadores de outros campos do saber interessados em compreender o comportamento
humano nos diferentes contextos.
De certa forma, esses inventos introduziram a ideia mais ou menos generalizada de que
vivemos em tempos modernos, caracterizados, entre outros aspectos, pela incorporação
frequente de novos bens e serviços de diversas áreas, responsáveis por oferecer conforto e
praticidade à vida urbana que se expandia.
Desde o século 19, fotografia, telégrafo, cinema, rádio tevê, imprensa participam do cotidiano
e o modificam. Rádio, e depois tevê, na sala mudam as rotinas das famílias, introduzindo
sutilmente ritmos, gostos e horários para o consumo de notícias e entretenimento. Há muito
tempo, a segmentação separa homens e mulheres, crianças e adultos, jovens e velhos, no
consumo de produtos culturais organizados com valor de troca.
Coube a esses modernos meios de comunicação disseminar o espírito moderno, seus bens e
serviços, sua ideologia e, como parte desta última, a aceitação das novidades e do novo como
superiores ao tradicional e antigo e, ao fazer isso, passam a estabelecer juízos de valores acerca
das pessoas, classificadas de acordo com o consumo de bens e serviços, tendo como parâmetro
de sucesso e felicidade o acesso a estes.
Ao longo do século 20, a aceitação ao novo se expande e insere as novidades como parte
da paisagem. A moda reflete esse espírito, oferecendo sempre a última tendência. Depois do
segmento de vestuário e acessórios, praticamente tudo vira moda com a introdução da ideia
de obsolescência estilística, responsável por tornar produtos descartáveis antes de seu pleno
consumo. Algo que sai de moda deve ser descartado, mesmo que ainda tenha vida útil.
Acompanhando a expansão do capitalismo, grandes conglomerados surgiram no campo das
comunicações, ampliando o papel da comunicação e da informação em todas as áreas da vida.
A atividade é relevante sob diversos pontos de vista, sejam eles tecnológicos, estéticos, políticos
ou econômicos, em um mundo que valoriza a ciência e a tecnologia, base para a existência dos
meios de comunicação de massa que dominaram o cenário comunicacional do século 20.
No primeiro estágio, cada meio de comunicação buscou desenvolver tecnologias e linguagens
próprias, segmentando sua atuação de acordo com interesses definidos por Estados, empresas e
sociedade. Posteriormente, estabelecidos os meios, seus objetivos e públicos, houve um processo
de convergência entre tecnologias de comunicação e informação, plenamente realizada com
o desenvolvimento das redes virtuais na internet. Imagem, som, textos de diferentes meios e

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Unidade: A vida em redes: A Sociologia de Manuel Castells

