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A vida em redes: A Sociologia de Manuel Castells
Revisão Textual:
Prof. Ms. Fatima Furlan
A vida em redes: a sociologia de
Manuel Castells
• Introdução
MANUEL CASTELLS, desenvolveu sua obra na Espanha, na França e, por mais de duas
décadas, nos EUA.
Castells desenvolveu o conceito de SOCIEDADE EM REDES, por meio do qual procura
expressar como a formação das redes virtuais de comunicação e informação alteraram
as relações na sociedade das últimas décadas dos anos 1990, levando à SOCIEDADE
INFORMACIONAL, que tem as TICs – tecnologias da informação e da comunicação – como
elemento central do processo de constituição. A partir dessa interpretação o autor analisa
como os diferentes segmentos se apropriaram das redes virtuais e quais estratégias utilizaram,
dentre estes, o setor financeiro, que impulsionou a financeirização do sistema em nível global
e, muitas vezes se contrapondo a ele, os movimentos sociais, analisados por Castells como
movimentos sociais em rede.
As ideias de Castells têm grande repercussão e atualidade, navegando na sociedade em
redes como parte da cultura sociológica do século 21, dialogando com diversos segmentos -
do capital financeiro aos movimentos sociais em rede -, sendo que esses últimos fazem parte
das análises mais recentes do autor, o que inclui o Brasil e movimentos sociais, como os que
ocorreram em junho de 2013, aos quais o autor dedica especial atenção, como o faz com
aqueles conhecidos como Primavera Árabe.
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Unidade: A vida em redes: A Sociologia de Manuel Castells
Contextualização
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Introdução
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Unidade: A vida em redes: A Sociologia de Manuel Castells
linguagens passaram a fazer parte do hipertexto e o uso deste para o entretenimento, como
antes, mas, sobretudo, para dar suporte a novos padrões de produção pós-fordistas que têm a
comunicação e a informação como elemento constitutivo e não mais como apoio.
A produção de bens e serviços para o mercado global que emerge nos anos 1970 e continua
em expansão até as primeiras décadas do século 21 revela que o atual estágio do sistema
capitalista tem a comunicação como elemento central de seus processos, seja na construção
da ideologia, seja na produção de bens e serviços, e ainda, nas relações sociais e políticas. O
slogan de uma empresa de serviços que diz “conectados vivemos melhor” expressa o contexto
sociopolítico, mas também econômico e comunicacional desses tempos de vida em redes.
Do isolamento no qual as maiorias viveram à conexão em tempo real da qual participa
número cada vez maior de pessoas, a comunicação consolidou a sociedade em rede na qual a
informação realmente é poder, no sentido de a termos como algo essencial para nossas decisões,
seja no plano individual, coletivo, público e privado.
Desde os anos 1970, há aceleração no processo de mudanças. Elas articulam-se com objetivos
de empresas fabricantes e usuárias dos produtos e serviços das Tecnologias da Informação e
da Comunição (TICs) e com a sociedade de consumo na qual vivemos. A comunicação de
massa que caracterizou praticamente todo o século 20 passa a conviver com as TICs, que
possibilitam novas formas de acesso e relação dialógica. Na sociedade em redes, as emissoras
de tevê deixam de ser o centro a partir do qual o emissor dirige-se à audiência, substituída pelas
redes de comunicação descentralizadas.
Se no final do século 19 nos impressionamos com a imagem em movimento do cinema, no
final do século 20 assistimos sem qualquer espanto a disseminação de tecnologias e de produtos
e serviços gerados por elas. No Brasil, por exemplo, a telefonia celular foi universalizada em
poucos anos, coisa que o sistema anterior de telefonia fixa não tinha conseguido realizar. A
partir dos anos 1990, o telefone celular foi inserido na vida da maioria e incorporado à cultura e
aos modelos de comunicação existentes. Essa tecnologia e os serviços gerados por ela alteraram
profundamente os hábitos e as relações por toda parte, sem, no entanto, qualquer ruptura ou
estranhamento. A novidade foi naturalizada, incorporada à vida.
Para os nascidos a partir dos anos 1980 pode parecer que sempre foi assim, porém um
olhar menos preso ao presente revela o quanto transformamos a realidade na qual vivemos.
Para constatar isso basta voltarmos algumas décadas e examinar o Brasil da ditadura de 1964
a 1985. Nesse período, a televisão foi universalizada e o automóvel ganhou status de produto
desejado, o que ocorreu, também, com bens duráveis e serviços característicos do Brasil grande
que se forjava.
Isso tudo foi feito apenas com a circulação de produtos fabricados no país, pois havia grandes
restrições à importação, o que só foi modificado inteiramente nos anos 1990, com a abertura do
país ao comércio internacional.
Esses movimentos interessam a pesquisadores de diversas áreas e o termo globalização foi
criado para designar o conjunto de mudanças pelas quais passamos a partir dos anos 1970,
tendo as TICs como parte do processo. No campo sociológico, a ideia de globalização tem
diversas interpretações. Manuel Castlles, sociólogo que tem sua obra apresentada a seguir,
define globalização como Sociedade em redes, resultado desse amplo movimento do capitalismo
global a partir das últimas décadas do século 20. Vamos à obra de Castells.
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Da Sociedade em Redes aos Movimentos Sociais em Rede
Nos anos 1960, o canadense Marshal Mcluhan desenvolveu a ideia de que vivíamos em uma
aldeia global, conectados pelas mídias de massa, sobretudo pela televisão. Criticada por alguns,
defendida por muitos, a tese da conexão global acompanhou as discussões acerca do papel das
comunicações na sociedade, principalmente no que se refere às culturas e às ideologias.
Os desdobramentos desse mundo conectado não tardaram a interferir também em outros
campos, ampliando a importância das comunicações na economia, na política e nos processos
produtivos. Para explicar o conjunto de mudanças que houve a partir dos anos 1970, o termo
globalização foi criado e rapidamente incorporado ao discurso da mídia, das instituições
acadêmicas, políticas e econômicas. A participação das TICs no processo de globalização é
tão importante que, para o autor que analisamos neste texto, teria havido uma mudança de
paradigma no sistema dominante, o capitalismo. Para Castells, (1999: 87), a nova economia:
É informacional porque a produtividade e a competitividade de unidades
ou agentes nessa economia (sejam empresas, regiões ou nações) dependem
basicamente de sua capacidade de gerar, processar e aplicar de forma eficiente a
informação baseada em conhecimentos. É global porque as principais atividades
produtivas, o consumo e a circulação, assim como seus componentes (capital,
trabalho, matéria prima, administração, informação, tecnologia e mercados)
estão organizados em escala global, diretamente ou mediante uma rede de
conexões entre agentes econômicos.
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Unidade: A vida em redes: A Sociologia de Manuel Castells
O que resulta dessa convergência entre TICs e os diversos sistemas da vida em sociedade é
uma economia global fundamentada em novos valores e estratégias para os agentes – estados
nacionais, conglomerados financeiros e do setor produtivo. Ao analisar esses aspectos Castells
(1999, p. 123) considera que:
A economia global resultante da produção e concorrência com base informacional
caracteriza-se por sua interdependência, assimetria, regionalização, crescente
diversificação dentro de cada região, inclusão seletiva, segmentação excludente e,
em consequência de todos esses fatores, por uma geometria extraordinariamente
variável que tende a desintegrar a geografia econômica e histórica.
Dessa forma, como observa Castells, a inserção das TICs e demais tecnologias nos processos
não é um fim em si mesmo, mas um meio para obter maior lucratividade. O que move empresas
e nações é a competividade e a capacidade de obter lucratividades cada vez maiores, sem
qualquer relação com o bem estar das populações ou compromisso com a erradicação de
problemas ambientais ou sociais.
Uma decorrência das mudanças introduzidas pelo capitalismo informacional é relativa ao
mundo do trabalho. No sistema anterior, havia maior regulamentação das atividades e da relação
do trabalhador com os proprietários dos meios de produção. Com a ascensão do neoliberalismo
e a participação das TICs, a palavra de ordem nesse campo é flexibilização. Como um dogma,
em todas as áreas da sociedade e em praticamente todas as regiões do mundo, o discurso da
flexibilização substitui o modelo do industrialismo, pautado mais na permanência do trabalhador,
nas plantas fixas da produção em massa. Para Castells (1999 p.285),
Por fim, a flexibilidade dos processos e dos mercados de trabalho, induzida
pela empresa em rede e propiciada pelas tecnologias da informação,
afeta profundamente as relações de produção herdadas do industrialismo,
introduzindo um novo modelo de trabalho flexível e um novo tipo de trabalhador:
o trabalhador de jornada flexível.