linguagens passaram a fazer parte do hipertexto e o uso deste para o entretenimento, como
antes, mas, sobretudo, para dar suporte a novos padrões de produção pós-fordistas que têm a
comunicação e a informação como elemento constitutivo e não mais como apoio.
A produção de bens e serviços para o mercado global que emerge nos anos 1970 e continua
em expansão até as primeiras décadas do século 21 revela que o atual estágio do sistema
capitalista tem a comunicação como elemento central de seus processos, seja na construção
da ideologia, seja na produção de bens e serviços, e ainda, nas relações sociais e políticas. O
slogan de uma empresa de serviços que diz “conectados vivemos melhor” expressa o contexto
sociopolítico, mas também econômico e comunicacional desses tempos de vida em redes.
Do isolamento no qual as maiorias viveram à conexão em tempo real da qual participa
número cada vez maior de pessoas, a comunicação consolidou a sociedade em rede na qual a
informação realmente é poder, no sentido de a termos como algo essencial para nossas decisões,
seja no plano individual, coletivo, público e privado.
Desde os anos 1970, há aceleração no processo de mudanças. Elas articulam-se com objetivos
de empresas fabricantes e usuárias dos produtos e serviços das Tecnologias da Informação e
da Comunição (TICs) e com a sociedade de consumo na qual vivemos. A comunicação de
massa que caracterizou praticamente todo o século 20 passa a conviver com as TICs, que
possibilitam novas formas de acesso e relação dialógica. Na sociedade em redes, as emissoras
de tevê deixam de ser o centro a partir do qual o emissor dirige-se à audiência, substituída pelas
redes de comunicação descentralizadas.
Se no final do século 19 nos impressionamos com a imagem em movimento do cinema, no
final do século 20 assistimos sem qualquer espanto a disseminação de tecnologias e de produtos
e serviços gerados por elas. No Brasil, por exemplo, a telefonia celular foi universalizada em
poucos anos, coisa que o sistema anterior de telefonia fixa não tinha conseguido realizar. A
partir dos anos 1990, o telefone celular foi inserido na vida da maioria e incorporado à cultura e
aos modelos de comunicação existentes. Essa tecnologia e os serviços gerados por ela alteraram
profundamente os hábitos e as relações por toda parte, sem, no entanto, qualquer ruptura ou
estranhamento. A novidade foi naturalizada, incorporada à vida.
Para os nascidos a partir dos anos 1980 pode parecer que sempre foi assim, porém um
olhar menos preso ao presente revela o quanto transformamos a realidade na qual vivemos.
Para constatar isso basta voltarmos algumas décadas e examinar o Brasil da ditadura de 1964
a 1985. Nesse período, a televisão foi universalizada e o automóvel ganhou status de produto
desejado, o que ocorreu, também, com bens duráveis e serviços característicos do Brasil grande
que se forjava.
Isso tudo foi feito apenas com a circulação de produtos fabricados no país, pois havia grandes
restrições à importação, o que só foi modificado inteiramente nos anos 1990, com a abertura do
país ao comércio internacional.
Esses movimentos interessam a pesquisadores de diversas áreas e o termo globalização foi
criado para designar o conjunto de mudanças pelas quais passamos a partir dos anos 1970,
tendo as TICs como parte do processo. No campo sociológico, a ideia de globalização tem
diversas interpretações. Manuel Castlles, sociólogo que tem sua obra apresentada a seguir,
define globalização como Sociedade em redes, resultado desse amplo movimento do capitalismo
global a partir das últimas décadas do século 20. Vamos à obra de Castells.

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Da Sociedade em Redes aos Movimentos Sociais em Rede

Redes constituem a nova morfologia de nossas sociedades e a difusão da lógica


de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos
produtivos e de experiência, poder e cultura. Embora a forma de organização
social em redes tenha existido em outros tempos e espaços, o novo paradigma da
tecnologia da informação fornece a base material para sua expansão penetrante
em toda a estrutura social. (CASTELLS; 1999 p.497).

Nos anos 1960, o canadense Marshal Mcluhan desenvolveu a ideia de que vivíamos em uma
aldeia global, conectados pelas mídias de massa, sobretudo pela televisão. Criticada por alguns,
defendida por muitos, a tese da conexão global acompanhou as discussões acerca do papel das
comunicações na sociedade, principalmente no que se refere às culturas e às ideologias.
Os desdobramentos desse mundo conectado não tardaram a interferir também em outros
campos, ampliando a importância das comunicações na economia, na política e nos processos
produtivos. Para explicar o conjunto de mudanças que houve a partir dos anos 1970, o termo
globalização foi criado e rapidamente incorporado ao discurso da mídia, das instituições
acadêmicas, políticas e econômicas. A participação das TICs no processo de globalização é
tão importante que, para o autor que analisamos neste texto, teria havido uma mudança de
paradigma no sistema dominante, o capitalismo. Para Castells, (1999: 87), a nova economia:
É informacional porque a produtividade e a competitividade de unidades
ou agentes nessa economia (sejam empresas, regiões ou nações) dependem
basicamente de sua capacidade de gerar, processar e aplicar de forma eficiente a
informação baseada em conhecimentos. É global porque as principais atividades
produtivas, o consumo e a circulação, assim como seus componentes (capital,
trabalho, matéria prima, administração, informação, tecnologia e mercados)
estão organizados em escala global, diretamente ou mediante uma rede de
conexões entre agentes econômicos.