O autor identifica (CASTELLS; 1999, p. 160) quatro situações para os trabalhadores nessa
economia informacional, claramente distribuídos em função de sua capacidade de acesso e
manipulação das TICs. Daí, portanto, a escala considerar como de “alto valor” os trabalhadores
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que atuam com o trabalho informacional, até aqueles que desenvolvem atividades que podem
ser substituídos por máquinas, desvalorizados frente aos demais. Entre eles, duas outras
categorias ocupariam posições intermediárias, em função do volume de trabalho que são
capazes de produzir e da ação voltada para a obtenção de matéria-prima retirada da natureza e
transformada em commodities.
Questão crucial na construção do autor é o papel do Estado na sociedade informacional. No
contexto global, esse convive com grandes conglomerados financeiros e produtivos, que detêm
enorme poder sobre os estados nacionais, porém, para Castells (1999, p. 77), “foi o Estado,
e não o empreendedor de inovações em garagens, que iniciou a Revolução da Tecnologia da
Informação nos Estados Unidos como em todo mundo”. E isto ocorre com a participação do
Estado na liderança dos processos de inovação tecnológica em função de sua capacidade de
articular diferentes setores da sociedade, de sua possibilidade de intervenção nos processos
educacionais e de canalização de investimentos voltados à inovação.
Dessa forma, o conhecimento, a inovação e as novas tecnologias são produzidos coletivamente,
com investimentos públicos e privados, porém esse último apropria-se dos resultados,
transformando em produtos aquilo que um dia foi pesquisa, isso em todos os campos, do
farmacêutico ao militar, do alimentício ao automobilístico ou aeroespacial.
Para o autor, um setor, particularmente, foi beneficiado pela sociedade informacional: o
financeiro, que rapidamente apropriou-se das tecnologias da informação como elemento
essencial de gerenciamento de processos em âmbito global, passando a mobilizar seus
recursos utilizando as redes informacionais para realizar negócios na arena financeira global.
O capitalismo financeiro é uma realidade que conta com a infraestrutura das TICs para sua
existência. Atualmente, os mercados financeiros representados por algumas bolsas de valores
mobilizam recursos gigantescos e têm o poder de alterar as relações sociais de qualquer país.
Apesar dessa apropriação desigual Castells (1999, p. 51) destaca que:
[...] a difusão da tecnologia amplifica seu poder de forma infinita, à medida
que os usuários apropriam-se dela e a redefinem. [...] não são simplesmente
ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos. Usuários
e criadores podem tornar-se a mesma coisa. Dessa forma, os usuários podem
assumir o controle da tecnologia [...]. Segue uma relação muito próxima entre os
processos sociais de criação e manipulação de símbolos (a cultura da sociedade)
e a capacidade de produzir e distribuir bens e serviços (as forças produtivas).
Pela primeira vez na história, a mente humana é uma força direta de produção,
não apenas um elemento decisivo no sistema produtivo.
Nessa citação, temos alguns dos elementos centrais da principal definição de Castells e que
torna clássico seu trabalho sociológico: a sociedade em redes, na qual conhecimento e informação
circulam em novos parâmetros, havendo, ainda, por parte do status quo do industrialismo,
anterior a essa sociedade que se forma a partir dos anos 1970, a tentativa de manter o controle
sobre os processos e sobre a cultura, o que se torna progressivamente mais difícil.
A tecnologia permite a livre circulação da informação e da cultura, porém o sistema existente
busca formas de bloquear acessos e criar espaços de acesso pago, como ocorre com as indústrias
do audiovisual, cujos produtos estão disponíveis na rede, porém há ações buscando criminalizar
aqueles que disponibilizam tais produtos sem o pagamento a seus produtores.