Tais mudanças ocorreram a partir, principalmente, do desenvolvimento da rede das redes, a


internet, que, tecnologicamente, é uma realidade dos anos 1960 e, social, política econômica e
culturalmente, faz parte do contexto mundial desde os anos 1990. Ao possibilitar a conexão em
tempo real, sem um centro responsável pelas mensagens que nela circulam, a internet viabilizou
um conjunto de mudanças que vão das relações entre Estado e cidadãos até os processos de
produção e de circulação de mercadorias e serviços, realizados, como afirma Castells, em um
ambiente informacional, integrando as TICs aos demais processos.
Na análise de Castells, o processo de progressiva expansão do capitalismo na segunda metade
do século 20 teve dois vetores: as TICs e o fim dos regimes socialistas liderados pela URSS –
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Os países que compunham o bloco socialista não
conseguiram manter o isolamento de seus cidadãos e, à medida que a aldeia global avançava,
mais difícil ficava evitar que a população tivesse acesso à mídia do mundo capitalista. Com
as redes virtuais, isso ficou ainda mais complexo e vemos ainda nessas primeiras décadas do
século 21 a tentativa de manter o controle sobre a circulação das informações em países que
têm ideologias diferentes da hegemônica, tarefa sempre dificultada pela própria natureza das
redes virtuais, sem um centro, sem um emissor que as possa controlar.

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Unidade: A vida em redes: A Sociologia de Manuel Castells

O que resulta dessa convergência entre TICs e os diversos sistemas da vida em sociedade é
uma economia global fundamentada em novos valores e estratégias para os agentes – estados
nacionais, conglomerados financeiros e do setor produtivo. Ao analisar esses aspectos Castells
(1999, p. 123) considera que:
A economia global resultante da produção e concorrência com base informacional
caracteriza-se por sua interdependência, assimetria, regionalização, crescente
diversificação dentro de cada região, inclusão seletiva, segmentação excludente e,
em consequência de todos esses fatores, por uma geometria extraordinariamente
variável que tende a desintegrar a geografia econômica e histórica.

Na descrição do autor, trata-se de um novo paradigma para a sociedade, que vê seus


modelos anteriores serem substituídos um a um, levando os agentes a posicionarem-se frente
à nova economia e às novas formas de organização da sociedade, que, como aponta Castells,
segue criando exclusão e provocando desigualdades entre países e regiões, demonstrando a
permanência de características da sociedade industrial que funcionara sob o modelo fordista.
No capitalismo informacional, como no modelo anterior,
as empresas estarão motivadas não pela produtividade, e sim pela lucratividade,
para a qual a produtividade e a tecnologia podem ser meios importantes
mas, com certeza, não os únicos. E as instituições políticas, moldadas por um
conjunto maior de valores e interesses, estarão voltadas, na esfera econômica,
para a maximização da competitividade de suas economias. A lucratividade e a
competitividade são os verdadeiros determinantes da inovação tecnológica e do
crescimento da produtividade. (CASTELLS; 1999, p. 100)

Dessa forma, como observa Castells, a inserção das TICs e demais tecnologias nos processos
não é um fim em si mesmo, mas um meio para obter maior lucratividade. O que move empresas
e nações é a competividade e a capacidade de obter lucratividades cada vez maiores, sem
qualquer relação com o bem estar das populações ou compromisso com a erradicação de
problemas ambientais ou sociais.
Uma decorrência das mudanças introduzidas pelo capitalismo informacional é relativa ao
mundo do trabalho. No sistema anterior, havia maior regulamentação das atividades e da relação
do trabalhador com os proprietários dos meios de produção. Com a ascensão do neoliberalismo
e a participação das TICs, a palavra de ordem nesse campo é flexibilização. Como um dogma,
em todas as áreas da sociedade e em praticamente todas as regiões do mundo, o discurso da
flexibilização substitui o modelo do industrialismo, pautado mais na permanência do trabalhador,
nas plantas fixas da produção em massa. Para Castells (1999 p.285),
Por fim, a flexibilidade dos processos e dos mercados de trabalho, induzida
pela empresa em rede e propiciada pelas tecnologias da informação,
afeta profundamente as relações de produção herdadas do industrialismo,
introduzindo um novo modelo de trabalho flexível e um novo tipo de trabalhador:
o trabalhador de jornada flexível.

O autor identifica (CASTELLS; 1999, p. 160) quatro situações para os trabalhadores nessa
economia informacional, claramente distribuídos em função de sua capacidade de acesso e
manipulação das TICs. Daí, portanto, a escala considerar como de “alto valor” os trabalhadores

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que atuam com o trabalho informacional, até aqueles que desenvolvem atividades que podem
ser substituídos por máquinas, desvalorizados frente aos demais. Entre eles, duas outras
categorias ocupariam posições intermediárias, em função do volume de trabalho que são
capazes de produzir e da ação voltada para a obtenção de matéria-prima retirada da natureza e
transformada em commodities.
Questão crucial na construção do autor é o papel do Estado na sociedade informacional. No
contexto global, esse convive com grandes conglomerados financeiros e produtivos, que detêm
enorme poder sobre os estados nacionais, porém, para Castells (1999, p. 77), “foi o Estado,
e não o empreendedor de inovações em garagens, que iniciou a Revolução da Tecnologia da
Informação nos Estados Unidos como em todo mundo”. E isto ocorre com a participação do
Estado na liderança dos processos de inovação tecnológica em função de sua capacidade de
articular diferentes setores da sociedade, de sua possibilidade de intervenção nos processos
educacionais e de canalização de investimentos voltados à inovação.
Dessa forma, o conhecimento, a inovação e as novas tecnologias são produzidos coletivamente,
com investimentos públicos e privados, porém esse último apropria-se dos resultados,
transformando em produtos aquilo que um dia foi pesquisa, isso em todos os campos, do
farmacêutico ao militar, do alimentício ao automobilístico ou aeroespacial.
Para o autor, um setor, particularmente, foi beneficiado pela sociedade informacional: o
financeiro, que rapidamente apropriou-se das tecnologias da informação como elemento
essencial de gerenciamento de processos em âmbito global, passando a mobilizar seus
recursos utilizando as redes informacionais para realizar negócios na arena financeira global.
O capitalismo financeiro é uma realidade que conta com a infraestrutura das TICs para sua
existência. Atualmente, os mercados financeiros representados por algumas bolsas de valores
mobilizam recursos gigantescos e têm o poder de alterar as relações sociais de qualquer país.
Apesar dessa apropriação desigual Castells (1999, p. 51) destaca que:
[...] a difusão da tecnologia amplifica seu poder de forma infinita, à medida
que os usuários apropriam-se dela e a redefinem. [...] não são simplesmente
ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos. Usuários
e criadores podem tornar-se a mesma coisa. Dessa forma, os usuários podem
assumir o controle da tecnologia [...]. Segue uma relação muito próxima entre os
processos sociais de criação e manipulação de símbolos (a cultura da sociedade)
e a capacidade de produzir e distribuir bens e serviços (as forças produtivas).
Pela primeira vez na história, a mente humana é uma força direta de produção,
não apenas um elemento decisivo no sistema produtivo.

Nessa citação, temos alguns dos elementos centrais da principal definição de Castells e que
torna clássico seu trabalho sociológico: a sociedade em redes, na qual conhecimento e informação
circulam em novos parâmetros, havendo, ainda, por parte do status quo do industrialismo,
anterior a essa sociedade que se forma a partir dos anos 1970, a tentativa de manter o controle
sobre os processos e sobre a cultura, o que se torna progressivamente mais difícil.
A tecnologia permite a livre circulação da informação e da cultura, porém o sistema existente
busca formas de bloquear acessos e criar espaços de acesso pago, como ocorre com as indústrias
do audiovisual, cujos produtos estão disponíveis na rede, porém há ações buscando criminalizar
aqueles que disponibilizam tais produtos sem o pagamento a seus produtores.