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Por outro lado, o autor identifica o papel central das empresas nesse processo de passagem do
industrialismo para a sociedade em redes, entendendo que essas também se transformaram para
atuar nos novos contextos como empresas em rede, que, para Castells (1999, p. 191), participam
ativamente da nova sociedade informacional, pois, “Em outras palavras, mediante a interação
entre a crise organizacional e a transformação e as novas tecnologias da informação, surgiu uma
nova forma organizacional como característica da economia informacional/global: a empresa em
rede”.
É essa sociedade que emerge em meio à consolidação do neoliberalismo como modelo
hegemônico para as sociedades ocidentais e os valores da sociedade informacional vão se
confundir com os do neoliberalismo, porém, em diversas circunstâncias, as redes confrontaram
tais valores, fazendo surgir movimentos sociais em rede, tendência observada por Castells e
analisada no livro Redes de indignação e esperança, no qual interpreta os movimentos sociais
que têm as redes sociais como espaço para discussão e organização, mas que não se restringem
às redes, atuando efetivamente sobre questões contemporâneas, seja o enfrentamento à política
no que ficou conhecido como Primavera Árabe, um conjunto de ações que levaram à deposição
de presidentes e a profundas alterações em diversos países do norte da África e do Oriente Médio,
ou o movimento Occupy Wall Street; seja em movimentos contestatórios locais ou nacionais,
como os que ocorreram em junho de 2013 no Brasil, cujas mobilizações tiveram como pauta
inicial a luta contra o aumento da tarifa de transportes públicos e acabaram atraindo segmentos
da juventude insatisfeitos com questões políticas mais amplas.
Tais movimentos, na análise de Castells, têm aspectos positivos e não há certezas para o que
ocorrerá com eles. O autor descreve o que considera serem os aspectos mais relevantes desses
movimentos. Para ele (GIRON, 2013),
Eles dão certo por uma razão: porque são movimentos autônomos, constroem
um espaço de autonomia fora dos condicionamentos dos partidos políticos, do
Estado, das empresas – e constroem suas redes próprias sem líderes. É quanto
atuam a cultura e a tecnologia em uma sociedade. O fenômeno mais importante
na sociedade atual é a autonomia, a capacidade de a pessoa decidir a sua
própria vida, para todo mundo. O que mais nos importa é decidir nossa vida –
com nossas limitações. A internet é uma tecnologia velha – foi criada em 1969 -,
mas o mais importante é que ela é também um produto cultural. Foi organizada
a partir de valores como liberdade e autonomia. Portanto, o tipo de tecnologia
em rede e o tipo de padrão cultural baseado na autonomia coincidem. Hoje
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qualquer mensagem que se quer livre e autônoma não passa por um partido
ou por um jornal. Se há uma mensagem que se conecta com outras mentes
conectadas na rede, então essa aceitação dá início a um movimento. Os atores
são coletivos, sem burocracia, sem hierarquia, sem líderes.
O sociólogo avalia que é incerto afirmar como tais movimentos atuarão, porém considera
positivo haver mobilização para crítica a questões públicas a partir da sociedade em redes, na
defesa de valores como liberdade e autonomia e recusa a valores do industrialismo.
Será que as mobilizações, como as analisadas por Castells nos EUA, as relativas à Primavera
Árabe ou as que ocorreram no Brasil em 2013 serão capazes de alterar a estrutura do sistema?
A essa questão o autor responde: as mudanças não vão ocorrer a partir das velhas instituições
políticas e por isso os movimentos sociais terão papel relevante na recusa àqueles que não
representam mais o pensamento das maiorias.
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Unidade: A vida em redes: A Sociologia de Manuel Castells
Material Complementar
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Além do que disponibilizamos no material didático, você pode obter informações sobre a
obra de MANUEL CASTELLS no site da Universidade Aberta da Catalunya (http://www.
manuelcastells.info/en/obra_index.htm) e em livros ou artigos disponíveis na internet.
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Dos livros existentes, sugerimos “Movimentos de indignação e esperança”, no qual o autor
analisa a sociedade em redes e o uso destas pelos movimentos sociais.
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Referências
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede, v.1, São Paulo: Paz e Terra, 1999.
GIRON, L. A. “Manuel Castells: ‘A mudanças está na cabeça das pessoas’”. IN: Revista Época,
11-10-2013. Disponível em http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2013/10/bmanuel-castellsb-
mudanca-esta-na-cabeca-das-pessoas.html
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Anotações
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