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Unidade: A vida em redes: A Sociologia de Manuel Castells

Em sua análise acerca da cultura na sociedade em redes, Castells destaca a capacidade


desse novo sistema de produção cultural multimídia, que, de acordo com o autor (CASTELLS;
1999 p.394),
...talvez a característica mais importante da Multimídia seja que ela capta em
seu domínio a maioria das expressões culturais em toda a sua diversidade.
Seu advento é equivalente ao fim da separação e até da distinção entre mídia
audiovisual e mídia impressa, cultura popular e cultura erudita, entretenimento
e informação, educação e persuasão. Todas as expressões culturais, da pior a
melhor, da mais elitista a mais popular, vêm juntas nesse universo digital que liga
em um supertexto histórico gigantesco, as manifestações passadas, presentes e
futuras da mente comunicativa. Com isso, elas constroem um novo ambiente
simbólico. Fazem da virtualidade nossa realidade.

Por outro lado, o autor identifica o papel central das empresas nesse processo de passagem do
industrialismo para a sociedade em redes, entendendo que essas também se transformaram para
atuar nos novos contextos como empresas em rede, que, para Castells (1999, p. 191), participam
ativamente da nova sociedade informacional, pois, “Em outras palavras, mediante a interação
entre a crise organizacional e a transformação e as novas tecnologias da informação, surgiu uma
nova forma organizacional como característica da economia informacional/global: a empresa em
rede”.
É essa sociedade que emerge em meio à consolidação do neoliberalismo como modelo
hegemônico para as sociedades ocidentais e os valores da sociedade informacional vão se
confundir com os do neoliberalismo, porém, em diversas circunstâncias, as redes confrontaram
tais valores, fazendo surgir movimentos sociais em rede, tendência observada por Castells e
analisada no livro Redes de indignação e esperança, no qual interpreta os movimentos sociais
que têm as redes sociais como espaço para discussão e organização, mas que não se restringem
às redes, atuando efetivamente sobre questões contemporâneas, seja o enfrentamento à política
no que ficou conhecido como Primavera Árabe, um conjunto de ações que levaram à deposição
de presidentes e a profundas alterações em diversos países do norte da África e do Oriente Médio,
ou o movimento Occupy Wall Street; seja em movimentos contestatórios locais ou nacionais,
como os que ocorreram em junho de 2013 no Brasil, cujas mobilizações tiveram como pauta
inicial a luta contra o aumento da tarifa de transportes públicos e acabaram atraindo segmentos
da juventude insatisfeitos com questões políticas mais amplas.
Tais movimentos, na análise de Castells, têm aspectos positivos e não há certezas para o que
ocorrerá com eles. O autor descreve o que considera serem os aspectos mais relevantes desses
movimentos. Para ele (GIRON, 2013),
Eles dão certo por uma razão: porque são movimentos autônomos, constroem
um espaço de autonomia fora dos condicionamentos dos partidos políticos, do
Estado, das empresas – e constroem suas redes próprias sem líderes. É quanto
atuam a cultura e a tecnologia em uma sociedade. O fenômeno mais importante
na sociedade atual é a autonomia, a capacidade de a pessoa decidir a sua
própria vida, para todo mundo. O que mais nos importa é decidir nossa vida –
com nossas limitações. A internet é uma tecnologia velha – foi criada em 1969 -,
mas o mais importante é que ela é também um produto cultural. Foi organizada
a partir de valores como liberdade e autonomia. Portanto, o tipo de tecnologia
em rede e o tipo de padrão cultural baseado na autonomia coincidem. Hoje

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qualquer mensagem que se quer livre e autônoma não passa por um partido
ou por um jornal. Se há uma mensagem que se conecta com outras mentes
conectadas na rede, então essa aceitação dá início a um movimento. Os atores
são coletivos, sem burocracia, sem hierarquia, sem líderes.

O sociólogo avalia que é incerto afirmar como tais movimentos atuarão, porém considera
positivo haver mobilização para crítica a questões públicas a partir da sociedade em redes, na
defesa de valores como liberdade e autonomia e recusa a valores do industrialismo.
Será que as mobilizações, como as analisadas por Castells nos EUA, as relativas à Primavera
Árabe ou as que ocorreram no Brasil em 2013 serão capazes de alterar a estrutura do sistema?
A essa questão o autor responde: as mudanças não vão ocorrer a partir das velhas instituições
políticas e por isso os movimentos sociais terão papel relevante na recusa àqueles que não
representam mais o pensamento das maiorias.

Manuel Castells: vida e obra


Apresentamos a seguir algumas informações relevantes relativas à vida e à obra de
Manuel Castells:
··Nasceu em 1942, em Hellín, Espanha, estudou na Universidade de Barcelona e na
Universidade de Paris.
··Formação: Sociologia.
··Instituições nas quais atuou: Universidade Aberta da Catalunha, Universidade da
Califórnia, Universidade de Paris, Universidade Autônoma de Madrid, Universidade de
Oxford, IMT, Santa Clara University, Institute for Advanced Study Stellenbosch, na África
do Sul, Universidade de Cambridge, entre outras.
··Obra: é autor de 26 livros, incluindo a trilogia “A Era da Informação: Economia, Sociedade
e Cultura”, 1996-2003, publicado pela Blackwell e traduzido em 23 línguas. Ele também
é coautora e editor de mais 25 livros. No Brasil, foram publicados Redes de indignação e
de esperança e A galáxia da Internet (Zahar); Cidade, democracia e socialismo, O poder
da identidade, o fim do milênio, A sociedade em rede e A questão urbana (Paz e Terra).
··Temas de pesquisa e ideias relevantes: sociedade em redes, movimentos sociais em
rede, capitalismo informacional, consumo coletivo, cultura da virtualidade real.
··Atualidade: é um dos nomes mais importantes da sociologia e dos mais citados,
principalmente para a análise da influência das novas tecnologias da informação e da
comunicação na formação da sociedade em rede, conceito formulado por ele para
designar as grandes mudanças pelas quais passa a humanidade a partir da última década
do século 20.
··Polêmicas e curiosidades: recebeu 15 doutoramentos honoris causa de universidade de
diversas partes do mundo. É membro da Real Academia Espanhola de Economia e Finanças,
membro da Academia Europeia, e membro correspondente da Academia Britânica.

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Material Complementar

Nesta unidade estudamos a obra do sociólogo MANUEL CASTELLS. No material desenvolvido


para a unidade apresentamos as ideias e obras desse autor e evidenciamos as relações entre seu
trabalho de pesquisa acadêmica no campo da sociologia, que tem no conceito SOCIEDADE
EM REDES sua formulação para caracterizar a sociedade informacional na qual vivemos a
partir dos anos 1990 e a ideia de MOVIMENTOS SOCIAIS EM REDE, desenvolvida a partir
da observação da utilização das redes virtuais pelos movimentos que têm ocorrido em diversas
partes do mundo no século 21, inclusive no Brasil.
As pesquisas de Castells abordam temas como sociedade em redes, movimentos sociais em
rede, capitalismo informacional, consumo coletivo, cultura da virtualidade real, em trabalhos
realizados ao longo de três décadas na Europa e nos EUA.
Atualmente, a obra de MANUEL CASTELLS está disponível em livros e em trabalhos
acadêmicos sobre ele ou que utilizam seus conceitos como referência.

Explore

Além do que disponibilizamos no material didático, você pode obter informações sobre a
obra de MANUEL CASTELLS no site da Universidade Aberta da Catalunya (http://www.
manuelcastells.info/en/obra_index.htm) e em livros ou artigos disponíveis na internet.

Explore
Dos livros existentes, sugerimos “Movimentos de indignação e esperança”, no qual o autor
analisa a sociedade em redes e o uso destas pelos movimentos sociais.

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Disponível na internet, sugerimos a participação de Castells no programa Fronteiras


do Pensamento, gravado na cidade de Porto Alegre em 2013, disponível em: http://www.
fronteirasdopensamento.com.br/videos/player/?13,384

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Referências

CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede, v.1, São Paulo: Paz e Terra, 1999.

CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e de esperança. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

GIRON, L. A. “Manuel Castells: ‘A mudanças está na cabeça das pessoas’”. IN: Revista Época,
11-10-2013. Disponível em http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2013/10/bmanuel-castellsb-
mudanca-esta-na-cabeca-das-pessoas.html

Site da Universidade Aberta da Catalunya com obras de Castells: http://www.manuelcastells.


info/en/obra_index.htm

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Anotações

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